Ela me dizia que, ao entrar em um supermercado, colocaram discretamente uma funcionária ao seu lado quando perceberam que era brasileira, para ver se “roubava alguma coisa”.
Disse-me, com um sentimento de indignação: “Sabe a vergonha que sentimos por nos considerarem ladrões só por sermos brasileiros?”
De fato, existe o perigo de que o mundo pense que todos os brasileiros são corruptos como boa parte de seus políticos. E os corruptos se interessam em consolidar a ideia de que a corrupção está no DNA dessa sociedade.
Ninguém nega que também haja, como em todas as partes do mundo, cidadãos comuns que cometem pequenas corrupções. Nada, no entanto, é comparável com o que está surgindo nos porões escuros da corrupção política.
Seria uma ofensa e um desrespeito a esses cidadãos honrados que passam a vida trabalhando, ou que sofrem com o ferrão do desemprego e nem por isso se corrompem.
E que hoje são as vítimas econômicas da grande corrupção político-empresarial.
O perigo de que a imagem do Brasil acabe deturpada pelas notícias que chegam ao exterior sobre os escândalos de corrupção política, considerada uma das maiores do mundo, é real e injusto.
Esse baile de milhões de reais subtraídos do Estado; a quantidade de figuras públicas denunciadas, julgadas, presas e condenadas: deputados, senadores, ministros e ex-ministros, prefeitos e vereadores, e junto com eles os maiores empresários do país, vai criando um caleidoscópio que acaba oferecendo uma figura deformada do que é de como vive a sociedade como um todo.
É injusto, porque o Brasil real, o que trabalha e se endivida, o que não rouba e se conforma com o que ganha, representa 98% dos mais de 200 milhões de habitantes.
Basta um dado fornecido pela ONG Transparência Brasil para constatar o abismo ético que existe entre as pessoas comuns e os políticos: 59% dos deputados (303 em 513) têm algum problema na Justiça e até já tiveram condenações em primeira instância. Por outro lado, só 2% da sociedade tem algum processo judicial pendente, segundo o presidente da OAB Subseção de Santos, Rodrigo Julião.
Entre os ex-ministros dos governos progressistas de Lula e Dilma, 18 são investigados. E nos poucos meses de vida do atual governo de Temer, seis ministros já saíram.
Mais de 40 políticos com foro privilegiado esperam ser julgados pelo Supremo, alguns com até 12 processos em curso, sem contar os que poderão ser envolvidos no escândalo da Odebrecht, apelidado de “Delação do Fim do Mundo”. Calcula-se que mais de 100 políticos sejam acusados de corrupção.
Nos últimos 24 anos, dois presidentes da República, quatro presidentes da Câmara e três presidentes do Senado renunciaram ou tiveram de deixar seus cargos.
É uma lúgubre caravana de políticos importantes envolvidos em corrupção, que a sociedade observa incrédula e enfurecida. Essa sociedade que, sobretudo nas grandes cidades, utiliza todos os dias o transporte público para realizar seu trabalho, tantas vezes alienante, e para quem o aumento de alguns centavos na passagem do ônibus ou do metrô é motivo de angústia.
É o que dizia uma mulher trabalhadora, já idosa, que caminhava no Rio mancando e com o olhar triste e perdido.
Queixava-se a um repórter que a entrevistava que, para ela, “dois reais significavam muito dinheiro e dor”.
Ao contrário de tantos dos seus políticos que nadam no luxo com o dinheiro roubado do erário público, os brasileiros buscam seus momentos de felicidade no que de melhor e mais simples lhes oferece a vida, sabendo contentar-se com o fruto do seu trabalho.
O antigo ditado “pobre, mas honrado” não é algo fora de moda no Brasil. Continua sendo verdade para a massa de milhões de trabalhadores anônimos que tentam transmiti-lo aos seus filhos.
São eles que têm mais direito de se escandalizar com a corrupção de seus políticos e de exigir que prestem contas.
Podemos criticá-los quando aplaudem, ao ver os políticos, pela primeira vez neste país, entrando na prisão, cabisbaixos ou arrogantes?
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