terça-feira, 5 de novembro de 2019

Gastam pagando salário de ministro



Os ricos capitalizam os seus recursos. Os pobres gastam tudo
Paulo Guedes, ministro da Economia, neoliberal de raiz, que costumava referir-se ao Chile como uma Suíça tropical

Ganância

Agora que novembro está correndo, já é possível fazer uma análise prévia de 2019. Esotéricos e espiritualistas em geral tinham razão em suas profecias catastróficas. No Brasil o que não faltou foi desastre na natureza. Pior do que vivemos neste ano só mesmo o fim do mundo do Apocalipse de São João.

Em algumas situações, como no caso do rompimento de uma barragem da mineradora Vale, em Brumadinho, Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), eu cheguei a pensar que o anjo do sexto livro havia tocado a trombeta.O mar de lama avançando como um tsunami, que a televisão mostrou, parecia praga bíblica.

Era uma corrente muito rápida e violenta de barro viscoso que se espalhava invadindo campos e cidades, engolindo gente, bicho, cobrindo árvores, fazendo casas desaparecer do mapa, culturas, sentimentos, dignidade. Por onde aquilo passava, tudo era destruído.

Assim como ficamos marcados por aquelas cenas, outra imagem trágica ficou retida em nossa lembrança: a das labaredas de fogo consumindo a maior floresta tropical do mundo. Era o mês de agosto.


As chamas torravam os ecossistemas e parte da floresta amazônica foi devastada pelas queimadas. O Governo Federal, que despreza a pauta ambiental, só veio se interessar pelo problema por causa das pressões internacionais.

É pouco? Em meio a tudo isso, o governo foi permitindo o uso de agrotóxicos nos alimentos. Em onze meses de mandato, já liberou 382 substâncias venenosas. O Brasil, hoje, ostenta o título de maior consumidor de pesticidas do mundo em números absolutos.

Em bom português, há uma liberação de substâncias venenosas que vão parar nas nossas mesas. Os compostos químicos, que são capazes de mexer em nosso organismo e causar danos irreversíveis, acompanham os produtos agrícolas adquiridos em feiras e supermercados. Pior do que morrer de uma vez é intoxicar-se aos poucos?

Quem ainda tinha esperança de dias melhores, não esperava que manchas de óleo chegariam pelo mar, contaminando o litoral nordestino. A população arregaçou as mangas e recolheu toneladas do resíduo, colocando literalmente as mãos no piche. Centenas de pescadores ficaram sem o ganha-pão.

Talvez as previsões não tenham ocorrido ao pé da letra, mas isso é uma questão de interpretação. Os esotéricos alertavam que os planetas estão em alinhamento, criando um ambiente de transformações na Terra, e que era necessário se precaver.

Os presságios foram reforçados com a divulgação de que havia também previsões de Chico Xavier. O grande médium brasileiro, que não fazia profecias, se notabilizou pela facilidade de comunicação com o mundo espiritual. Mas ele teria afirmado que a humanidade está cumprindo em 2019 o final de um período de provação que durou 50 anos.

Estaríamos, portanto, vivendo uma data limite. E isso poderia resultar em eventos de destruição. Se as previsões procedem ou não, é uma questão de crença, e fé não se discute. Uma coisa é certa: o pecado da ganância regeu as tragédias de 2019. Em cada ocorrência, está claro que tem dinheiro envolvido.

O importante agora é a consciência de que precisamos cuidar deste mundo porque ele ainda não acabou. Tem a ver com o respeito à natureza e ao meio ambiente, assim como às pessoas e a todas as formas de vida que nele habitam.

As lições que as tragédias (qualquer tragédia) deixam em seu rastro é que para vivermos em harmonia e empatia precisamos de gente boa e do bem, de energias positivas e de sentimentos milagrosos como tolerância, misericórdia e amor. E isso não depende de fé ou de credo religioso.

Cícero Belmar

'Mudança climática pode provocar sofrimento sem precedentes'

Mais de 11 mil cientistas de 153 países advertiram em um manifesto que a humanidade corre o risco de passar por um "sofrimento sem precedentes" se não forem colocadas em prática mudanças radicais para reduzir os fatores que contribuem para as alterações climáticas.

"Declaramos claramente e inequivocamente que a Terra está enfrentando uma emergência climática", diz o texto, publicado nesta terça-feira na revista BioScience. "Para garantir um futuro sustentável, precisamos mudar a forma como vivemos. Isso implica grandes transformações na maneira como nossa sociedade global funciona e interage com os ecossistemas naturais."


Os cientistas ainda afirmam que não há tempo a perder. "A crise climática chegou e está se acelerando mais rapidamente do que muitos cientistas esperavam. É mais grave do que o previsto, ameaçando os ecossistemas naturais e o destino da humanidade."

De acordo com o documento, os cientistas analisaram informações recolhidas e publicadas ao longo de mais de 40 anos sobre o uso de energia, registros de temperaturas na superfície da Terra, crescimento populacional, desmatamento, perda de calotas polares, índices de fertilidade, emissões de dióxido de carbono e produto interno bruto das nações.

A publicação coincide com o aniversário de 40 anos da primeira Conferência sobre Alterações Climáticas, realizada em Genebra, na Suíça, em 1979. Desde então, cientistas que participam de conferências semelhantes vêm alertando sobre a ameaça da mudança climática e advertindo governos e empresas sobre a necessidade de tomar medidas para moderá-la.

"Os cientistas têm a obrigação moral de alertar a humanidade sobre qualquer grande ameaça. Com base nas informações que temos, fica claro que enfrentamos uma emergência climática", disse Thomas Newsome, da Universidade de Sydney, na Austrália, um dos autores do manifesto.

O artigo ainda inclui indicadores que os pesquisadores descrevem como "sinais vitais" relacionados a essa mudança, bem como as áreas que requerem ação global imediata.

Alguns desses indicadores de atividade humana são positivos, como a crescente incorporação de fontes de energia renováveis, mas a maioria dos indicadores pinta um cenário sombrio, incluindo a crescente população de animais para consumo humano, perda de florestas e emissões de dióxido de carbono.

Os autores expressaram sua esperança de que esses "sinais vitais" sirvam como guia para governos, setor privado e público em geral para que seja entendida "a magnitude da crise" e para que sejam monitorados "os progressos alcançados" e reorganizadas "as prioridades para mitigar as alterações climáticas".

Os cientistas signatários enfatizaram seis objetivos: reforma do setor de energia, redução de poluentes no curto prazo, restauração de ecossistemas, otimização do sistema alimentar, estabelecimento de uma economia livre de dióxido de carbono e uma população humana estável.

Apesar da amplitude de suas preocupações e da magnitude dos esforços que reivindicam, os cientistas expressaram certo otimismo ao mencionarem "um aumento recente na atenção para este problema".

"Agências de vários governos fazem declarações de emergência climática, há greves de crianças em idade escolar, tribunais movem ações judiciais por danos ambientais, movimentos de cidadãos exigem mudanças, e muitos países, estados, províncias, cidades e empresas estão respondendo", concluem.
Deutsche Welle

O Brasil vai acordar?

A oposição assistiu, até agora, passivamente o desenrolar dos acontecimentos. Inúmeras vezes, o presidente atacou os princípios da Constituição de 1988 e somente recebeu tímidas respostas. Na ação administrativa tem solapado a estrutura de Estado construída nos últimos trinta anos, e o seu objetivo é destruir todas as conquistas democráticas. As reações não foram à altura das consequências dos atos. O País ainda está anestesiado ou cansado de enfrentar medidas presidenciais lesivas aos interesses nacionais e públicos.


Pode ser – estamos neste processo desde 2014 – que o enfado tenha tomado conta do sentimento popular. Como se fosse infrutífera qualquer forma de reação, de mobilização, é como se todas as alternativas políticas não contemplassem o anseio de mudança efetiva, real. E a sucessão dos três últimos presidentes reforça esta convicção. O impeachment de Dilma Rousseff trouxe ao poder Michel Temer e depois abriu caminho para Jair Bolsonaro, em um processo de degeneração da política nunca visto na história do Brasil republicano. Sendo assim, o povo deve pensar: adianta protestar? O que pode vir, ainda pior do que o pífio deputado que passou 28 anos no Parlamento sem sequer relatar um projeto?

O desânimo tomou conta daqueles mais interessados em acompanhar a política nacional. O noticiário das sucessivas crises, a falta de alternativas concretas à barbárie bolsonarista, a estagnação econômica, a ausência de um debate nacional sobre os rumos do país, a pobreza da elite política — uma das piores, se não for a pior, do último meio século – produzem um sentimento de apatia. Não adianta participar, ter esperança, pois tudo acaba inalterado, como se a roda da história não se movimentasse. Parece que ela só se mexe para agravar os enormes problemas nacionais.

PGR: Férias de 30 dias nos 3 poderes 'seria o caos'

Ai de quem vive sem horror, pois só o espanto salva a sanidade em tempos de insensatez. Se você acha que já viu tudo, recomenda-se que leia uma nota emitida nesta segunda-feira pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O documento está disponível aqui.

No texto, o doutor rebela-se contra a ideia de acabar com as férias de 60 dias de promotores e procuradores, mimo usufruído também por juízes. Em defesa de sua corporação, Aras converteu-se numa espécie de cavaleiro do Apocalipse.

"Caso o Parlamento pretenda levar adiante a redução das férias, é provável que tenhamos que discutir, também, a necessidade de se estabelecer jornada de trabalho e férias de 30 dias para os membros dos Poderes Legislativo e Executivo – o que seria o caos na vida nacional."


A lipoaspiração nas férias dos membros do Ministério Público é discutida no âmbito da reforma administrativa do governo. Consta de proposta de emenda à Constituição relatada pelo líder de Jair Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra.

Aras poderia defender a extinção ampla, geral e irrestrita das férias em dobro. Mas preferiu utilizar seu poder de persuasão na construção de uma tese mosqueteira: "Um por todos, todos por hummmmmmm...."

Dias atrás, ao comentar o flagelo do desemprego, Jair Bolsonaro afirmou: "O pessoal sempre fala em direito, direito, direito… E esquece deveres. O que eu tô sentindo por parte do trabalhador é que eles já falam: 'Se for possível, menos direito e [mais] emprego'. E Aras: Não ousem tocar nos nossos privilégios.

Admitindo-se que a Procuradoria siga o calendário do Judiciário, o repouso anual não é de 60 dias, mas de 88 dias. Nessa conta, observada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, entram, além das férias, um recesso de final de ano e feriadões prolongados.

Aras alega que promotores e procuradores suam demasiado a camisa. "A carga de trabalho de cada membro torna-se até certo ponto desumana..." E a redução das férias em dobro levaria procuradores a "descumprir prazos, dobrando ou triplicando os 110 milhões de processos que hoje existem".

A tese do procurador-geral é desconexa e insultuosa. Não faz nexo porque excesso de processos se resolve com mais trabalho, não com mais férias. Insulta a inteligência alheia porque subverte o significado de crueldade. Desumano é não ter um contracheque para encher a geladeira. Ou arrostar a sobra do mês no fim do salário.

Tudo muda no Brasil, exceto a disposição das autoridades de suportar na própria pele todas as vantagens que o déficit público puder financiar. Em situação normal, as férias de 60 dias seriam um absurdo. Num país "empregocida", com 12 milhões de pessoas no olho da rua, tornam-se um escárnio.

É verdade que o brasileiro se espanta cada vez menos. Virou um cidadão de poucos espantos. Suprimiu dos seus hábitos o ponto de exclamação. Mas não convém cutucar a sociedade com o pé. Ela pode morder.

A galinha do vizinho

Dia desses, participando de uma reunião, fui brindado com a seguinte frase: “Amanhã vamos criar um workgroup para estartar a análise do case e providenciar um feedback asap”.

Confesso que fiquei a pensar, naquele momento, no que aconteceria se em alguma reunião lá nos Estados Unidos um dos participantes dissesse: “Tomorrow we will create a grupo de trabalho to começar the analysis of the caso and arrange a retorno no menor lapso de tempo possível” – seria, no mínimo, caso de demissão, e talvez até mesmo de internação.

Saindo dali, ao voltar para casa, passei em frente a um dos “Business Center Plaza Bureau Convention Building & Office Tower” da vida. É curioso. Nunca tive a oportunidade de encontrar, seja na Europa ou nos EUA, uma série de edifícios com nomes brasileiros.


Há também os “Medical Health Center Diagnostic Image & Scan” – aliás, sobre estes, há algum tempo um médico amigo me dizia da dificuldade em ensinar o endereço de seu consultório para pacientes que não falam inglês. Também aqui, nunca ouvi falar de algum país de língua inglesa que nos preste tal homenagem em seus prédios.

Quer tirar férias? Vá a algum “Resort Inn Relax Flat Suites Hotels & Room Living Residence Service” – mas cuidado ao passar o endereço para o motorista de táxi, pois pode ser que ele não fale inglês e acabe perdido. Uma vez mais, desconheço onde quadro similar seja visto no exterior.

É este o ponto que gostaria de abordar: o da reciprocidade. O do amor-próprio. O do respeito pela cultura de todo um povo. O do provincianismo que amesquinha. O do sentimento de brasilidade, enfim.

Desde logo advirto: não prego o isolamento, e muito pelo contrário. Temos que nos integrar ao mundo. Devemos, sim, estudar outros idiomas, conhecer outras culturas e procurar assimilar o que elas tiverem de bom. Tudo isto é saudável, e fique bem claro tal aspecto.

Só não compreendo por qual motivo temos nos “desnacionalizado” sob praticamente todos os aspectos. O primeiro deles, já o mencionei – temos abandonado nosso próprio idioma para prestigiar o de outros povos.

Vai um segundo: abrimos mão do tratamento respeitoso que herdamos dos portugueses para os modos, muitas vezes rudes, que nos chegam pelas mãos da cultura anglo-saxônica. Enquanto isso, confesso não ter encontrado ainda um país que esteja abrindo mão de suas tradições para ficar com as brasileiras.

Segue um terceiro: empresas estrangeiras aqui desembarcam recebidas de braços abertos, adquirindo instrumentos de geração de riqueza de forma quase que maciça: nos últimos anos, 60% das empresas brasileiras negociadas foram parar das mãos de estrangeiros. Nós, que falamos tanto em agronegócio como a salvação do futuro do Brasil, já exportamos 70% de nossa soja pelas mãos de empresas estrangeiras aqui instaladas – e 30% do café que produzimos.

Desconheço, porém, em qual país empresas brasileiras tenham tal envergadura, indo da energia aos transportes, e das telecomunicações à atividade industrial estruturante. A dura verdade é que ao longo das últimas décadas temos sacrificado os empresários brasileiros em prol dos estrangeiros, sem que exista o menor sinal de reciprocidade por parte deles – e muito pelo contrário, que o digam nossos compatriotas rotineiramente discriminados no exterior.

Mas nada disso importa! Afinal, ‘nóis é the country do futuro, celeiro da mankind, um Brazil emergente, um people very smart e consciente, e com nóis nobody pode’.

Pedro Valls Feu Rosa

Paisagem brasileira

Gaúcha do Norte (MT)

Brasil unido jamais seria vencido

Na crise, de volta ao básico. E a do Brasil é completa.

Para abrir as portas do 21 seria preciso decorar o resumo do século 20: “Carisma é bom pra cinema que é a ilusão no estado da arte. Na política é um desastre, qualquer que seja a cor da camisa”.

Mas é o caso de refazer a estrada toda. De volta ao 16 e 17 onde tudo começa, então: “Pensamentos, palavras ou obras”? A história das conversas do Moro com o Deltan é isso. O “jornalismo de acesso”, que vive de grampo, estimula esse desvio: “pensou, disse ou fez”? Parece pouco mas esse é nada menos que o divisor de águas entre catolicismo e protestantismo. Aceitar que pensamentos e palavras já constituem pecado passível de condenar ao inferno ou levar ao paraíso deságua obrigatoriamente, ou na legitimação da tortura (pensou ou não pensou?), ou na legitimação da venda de indulgências (bastam umas tantas “rezas” prescritas pelos donos da igreja para “desfazer” o que foi feito, inclusive o que nunca terá remédio).

As duas coisas excluem a mera possibilidade da democracia.


A partir do 18 colhem-se os frutos: Se somente a obra, ou seja, o que o sujeito de fato fez e pode ser palpado e medido (como a roubalheira do Lula e do PT, por exemplo) pode condenar uma alma ao inferno ou abrir-lhe as portas do paraíso, o pensamento e as palavras deixam de ser assuntos em que o Estado está autorizado a se meter, a felicidade passa a ser a que cada um resolver buscar para si e a inovação e o progresso da ciência vêm como bônus dessa forma essencial de liberdade.

No 19 e no 20 começa a entortar: Gente é o mais plasmável dos bichos. Acima de todas as forças ele é regido pela da sobrevivência. Não é o bem ou o o mal, que “podem ser os de cada um”, é a definição do que rende punição ou recompensa que determina para qual direção ele se vai voltar.

É por essa altura que entramos na tapeação do “direita” versus “esquerda”, o embaralhador de línguas que até hoje nos mantém atolados nessa babel política. Faz tudo parecer o que não é. A desorganização da “não esquerda” (porque “direitista” mesmo dá pra contar nos dedos de uma mão) é um clássico universal. A principal diferença entre ela e a “pseudo- esquerda” (porque “esquerdista” de utopia mesmo, não de teta, dá pra contar nos dedos de uma mão) é a extensão da ausência de limites. A “não esquerda” tem patrão. Tem de bater ponto e pagar as próprias contas. Quem trabalha full time pra político é quem é sustentado pelo Estado. É quem tem estabilidade no emprego outorgada por político.

Os Bolsonaro nunca foram gente aqui do mundo real perseguindo um salariozinho suado, tendo de mostrar resultado todo santo dia pra não ir parar na fila dos desestabilizados pela estabilidade deles. Nem o Brasil correu atrás do Bolsonaro pai. Ele é que se jogou para dentro da carência crônica do brasileiro que passou os últimos 34 anos na condição de criança abandonada eleitoral ao longo dos quais todos os bundões da “não esquerda” fingiam-se de esquerdistas porque era esse o “Abre-te Césamo” da caverna abarrotada de ouro do poder.

Nem mesmo os “bolsominions” são ideológicos. Esses que ficam o dia inteiro no Twitter destilando fel, assassinando personagens, são cópias escarradas dos seus similares do PT. Querem a mesma coisa que eles queriam. Nem perder o comando da caverna do Ali Babá, nem sair do “barato” corrosivo da adrenalina do poder. E a maioria daqueles velhinhos do “Repassem sem dó” que eles arrastam é só gente boa com medo da Venezuela tratando de evitar mais meio século de deglutição de sapos barbudos.

Mas no mundo real foi o “cometa” envolvendo Flavio quem jogou Jair e o Coaf no colo de José Antonio que, na cauda dele, liberou geral. É Jair que joga pedaços da previdenciária, da administrativa e da anti-crime no colo dos contra. Nem um único dos tiros de que todo o seu entorno está varejado veio de fora. Fazia meses que Paulo Guedes, o solitário agente do País Real neste governo, não dava manchete antes do último ato da previdenciária que rolou enquanto a Primeira Família entretinha-se na briga de foice no escuro pelo comando do dinheiro do PSL.

Pelas bordas ficam os que não têm peito de sujar diretamente as mãos mas aceitam sem denunciar essa regra do jogo e invocam as “instituições acima de tudo” para impedir que ela mude. Fingir que as instituições brasileiras não foram desenhadas para criar, servir e manter impune uma casta corrupta e que não é isso que reduziu o Brasil à miséria é só o modo “culto” de lutar pela permanência dessa mixórdia, seja no STF, seja nas redações. Nada a ver com “estado de direito”. Até queima a língua dizer isso. Não dá pra alegar inocência.

Todos eles somados não enchem a Praça dos Três Poderes mas segundo a constituição deles, por eles e para eles que o povo brasileiro nunca foi chamado a ratificar, só quem eles deixarem pode disputar o poder e impor suas decisões a nós, que devemos permanecer desarmados e proibidos por lei de reagir.

Esse é que é o divisor de águas real. A parada no Brasil não é “esquerda” x “direita” é nobreza x plebeu, privilegiatura x meritocracia, quem tem de ganhar a vida x quem está com a vida ganha e, na franja e não mais que na franja, ladrões x roubados. Desacelerar o estupro não muda a natureza do crime. Nem existe meia escravidão. Só o realinhamento das forças sociais segundo a realidade brasileira e não segundo as lendas e narrativas da falecida Europa do século 20 possibilitará a verdadeira abolição. O “golpe de neutrons” que mata qualquer avanço da democracia sem lhe destruir a falsa casca, foi plantado lá atras no STF. Enquanto os escravos permanecerem divididos e engalfinhados tudo continuará podendo girar tranquilamente em torno do ralo da constituição deles, por eles e para eles exigida nos tribunais deles, por eles e para eles que todos trabalham para manter intactos por cima dos “lados” pretensamente abraçados, o que explica aquela bizarra rasgação de seda que não cessa nem quando uns estão demonstrando cientificamente os canalhas que os outros são.

Boa economia não basta

Não basta a boa economia, é preciso o bom governo e a boa sociedade. Sem isso as nuvens do mundo, já carregadas, despejarão mais água na chama de um futuro melhor para o país e as pessoas
Fernando Henrique Cardoso

Apagando a si mesmo

Somos um país que destrói documentos, arquivos, registros, gravações e chuta a história pela janela. E só vamos saber disso depois, quando não se pode fazer mais nada. Talvez muitos não se importem. Eu me importo. Um passaporte, uma carteira de identidade, uma certidão de nascimento pode conter informações maravilhosas para um biógrafo. Já salvei alguns desses documentos de serem despejados no lixo por família ilustres, onde seriam recolhidos pelos catadores de papel e vendidos para as feiras das praças —quando passariam, subitamente, a valer dinheiro.

Ruy Barbosa, ministro da Fazenda entre 1889 e 1891, mandou queimar os arquivos da escravidão. A medida impediu que os escravocratas exigissem indenização pelos "prejuízos" que teriam sofrido com a Abolição —Ruy respondeu que o justo seria indenizar os escravos—, mas também privou o Brasil de conhecer mais a fundo uma parte fundamental de sua história.

Em 1º de abril de 1964, a Rádio Mayrink Veiga, do Rio, então controlada pelo governo que estava sendo deposto, teve tudo —arquivo, discoteca, até os equipamentos— jogado na rua pelos vitoriosos do momento. Nos anos 60 e 70, burocratas dos governos Costa e Silva e Médici, instalados num andar do prédio de A Noite onde ficava a memória da Rádio Nacional, deixaram material inestimável se perder.

Adalgisa Nery queimou as cartas de Murilo Mendes, apaixonado por ela. Na morte de Carmen Miranda, Mario Cunha, seu ex-namorado, queimou as cartas que ela mandara para ele. Na morte de Mario Cunha, Aurora, irmã de Carmen, queimou as cartas que ele mandara para ela. Gravar material novo, de áudio ou de vídeo, em fitas contendo material já gravado, apagando-o, era praxe das gravadoras e TVs brasileiras até os anos 80.

É o Brasil, notável pela desmemória, sempre apagando a si mesmo. Talvez por isso nunca aprenda.
Ruy Castro

Amazônia é o pior lugar do Brasil para ser criança

"Muita gente se importa com a Amazônia. O gringo se importa, o governo diz que se importa, mas será que eles sabem que a gente existe? Que aqui não é só mato e água doce?", questiona a assistente social Glinda Sousa Farias, de 25 anos. Ela nasceu e cresceu em Breves (PA), cidade de 92 mil habitantes considerada a "capital" da Ilha do Marajó. Essa região, cercada por praias e belezas naturais, tem um dos Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs) mais baixos do país.

Dias antes, a assistente social havia sido 1 dos 11 profissionais que resgataram uma criança na zona rural de Breves após denúncia de abuso. Uma menina teria sido violentada pelo próprio avô e mais um familiar, na casa dele. Depois de viajar horas pelo rio em uma embarcação a motor, encontraram a menina Sandra*, 13 anos, chorando sem parar em frente à casa de palafita. O irmão da adolescente, também menor de idade, teria presenciado a cena.


As crianças estavam na casa do avô enquanto o padrasto trabalhava e a mãe acompanhava a outra filha em Belém, a 220 quilômetros dali, em um tratamento de saúde. A equipe volante, formada por por representantes do Conselho Tutelar, Polícia Civil, secretaria de Saúde, Educação e Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), no qual Glinda trabalha como técnica, levou a adolescente e o irmão para a cidade para serem atendidos.

Em outro dia de trabalho, a assistente social conta que a equipe socorreu uma criança de quatro anos, também da zona rural, que foi abusada pelo pai. A suspeita veio de familiares e professores, que comunicaram o Conselho Tutelar. A criança recebeu atendimento especializado e passou por exames sexológicos. O crime foi confirmado.

"Casos como estes são recorrentes no município", lamenta a assistente social, cuja infância também foi marcada pela pobreza. Em Breves, de acordo com dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), 37,7% das crianças de até cinco anos de idade sofriam de desnutrição crônica em 2018 — percentual bem maior que a média brasileira, de 13,1%.

No Pará, 85% dos domicílios não possuem acesso adequado à rede de esgoto, e 2.157 crianças morreram antes de completar um ano em 2016. "Depois da escola brincava na rua mesmo, no meio das poças d'água", lembra Glinda. "Não senti falta de políticas voltadas à cultura, esporte e lazer. Não dá pra sentir falta daquilo que não vivenciei."

Filha de pai madeireiro e mãe sacoleira em uma família de baixa renda com quatro filhos, ela viu o pai ficar desempregado depois que a madeireira em que ele trabalhava fechou as portas, em 2009. A família, que morava no centro da cidade, mudou-se para um bairro mais distante e passou a viver em um pequeno cômodo de madeira. Nesse período, sobreviveram basicamente da renda do Bolsa Família, que transfere R$ 89 por pessoa a famílias que vivem abaixo da linha de pobreza, mais R$ 41 por criança ou adolescente, limitado a R$ 205 (cinco benefícios).

"As madeireiras fecharam por completo ou parcialmente, mas não tínhamos um plano B. Não estou defendendo o desmatamento, só que ninguém disse para o meu pai o que ele deveria fazer quando fechassem. Isso aconteceu com muitas famílias. Papai depois conseguiu outro emprego, mas outros não tiveram a mesma sorte."

Conseguiram, com muito esforço, manter os filhos na escola pública, e Glinda e os irmãos, quando adultos, estudaram também na Universidade Federal do Pará (UFPA). "Hoje, os filhos estão concluindo o ensino superior, outros formados, concursados, empregados. Todos da família têm renda própria", afirma, reconhecendo que, nas estatísticas da região, histórias de sucesso como a dela são exceção.

Ao todo, 9 milhões de crianças vivem na Amazônia Legal, região formada por Acre, Amapá, Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima e parte dos Estados de Maranhã, Tocantins e Mato Grosso. Os indicadores apontam que, de todas as regiões do país, é ali o pior lugar do Brasil para ser criança, destaca relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). São de lá os mais altos níveis nacionais de mortalidade infantil.

Nos nove Estados da Amazônia Legal, cerca de 43% das crianças e dos adolescentes vivem em domicílios com renda per capita insuficiente para adquirir uma cesta básica de bens, contra 34,3% da média nacional. Além disso, muitas meninas e muitos meninos amazônicos não têm atendidos seus direitos a educação, água, saneamento, moradia, informação e proteção contra o trabalho infantil.

Em 2016, 1.225 crianças morreram antes de completar 1 ano no Estado do Amazonas. Além disso, desde 2010, os casos de sífilis congênita diagnosticados em crianças menores de um ano de idade cresceram 710%, segundo dados do ministério da Saúde reunidos pela Unicef. Foram 802 casos só em 2017. A proporção de mães com acesso ao pré-natal foi de 46% — ainda menos da metade —, registrando um aumento de 183% entre 2000 a 2016.

"A Amazônia é o pior lugar do Brasil para ser criança. Todos os indicadores sociais estão apresentando valores piores que a média brasileira e muitíssimo piores que os do sudeste do país. De criança fora da escola, vacinação, mortalidade infantil, acesso à água, saneamento", resume a coordenadora do Unicef na Amazônia Legal, Anyoli Sanabria, que explica que as crianças vivem em um estado de "privação múltipla", em que, além de viver na pobreza em termos financeiros, elas têm vários outros direitos violados que prejudicam não só sua qualidade de vida, mas comprometem seu futuro e limitam seu desenvolvimento.

As áreas rurais e dispersas ficam, em grande medida, sem acesso ou com acesso limitado aos serviços básicos como saúde, educação e proteção social. Vulneráveis e desassistidas, essas populações — principalmente, crianças e adolescentes — enfrentam uma série de riscos, alerta a entidade.

A visão de educadores, agentes de saúde, ONGs e instituições dedicadas à infância ouvidas pela BBC News Brasil é de que as crianças que vivem na Amazônia, nas cidades ou na zona rural, enfrentam uma quase que total escassez de serviços públicos — à exceção das que vivem nas capitais. Eles alertam: não vai dar para salvar o meio ambiente sem preservar a população local, cada vez mais vulnerável e dependendo de benefícios sociais.

"Sem social, não há ambiental", resume Caetano Scannavino, coordenador da ONG Projeto Saúde & Alegria, que atua na Amazônia. "No mundo inteiro as questões da pobreza e do meio ambiente estão ligadas", afirma Scannavino, que diz que famílias pobres e sem assistência e serviços de saúde são mais vulneráveis ao ilegalismo ambiental.

"Se eu tenho uma criança doente e eu preciso de dinheiro, de remédio, e tem um madeireiro pedindo uma autorização para tirar uma árvore do meu lote, muito provavelmente eu vou estabelecer um acordo com ele, porque a vida do meu filho está em jogo. Situações como essa se repetem e impactam o meio ambiente e favorecem a cultura do ilegalismo."

Para serem efetivas, as políticas públicas para a infância na região precisam considerar as peculiaridades e desafios extras do chamado "fator amazônico": as meninas e os meninos vivem com suas famílias em uma região muito extensa territorialmente, mas pouco povoada em comparação às demais regiões. Em média, cada quilômetro quadrado da Amazônia é habitado por apenas cinco pessoas, enquanto que em outras regiões do País essa taxa é de 48 habitantes por quilômetro quadrado.

Às vezes em comunidades de difícil acesso vivem crianças indígenas, quilombolas, ribeirinhos, mas também mais e mais em grandes cidades — juntamente com populações tradicionalmente urbanas, afirma a Unicef no relatório "Agenda pela Infância e Adolescência na Amazônia".

A principal privação a que meninas e meninos amazônicos estão sujeitos é a falta de acesso a saneamento. Enquanto a média nacional de crianças e adolescentes sem esse direito está em 24,8%, na maioria dos Estados da Amazônia ela está próxima aos 50%, chegando a 89% no Amapá, em dado de 2017. A única exceção na região é Roraima, com 11,5% de crianças e adolescentes sem saneamento, segundo a Unicef.

"Os indicadores sociais mostram que as crianças na Amazônia têm maior risco de morrer antes de um ano de idade e de não completar o ensino fundamental. Além disso, a taxa de gravidez na adolescência é alta, e as meninas e os meninos na região estão vulneráveis às mais variadas formas de violência, incluindo o abuso, a exploração sexual, o trabalho infantil e o homicídio", afirma relatório da Unicef divulgado em setembro e que analisa os principais desafios para a infância na região.

Também é na Amazônia Legal que o assassinato de jovens e adolescentes aumenta em ritmo mais acelerado no país. Entre 2007 e 2017, o número de homicídios de jovens cresceu acima da média nacional em quase todos os Estados que compõem a Amazônia Legal. Enquanto o homicídio de jovens de 15 a 19 anos aumentou 35,1% no Brasil na década, avançou muito mais no Acre (312,5%); Amapá (107%); Amazonas (117,8%); Maranhão (78,5%); Pará (94,1%); Roraima (112,8%); e Tocantins (222,3%). As exceções foram Mato Grosso (25,8%) e Rondônia (8,6%), segundo dados do Atlas da Violência, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"As altas taxas de homicídio de adolescentes mostram que a vida de meninas e meninos das periferias é marcada por uma enorme falta de oportunidades que os torna cada vez mais vulneráveis à violência letal. Além de manter os investimentos na primeira infância, é necessário que o país invista igualmente na segunda década de vida", defende a Unicef no relatório "Agenda pela infância e adolescência na Amazônia".