No texto, o doutor rebela-se contra a ideia de acabar com as férias de 60 dias de promotores e procuradores, mimo usufruído também por juízes. Em defesa de sua corporação, Aras converteu-se numa espécie de cavaleiro do Apocalipse.
"Caso o Parlamento pretenda levar adiante a redução das férias, é provável que tenhamos que discutir, também, a necessidade de se estabelecer jornada de trabalho e férias de 30 dias para os membros dos Poderes Legislativo e Executivo – o que seria o caos na vida nacional."
A lipoaspiração nas férias dos membros do Ministério Público é discutida no âmbito da reforma administrativa do governo. Consta de proposta de emenda à Constituição relatada pelo líder de Jair Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra.
Aras poderia defender a extinção ampla, geral e irrestrita das férias em dobro. Mas preferiu utilizar seu poder de persuasão na construção de uma tese mosqueteira: "Um por todos, todos por hummmmmmm...."
Dias atrás, ao comentar o flagelo do desemprego, Jair Bolsonaro afirmou: "O pessoal sempre fala em direito, direito, direito… E esquece deveres. O que eu tô sentindo por parte do trabalhador é que eles já falam: 'Se for possível, menos direito e [mais] emprego'. E Aras: Não ousem tocar nos nossos privilégios.
Admitindo-se que a Procuradoria siga o calendário do Judiciário, o repouso anual não é de 60 dias, mas de 88 dias. Nessa conta, observada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, entram, além das férias, um recesso de final de ano e feriadões prolongados.
Aras alega que promotores e procuradores suam demasiado a camisa. "A carga de trabalho de cada membro torna-se até certo ponto desumana..." E a redução das férias em dobro levaria procuradores a "descumprir prazos, dobrando ou triplicando os 110 milhões de processos que hoje existem".
A tese do procurador-geral é desconexa e insultuosa. Não faz nexo porque excesso de processos se resolve com mais trabalho, não com mais férias. Insulta a inteligência alheia porque subverte o significado de crueldade. Desumano é não ter um contracheque para encher a geladeira. Ou arrostar a sobra do mês no fim do salário.
Tudo muda no Brasil, exceto a disposição das autoridades de suportar na própria pele todas as vantagens que o déficit público puder financiar. Em situação normal, as férias de 60 dias seriam um absurdo. Num país "empregocida", com 12 milhões de pessoas no olho da rua, tornam-se um escárnio.
É verdade que o brasileiro se espanta cada vez menos. Virou um cidadão de poucos espantos. Suprimiu dos seus hábitos o ponto de exclamação. Mas não convém cutucar a sociedade com o pé. Ela pode morder.
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