segunda-feira, 1 de julho de 2024

Pensamento do Dia

 


EUA fazem cerco às mídias sociais

Enquanto, no Brasil, o Congresso enterrou o PL 2.630, que tentava regular as mídias sociais, nos Estados Unidos as plataformas sofrem uma espécie de cerco, tendo de responder a três movimentos simultâneos: processos coordenados contra a Meta (dona do Facebook e Instagram) pelas promotorias de diversos estados; um Projeto de Lei para conter o efeito compulsivo e viciante que as mídias sociais têm sobre as crianças e adolescentes; e a tentativa do cirurgião-geral — principal autoridade do governo americano para questões de saúde — de rotulá-las com uma advertência, como a que aparece nas embalagens de cigarro.

O ponto de partida de todos os projetos de lei é a evidência empírica alarmante que vem mostrando aumento de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio entre os adolescentes. É muito difícil determinar a causalidade, mas a popularização do uso das redes sociais pelos smartphones, nos anos 2010, coincidiu com saltos nos índices de doença mental entre adolescentes.


Um estudo mostrou entre adolescentes que usam redes sociais mais de três horas e meia por dia o dobro de chances de ter transtornos como depressão ou ansiedade. Apesar disso, 51% dos adolescentes americanos as usam quatro horas por dia ou mais.

Não são apenas os adolescentes. Embora as plataformas permitam acesso a seus produtos apenas a maiores de 13 anos, estima-se que 40% das crianças americanas entre 8 e 12 anos usem mídias sociais. No Brasil, 41% das crianças entre 9 e 10 anos fazem uso das redes, segundo pesquisa do Comitê Gestor da Internet.

Promotorias de mais de 30 estados americanos acusam a Meta de manipular psicologicamente crianças e adolescentes. A empresa é acusada de expô-los a conteúdos perigosos e de incentivar comportamentos compulsivos e viciantes por meio de recursos como barras de rolagem infinitas, vídeos exibidos em sequência contínua e alertas invasivos que os puxam sempre de volta para os aplicativos. As ações simultâneas em vários estados reproduzem uma estratégia usada nos anos 1990 para enfrentar a indústria do tabaco. Em alguns processos, a Meta teve de fornecer evidências internas, como mensagens e relatórios, mostrando que, apesar da grande preocupação pública com a crise de saúde mental, fez esforços contínuos para ampliar sua audiência entre adolescentes. Uma reportagem publicada no sábado passado no jornal The New York Times exibiu algumas dessas provas.

No campo legislativo, um grupo de pais de adolescentes mortos em decorrência de bullying ou abuso no ambiente digital tenta empurrar os parlamentares americanos a adotar uma Lei de Proteção Digital às Crianças. Apesar da tramitação inicial difícil, a proposta reuniu apoio bipartidário e agora tem boa chance de ser aprovada. Entre outras coisas, determina que as redes sociais precisarão limitar recomendações de conteúdos por algoritmos e pôr fim às barras infinitas e vídeos sequenciais contínuos.

Por fim, também nesta última semana, o cirurgião-geral dos Estados Unidos lançou a proposta de rotular mídias sociais como se rotula o tabaco. A ideia é que, ao acessá-las, o consumidor encontre uma advertência dizendo que seu uso causa risco à saúde mental de crianças e adolescentes. A medida é inspirada no caso bem-sucedido das advertências em propagandas e embalagens de cigarro que, comprovadamente, desestimulam o consumo. A proposta precisa passar pelo Congresso.

O debate sobre a regulação das mídias sociais no Brasil foi paralisado pelo embate entre esquerda e direita que contrapôs o enfrentamento das fake news à liberdade de expressão. O presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou que o Projeto de Lei 2.630, discutido há quatro anos, seria abandonado por causa da falta de consenso entre as forças políticas. A experiência americana, com Congresso também polarizado, sugere um caminho mais consensual para retomar o debate sobre a regulação das mídias sociais: se a proteção à infância for tomada como ponto de partida, talvez o debate legislativo subsequente seja mais produtivo.

Tirania das coisas

Lá fora, homens viviam sob a tirania das coisas. Todos o seus atos eram determinados por ordens de mera matéria, por dinheiro, e pelas ferramentas de seu ofício e pelas leis burras do hábito e das convenções.
Aldous Huxley, "Contos escolhidos" 

Estamos a perder a batalha das ideias

As eleições francesas são um ponto de viragem há anos anunciado: a extrema-direita deixa de provocar medo e passa até a suscitar esperança em muitos cidadãos. É desagradável mas é uma realidade. A extrema-direita está ainda longe de dominar a Europa mas está a ganhar a batalha das ideias. É neste plano, e não no do medo, que liberais e sociais-democratas deverão afrontar o combate contra as novas ameaças da extrema-direita.


Começo por alguns números recentes. Um grande inquérito do instituto Ipsos para vários meios de informação, revela o estado de espírito dos franceses na véspera do voto. Num resumo do seu director-geral, Brice Teinturier, publicado no Le Monde, a dissolução do parlamento por Emmanuel Macron suscitou reações diametralmente opostas entre os eleitores. Provocou em quase todas as áreas políticas sentimentos negativos. A excepção são os eleitores da União Nacional (RN, de Marine Le Pen): 65% deles receberam a notícia com otimismo e esperança.

O grande sinal é que o voto em Le Pen, que foi durante décadas um voto de protesto, se transformou desde há anos num “voto de adesão”. Aquela “dinâmica de esperança”, escreve Teinturier, decorre do desejo de alternância: 93% dos seus virtuais eleitores e aliados confiam na vitória da lista de Jordan Bardella, deputado e porta-voz do RN. E, dentre eles, 50% creem na maioria absoluta. Note-se, ainda, que 40% dos franceses desejam a vitória da RN, contra 31% que gostariam de ver a Nova Frente Popular (NFP) ganhar e 29% que apostam no bloco centrista de Macron.

Esta não é uma sondagem das intenções de voto. Estas são ligeiramente diferentes: 36% para a RN e aliados de direita, 29 para a Nova Frente Popular (NFP, esquerda e extremaesquerda), 19,5 para a aliança pró-Macron, e oito para os Republicanos (LR, direita tradicional). As muito incertas previsões de mandatos, após a crítica segunda volta, apontam para uma maioria relativa dos lepenistas, mas não absoluta. Este é um assunto para a próxima semana.

Os eleitores da RN não se preocupam com a “credibilidade económica” do seu programa, que a maioria dos economistas considera desastroso. Pelo contrário, é aceite como “desejável e realista” por 45% dos franceses. Mais do que a credibilidade, o eleitorado de Le Pen procura “proteção”.

O que aqui me interessa é a viragem em curso e que poderíamos resumir assim: em vez de medo, Le Pen passou a inspirar esperança junto de grandes frações do eleitorado. É hoje primeira força entre os jovens (se eles votarem) e acaba de conquistar a hegemonia no eleitorado idoso, que durante muito tempo lhe resistiu mas que se tornou cada vez mais sensível aos fantasmas da imigração.

A extrema-direita conseguiu “banalizar-se”, passando a ser encarada como um partido “como os outros”. Marine Le Pen venceu a guerra da “desdiabolização”. O que significa que a esquerda e a direita liberal deverão mudar a forma de a combater. Não bastam os slogans tipo “não passarão” ou as denúncias de racismo e anti-semitismo, que se revelam cada vez mais desajustadas.

Há anos que está em curso uma viragem à direita em quase toda a Europa. E, neste processo, a extrema-direita tornou-se a força mais dinâmica, que passou a arrastar a direita moderada que, por razões eleitorais, se foi identificando com os seus temas. Um dos aspectos mais impressionantes foi o modo como a direita radical soube desencadear uma ofensiva contra a ecologia. Foi esta mesma direita radical que persuadiu os “moderados” do Partido Popular Europeu (PPE) e a presidente Ursula von der Leyen a meter na gaveta a grande bandeira da Comissão Europeia, o célebre “Green Deal. O mesmo aconteceu com a subversão da política europeia de imigração.

Os resultados eleitorais têm sido o sinal de alarme. Mas tanto a esquerda como os liberais demoraram demasiado tempo a compreender o carácter estratégico, e não apenas conjuntural, da viragem à direita. Resume o jornalista alemão Wolfgang Münchau: “Ainda que a extrema-direita não esteja a governar a Europa, ela está a vencer a batalha das ideias sobre imigração, identidade, crime, políticas verdes e economia.”

Há um outro fenômeno que ilustra a mudança de época. Em França, é cada vez mais forte a ofensiva de direita no terreno dos media. Nos últimos tempos, tem sido particularmente notória a radicalização promovida pelo conglomerado mediático de Vincent Bolloré (grupo Vivendi, que detém canais de televisão como o CNews ou o Canal+), que apadrinha a aliança entre direita e extrema-direita. Impôs uma linha editorial semelhante à das televisões e tablóides de Rupert Murdoch.

No entanto, o fenómeno é mais largo do que a manipulação política e contamina os media independentes. “Os media foram invadidos pelos temas da extrema-direita. Telejornais, rádios e jornais descrevem regularmente uma França que coincide com a visão da União Nacional”, escreve o Le Monde na edição de hoje.

O novo clima político e ideológico exigirá um grande realismo na reação perante os resultados eleitorais. Mesmo no caso de uma maioria absoluta, Bardella não se lançará numa campanha desenfreada contra os valores da República ou contra a União Europeia. Será prudente, porque a meta da União Nacional é a eleição de Marine Le Pen nas presidenciais de 2027. Ela sonha com o Eliseu e, diz ao Le Monde que, de momento, o que a preocupa é “cuidar da sua estatura presidencial”. No caso de maioria relativa, dificilmente Bardella aceitará a responsabilidade de um governo débil. É possível uma fase de caos parlamentar.

Em vez da bandeira do medo, pede-se às forças democráticas que convençam os eleitores afrontando os grandes temas de que a extrema-direita se apoderou. Repetindo Münchau: a batalha das ideias sobre imigração, identidade, crime, políticas verdes e economia.
Jorge Almeida Fernandes

A desesperança

Quinto Túlio, no ano 64 a.C, em carta ao irmão, o grande tribuno Cícero, que se candidatava ao Consulado de Roma, dizia: Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea.

Nessas cartas, que considero o primeiro manual de marketing político da história, Quinto transmitia ao irmão as boas regras para ganhar um campanha eleitoral, a partir da estratégia de se locomover junto ao povo.

Um seguidor atento a esses manejos foi o ex-governador do Rio Grande do Norte, Aluízio Alves, jornalista, ex-deputado federal, com trajetória iniciada aos 21 anos, cuja campanha de 1960 ao governo do Estado foi um marco para a consolidação dos eixos do marketing político no Brasil.

Fincou sua campanha na aura da esperança. Usou o verde como cor. Correu o Estado como um andarilho. Nas proximidades das cidades, montava em um jumento, aparentando viver o cotidiano de um cigano, lendo mãos de crianças curiosas que queriam saber seu futuro. As crianças, no dia da eleição, acordavam os pais, pedindo a eles para votar no cigano Aluízio. Fez uma campanha lastreada na ideia de “Um amigo em cada rua, com 60 comícios em 16 dias e as Vigílias da Esperança”. Foi o primeiro a usar pesquisas no país.

À medida que os comícios cresciam, em Natal, os adversários começaram a menosprezar o tamanho das multidões, alertando para não levarem em conta aqueles aglomerados, pois a maioria era de “gentinha” analfabeta e de “crianças”, que iam se divertir, mas não votavam. Aluízio passou a usar a expressão “minha querida gentinha”. Que, nos comícios, comparecia com lenços verdes ou galhos de árvores.

Ganhou a campanha para o deputado udenista Djalma Marinho, apoiado pelo então governador Dinarte Mariz.


Pulemos no tempo. Entra em cena Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-metalúrgico. Pois bem, na contemporaneidade, Lula, sem sombra de dúvidas, foi quem melhor soube usar a simbologia da esperança, foi quem melhor plantou na seara cognitiva do eleitorado a semente da mudança, da inovação, da melhoria das condições de vida da população. Em outros termos, incutiu nas massas carentes a esperança de puxá-las da base da pirâmide para um canto mais central.

A semente germinou uma grande floresta verde. Que começa a perder viço e a se queimar sob o fogo da desesperança, que se mostra nas paredes rachadas de estabelecimentos hospitalares sem equipamentos, em escolas desaparelhadas, em insegurança expandida pela violência, enfim, na precariedade dos serviços públicos. Coisas comuns aos governos. Agora, são as classes médias que se afastam do ente governamental, por sentirem na pele (e no bolso) os efeitos da carestia e de promessas não cumpridas. Os planos de seguro privado, por exemplo, se tornam inacessíveis. As tensões entre os Poderes se avolumam.

O Executivo faz concessões ao Legislativo e vice-versa, enquanto o Judiciário passar a legislar, entrando em roça alheia. A litigiosidade se expande.

Em suma, o produto nacional bruto da infelicidade, que mede a temperatura das classes, produto de um conjunto complexo de valores econômicos e sociais, tem crescido. A carga redistributiva de renda, provocada pelo Real (que faz 30 anos), diminuiu, em seu início, o imenso fosso que separa os territórios dos ricos dos bolsões dos miseráveis, porém, hoje, os famintos na cadeia da cesta básica fazem imensas filas.

Nos meados da segunda década do terceiro milênio, a cara do brasileiro se parece com a do palhaço triste, capaz de produzir feições engraçadas no palco e, logo a seguir, chorar no camarim. O sentimento é o de que a vida é um eterno recomeço. Quando se espera que as coisas melhorem, os desastres aparecem. O cidadão se vê numa ilha ameaçada por pequenas e grandes catástrofes. Escândalos, corrupção continuada, favorecimentos, anistia a grandes devedores, ausência de critérios racionais, novas fontes de receitas, politicagem, feudos, deterioração dos serviços públicos, constituem, entre outros, os condimentos do caldeirão político.

O fator econômico determina o andar da carruagem. Os serviços sociais acabam sujeitando-se ao programa do ministro da Economia, Fernando Haddad.

A toda hora, há reclamos sobre os serviços públicos. A infelicidade grassa na casa de milhões de aposentados, que veem a compressão de suas retiradas. A reforma administrativa, tão prometida pelos governos petistas, não se realiza. Reforma focada na necessidade de otimizar a equação custo-benefício, tornando as estruturas menores, mais ágeis e funcionais.

Os brasileiros querem um Estado protetor e não um Estado usurpador. Mas o Estado foge da figura do pai, que acolhe seus filhos de braços abertos. Receios e medos caem sobre as vidas, fazendo buracos no fundo da alma. Buracos que emudecem as alegrias. E trazem desalento.