terça-feira, 25 de agosto de 2015
O pântano enganoso das bocas
Em abril de 1964, o poeta Thiago de Mello, reagindo à ditadura que se implantava, redigiu ‘Os Estatutos do Homem’. Num dos versos, ele alerta para o perigo das palavras, que muitas vezes não comunicam a realidade. Mais de meio século depois, a verdade continua maltratada na cena pública.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, diante de sindicalistas arrebanhados pelo deputado Paulo Pereira (SDD/SP), disse: “a palavra renúncia não consta do meu dicionário”. De fato, de acordo com a robusta denúncia do Ministério Público Federal, ele não renunciou ao “recebimento de vantagens indevidas (propinas)” e à “participação em esquemas ilícitos na Petrobras”. No “Aurélio” de Cunha também não consta, diz ele, a palavra “covardia”. Aqui há controvérsias: dedicados servidores de carreira da Câmara foram sumariamente afastados de funções de direção – nos Transportes, Engenharia e Informática – quando ousaram comunicar algo que desagradou ou desmentiu o chefe eventual...
A turma do PT embaraçada com a Lava Jato, por seu atônito lado, tem um mantra, repetido à exaustão quando é confrontada com o recebimento de polpudos recursos de empreiteiras: “tudo foi devidamente declarado à Justiça Eleitoral como doação de campanha”.
A palavra pode ser dita e tornar-se o contrário do que significa. Ou não explicar nada. Ou ainda agredir os fatos. Nos Parlamentos – onde se parla e legisla – o desprezo pela palavra sincera é imenso. Reinam a demagogia e a hipocrisia.
Nem alguns pregadores da Palavra de Deus se salvam. Ao louvar o “irmão em Cristo” Cunha como o “terceiro homem mais importante da República”, o pastor Abner Ferreira garantiu que “Satanás teve que recolher cada uma das ferramentas contra nós”. Enquanto isso, em certas contas ‘abençoadas’ entram recursos suspeitos, como as investigações revelam. O Deus-dinheiro é cultuado.
Na Lava Jato, a regra dos acusados – ao menos até assumirem a colaboração premiada – é negar os fatos. Alguns se esmeram em criar versões falsas, ditas com a maior convicção.
Nem alguns pregadores da Palavra de Deus se salvam. Ao louvar o “irmão em Cristo” Cunha como o “terceiro homem mais importante da República”, o pastor Abner Ferreira garantiu que “Satanás teve que recolher cada uma das ferramentas contra nós”. Enquanto isso, em certas contas ‘abençoadas’ entram recursos suspeitos, como as investigações revelam. O Deus-dinheiro é cultuado.
Na Lava Jato, a regra dos acusados – ao menos até assumirem a colaboração premiada – é negar os fatos. Alguns se esmeram em criar versões falsas, ditas com a maior convicção.
Ela nos faz acreditar na profecia do Artigo 5 do “Ato Institucional Permanente” do poeta amazônida: “o homem se sentará à mesa com seu olhar limpo, porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa”. Isso eu não vou ver, mas assim há de ser!
O Senhor dos Mares e das Marolas
No ano de 2007, o sucesso subira à cabeça de Lula. O hoje rejeitado filho de Garanhuns era aclamado nacional e internacionalmente como "o cara". Era o cara que teria acabado com a miséria no Brasil, o cara que projetara o país como o primeiro da fila de espera para ingressar no Primeiro Mundo, o cara que ansiava por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, o cara que se julgava capaz de resolver qualquer encrenca internacional, o cara que tornava o Brasil autossuficiente em petróleo, o cara de quem Obama disse, textualmente: "I love this guy! The most popular politician on earth". Te mete! Lula podia tudo. Embora muitos ao seu redor tivessem tombado, saíra incólume do mensalão. Frustrando as expectativas dos que esperavam enfrentá-lo exangue em 2006, colocara no peito a segunda faixa presidencial.
Nesse jogo, porém, Lula tinha muito a agradecer e pouco a oferecer. A prosperidade da economia brasileira, que permitiu saltos na arrecadação, no mercado de trabalho, nas exportações tinha tudo a ver com o espetacular crescimento do mercado chinês, que elevou o preço das nossas commodities. E nada a ver com competência administrativa. O governo, sabe-se agora, era uma versão institucional do Gran Bazaar, lugar de muitos e rentáveis negócios, cuja alma, como sempre em tais arranjos, era a publicidade. O presidente não tinha qualquer das virtudes necessárias a um bom gestor. Sempre foi, isto sim, um político conversador, populista e oportunista. Deveria agradecer aos que, antes dele, assumiram o sacrifício político de colocar o país nos trilhos da responsabilidade fiscal. Mas não.
Ah, se Lula tivesse sido um bom gestor! Com os recursos de que dispôs, com o apoio popular que soube conquistar, com o carisma que Deus lhe deu, teria preparado as bases necessárias a um desenvolvimento sustentável. Nenhum outro presidente, em mais de um século de república, navegou em águas tão favoráveis. Contudo, do alto de sua vaidade, embora fosse apenas um mero e pouco esclarecido barqueiro, ele acreditou ser o senhor dos mares e das marolas. "Vaidade! Definitivamente meu pecado favorito", confessa o personagem representado por Al Pacino em O Advogado do Diabo. E a vaidade de Lula jogou o Brasil no inferno em que hoje ardemos sob o governo de Dilma.
O jornal O Estado de São Paulo de ontem, 23 de agosto, divulgou um relatório de custos dos Jogos Olímpicos. O mais recente levantamento disponibilizado pela prefeitura do Rio informa que, faltando contabilizar algumas despesas de menor monta, os Jogos (que beneficiarão quase exclusivamente a capital carioca) custarão ao povo brasileiro R$ 38,67 bilhões. Se somarmos essas duas extravagâncias lulopetistas, chegaremos a R$ 66 bilhões e a um conjunto de elefantes brancos. Quantas aplicações mais úteis ao país seriam possíveis com tais recursos! Num ano em que o governo corta quase R$ 12 bilhões da área de Saúde e se agrava o caos do setor, corta R$ 9,42 bilhões da Educação e universidades fecham as portas por não disporem de recursos para dar continuidade ao ano letivo, a gestão temerária do lulopetismo continua jogando dinheiro fora para apresentar outro show ao mundo. Gestão temerária se caracteriza por conduta impetuosa, imponderada, irresponsável ou afoita. Não é uma descrição perfeita dos acontecimentos aqui mencionados? O prefeito de um pequeno município já foi condenado por isso.
Percival Puggina
Coisas essenciais
É sempre bom lembrar que não tenho causa alguma, nem estou preocupado em agradar você, nem ninguém. Aliás, querer agradar na profissão de intelectual público é signo de mau-caratismo. Isso não significa que não tenha com você, caro leitor, uma relação de parceria sincera e atenta. Apenas considero essa "fúria do bem" um tédio, além de tornar grande parte do pensamento público um "marasmo de amor".
Vejo-a, refiro-me a essa "fúria do bem", como uma forma de puritanismo. Os puritanos clássicos eram obcecados pela saúde da alma, mas pelo menos tinham perto de seus corações a agonia do pecado. Os novos puritanos têm apenas a certeza da própria pureza. São imperdoáveis por isso.
Percebe-se o puritanismo na medida em que hoje se busca de modo obsessivo a vida limpa e saudável. Imagino que em breve o sexo, como conhecemos, acabará, porque descobrirão, por exemplo, que mulheres que gostam de fazer sexo oral terão tantos por cento a mais de câncer bucal. Bons tempos aqueles em que se misturava sexo com trabalho, dando à vida profissional cotidiana uma certa leveza.
Mas, dito isso, vamos ao que interessa hoje. Recentemente, o mundo inteligentinho ficou estarrecido porque a maior parte dos egípcios está feliz com a ditadura do presidente Sissi. Esse comportamento da maioria dos egípcios parece uma heresia para muitos de nós, quando devia, na verdade, soar como a coisa mais normal do mundo.
Onde estão os "especialistas" que em 2011 afirmavam existir uma Primavera Árabe em curso? Foram acometidos pelo mesmo tipo de cegueira que acomete os religiosos fanáticos em geral: negam a realidade para afirmar um mundo que só existe nas suas cabeças e nos livros escritos em meio a queijos e vinhos.
E quando tudo que falaram não aconteceu, com a cara mais limpa do mundo, fingem que não disseram besteiras. Os profissionais da utopia de hoje são como gente que vende crack para os desgraçados.
As pessoas querem casa, comida e lazer. E dane-se o resto. A soberania popular, na sua intimidade invisível aos olhos de quem é cego, é exatamente essa. Se as pessoas conseguem andar na rua sem serem mortas (como estava acontecendo no Egito), elas fazem qualquer negócio. Minha tese é que aqueles que escreveram sobre "a utopia da Primavera Árabe" têm poucos compromissos com a vida real.
Na maioria dos casos, têm poucos ou nenhum filho, não têm casamentos longos e comprometidos com as famílias dos cônjuges (por isso jovens, normalmente, são aqueles que mais engrossam as fileiras das ideias descoladas da realidade); enfim, trata-se de uma moçada que raramente teme ficar sem salário ou sem grana para o supermercado ou para a escola das crianças.
O Oriente Médio é um inferno. Volátil, instável e com baixíssima institucionalidade. Quando ocorreu uma eleição após a dita Primavera Árabe no Egito, subiu ao poder a Irmandade Muçulmana. Proponho que todo mundo que acha que fundamentalistas islâmicos são aliados da plataforma do PSOL (amor, liberdade e revolta contra o capitalismo), esse partido de semi-celebridades libertárias, vão passar um tempo com eles.
Para grande parte da população que vive no Oriente Médio, se não matarem seu filho ou violentarem sua filha na rua, quando ela volta da escola, é um ganho civilizador. Se para isso eles precisam de alguém que cerceie as liberdades, que nós ocidentais tanto amamos (menos a moçada que admira Cuba e o bolivarianismo), eles topam sorrindo.
Porque a liberdade de pensamento é uma coisa tão cara quanto uma bolsa Chanel, e, na maioria da vezes, ninguém esta nem aí para ela, mesmo.
Vejo-a, refiro-me a essa "fúria do bem", como uma forma de puritanismo. Os puritanos clássicos eram obcecados pela saúde da alma, mas pelo menos tinham perto de seus corações a agonia do pecado. Os novos puritanos têm apenas a certeza da própria pureza. São imperdoáveis por isso.
Mas, dito isso, vamos ao que interessa hoje. Recentemente, o mundo inteligentinho ficou estarrecido porque a maior parte dos egípcios está feliz com a ditadura do presidente Sissi. Esse comportamento da maioria dos egípcios parece uma heresia para muitos de nós, quando devia, na verdade, soar como a coisa mais normal do mundo.
Onde estão os "especialistas" que em 2011 afirmavam existir uma Primavera Árabe em curso? Foram acometidos pelo mesmo tipo de cegueira que acomete os religiosos fanáticos em geral: negam a realidade para afirmar um mundo que só existe nas suas cabeças e nos livros escritos em meio a queijos e vinhos.
E quando tudo que falaram não aconteceu, com a cara mais limpa do mundo, fingem que não disseram besteiras. Os profissionais da utopia de hoje são como gente que vende crack para os desgraçados.
As pessoas querem casa, comida e lazer. E dane-se o resto. A soberania popular, na sua intimidade invisível aos olhos de quem é cego, é exatamente essa. Se as pessoas conseguem andar na rua sem serem mortas (como estava acontecendo no Egito), elas fazem qualquer negócio. Minha tese é que aqueles que escreveram sobre "a utopia da Primavera Árabe" têm poucos compromissos com a vida real.
Na maioria dos casos, têm poucos ou nenhum filho, não têm casamentos longos e comprometidos com as famílias dos cônjuges (por isso jovens, normalmente, são aqueles que mais engrossam as fileiras das ideias descoladas da realidade); enfim, trata-se de uma moçada que raramente teme ficar sem salário ou sem grana para o supermercado ou para a escola das crianças.
O Oriente Médio é um inferno. Volátil, instável e com baixíssima institucionalidade. Quando ocorreu uma eleição após a dita Primavera Árabe no Egito, subiu ao poder a Irmandade Muçulmana. Proponho que todo mundo que acha que fundamentalistas islâmicos são aliados da plataforma do PSOL (amor, liberdade e revolta contra o capitalismo), esse partido de semi-celebridades libertárias, vão passar um tempo com eles.
Porque a liberdade de pensamento é uma coisa tão cara quanto uma bolsa Chanel, e, na maioria da vezes, ninguém esta nem aí para ela, mesmo.
Também gosto da democracia (sem entrar nos problemas que ela tem), mas pensar que a democracia seja um regime universal é a mesma coisa que pensar que o cristianismo pode servir para gregos e troianos. O filósofo Montesquieu, que viveu entre os séculos 17 e 18, dizia que grandes regiões povoadas por muita gente, sem uma ordem institucional mínima, precisavam de regimes autocráticos.
Uma pergunta que me ocorre é: as mulheres de lá gostarão mais de fazer sexo oral do que as nossas?
Uma pergunta que me ocorre é: as mulheres de lá gostarão mais de fazer sexo oral do que as nossas?
Mais uma tragédia anunciada
As universidades federais têm contribuído de forma inequívoca para o crescimento do país. Sua participação começa com a formação de profissionais extremamente qualificados que se transformam em protagonistas no incremento da competitividade das empresas, atuam no magistério e são preparados para a realização de projetos de pesquisa que colocam o Brasil entre os dez países que mais rapidamente aumentam a sua produção científica. Aliás, nosso país representa mais de 60% da produção em ciência e tecnologia de toda a América Latina, desde o México até a Argentina.
Nas universidades federais surgiram as incubadoras e os parques tecnológicos, responsáveis pela instalação de inúmeras empresas inovadoras. A parceria das universidades com as empresas estatais vem contribuindo fortemente para a maior participação destas no cenário econômico mundial.
Julgo interessante mencionar que a estreita colaboração com a Petrobras possibilitou a formação de centenas de mestres e doutores e a geração de tecnologias que promoveram um aumento significativo da nossa produção de óleo e gás.
A contribuição das universidades têm sido determinante para a melhoria das condições ambientais, para o planejamento das cidades, para a oferta de soluções mais econômicas na habitação e, ainda, para o desenvolvimento social. Das suas faculdades de educação surgem propostas para a educação fundamental e o ensino médio e de educação continuada para professores das redes estaduais, contribuindo para o aperfeiçoamento do processo ensino-aprendizagem.
No que concerne às ciências da vida, a presença das universidades federais não é menos significativa. O trabalho desenvolvido nos Institutos da área de saúde vem permitindo grandes avanços em setores relevantes da medicina, como células-tronco, biologia molecular e neurociências.
Erra quem pensa que a realização de projetos em parceria com empresas será a grande "panaceia" para solucionar a crise econômica das universidades.
É importante e salutar transferir conhecimentos para as empresas, mas os professores não podem e não devem dedicar mais de 20% do seu tempo a tais projetos (limite adotado nas boas universidades do mundo) para não sacrificar suas pesquisas e seus cursos, missões de qualquer universidade.
As indústrias também procuram as universidades pela capacidade laboratorial nelas existente.
Vocês já imaginaram se uma pequena empresa inovadora tivesse que adquirir um difratômetro ou um espectrógrafo, equipamentos frequentemente necessários e que chegam a custar centenas de milhares de dólares? Este é um investimento que deve ser parte do orçamento de custeio das universidades.
Errou o governo, quando, há cerca de dez anos, decidiu expandir a rede de instituições federais de ensino superior, estratégia louvável, mas que exigiria um comprometimento com a sustentabilidade de todos os participantes da rede.
Não houve o planejamento adequado e os resultados estão aí: obras paralisadas, laboratórios sucateados, quadro de pessoal insuficiente nos hospitais, cortes de luz por falta de pagamento, bolsas canceladas.
Entendo que, neste caso, a greve não é uma das responsáveis pela tragédia anunciada, porque, mesmo sem ela, as universidades estariam paralisadas pela completa falta de recursos. É preciso que este governo, que criou o lema "Pátria Educadora", tenha o discernimento de identificar adequadamente as prioridades.
Nas universidades federais surgiram as incubadoras e os parques tecnológicos, responsáveis pela instalação de inúmeras empresas inovadoras. A parceria das universidades com as empresas estatais vem contribuindo fortemente para a maior participação destas no cenário econômico mundial.
Julgo interessante mencionar que a estreita colaboração com a Petrobras possibilitou a formação de centenas de mestres e doutores e a geração de tecnologias que promoveram um aumento significativo da nossa produção de óleo e gás.
A contribuição das universidades têm sido determinante para a melhoria das condições ambientais, para o planejamento das cidades, para a oferta de soluções mais econômicas na habitação e, ainda, para o desenvolvimento social. Das suas faculdades de educação surgem propostas para a educação fundamental e o ensino médio e de educação continuada para professores das redes estaduais, contribuindo para o aperfeiçoamento do processo ensino-aprendizagem.
No que concerne às ciências da vida, a presença das universidades federais não é menos significativa. O trabalho desenvolvido nos Institutos da área de saúde vem permitindo grandes avanços em setores relevantes da medicina, como células-tronco, biologia molecular e neurociências.
Erra quem pensa que a realização de projetos em parceria com empresas será a grande "panaceia" para solucionar a crise econômica das universidades.
É importante e salutar transferir conhecimentos para as empresas, mas os professores não podem e não devem dedicar mais de 20% do seu tempo a tais projetos (limite adotado nas boas universidades do mundo) para não sacrificar suas pesquisas e seus cursos, missões de qualquer universidade.
As indústrias também procuram as universidades pela capacidade laboratorial nelas existente.
Vocês já imaginaram se uma pequena empresa inovadora tivesse que adquirir um difratômetro ou um espectrógrafo, equipamentos frequentemente necessários e que chegam a custar centenas de milhares de dólares? Este é um investimento que deve ser parte do orçamento de custeio das universidades.
Errou o governo, quando, há cerca de dez anos, decidiu expandir a rede de instituições federais de ensino superior, estratégia louvável, mas que exigiria um comprometimento com a sustentabilidade de todos os participantes da rede.
Não houve o planejamento adequado e os resultados estão aí: obras paralisadas, laboratórios sucateados, quadro de pessoal insuficiente nos hospitais, cortes de luz por falta de pagamento, bolsas canceladas.
Entendo que, neste caso, a greve não é uma das responsáveis pela tragédia anunciada, porque, mesmo sem ela, as universidades estariam paralisadas pela completa falta de recursos. É preciso que este governo, que criou o lema "Pátria Educadora", tenha o discernimento de identificar adequadamente as prioridades.
A luz no fim do túnel
Cavernas de Miao Keng, em Tian Xing, na China, com 519 metros de profundidade; Foto:Robert Shone |
Pouco importa se a mula claudica. Se a vaca tosse. Se a porca torce o rabo. O bovino continua a marchar a passos largos em direção ao lamaçal. Parece ser esse o destino a que nos autocondenamos.
Entre um suspiro ou outro, a gente vai aceitando o inaceitável. E duvidando que no fim do túnel exista qualquer luz. Ou pior, acreditando que o túnel é infinito. Abraça-se o horror com a paixão dos desinteressados. Como se não fosse conosco. Como se não tivéssemos qualquer coisa ao ver com isso. Como se não fosse culpa (quase exclusivamente) nossa.
O triste, é que, se chegarmos ao fim do túnel, provavelmente não saberíamos o que fazer. Nestes tempos confusos, a gente tem se ocupado somente dos sintomas. I horizonte das soluções, cada vez mais curtos. A miopia vem travestida de pragmatismo. Parece não existir mais preocupação com o futuro. Ou melhor, parece não haver crença que futuro haverá.
Faz tempo que a gente lê sobre a (s) crise (s). Rios de tinta. Quilômetros de papel. Quantidades incontáveis de bites. Mas faz tempo também que a gente não lê qualquer coisa sobre o futuro. Ou melhor, sobre o que fazer para melhorar o futuro. Projetos parecem ter saído de moda.
Depois de arremessar pela janela as oportunidades vindas de anos de bonança, assiste-se quase que passivamente a falência generalizada dos modelos e crenças carcomidos, ultrapassados.
Seria boa hora para rever conceitos, aperfeiçoar modelos, prevenir problemas futuros. Seria. Mas prevenir não parece ser uma de nossas prioridades. Correr atrás do prejuízo é vicio e mania nacional. Coisa nossa.
Nesta mistura de desinteresse, improviso e desespero, mora uma das raízes das crises cíclicas. Foi assim que o país do futebol virou a terra do voo de galinha. Condenado a reviver pesadelos passados.
Talvez não exista mesmo nada de novo embaixo do Sol. Mas a gente não precisa escolher o atraso.
Que mentira, quer lorota boa..
O “Mais Médicos” tem sido bem mais vantajoso para a ditadura cubana. Cuba faturou do Brasil, em dois anos, até julho, mais de R$ 4,3 bilhões.
Leia mais na coluna Cláudio Humberto
A crise que não quer calar
Em momentos de crise, dias valem semanas. A montanha russa da história reveza altos e baixos. As especulações crescem, o horizonte fica nebuloso, as posições se radicalizam, a conspiração ganha corpo, temores afloram, enfim, cada dia é carregado de adrenalina.
Há 21 dias, a semana se iniciava com a nova prisão de José Dirceu. No mesmo dia, Dilma tentou acertar os ponteiros com os líderes de sua base e mostrar que retomara o leme. Na terça e na quarta seguintes, a base derrota o governo no plenário. Um jantar de senadores prenunciava um desfecho rápido para a crise, com o possível afastamento da presidente. O vice-presidente solta uma frase ambígua: “o Brasil precisa de alguém que una o país”. Nas entrelinhas, Dilma não une. As notícias da economia, crescentemente ruins, temperam o ambiente conturbado.
Há 15 dias, a semana começa com a reversão de expectativas. O presidente do Senado dá um passo atrás, joga seu próprio jogo, deixa parte do PMDB a ver navios e se transforma no grande fiador de Dilma, propagandeando uma suposta agenda Brasil – uma coleção de projetos dispersos, reunidos de afogadilho, para preencher o vácuo de liderança do governo. As mulheres do campo, organizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e patrocinadas pela Caixa, pelo BNDES e por Itaipu, realizam uma mobilização “espontânea” de apoio a Dilma. O presidente da CUT faz bravata em pleno Palácio do Planalto ao convocar as massas a irem às ruas com armas defender Dilma. Teve que se retratar. Setores empresariais e parcela da grande imprensa, com medo da turbulência excessiva, pedem a união de todos.
Vem o 16 de agosto. Um milhão e meio de brasileiros vão às ruas dizer basta, chega de tanta mentira e corrupção, confirmando os dados das pesquisas que registram uma rejeição recorde de Dilma, maior, inclusive, que a de Collor. Os líderes oposicionistas vão às ruas. O sereno e experiente ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pede um gesto de grandeza com a renúncia de Dilma. A Procuradoria-Geral da República prepara denúncia ao Supremo, a partir da Lava Jato, que, dizem as más línguas, envolverá como réus quase 100 congressistas, inclusive os dois presidentes das duas Casas legislativas. Mas o epicentro da crise não é o Congresso, é o governo e a corrupção institucionalizada em escala nunca vista. O ajuste fiscal é finalizado e sai muito aquém do necessário e no rumo errado. O dólar dispara, as agências de classificação de risco rebaixam o Brasil, a taxa de juros sobe e as projeções de crescimento para 2015 e 2016 caem.
Fato é que o governo Dilma não tem mais condições de liderar o país, de soluço em soluço, de crise em crise, por mais três anos e meio. A mudança é necessária. A população a quer. Mas o leito e a bússola são a Constituição. Seja por renúncia, cassação ou impeachment, precisamos de um novo governo, forte, com iniciativa e capacidade de ação. Como disse Deng Xiaoping: “Não interessa a cor do gato, se matar o rato”. Com a palavra, as instituições.
Há 21 dias, a semana se iniciava com a nova prisão de José Dirceu. No mesmo dia, Dilma tentou acertar os ponteiros com os líderes de sua base e mostrar que retomara o leme. Na terça e na quarta seguintes, a base derrota o governo no plenário. Um jantar de senadores prenunciava um desfecho rápido para a crise, com o possível afastamento da presidente. O vice-presidente solta uma frase ambígua: “o Brasil precisa de alguém que una o país”. Nas entrelinhas, Dilma não une. As notícias da economia, crescentemente ruins, temperam o ambiente conturbado.
Há 15 dias, a semana começa com a reversão de expectativas. O presidente do Senado dá um passo atrás, joga seu próprio jogo, deixa parte do PMDB a ver navios e se transforma no grande fiador de Dilma, propagandeando uma suposta agenda Brasil – uma coleção de projetos dispersos, reunidos de afogadilho, para preencher o vácuo de liderança do governo. As mulheres do campo, organizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e patrocinadas pela Caixa, pelo BNDES e por Itaipu, realizam uma mobilização “espontânea” de apoio a Dilma. O presidente da CUT faz bravata em pleno Palácio do Planalto ao convocar as massas a irem às ruas com armas defender Dilma. Teve que se retratar. Setores empresariais e parcela da grande imprensa, com medo da turbulência excessiva, pedem a união de todos.
Vem o 16 de agosto. Um milhão e meio de brasileiros vão às ruas dizer basta, chega de tanta mentira e corrupção, confirmando os dados das pesquisas que registram uma rejeição recorde de Dilma, maior, inclusive, que a de Collor. Os líderes oposicionistas vão às ruas. O sereno e experiente ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pede um gesto de grandeza com a renúncia de Dilma. A Procuradoria-Geral da República prepara denúncia ao Supremo, a partir da Lava Jato, que, dizem as más línguas, envolverá como réus quase 100 congressistas, inclusive os dois presidentes das duas Casas legislativas. Mas o epicentro da crise não é o Congresso, é o governo e a corrupção institucionalizada em escala nunca vista. O ajuste fiscal é finalizado e sai muito aquém do necessário e no rumo errado. O dólar dispara, as agências de classificação de risco rebaixam o Brasil, a taxa de juros sobe e as projeções de crescimento para 2015 e 2016 caem.
Fato é que o governo Dilma não tem mais condições de liderar o país, de soluço em soluço, de crise em crise, por mais três anos e meio. A mudança é necessária. A população a quer. Mas o leito e a bússola são a Constituição. Seja por renúncia, cassação ou impeachment, precisamos de um novo governo, forte, com iniciativa e capacidade de ação. Como disse Deng Xiaoping: “Não interessa a cor do gato, se matar o rato”. Com a palavra, as instituições.
Politicamente, analfabetos disfuncionais
Reconhecidamente, o sistema de ensino brasileiro não é menos do que péssimo. Em diversos momentos forma bons profissionais. Mas, praticamente, nunca forma bons cidadãos
Um brasileiro, em fins do século XIX, competente para ler e escrever, seria um nobre ou até um coronel da Guarda Nacional. Na virada do século, éramos 35% de alfabetizados e, em 1950, apenas 49%. O Brasil somente não foi mais paupérrimo na manipulação das letras e dos números quando a população deixou os campos e chegou às cidades: em 1960, os brasileiros alfabetizados já somavam 60%. Agora, nos nossos tempos, teremos apenas 8% de analfabetos nacionais? Motivo de orgulho? Não. Esse número, apontado e avalizado pelo IBGE, é uma lastimável balela.
Agora sim, fica viável entender as manifestações lastimáveis promovidas nos protestos, aqueles que querem a deposição do governo democrático, a volta da ditadura militar e mais:a morte dos que consideram como seus grandes inimigos. O survey (sondagem de opinião, sem rigorismos estatísticos) realizado por um professor da USP permite o desenho do perfil desse povo, o que é razoavelmente evidente. Trata-se de uma maioria absoluta de indivíduos brancos, com a exclusão de negros e de pobres, gente de faixa etária mais alta, vários tendo chegado à senilidade, muitas mulheres, voyeurs sedentos de corpos nus, vendedores ambulantes em trabalho, diversos interessados na carteira e no celular alheios.
Os depoimentos colhidos dessa gente são inacreditáveis, decretando a obsolescência definitiva do Festival da Besteira que Assola o País (Febeapa), obra muito interessante e que retrata as cabeças de generais, coroneis, almirantes e brigadeiros, mentores da ditadura (golpe de 64), mas que se reveste de candura infantil diante da produção que se faz e mostra, na avenida Paulista dos dias atuais. As faixas transportadas pelos “mulas” contratados trazem dizeres sem sentido, escritos em língua que identifica o analfabetismo funcional predominante. Mas não estamos tratando de um segmento social e economicamente privilegiado? Sim, estamos. E as pesquisas também mostram que 38% dos nossos universitários gozam dessa condição: são analfabetos funcionais.
O projeto de massificação do ensino foi parido pela ditadura, sob orientação do Coronel Jarbas Passarinho, com o malfadado MOBRAL, enquanto o ensino de História e outras ciências sociais era substituído por aulas de “educação moral e cívica”. Tempos de “Brasil – ame-o ou deixe-o”, recitado nas aulas obrigatórias de educação física. A ditadura formou milhares e milhares de jovens alienados, coerentes, e que hoje são fascistas. Uma geração de intelectuais que estudava o Brasil foi levada ao ostracismo: Caio Prado Junior, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado, Antônio Cândido, Florestan Fernandes.
O cinema nacional ficou reduzido à produção de pornochanchadas, o teatro foi transformado em forma de lazer que antecede a pizza do sábado à noite, em que pesem os esforços magníficos de Gianfracesco Guarnieri, Zé Celso, Vianinha, Ruth Escobar e outros. A música foi proposta na forma alienadora da “jovem guarda”, perdida nas curvas das estradas de Santos, embora, e exatamente aí, tenha havido a contestação mais séria à violência: Chico Buarque foi o maior exemplo de como a sensibilidade artística e a inteligência cultivada podem ridicularizar a violência dos torturadores assassinos.
O segundo momento de aviltamento do ensino no Brasil veio com os oito anos FHC.
Da mesma forma que privatizaram as empresas do Estado, privatizou-se o ensino. A universidade federal foi empobrecida em quantidade e qualidade; o MEC orientou para que as escolas públicas falissem, sendo substituídas pelas empresas do comércio do ensino. Mais do que nunca, elitizaram-se o ensino e a cultura: os filhos das elites que estudassem nos ótimos colégios particulares, habilitando-se ao doutoramento das universidades públicas ou nas universidades norte-americanas.
Há uma reversão de tendência a partir do primeiro governo Lula, quando o MEC começou a atuar para o fortalecimento da Universidade Federal, incentivando a pesquisa, remunerando de forma digna os professores, criando universidades. O ensino obrigatório de Ciências Sociais, Filosofia e Sociologia volta a ser obrigatório no Ensino Médio. Contemplam-se a Música e as Artes.
Neonazistas, perfilados na última manifestação convocada pela ultradireita, fazem a saudação que marcou o regime do alemão Adolf Hitler e mostram como reagem os analfabetos desfuncionais, no Brasil
E cometem equívocos e omissões muito sérios. Os chamados “sistemas de ensino”, produzidos por empresas comerciais que negociam suas ações em Bolsa de Valores, bestificam jovens brasileiros com material didático de péssima qualidade e onde o professor fica reduzido à condição humilhante de “repetidor de aula”. A tentativa política de deputados hoje, na era Eduardo Cunha, no sentido de esvaziar o conteúdo do ensino nas escolas, já é uma realidade rotineira. Em meados da década passada, o Sistema de Ensino da Abril Cultural utilizava a revista Veja para caluniar escolas que se preocupavam em transmitir a realidade brasileira aos seus alunos, identificando e acusando professores “comunistas”. A mesma Abril inaugurou o mecanismo de corrupção, junto a prefeituras e prefeitos, facilitando a venda do seu material para consumo nas escolas municipais. Corruptores e corrompidos.
Eis aqui um desafio aos que não entenderam ainda a necessidade de uma Constituição de olhos voltados para o século XXI. O pacto federativo precisa ser revisto radicalmente!
Sobre Educação, a maioria dos Estados e a quase totalidade das prefeituras carecem de condições mínimas para cumprimento das atribuições que lhes são delegadas. A Carta de 1988 adotou uma descentralização irreal e que vai provocando disfunções seriíssimas. Entre as diretrizes elaboradas pelo MEC e a ação política de governadores e prefeitos há um abismo intransponível.
Tanto a incompetência interesseira de políticos regionais como o utilitarismo dos comerciantes do ensino, ambos tornaram absolutamente impossível a modernização do ensino básico. Como resultado dessa paralisia no tempo, as paredes das salas de aula formatam hoje um espaço que sufoca os jovens, expostos às dimensões quase infinitas da Internet que se abrem através do computador. Os adolescentes, aprisionados na escola convencional, ainda encontram liberdade nos espaços dos shopping centers. O que está sendo afirmado aqui fica evidente quando se lembra que as últimas experiências inovadoras significativas no Brasil foram a Universidade de Brasília, com Darcy Ribeiro, e os CIEPS, com Brizola e o mesmo Darcy Ribeiro.
O Direito à Educação é assegurado pela Constituição Federal como um direito fundamental, tendo sido contemplado pela Constituição no artigo 6 º, localizado no capitulo intitulado “Direitos Sociais”. O Ensino Básico (Fundamental + Médio) impõe-se como direito assegurado a todo cidadão brasileiro. Tanto quanto a reforma agrária, ou a limitação do direito de propriedade pelo interesse social … Letras, letras mortas. É bem verdade que os governos de Lula e Dilma se fixaram no ideal do “ensino para todos”. A partir disso, desenvolveu-se e desenvolve-se um esforço orientado por critérios de quantidade, mas não de qualidade.
No afã de formar gente de nível universitário, os governos do PT quase que atingiram o exagero de uma antiga piada: “brasileiro, ao nascer, ganha o título de doutor, aos 18 anos devendo fazer uma opção”. A universalização universitária não será uma utopia desastrada? De novo a mesma preocupação: quantidade; e o que fazem com a qualidade: É baixa, pouca e insuficiente?
Um dos equívocos mais grosseiros foi cometido com a criação do FIES. O Ministro da Educação acaba de corrigir as distorções gritantes de um programa demagógico. Até recentemente, alguns vários bilhões de reais foram destinados ao financiamento de estudantes, em universidades reconhecidas pelo próprio MEC como sendo de qualidade inferior, concentrados nos Estados mais ricos, com financiamento concedido a filhos de famílias de classe-média, para matrícula em cursos de Direito, Administração e similares. O Ministro Renato Janine Ribeiro limitou o uso do benefício a famílias pobres, nas regiões mais pobres do país, para cursos de Engenharia, Medicina e similares, ministrados em escolas que venham merecendo boa conceituação.
Alvíssaras. As coisas vão tomando forma digna,pois tivemos alguns anos de descalabro descompromissado.
Eis aqui um desafio aos que não entenderam ainda a necessidade de uma Constituição de olhos voltados para o século XXI. O pacto federativo precisa ser revisto radicalmente!
Sobre Educação, a maioria dos Estados e a quase totalidade das prefeituras carecem de condições mínimas para cumprimento das atribuições que lhes são delegadas. A Carta de 1988 adotou uma descentralização irreal e que vai provocando disfunções seriíssimas. Entre as diretrizes elaboradas pelo MEC e a ação política de governadores e prefeitos há um abismo intransponível.
Tanto a incompetência interesseira de políticos regionais como o utilitarismo dos comerciantes do ensino, ambos tornaram absolutamente impossível a modernização do ensino básico. Como resultado dessa paralisia no tempo, as paredes das salas de aula formatam hoje um espaço que sufoca os jovens, expostos às dimensões quase infinitas da Internet que se abrem através do computador. Os adolescentes, aprisionados na escola convencional, ainda encontram liberdade nos espaços dos shopping centers. O que está sendo afirmado aqui fica evidente quando se lembra que as últimas experiências inovadoras significativas no Brasil foram a Universidade de Brasília, com Darcy Ribeiro, e os CIEPS, com Brizola e o mesmo Darcy Ribeiro.
O Direito à Educação é assegurado pela Constituição Federal como um direito fundamental, tendo sido contemplado pela Constituição no artigo 6 º, localizado no capitulo intitulado “Direitos Sociais”. O Ensino Básico (Fundamental + Médio) impõe-se como direito assegurado a todo cidadão brasileiro. Tanto quanto a reforma agrária, ou a limitação do direito de propriedade pelo interesse social … Letras, letras mortas. É bem verdade que os governos de Lula e Dilma se fixaram no ideal do “ensino para todos”. A partir disso, desenvolveu-se e desenvolve-se um esforço orientado por critérios de quantidade, mas não de qualidade.
No afã de formar gente de nível universitário, os governos do PT quase que atingiram o exagero de uma antiga piada: “brasileiro, ao nascer, ganha o título de doutor, aos 18 anos devendo fazer uma opção”. A universalização universitária não será uma utopia desastrada? De novo a mesma preocupação: quantidade; e o que fazem com a qualidade: É baixa, pouca e insuficiente?
Um dos equívocos mais grosseiros foi cometido com a criação do FIES. O Ministro da Educação acaba de corrigir as distorções gritantes de um programa demagógico. Até recentemente, alguns vários bilhões de reais foram destinados ao financiamento de estudantes, em universidades reconhecidas pelo próprio MEC como sendo de qualidade inferior, concentrados nos Estados mais ricos, com financiamento concedido a filhos de famílias de classe-média, para matrícula em cursos de Direito, Administração e similares. O Ministro Renato Janine Ribeiro limitou o uso do benefício a famílias pobres, nas regiões mais pobres do país, para cursos de Engenharia, Medicina e similares, ministrados em escolas que venham merecendo boa conceituação.
Alvíssaras. As coisas vão tomando forma digna,pois tivemos alguns anos de descalabro descompromissado.
A pobreza é tal que, mesmo à esquerda, frequentemente se vê o dogmatismo tolo, simplificador de tudo: ‘os que não pensam exatamente como eu penso são fascistas’. Perderam alguns a capacidade de pensar e, de pensar indagativamente. Não há espírito crítico, o que o ensino puramente técnico e de má qualidade não contempla.
O que tudo isso tem a ver com o 16 de agosto? Serve para que se entenda toda aquela gente como o lixo social que as nossas escolas estão deformando. Para pedir a ditadura militar e a morte de políticos desagradáveis, as pessoas precisam passar por um apurado processo de animalização, aquele que o nosso sistema de ensino tem oferecido. O marketing transformando tudo em produto de consumo não durável, consumidores consumíveis, produz o restolho obsoleto do que teria sido um ser, e humano; hoje na avenida são zumbis alucinados.
Enfim, o esforço dos governos Lula e Dilma tem revertido tendências perversas, mas incorpora equívocos. Quem, não apenas os dois, mas pensados todos os que habitam hoje o nosso mundo político, possui competência para distinguir o que é humano daquilo que é simples charlatanismo?
Maria Fernanda Arruda
Anúncio amador mostra a desorganização do governo
Após anos de cobrança pelo inchaço da máquina federal, o governo resolve cortar 10 dos 39 ministérios. Baita notícia, condizente com a necessidade de sinalizar sintonia com o momento difícil do país –ainda que, na prática, a tosa acabe sendo mais cosmética do que efetiva, dado que não se faz muita economia meramente cortando pastas.
O que um governo faria? Convocaria uma entrevista com antecedência, visando atrair a atenção da mídia, e apresentaria planos claros. Poderia até tentar associar a austeridade com o previsível recrudescimento da crise econômica devido às novas más notícias vindas da China.
Bom, houvesse governo em Brasília, isso teria ocorrido. Como se trata da gestão agônica de Dilma Rousseff, o que se vê é um ministro anunciando timidamente, “no susto”, que a medida bombástica irá acontecer, só não sabe bem dizer como.
O amadorismo do anúncio desta segunda é um reflexo cristalino da desorganização que impera na Esplanada dos Ministérios, dado que a piloto sumiu da cabine de comando.
Há também a grande probabilidade de o corte ter o mesmo fim da tal Agenda Brasil, que sumiu dos discursos oficiais com a velocidade com que surgiu: criar fumaça para tentar esconder a origem do incêndio.
O que um governo faria? Convocaria uma entrevista com antecedência, visando atrair a atenção da mídia, e apresentaria planos claros. Poderia até tentar associar a austeridade com o previsível recrudescimento da crise econômica devido às novas más notícias vindas da China.
Bom, houvesse governo em Brasília, isso teria ocorrido. Como se trata da gestão agônica de Dilma Rousseff, o que se vê é um ministro anunciando timidamente, “no susto”, que a medida bombástica irá acontecer, só não sabe bem dizer como.
O amadorismo do anúncio desta segunda é um reflexo cristalino da desorganização que impera na Esplanada dos Ministérios, dado que a piloto sumiu da cabine de comando.
Há também a grande probabilidade de o corte ter o mesmo fim da tal Agenda Brasil, que sumiu dos discursos oficiais com a velocidade com que surgiu: criar fumaça para tentar esconder a origem do incêndio.
Quando a periferia será o lugar certo, na hora certa?
1) “Estava no lugar errado, na hora errada”
“Ele nunca teve nada a ver com crime. Era pacato, de família.Estava no lugar errado na hora errada. O nome Deivison foi porque meu pai gostava das motos Harley-Davidson.”
(Jorge Henrique Lopes Ferreira, 31, técnico de celulares, sobre o irmão, Deivison Lopes Ferreira, 26, assassinado em 13 de agosto. O pai de ambos foi assassinado há 18 anos, no mesmo bairro, da mesma maneira, num crime jamais esclarecido.)
“O Thiago estava desempregado havia um mês, mas era uma pessoa excelente e infelizmente estava na hora errada, no lugar errado.”
(Alessandra de Lima, 37, dona de casa, sobre o irmão Thiago Marcos Damas, 32, assassinado.)
“Eu vou ter de voltar à normalidade, seguir a minha vida. Perdi um companheiro e um amigo. Por mais que eu queira, infelizmente não posso mudar de casa. Foi o caso de estar no lugar errado e na hora errada.”
(Jean Fábio Lopes, 34, ajudante em lanchonete, sobre o companheiro, Eduardo Oliveira dos Santos, 41, artesão, assassinado)
“Foi muito rápido e muito trágico. Estava no lugar errado e na hora errada.”“Estava no lugar errado e na hora errada” foi o comentário mais frequente dos familiares dos 18 mortos, seis feridos, na periferia de Osasco e Barueri, na Grande São Paulo, na maior chacina de 2015. A expressão dá conta de uma máxima: “na periferia há preto ladrão, branco ladrão e aquele que está no lugar errado e na hora errada”. A frase também culpa, ainda que indiretamente, aquele que morre.
(Alberto Martins, sobre o irmão, Fernando Luiz de Paula, 34, pintor, assassinado)
Por que, afinal, ele estava aonde não deveria de estar, do lado de fora, na rua? Não tinha nada de estar ali. Para não estar na hora errada, no lugar errado, é preciso ficar trancado dentro de casa. Se estivesse trancado dentro de casa, estaria vivo. Comentários como estes são escutados o tempo todo nas periferias, tanto que se tornaram um clichê. Cada vez mais acuados, aqueles que não querem morrer se resignam a desistir do espaço público.
É a vida dos escravos, sonhada por seus senhores: de casa pro ônibus lotado, do ônibus lotado pro trabalho, do trabalho pro ônibus lotado, do ônibus lotado pra casa. Gente pobre não precisa de lazer ou o lazer é ver TV em casa, preferencialmente programas em que apresentadores, alguns deles com ambições eleitorais, criminalizam pobres e ofertam a imagem de seus corpos no altar midiático. Quem frequenta bar, sabe que pode morrer, é este o recado. Como na noite de 13 de agosto, como em tantas outras noites.
Ser encurralado por homens encapuzados e executado a tiros nunca é a possibilidade no lugar certo e na hora certa
Como pode ser lugar errado e hora errada estar num bar perto de casa antes da meia-noite? Mas assim é. Se há um lugar errado e uma hora errada, supõe-se que existiria então um lugar certo e uma hora certa. Mas a periferia nunca é o lugar certo. Na periferia nunca há hora certa. Já nos bairros nobres de São Paulo, no centro expandido, todo bar é um lugar certo, toda hora é certa. Também na noite de 13 de agosto.
Nenhum dos homens e mulheres de classe média e alta que lotaram os bares da Vila Madalena ou do Itaim Bibi, na mesma noite e hora, jamais precisou pensar sobre a possibilidade de que encapuzados pudessem entrar e executá-los. Nem que as faxineiras no dia seguinte, elas que vêm do outro lado do rio, tivessem de limpar seu sangue com rodo. Não é preciso pensar nisso, nem faz qualquer sentido. Ser encurralado por encapuzados e executado a tiros nunca é a possibilidade no lugar certo e na hora certa.
Ao se depararem com o corpo de filhos, pais, maridos, irmãos, o que os pobres dizem? Ao se confrontarem com o cadáver de quem amam estirado no asfalto, à espera de ser recolhido, ou estendido numa maca no pátio aberto do Instituto Médico Legal, porque faltou geladeira para todos, o que eles afirmam? “Estava no lugar errado, na hora errada”. É a frase com que a mãe espera convencer a sociedade, pela derradeira vez, de que seu filho era inocente e não merecia ser morto a balas. Em seguida, o absurdo se naturaliza na matéria de jornal e vira normalidade: “A maioria dos familiares disse que as vítimas trabalhavam e não viu motivo para execuções”. Isso é quase tão desesperador quanto a morte, porque também é um tipo de morte. E também mata.
Leia mais o artigo de Eliane Brum
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