terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Nada menos que tudo a que temos direito

A grande curtição tem sido ver cair os cacos do império da mentira. Assuntos nunca dantes abordados estão em pauta. A “patrulha” era um tigre de papel. É palpável o alívio mesmo de quem até ontem, por ação ou omissão, atuava como agente da censura, por poder voltar a admitir valores como valores, não ter mais de fazer cara de paisagem diante de toda e qualquer agressão à inteligência e ao bom senso que nos atirassem aos ouvidos, chegar às conclusões a que as premissas obrigam, não ter de engolir perguntas óbvias diante de fatos clamando por elas.

Uma delícia ver a serenidade com que o general Heleno descreve o que seja uma “regra de engajamento” tendo a sutileza de recorrer aos documentos das instituições multilaterais que o adversário cultua no seu altar de manipansos sagrados como cala-boca ou a verdade translúcida com que revela a urbanóides embasbacados porque é que o índio de conto de fadas não existe. Um alívio ouvir os últimos servidores que precisaram estudar para passar de ano. Os ultimos brasileiros que estiveram isentos da mentira que virou essa educação pública que queria transformar o Enen de medida do desempenho de professores e alunos na luta por um lugar ao sol para o Brasil na arena global em atestado de submissão ideológica.

Vai virando pó aquela reminiscência dos processos stalinistas onde não bastava à vítima inocente aceitar a culpa pelo crime que lhe imputavam, ela tinha de exigir publicamente a sua própria execução. Retomam-se as garantias mínimas aquem das quais nada mais faz sentido e caminha-se reto para a barbárie e a servidão. Restabelecem-se os direitos individuais entre os quais o mais elementar é o de defender a própria vida. Tem um inegociável valor de princípio muito mais importante que o seu possivel efeito prático a decisão de reconstituir a verdade que o Brasil em peso afirmou no plebiscito do desarmamento.

É um enorme avanço, enfim, retornar à estaca zero!


Mas o “capitão” promete combater com as de direita as ideologias de esquerda que nos impuseram e isso não é bom nem para variar. A verdade é que ele tem sido bem menos incisivo do que deveria quanto aos vícios realmente nefastos que permanencem intocáveis abraçados pelos dois lados. Não é para acampar, então, na frente do palácio, nem física nem virtualmente, e cantar todas as manhãs “Obrigado presidente, óh luz do meu coração!” sob o risco de tornar-se indistinguivel dos idiotas do lado de lá que tanto prejudicaram este país. A missão primordial de um governo moralmente digno é estabelecer claramente a relação de causa e efeito entre as duas únicas abundâncias do Brasil de hoje – a de privilégios e a de misérias. Não basta comprometer-se com “gastar só o que for arrecadado”. A questão que importa é definir COM QUEM o Brasil deve passar a gastar o que for arrecadado. E a de um eleitor e cidadão que ainda não tenha começado a babar é exigir isso com radicalidade proporcional ao tamanho do crime que os números das contas nacionais traduzem.

R$ 218 bilhões de deficit no INSS com seus 33 milhões de mal assistidos miseraveis; R$ 87,5 bilhões de buraco na previdência só do milhãozinho de nababos da seção da corte instalada em Brasilia, não computados os dos 26 estados falidos e os dos 5.570 municípios inadimplentes. Funcionários que na média atual de expectativa de vida cruzada com a idade média das aposentadorias públicas permanecerão 24 anos os homens, 31 anos as mulheres, vivendo às custas do favelão nacional com o maior salário de suas vidas infalivelmente “corrigidos” ano após ano, até por “ganhos de produtividade”.

Isso mata o Brasil.

Um governo moralmente digno tem de apontar a imoralidade e a temeridade de não fazer a reforma inteira. Tem de denunciar o custo em sangue para um país que já não tem mais de onde tirar de continuar pagando mais de dois por menos de um servidor público. Tem de denunciar o custo em tempo para uma geração que só viverá desta vez, das alternativas meia-sola para o que é justo e para o que é certo fazer.

Jair Bolsonaro tem muito mais força do que confessa. E o Congresso Nacional muito menos que a que ele lhe atribui de cima dos seus 58 milhões de votos. Temer não tinha nenhum e falava mais grosso que ele. O que tem faltado é investir a mesma testosterona que ele esbanja para condenar a parte mais carnavalesca da indecência geral vigente contra o componente mais letal da obscenidade do “sistema” que é a apropriação do que é de todos pela camarilha do privilégio. Esse privilégio que ele e excelentíssima família também desfrutam e que corrompe a cada segundo de sobrevida que o governo lhe dá porque afirma, subversivamente, o inadmissivel como aceitável. Esse privilégio que mata a cada segundo de sobrevida que o governo lhe dá por tudo de que priva o Brasil dos “sem nada” na saude, na segurança pública e na educação.

No mais, são outras equalizações. Humanizar o sistema penitenciário é acabar com a desigualdade perante a lei. Enquanto houver uma qualidade de prisão para cada casta a massa dos nossos “intocáveis” continuará sendo amontoada nos tugúrios a que está relegada hoje e ninguém terá paz. Só quando todos os brasileiros estiverem sujeitos à mesma lei e ao mesmo destino, na alegria e na tristeza, na saude e na doença, na riqueza e na pobreza, essas prisões começarão a ser consertadas. Só quando os brasileiros estiverem todos sujeitos à mesma lei e ao mesmo destino tudo o mais começará a ser consertado. Enquanto a casta que desenha as regras do jogo estiver dispensada de cumpri-las, enquanto tiver certeza de permanecer isenta das misérias que produz e ao abrigo das tempestades que desencadeia, enquanto não tiver seu emprego tão instavel quanto o nosso e a garantia da sua velhice condicionada ao que fizer na idade produtiva, ela não desenhará as coisas, nem com mais cuidado, nem com mais economia.

Jair Bolsonaro tem a força do Brasil. E não ha nenhuma razão para o Brasil aceitar menos do que tudo a que tem direito.

Pensamento do Dia


Ficou faltando

Qualquer governante leva tempo para sair do modo campanha eleitoral e engrenar na planície mais substantiva do liderar e fazer. Alguns, como Donald Trump, preferem o abismo a desgarrar-se da retórica que os catapultou ao poder. Passados dois anos à frente da Casa Banca, o presidente dos Estados Unidos continua entrincheirado em bordões que só fazem nexo para seu eleitorado mais fundamentalista. De braços cruzados sobre o peito em gestual de birra, ele exige do Congresso a alocação de US$ 5 bilhões para a construção de sua mítica muralha anti-imigração, sem abandonar a fantasia de que o México pagará pela obra. Descolamento tão agudo da realidade costuma sair caro para governante e governados. O ex-líder soviético Nikita Kruschev conheceu os limites do conselho que deu a Richard Nixon em meados do século passado: “Se as pessoas acreditam que ali existe um rio imaginário, melhor não dizer que não há rio algum. Melhor construir uma ponte imaginária sobre o rio imaginário”. Como se sabe, Kruschev e Nixon acabaram defenestrados do poder.

Na safra de discursos de posse e primeiras entrevistas dessa chamada “Nova Era”, ou “Revolução”, do Brasil de Bolsonaro, é fácil descabelar-se com a enxurrada de arabescos verbais — “libertar o Itamaraty”, “despetizar o governo”, “desesquecer”, “o Brasil preso fora de si mesmo”, “Gnosesthe ten aletheian kai he aletheia eleutherosei humas”, “menino veste azul, menina veste rosa”, com sua incongruente bandeira de Israel ao fundo.


Arroubos assim costumam atingir seu objetivo num primeiro momento: a demonização do adversário derrotado ou de algum inimigo imaginário compensa a incapacidade de formular uma análise ou argumentação mais consequentes. Frases de efeito atuam como palavras de ordem mobilizadoras, mesmo quando incompreensíveis. O “azul/rosa” foi apenas uma metáfora para a “nova era”, esclareceu em entrevista à GloboNews a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Mas como já ensinou George Orwell, metáforas não raro são coleções de palavras sem poder evocativo, usadas para salvar pessoas com dificuldade de criar frases próprias.

Décadas atrás, um afiadíssimo diretor de redação dividia em três categorias a parte de sua tribo que lhe dava trabalho: articuladores do caos, simuladores de produtividade e falsos ecléticos. Destes, os que mais o irritavam eram os simuladores de produtividade, e certamente vociferaria ao ver o pacote de metas divulgadas pelo novo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Elas ocuparam duas páginas inteiras do GLOBO, são compostas de 203 itens perfeitamente divididos por áreas, e subdivididos por prazo de cumprimento. Uma beleza.

Merecidamente, visto ser esta a questão que mais aflige e afeta os 17 milhões de cidadãos do estado, a lista começa pela segurança pública, e lá pelas tantas, como tarefa a ser cumprida pela Polícia Civil em cem dias cravados, lê-se: “Aumentar em 20% o número de indiciamentos e elucidação dos crimes no estado, em comparação ao mês anterior e ao mesmo período do ano anterior.”

Com prazo um pouco maior, de no máximo 180 dias, consta: “Aperfeiçoar as investigações dos homicídios para aumentar a identificação de autoria.”

Cabe perguntar se no lote de novos indiciamentos e elucidação de crimes constará o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A fuzilaria que, segundo o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, deixou um cipoal de pistas de poderosos interessados em impedir sua elucidação, completa dez meses no próximo dia 14.

Cabe também apontar para a ausência de qualquer referência à existência e atuação das milícias no estado, apesar do detalhado empenho do governador em dizimar o crime organizado. O enquadramento dos chefes do tráfico como terroristas, o abate de traficantes armados com fuzis — idealmente de forma certeira, com “tiros na cabecinha” —, a idealização de uma prisão como Guantánamo (umbilicalmente associada à prática de tortura) para os que não forem mortos, muito foi dito para combater a bandidagem. Faltou pronunciar a palavra mais incômoda: milícias, essa gangrena que avança sobre a lei, o poder e a vida do cidadão fluminense.

No universo da arte, navegar pelo imaginário é crucial . “ Mas minha senhora”, teve de explicar Henri Matisse a uma senhora indignada porque a figura feminina de um dos quadros tinha uma perna mais curta que a outra, “isso não é uma mulher. Isso é uma pintura” . Na vida política, para usar um vocábulo introduzido essa semana pelo novo chanceler, às vezes é imperioso “desesquecer”.

Bolso Mirror

A primeira semana do governo de extrema direita foi uma sessão de horror. Com várias opções de enredo para a livre escolha do distinto público. No episódio protagonizado pelo ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores), o espectador da aldeia globalista foi provocado a escolher, mesmo com chance zero de alterar a narrativa: The New York Times ou José de Alencar? CNN ou Raul Seixas?

Deus ou o Diabo na Terra do Sol? Sebastianismo ou marxismo? Tudo como se fosse apenas a primeira pergunta do Bandersnatch (Netflix): sucrilho ou cereal?

Segura o controle remoto, nobre patriota, que o seriado está apenas começando. A ministra Damares Alves (Família) não ofereceu alternativas: menino veste azul, menina veste rosa. E “play” na fita.

Há quem desconfie que a pauta moral da pastora seja cortina de fumaça para encobrir as bombas da economia, educação, agricultura, meio ambiente etc.

Enquanto os botecos da esquina e das redes sociais pegam fogo em discussões sobre modos de homem & modinhas de fêmea, a caneta Bic ou Compactor do Messias assina medidas que protegem apenas os portadores de Montblanc e arrocha ainda mais os desprotegidos, “feios, sujos e malvados”.

Igualdade de gêneros ou menos oito reais no salário mínimo? Não deixa de ser outra pergunta para o cidadão-telespectador do seriado em cartaz. Em um país tropical esquecido por Deus — recordista em assassinatos de gays e feminicídios provocados por homens que sempre se vestiram de azul —, vejo as duas pautas como importantíssimas. Deixo o filme correr solto.

Assim como na distopia geral de Black Mirror, alguns de nós vivemos a ilusão de donos do controle remoto da fábula. Mas que nada. Como se um post lacrador ou um meme de escárnio fosse capaz de frear o horror, o horror.

Messias no comando, auxiliado por gentes e robôs, segue firme no combate ao “socialismo” da nação cujos deuses são os banqueiros, latifundiários, pastores universais da infâmia e coronéis eletrônicos da tevê. Maldito comunismo tropicaliente: quase 30% da renda do Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país, a maior concentração do tipo no mundo — é o que indica a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018, coordenada, entre outros, pelo economista francês Thomas Piketty, conforme revelou o EL PAÍS Brasil.

Tempo de contribuição ou idade mínima para a aposentadoria? Com ou sem Justiça do Trabalho? Índio ou madeireiro na Amazônia? Terra redonda ou plana?

São tantas indagações que o filme não anda. Escolha o seu rumo na história. No GPS da vida real pós-eleições não costumamos encontrar postos Ipiranga em qualquer esquina. Nem para abastecer o carro do motorista Queiroz, condutor dos gabinetes da família oficial.

Sorria, você perdeu o controle das ações.

Boas intenções, ideias escassas

Belas intenções, com promessas de limpeza e transparência, marcaram os discursos de posse dos novos presidentes do Banco do Brasil (BB), da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Escoteiros dificilmente poderiam ser mais enfáticos ao falar da honestidade e de outros bons princípios. Mas escoteiros poderiam também discorrer sobre a função social de seus grupos e seus objetivos. Quase nada se falou sobre esses temas. Houve menções ao financiamento habitacional da Caixa e ao microcrédito. Houve referência a “grandes serviços” prestados pelo BNDES e a um possível ciclo de investimentos em uma nova economia. Para quem esperava propostas, foram falas quase tão frustrantes quanto a do ministro da Economia, Paulo Guedes.


Pode-se fazer uma boa feijoada ou um bom baião de dois com a mistura de vários ingredientes, mas o ministro foi menos feliz em seu discurso. Segundo ele, o dirigismo econômico travou o crescimento brasileiro e corrompeu a política. Ele mencionou também o crédito estatizado, o mau uso de recursos públicos e a associação dos bancos estatais “com piratas privados, políticos corruptos e algumas criaturas do pântano”.

O palavrório pode até impressionar o ouvinte mais entusiasmado, mas o mais atento gostaria de entender o sentido da palavra “dirigismo”. O termo é inegavelmente obscuro. Dirigismo é o crédito agrícola do BB? É o financiamento do BNDES para máquinas e equipamentos? É o investimento da Embrapa em tecnologia agropecuária? É o apoio federal a projetos de saneamento básico? É a concessão de favores a amigos da corte? É a bandalheira nas licitações públicas? É o protecionismo das políticas de conteúdo nacional, recortadas para benefício de setores e grupos selecionados?

O ministro se absteve de qualquer distinção entre duas ordens de fatos bem diferentes. A primeira inclui o planejamento, a definição de ações estratégicas, a moldagem de instrumentos de ação e a metodologia de implantação, execução e revisão de políticas públicas. A segunda inclui as bandalheiras do protecionismo injustificável, a seleção de campeões nacionais, as nomeações políticas, o desprezo às técnicas de administração e a pilhagem do Estado.

O primeiro grupo caracteriza a ação do Estado como indutor do desenvolvimento e promotor da equidade social. O segundo corresponde à captura do aparelho estatal por interesses privados, a mais perversa forma de privatização, escancarada pelas investigações da Operação Lava Jato.

Ao usar a palavra dirigismo, o ministro confundiu dois conjuntos de fatos, a ação legítima do poder público em vista de objetivos econômicos e sociais e a captura dos meios públicos por interesses privados. A ação legítima do governo pode fracassar e, em certos casos, degenerar e favorecer o banditismo, mas nenhum analista cuidadoso e razoavelmente informado faz um mexidão com todos esses elementos. Espera-se algo melhor do ministro da Economia. Essa expectativa é especialmente necessária diante de um governo em boa parte marcado pela carência de ideias.

A posse de novos presidentes do BB, da Caixa e do BNDES poderia ter propiciado boas exposições sobre um conjunto de temas de enorme importância. Justifica-se, ainda, a existência dessas três instituições? Em caso positivo, têm valor estratégico? Podem seguramente oferecer algo mais que os bancos privados? Quais as funções principais de cada uma, a partir de agora?

Deixando de lado os desvios (como a política dos campeões nacionais), quais devem ser os objetivos centrais do BNDES? Financiar pequenas empresas, só por serem pequenas? Ajudar startups inovadoras, partilhando riscos evitados por bancos particulares? Apoiar privatizações? Manter os velhos financiamentos para compras de bens de capital? Temas como esses, fundamentais, têm sido em geral ignorados pela nova equipe de governo. Obviamente chegou a Brasília sem planos e sem pensar nas grandes questões. Planos envolvem muito mais que vagas ideias sobre os males de um mal definido dirigismo.

Brasil mínimo


Liberdade de imprensa, pilar de toda democracia

O direito à livre expressão não é artigo de luxo. A liberdade de imprensa irrestrita não é algo a que uma democracia possa renunciar, mas que, sim, precisa ser defendida com toda força, pois ela é o pilar dessa forma de Estado que proporciona ao indivíduo o máximo possível de liberdade, e a melhor proteção a todas as minorias.

Só se há possibilidade de se expressar livremente, de questionar criticamente as ações e omissões da política e economia, de investigá-las sem obstáculos e, justamente, de publicar as revelações resultantes, há a possibilidade de desvelar e, no melhor dos casos, impedir corrupção e abusos.

Essa constatação está longe de ser nova. Especialmente nós, alemães, aprendemos, o mais tardar com Adolf Hitler, como é importante o jornalismo independente. Foi uma estratégia calculada o fim da imprensa independente coincidir com o início de seu regime de terror.


Mas o que significa esse conhecimento hoje? Em primeiro lugar, que não podemos deixar de noticiar sobre a repressão de jornalistas, de exigir a libertação de colegas presos e de denunciar os dirigentes que tentem coibir a livre expressão de opinião. Isso significa que devemos instar nossos próprios governos e partidos de oposição a se engajarem justamente nisso, por vias diplomáticas mas, se necessário, também através de ações concretas.

Em especial a União Europeia precisa se perguntar como pretende lidar com países-membros que restringem cada vez mais a liberdade de imprensa, em que as leis são modificadas nesse sentido, juristas críticos são demitidos e opositores do regime, neutralizados. Em futuras negociações para filiação à UE, a livre imprensa deve passar a ser um quesito inegociável: é a falta de rigor com os novos membros, nos últimos anos, que se faz sentir agora de forma tão amarga.

Os desdobramentos que vemos dentro da UE não são banais, em absoluto. Em países como Polônia, Hungria ou Romênia, as circunstâncias se agravam rapidamente. A situação de blogueiros e jornalistas cidadãos – muitas vezes uma das poucas fontes de informações independentes – se torna cada vez pior, com potencial francamente fatal: 13 deles foram mortos em 2018, em todo o mundo, quase o dobro de 2017.

E, no entanto, a violência direta contra jornalistas não é a única ameaça. Políticos como Donald Trump ou Vladimir Putin reconheceram onde o jornalismo é mais vulnerável: em seu bem mais alto, a credibilidade. Quando o presidente americano ataca a mídia como "fake news", não é apenas para desviar a atenção de suas próprias mentiras: trata-se de uma estratégia de longo termo para minar a credibilidade de seus críticos mais perigosos, enfraquecendo, assim, quem se ocupa de expor as falcatruas dele e seu contexto.

Por outro lado, cabe justo aos próprios jornalistas e editoras de mídia investigar com cuidado ainda maior, questionar também os colegas de modo ainda mais crítico e expor os erros sem qualquer restrição. Pois cada má conduta involuntária, cada exagero sem provas, cada caracterização unilateral faz o jogo de quem quer impedir as cidadãs e cidadãos de estarem bem informados ao ponto de formar uma opinião própria e independente. Mas essa é a pré-condição para que, no fim das contas, eleições sejam realmente democráticas.

Fracasso na estreia

Na noite de quarta-feira, dia 2, o presidente, o ministro da Justiça, o governador cearense e seu secretário de Segurança foram dormir avisados sobre episódios de violência nos subúrbios de Fortaleza, onde vivem quatro milhões de pessoas. Acordaram coma confirmação de ataques em série, com o caos disseminado.

Jair Bolsonaro (PSL), 63 anos, e o governador Camilo Santana (PT), 50 anos, estavam diante da primeira crise de governo. Hesitaram.

Adversários, permaneciam reféns de palanque. Bolsonaro ainda rumina a acachapante derrota no Nordeste, imposta pela coalizão do PT com PDT, PC doB, PSB e a fração alagoa nado MD B de Renan Calheiros, ex-presidente do Senado. Só conseguiu um de cada três votos válidos dos eleitores nordestinos.

Reeleito com quase 80% da votação no Ceará, Santana e os governadores do Nordeste se recusam a conversar com Bolsonaro, que costuma evocar a lembrança de Lula preso por corrupção: “O presidente deles está em Curitiba.” Eles boicotaram a posse presidencial.


Presidente e governador achavam-se politicamente protegidos pela distância de 2,2 mil quilômetros. A realidade bateu à porta dos palácios, com aviso sobre o risco de naufrágio no caos da insegurança pública.

Na quinta-feira, o governador Santana relutou em enviar (Ofício GG nº 05) um pedido de socorro ao adversário. Quando receberam, Bolsonaro e o ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança) vacilaram por horas em decidira ajuda. A improvisada Força Nacional só chegou ao Ceará no quarto dia de pavor nas ruas, patrocinado por delinquentes presos.

A surpresa de Bolsonaro e de Santana expõe mútuas fragilidades. O governador coleciona fracassos na segurança. O presidente mostrou que a curadoria militar do seu governo sucumbiu na estreia: não tinha informação e nem plano para proteger uma população em perigo.

Os dois políticos se veem inimigos. Ególatras, remam juntos, mas hesitam em se entender sobre a sobrevivência nesse barco chamado Brasil.