sexta-feira, 24 de abril de 2015

Dona Dilma e o Congresso nos afrontam, ofendem e escarnecem de nossa situação

“Esse fundo não deveria nem existir. Os partidos têm que representar a população, e a população tem que estar engajada”
Miro Teixeira PROS/RJ

Sou contra o impeachment da presidente que ainda não completou quatro meses de mandato. Não creio que seja uma boa solução para os graves problemas do país. Digo isso com singeleza, com o puro sentimento de uma cidadã assustada com o negror que se aproxima.

Mas deixar dona Dilma solta com a caneta na mão é ainda mais assustador. Fica martelando em minha cabeça: como ela teve coragem de chancelar o acréscimo de R$578 milhões ao Fundo Partidário, no momento frágil, economicamente esgarçado que atravessamos, graças aos desmandos de seu primeiro governo?

O PMDB, através de seu senador por Roraima, Romero Jucá, fez a gracinha. Que, numa pirueta, o presidente do Senado, o alagoano Renan Calheiros, também do PMDB, definiu como incompatível com o espírito do ajuste fiscal que paira sobre nossas cabeças.

Com uma sensibilidade mais apurada aos anseios e temores da opinião pública vem o presidente do partido, o paulista que é vice-presidente da República, Michel Temer, e declara, lá de Lisboa, onde está numa missão que bem poderia ter sido exercida de Brasília, que a fantástica verba para o Fundo Partidário poderia ser contingenciada. Como? Baseando o contingenciamento no ajuste fiscal que está por vir.

Mas nada é tão simples quando se trata de dinheiro para a vida política do Brasil.

Michel Temer foi informado que a Lei de Diretrizes Orçamentárias protege o fundo partidário como uma despesa que não pode ser objeto de limitação. Quer dizer: uma vez a Cascais, nunca mais!

Diante disso, o que fez o vice-presidente? Fez o PMDB declarar que vai abrir mão de uma parte desses benditos novos recursos. Só não definiu o quantum...

Até aqui não falamos no partido majoritário, que é o partido da presidente. Qual sua opinião a respeito desse mero pulo de R$289 milhões para R$867 milhões no querido Fundo Partidário, made by Jucá? Pois bem, o senador Walter Pinheiro (PT/BA) defendeu a tese que eu apelidaria de Lei do Menor Esforço: que a presidente Dilma edite uma Medida Provisória alterando a LDO que acabou de sancionar. Na alteração, o Fundo Partidário retornaria ao valor original, ou seja, aos míseros R$ 269 milhões.

Será que ele acredita que isso seria viável? Será que ele não percebeu por que dona Dilma assinou a triplicação da mesada aos nossos representantes no Congresso? Será que ele pensa que ela fez isso pisando nas estrelas, distraída?

Comecei este papo com vocês dizendo que sou contra o impeachment. Não gosto da ideia do PMDB absoluto no poder. Menos ainda da ideia de eleições indiretas, através do Congresso. A Lei 1.079/50 é bem clara. Melhor não bradar por impeachment sem a conhecer bem...

Então, qual seria a solução? Taí, sinceramente? Não sei.

Mas, como está, com dona Dilma e sua caneta cheia de tinta, sem nenhum bom senso, nem remorsos pelos desmandos na Petrobras, é que não dá para ficar.

Brasileiros contra a guerra política

Nos momentos de crise, os verdadeiros estadistas devem proteger a convivência em vez de usar um discurso bélico


Quando o Partido dos Trabalhadores (PT), em documentos recentes, fala de “reconquistar a rua” e convoca seus militantes com slogans de “guerra”, não está fazendo um favor para a democracia nem para um diálogo que abrace todos os brasileiros, muito menos em um momento delicado como este para o país.

Os termos de reconquista e os slogans bélicos soam obsoletos hoje, sobretudo para os jovens que, com a globalização e o colapso de velhas categorias políticas, dialogam com diferentes culturas e ideias.

Quando o PT lança seu slogan para apropriar-se novamente da rua, está insinuando que a rua era sua, propriedade privada, a única com voz política autorizada a falar. A rua, no entanto, é de todos, não tem dono.

Quando um partido convoca seus militantes com vocabulário de guerra, retrocede a um discurso de “nós contra eles”, em vez de se colocar como um representante do diálogo e de uma reconciliação entre todos os cidadãos que, antes de serem de esquerda ou de direita, se sentem, com orgulho, simplesmente brasileiros.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi criticado por ter alertado os membros de seu partido a não pedir o impeachment de Dilma, sem fatos concretos que confirmem sua suposta culpa.

No entanto, nos momentos de crise social ou política de um país, os verdadeiros estadistas não devem jogar lenha na fogueira. Devem ser mais prudentes do que os ativistas para lembrar, no calor da luta política, que não se pode nunca perder de vista os valores da convivência civil.

Não existe rico ou pobre, progressista ou conservador, socialista ou liberal que não deseje ver este país crescendo de novo, em paz, admirado fora de suas fronteiras, com menos violência e desigualdades.

Nada mais prejudicial para a simples convivência pacífica do que incitar as pessoas a um confronto que divide em vez de unir, algo que serve para todos os partidos.

O bom uso do português

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O poste e o presidente

A governanta do Brasil põe as mãos na cintura, com porte militar, e troveja: "Sou 'presidanta' de todos os brasileiros". Quem acredita? Só mesmo puxa-saco com gorjeta garantida.

Nem tem cacoete de dirigente, no máximo, finge por estar no cargo e assim se fantasia. Conhecida pela arrogância de quem sabe de tudo, e na verdade ignora tudo, inclusive a gentileza e a educação pertinente ao cargo. Se alguém pensa que tem presidente, tem mesmo um poste criado pelo deus Lula. E contente-se.

Dilma não aprendeu nem aprenderá nunca mesmo que lições não lhe faltem.

Barack Obama esta semana deu exemplo, a todos os brasileiros, do que é ser presidente, respeitar o cargo e os cidadãos do seu país. Pôs a cara a tapa, e por ser presidente chamou a si a responsabilidade pelo erro militar na morte de dois reféns no Afeganistão. Se a CIA, errou, Obama chamou para si o erro.

Quando se viria Dilma ter um gesto semelhante?

Alguma vez se responsabilizou pelo rombo da Petrobras? E tinha muito mais responsabilidade, o caso, porque há 12 anos é responsável pela empresa. Foi ministra da Energia, ministra da Casa Civil, presidente (não presidenta) do conselho da Petrobras e presidente do país. Mesmo tendo sido tão responsável, nunca se responsabilizou pela péssima gestão, mas procurou sempre encobriu a maracutaia.

Foi e é um poste a serviço do PT e de seus marginais para desespero de um país, desgovernado. Ou não deveria estar quando se tem na maior governança um poste?

Conto do vigário: culpa do ebola, da dengue, e eu não sabia nada do Petrolão


Voltou a moda a satanização de doenças e bichinhos. Conheço pelo menos dez pessoas que contraíram dengue, nos últimos dois meses, em São Paulo. A culpa é do mosquito da dengue, o novo satã.

A culpa não é obviamente do mosquito: é dos governos cuja infraestrutura e saneamento deram condições a que o mosquito se proliferasse.
Esse mesmo filme era “passado” nos cinemas midiáticos da Inglaterra do começo do século 19. Vou colocar alguns números: na Inglaterra daquela época, no início da Revolução Industrial, trabalhava-se16 horas por dia. A média de habitação era de 26 pessoas por casa. Em 1821 um trabalhador lograva 16 shillings por semana, dez anos depois eram apenas 6 shillings. A esperança de vida era inferior a 40 anos.
As condições de saúde e infraestrutura eram abjetas. Veio a tuberculose em massa. O Times londrino satanizava em suas manchetes o Bacilo de Koch: ele era o monstro a gerar tudo aquilo. O Timeslondrino tirava a culpa da falta de condições sociais dadas aos migrantes do campo e metia a culpa no pobre bacilo.
O que estão fazendo com o mosquito da Dengue é o mesmo. Ele é o culpado e ponto final: nada de discutir a torpe estrutura sanitária das grandes cidades…


Na África as coisas não tem sido diferentes. A culpa pelo miserê generalizado foi deslocada para o Ebola.
Governantes, ali, mantem-se no poder alimentando o velho babalaô místico-mágico africano. Tio Freud já havia alertado para isso em seu Totem e Tabu: o barato que o feiticeiro dá a sua clientela não é diferente do folguedo infantil. Crianças inventam jogos que simulam o mundão, e seus personagens, para terem, no folguedo, o protagonismo, o controle da situação. Bruxos simulam o mesmo em seus encantos: dão de barato a ideia de que uma macumbinha nos dará o poder de protagonismo sobre aquilo que nos parece incontrolável: e isso Freud chama de “totalitarismo do pensamento mágico”.
O ebola sobrevive na África porque interessa manter o povão engessado nesse psiquismo macumbeiro. No século 16 Descartes já havia destruído a ideia de que objetos têm alma ( anima mundi). De nada adiantou. O babalaô da varinha de condão ainda grassa solto.
Um aluno me informa que uma vidente sua vizinha já está benzendo contra a dengue. Cuma?



Vamos colocar em perspectiva: o cérebro humano contém aproximadamente dez bilhões de neurônios, cada um fazendo milhares de conexões. Cada neurônio age como o sistema binário de um computador, ligando e desligando. E dessa forma nossos pensamentos, emoções e decisões são transmitidos à vasta rede que somos nós. Neurônios são ligados por aqueles rabinhos, os axônios, que não se tocam. Os sinais passam de axônio para neurônio numa vala de sinapses, no espaço de um milésimo de segundo. Esse impulso tem carga elétrica de 120 milivolts. Se há telepatia, como passar uma informação à outra sem que haja esse complexo de toques, voltagens, axônios?
Como benzer contra o Ebola, Dengue ou o diabo?

O cérebro produz ondas, medidas em ciclos por segundo, ou hertz (Hz). Cérebro relaxado ou em descanso produz um ritmo alfa, entre 8 e 14 hertz. Ritmos beta, que predominam durante o trabalho ou o caminhar, por exemplo, se dão entre 13 e 30 hertz. Durante o sono, produzimos ondas delta, que oscilam entre 1 e 4 hertz. Os ritmos chamados theta, produzidos no transe ou sono profundo, estão entre 4 e 7 hertz. Mestres zen e iogues dizem que podem mudar voluntariamente as ondas de seus cérebros e se curarem.
Século 21 e ainda caímos no conto da benzedeira e da satanização dos bichinhos.
Da mesma forma que caímos no conto do vigário de que 6 bilhões foram desviados da Petrobas sem que Dilma e Lula soubessem de nada…
Da mesma forma que a Igreja jamais soube da pedofilia que corria solta…
E quem chegar por ultimo nessas respostas, é mulher do padre…

Filosofia dos Sibás

Conforme a presidente Dilma já declarou, nenhum de nós viu sinal de corrupção na Petrobrás. Se não vimos sinal de corrupção, a corrupção não existiu. Se a corrupção não existiu, a prisão de nossos companheiros foi por motivação política. Se não houve corrupção, então o dinheiro se autorroubou para nos incriminar.”
Líder do PT na Câmara,Sibá Machado defende que o próprio dinheiro é o culpado por sua subtração

Festa na ilha da fantasia

Nesse caleidoscópio de sonhos, delírios e fugas da realidade, o V Congresso do PT vai sair em busca da legitimação de uma hegemonia que a sociedade recusa conceder-lhe

Decadente e desprestigiado  (Foto: Arquivo Google)

O novo presidente da Petrobras, convenientemente constrangido, pede “desculpas” à população ao apresentar, com 5 meses de atraso, um balanço auditado com 6 bi de buraco por corrupção e 21,6 bi de prejuízo por erros de gestão.

O ministro Joaquim Levy percorre agências de risco prometendo que vai colocar as contas em ordem e pedindo, por favor, para não rebaixar o grau de investimento do Brasil para não atrapalhar ainda mais o que atrapalhado já está. E tenta convencer os condestáveis do Congresso, Cunha e Renan, que sem ajuste o futuro será negro.

O panorama visto da ponte não é nenhum campo de girassóis como aqueles que Van Gogh pintava. O governo ainda rumina os 13% de popularidade, a inflação ameaça, o crescimento fica adiado para quando der, e bomba da Lava Jato não para de espirrar lama.

Isso não impede que o senhor Roarke, com seu prestimoso auxiliar, o simpático anãozinho Tatoo, continuem alimentando a sua particular ilha da fantasia, onde qualquer desejo pode ser realizado.

O senhor Roarke prepara agora para junho, em Salvador da Bahia, o V Congresso do Partido dos Trabalhadores. (Usamos algarismos romanos para dar a devida pátina de respeitabilidade ao evento. Trata-se, nada mais e nada menos, de decidir o futuro do Brasil, e en passant, o da Humanidade. Não é coisa pouca).

Sabe-se Deus de que recantos do Brasil surgirá esse exército de sonhadores, envergando seus estandartes vermelhos, com a missão de construir “um partido para tempos de guerra”. O que os guerreiros pretendem decidir é qual tipo de socialismo estão reservando para guiar nosso futuro rumo ao paraíso na Terra.

Eles vão decidir isso entre 11 e 13 de junho, mas nós, os burguesotes comuns, já podemos ir tomando conhecimento e consultar o menu que nos preparam. Está aqui, é só clicar em cima: as diversas tendências internas do PT exibem as teses que apresentarão no V Congresso.

Ao contrário do Partido Social Democrático Alemão, que renunciou ao marxismo e à luta de classes no longínquo ano de 1959, no Congresso de Bad Godsberg (vocês viram a tragédia que foi para a Alemanha essa infausta decisão, não é?), o PT ainda tem uma vasta coleção de fantasmas para mobilizar as suas tropas.

Com mais ou menos adereços de mão, ressuscitando o linguajar das assembleias estudantis dos anos 60 (“correlação de forças”, “flanco histórico” , “arco de apoios” e outras relíquias retóricas),as diversas tendências do PT caminham juntas na contramão da História, cada uma percorrendo sua via particular de acesso ao luminoso futuro.

Para algumas, como a “Virar à Esquerda-Reatar com o Socialismo”, é preciso meter o pé na porta, demitir ministros “capitalistas”, como Joaquim Levy, Gilberto Kassab, Armando Monteiro e Kátia Abreu e estatizar a rede Globo e, claro, dar um jeito nessa direita “fascista”. (É bom ressaltar; tudo o que não sejam eles, é “fascista”).

Para outras, como “O Partido que Muda o Brasil”, para quem o PT perdeu “o frescor da juventude”, ele precisa “reinventar-se”.

Nesse caleidoscópio de sonhos regressivos, delírios e fugas da realidade, o V Congresso do PT vai sair em busca da legitimação de uma hegemonia que a sociedade recusa conceder-lhe.

Pior para a sociedade, dirão eles.

Aviso


Quem gosta muito de dinheiro tem que estar na indústria, no comércio. Não na política."
José Mujica, ex-presidente do Uruguai
BBC Mundo


Uma fábula da modernidade


Os governantes inauguram bibliotecas, os empreiteiros e a privataria tomam conta. A patuleia que paga, dança

O grande poeta Cacaso (1944-1987) fez um versinho que pareceu datado e revelou-se eterno:
“Ficou moderno o Brasil,
ficou moderno o milagre.
Água já não vira vinho.
vira direto vinagre.”

A modernidade do século XXI tem os velhos toques de arquitetura futurista, mais privataria e terceirizações. Somando-se a isso, cria-se uma boa página da internet e, tchan, o futuro chegou.

Quem passa pela Avenida Presidente Vargas, no Rio, vê um lindo prédio prédio branco. É a Biblioteca Parque, do governo do estado. Foi uma joia da coroa da campanha do candidato Pezão, que prometeu construir mais 11. Inaugurada em 2013, foi entregue à empresa Instituto de Desenvolvimento e Gestão, o IDC. Funcionava ali outra biblioteca pública, resultado de uma iniciativa de Dom Pedro II. Às vezes ia bem, depois ia mal. Darcy Ribeiro remodelou-a, mas no governo Sérgio Cabral decidiu-se passar o Rio a limpo. O velho prédio foi demolido. No lugar, ergueu-se o outro, moderno e lindo (com isso os empreiteiros e fornecedores de serviços faturaram pelo menos R$ 71 milhões). Com o milagre, a água viraria vinho.

Virou vinagre. Um ano depois de sua festiva inauguração, o IDC resolveu reduzir o horário de atendimento. A instituição funcionava das 10h às 20h. Funcionará das 12h às 18h30m, de terça a sexta, e não abrirá mais nos fins de semana. A empresa tem seus motivos, pois Pezão lhe deve R$ 10 milhões. Vale notar que o novo horário exclui todos aqueles que trabalham na região e que o IDC acha problemático abri-la no fim de semana. São muitas as grandes cidades brasileiras que não têm bibliotecas abertas aos domingos, mas se o Rio quiser mudar de patamar, não fecha a sua.

Construir ou reformar bibliotecas rende imediatos faturamentos e cerimônias. Mantê-las é outra história, coisa que depende de recursos e servidores dedicados. Pezão tropeçou nessa ponta dessa equação. Em outros casos, piores, caiu-se na primeira, na qual paga-se parte da obra e deixa-se a instituição à matroca. A Biblioteca Nacional de Brasília, construída em 2002, tornou-se um excelente salão de leitura e centro de exposições, mas biblioteca nacional não é. A Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul está fechada para reformas há oito anos. A Câmara Cascudo, de Natal, e a Pública de Maceió estão em reformas, fechadas há quatro anos. A Biblioteca Municipal de Manaus, fechada há três anos, foi ocupada por moradores de rua e depredada em setembro do ano passado. Isso para não se falar do Museu do Ipiranga, fechado desde 2013, com reabertura prevista para 2022. De tempos em tempos, a cripta onde deixaram Dom Pedro I vira mictório.

Muito mais importante do que construir novos prédios e contratar administradores privados é cuidar direito do que já existe, com os servidores que lá estão. Uma das Bibliotecas Parque do governo do Rio, logo a da Rocinha, foi apanhada num lance de superfaturamento.

Numa trapaça da vida, a única biblioteca criada nos últimos meses funcionou, inclusive aos domingos, na carceragem de Curitiba, onde os empreiteiros presos pela Lava-Jato compartilharam sua leituras de bordo.

Elio Gaspari

Palavras, palavras, palavras...


Na semana passada, quando saía da academia onde sou visto como um velho que inutilmente combate a velhice, topei com o sempre zangado Mario Batalha, e com um jovem com o qual falamos de Brasil (e não apenas do Brasil) entre um e outro exercício.

O treino de compreender (de interpretar com simpatia, como se faz quando se canta uma música ou se lê um poema) esse Brasil pós-moderno, avacalhado pelo lulopetismo, requer um esforço tão intenso quanto se aventurar a correr uma maratona.

"Acho que essas prisões são 'políticas'", disse o moço.

"Mas tudo é 'político'!", retrucou, furioso, Mario Batalha, meu velho amigo de ginástica sueca, revoltas aeróbicas e revoluções políticas planejadas e inevitáveis na praia de Icaraí. Se acabamos com a religião e matamos Deus, só nos resta o idealismo da ética. Isso apreendemos aos 19 anos, ao lado de alguns amigos "conscientizados" - "não alienados", conforme dizíamos cheios de orgulho aos reacionários de todos os calibres que, como nossos pais, seguiam o catecismo capitalista da exploração e não o nosso nobre e ralo materialismo mágico-marxista filtrado pelos russos. Até a decisão de tomar café com leite é política, dizíamos bebendo cerveja (ainda não existia essa frescura dos vinhos) e fumando nossos aristocráticos cigarros Luiz XV.

"Concordo. Não há como defender essa coroa de roubos que refazem o mensalão com a mesma forma e com os mesmos atores, como o Zé Dirceu."

"Ele é uma metáfora do PT. Aliás, eu me pergunto", Mario Batalha olhava para mim com olhos duros como diamantes, "quem ele realmente é. Seria o líder estudantil ou o personagem operado plasticamente em Cuba que volta ao Brasil como um outro. Numa insólita duplicidade, casa-se, constitui família e, na oportunidade exata, reassume-se no que, suponho, seja a sua máscara original e, em seguida, torna-se o 'Capitão do Time' do governo Lula. Dono do 'poder', revela abertamente que o governo petista projetava ficar no Alvorada por décadas. Mas ele é também e, sobretudo, um bem sucedido empresário (de direita ou de esquerda?), cuja empresa faturou R$ 36 milhões enquanto a família, amigos e companheiros arrecadavam mais de R$ 1 milhão numa subscrição pública destinada pagar a multa que lhe fora imposta pelo STF. Revolucionários, reformadores, milenaristas, capitalistas, socialistas, sindicalistas, impostores, biliardários, excelentes atores..."

Quem são esses caras que, entrementes, fazem versos na prisão?


A marca do mundo contemporâneo seria o dinheiro. Tal era a opinião do hoje esquecido ensaísta Erich Fromm, um autor muito lido e amado pela minha geração. Casamentos, filhos, títulos, doenças, paixões. Tudo podia ser monetarizado.

Quanto, pergunto eu, com Fromm, custa uma "revolução"? Essa revolução que foi um destino, um ideal e uma palavra mágica da minha juventude?

Lembro-me de um ensaio clássico, escrito por Richard Moneygrand, o famoso brasilianista, justamente intitulado: "Qual é o preço de uma Revolução?". Revoluções, argumenta o professor, têm um alto custo. Exigem capital monetário e um belo volume de "capital simbólico", conforme ensinava com redundância típica, Pierre Bourdieu, que, na mesma época, descobria uma formidável "teoria da prática".

Eu diria que as revoluções precisam ainda mais de poesia. Seus instrumentos usuais: guilhotinas, fuzilamentos, confiscos, banimentos, tortura e arbítrio são o oposto da tola harmonia da noite com o dia. Daí a necessidade de versos e de música. Despotismo de um lado, festivais da canção de outro. "Se levanta a cabeça/ duro com ele/ Fidel!/ duro com ele." Essa era letra-palavra de ordem de uma sedutora música vinda de uma Cuba carismática. Foi com gosto que ouvi essa barbaridade cantada. A rima musicada aplaina e estimula as agressões sangrentas. Ela é uma fábrica de mártires. Todo radical é, no fundo, um poeta.

No ensaio, Richard Moneygrand pondera: num sistema capitalista globalizado no qual surge uma indesejável interdependência, seria possível planejar e comprar "revoluções"? Mas não vendemos manuais de felicidade e de emagrecimento?

Seria a revolução mais um manual? Ou seria ela, como pondera Moneygrand na sua complicada teoria, um golpe de morte nos manuais? Um manual para acabar com todos os manuais. Exatamente como aquela guerra que iria acabar com todas as guerras. Ou aquele governo que não podia errar e liquidaria a corrupção, a fome e a pobreza no Brasil?

Roberto Damatta