O processo de mercado —pessoas e empresas buscando seu autointeresse por meio do sistema de preços livremente acordados— é a ferramenta mais poderosa que conhecemos para mobilizar a ambição de cada um em prol dos desejos de todos em um mundo de recursos escassos e informação imperfeita.
No mercado, para satisfazer seus próprios desejos, você tem que criar valor para os outros, e lucros e prejuízos indicam se você tem sido capaz de gerar, com os recursos disponíveis, mais ou menos valor do que seus concorrentes.
Como todo e qualquer mecanismo social, contudo, o mercado tem falhas e limitações. Sozinho, ele não dá conta, por exemplo, do problema das externalidades: nossas transações livres impactam terceiros que nunca aceitaram participar delas, inclusive as gerações futuras. Meu carro polui o ar, impondo um custo à cidade que não é pago nem por mim nem pelo fabricante. A sustentabilidade ao longo do tempo exige algum nível de autocontenção dos desejos no presente.
Em segundo lugar, quem tem muito dinheiro ou influência pode deturpar a criação das leis. As empresas que se beneficiarão da "passagem da boiada" do ministro Salles na regulamentação ambiental empurram o país para o colapso ambiental. Não estão nem aí.
O Estado está sujeito à mesma dinâmica: seus membros também precisam ser capazes de refrear, em algum medida, seu autointeresse. Bolsonaro é exemplo perfeito do autointeresse desenfreado na política. Todas as suas ações buscam a popularidade imediata. Como líder, é incapaz de se indispor com o eleitorado em nome de um bem maior futuro. Vimos isso na pandemia: em um momento fingia que o problema não existia; depois, que havia solução mágica e indolor.
Quando o governo, para poder gastar mais agora, anuncia que adiará o pagamento de precatórios e que criará brecha para burlar o teto de gastos, ele está empurrando para o futuro o custo de gastar mais no presente. Quebrou alguma regra? Não necessariamente: só as alterou para se beneficiar.
Regras escritas jamais suplantarão a necessidade de ética e responsabilidade pessoais: a capacidade de frear o próprio autointeresse em benefício dos demais. No mundo empresarial e nas finanças essas virtudes se traduzem em iniciativas como fundos ESG, que investem em empresas com governança social, ambiental e corporativa. Na política, líderes dispostos a respeitar as regras do jogo mesmo que eles percam a partida. A sustentabilidade econômica, social e ambiental de nossa sociedade depende disso.