segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A 'solução'

Um esquerdista é alguém que se sente devedor da humanidade, e cuja dívida ele propõe pagar com o dinheiro dos outros
G. Gordon Liddy

Carta vazada, vinho na cara e reais alados: o Brasil Chatô voltou


Sabe quando as cenas do novo capítulo têm cara de capítulo anterior? Assim está o caso de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Conselho de Ética. Na próxima terça-feira, o colegiado se reunirá no que será a sétima tentativa de discutir se diz "sim" ou "não" para o processo movido contra o presidente da Câmara. Repare: a acusação de que Cunha teria mentido na CPI da Petrobras e escondido dinheiro fora do país, nem começou a ser analisada. Por enquanto, a questão é só e tão somente decidir se o processo terá andamento. A paralisia e a sensação de déjà vu têm pesado tanto o clima que até o pronome de tratamento "vossa excelência", o mais querido de Brasília, está sendo deixado de lado nas sessões do Conselho, que, na quinta-feira, até em tapa acabou.

O “vossa excelência”, se faz necessário explicar, é um must de Brasília. Impossível, por exemplo, chegar numa votação no Plenário, num julgamento do Supremo Tribunal Federal, numa Comissão Parlamentar de Inquérito e sair tratando os outros por “você”. Tanto é que nem nos arranca-rabos mais ferrenhos do DF, o uso do pronome de tratamento é dispensável. Já teve “vossa excelência é moleque”, “vossa excelência é um safado” e – em um dos episódios mais tensos dos anais da Justiça, protagonizado por Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa – “vossa excelência, quando se dirige a mim, não está falando com seus capangas do Mato Grosso”.

Não apenas um must, o “vossa excelência” é uma salvaguarda da seriedade brasiliense e, por isso mesmo, uma espécie de medida dos entreveros do Planalto Central. Se prescindido, perigo: a coisa é pra valer. É o que se viu nessa quinta-feira, em que os deputados Wellington Roberto (PR-PB) e Zé Geraldo (PT-PA) extrapolaram em muito essa medida, chegando, como se disse, de fato aos tapas. Ao ser acusado pelo petista de fazer parte da “turma do Cunha” que estaria lá para “bagunçar”, Roberto passou a gritar: “bagunceiro é você, bagunceiro é você”. No que poderia ser descrito como uma briga escolar, o "vossa excelência" foi para as cucuias, os dois trocaram safanões, precisaram ser contidos e a reunião acabou interrompida para que eles se acalmassem.


Este Brasil de agora está mesmo é com um quê de Brasil passado, quando o rei Chatô entrava em reuniões de peixeira na cinta

Brincadeiras à parte, com o episódio – só mais um dos que se avolumam nessa crise política com ares de roteiro de novela –, o Brasil de agora aparece com um quê de Brasil passado, quando o “rei” Assis Chateaubriand, dono de um império midiático no século XX, retratado no recém-lançado filme "Chatô", entrava em reuniões de peixeira na cinta, botava governos de joelho e interrompia telenovelas para gritar toda sorte de impropérios contra seus opositores. Alguém há de dizer e a bem da verdade é necessário ressaltar, muitas das instituições brasileiras vão bem, obrigado, mas é inegável que entre o cômico e o trágico as coisas estão com um ar de Sensacionalista – site de humor famoso no Facebook que satiriza situações cotidianas.

Na quarta-feira, por exemplo, no melhor estilo “aloprado com dólares na cueca”, maços de notas de 50 reais voaram pelas janelas do apartamento de Rômulo Maciel Filho, diretor-presidente da Hemobrás, estatal investigada pela “Operação Pulso”, da Polícia Federal. Ainda não se sabe quem foi o responsável pelo momento “quem quer dinheiro” das Torres Gêmeas recifenses – sim, assim é conhecido o par de prédios mais alto, polêmico e, há quem diga, de qualidade estética mais do que duvidosa, da capital do Pernambuco –, mas ele aconteceu coincidentemente durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão.

É possível, o autor da façanha já viesse tendo pesadelos com a aparição de um tal “japonês bonzinho” da Polícia Federal do Paraná, quando avistou a batida chegando, desesperou-se e deu asas à dinheirama. Aliás, o “japa da PF” virou gif, samba e meme que, segundo a revista Época, anda circulando em ao menos dois grupos de WhatsApp frequentados por deputados do PMDB e da bancada da bala. Na montagem, o “japa” – também conhecido como agente Newton Ishii, que ganhou fama ao ser citado na gravação que levou o senador Delcídio do Amaral para o xilindró – aparece através de um olho mágico às 6 horas da manhã. Os deputados se divertem: “se ele aparecer, não abra a porta nem pensar!!”. É provável que neste final de semana muitos políticos não estejam vendo graça na brincadeira. Nesta segunda, a equipe de Sérgio Moro vai falar sobre uma nova denúncia da Lava Jato, lembrando que o pesadelo de Curitiba não acaba, com ou sem impeachment de Dilma.

O cai não cai da presidenta tem deixado os nervos à flor da pele, como ficou claro na festa natalina de confraternização entre senadores da base e oposição, na casa do líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE). Foi 100% Brasil versão Chatô. É só escolher: Michel Temer saindo de encontro pós-carta bombástica à presidenta e sendo bajulado por todos, Fernando Collor de Mello (PTB) abrindo o coração e falando sobre seu processo de impeachment, Aécio Neves(PSDB) voltando pra casa lá pelas duas da matina carregado de docinhos para a mulher.

E claro: José Serra (PSDB), incorporando o próprio Chateaubriand, e sendo, nas palavras de Kátia Abreu, “infeliz”, “desrespeitoso”, “arrogante” e “machista”. O tucano, como narrou reportagem de O Globo achou que seria de bom tom atravessar uma conversa e chamar a ministra da Agricultura de “namoradeira”. Para ele, uma “brincadeira com intenção de elogio”, para ela, um comentário digno de ser respondido com uma taça de vinho na cara. “A reclamação de vários colegas senadores sobre suas piadas ofensivas são recorrentes”, escreveu Abreu em seu Twitter. No final, até a esquerda, que trata a ministra por "rainha da motoserra" e não perdoa a presidenta por sua nomeação, teve que dar o braço a torcer e vibrar com ela.

E por falar em Senado e machismo, o que dizer do senador Hélio José? Em seu discurso de filiação ao novo Partido da Mulher Brasileira, saiu-se com essa: “O que seria de nós se não fosse uma mulher para nos dar alegria e prazer?”. E não fica por aí. Segundo o site Congresso em Foco, pesa no currículo do senador uma acusação (já arquivada) de ter abusado sexualmente de sua própria sobrinha. De qualquer modo, realmente, o espírito decoroso do “vossa excelência”, pelo jeito, anda bem longe das paragens do Centro-Oeste brasileiro.

Só que em meio à lavação de roupa suja tornada pública, reais voadores e vinho na cara, a face jagunço do Brasil Chatô anda passando despercebida. Em entrevista emocionada na última quarta-feira, o neófito deputado federal Fausto Pinato (PRB-SP), relator destituído da comissão do Conselho de Ética que julga Eduardo Cunha, contou ter vivido meses de terror e medo à frente da relatoria. “Cheguei a pensar que poderia morrer, sim. O que eu passei eu não desejo para ninguém. Me abordaram pedindo para eu pensar na minha família, dizendo que tenho filho pequeno, que tenho família”. Agora, ele só anda de carro blindado, é vigiado por seguranças e tem policiais militares dormindo em sua casa.

Quais demônios, oh Brasil, o "vossa excelência" não escondia? Caído ele, vão caindo também tantas outras convenções. Num último fôlego, porque chegamos ao final dessa semana vivos, rememoremos esse país à flor da pele: rejeito de mineração que sepulta um doce rio; aumento de casos de microcefalia causados pelo novo Zika vírus, transmitido pelo mesmo mosquito da Dengue com o qual travamos batalha inglória há tantos anos; bomba nunca explicada no Instituto de um ex-presidente; banqueiros, políticos e empresários que passarão o natal no xadrez. E, no entanto, o brasileiro continua aqui: as mulheres em luta, os estudantes em luta, um país em aberto do qual ainda emergirá uma resposta, seja ela trágica ou não. Por ora, o absurdo é tão explícito que só se atendo ao cômico para lograr digerir.

André de Oliveira

Corrupção e déficit

A semana registrou substancial avanço das tropas favoráveis ao impeachment. A “declaração de guerra” e as bem-sucedidas manobras de Cunha na Câmara, a “declaração de afastamento” do governo pelo vice Temer e a “declaração de alinhamento” tucano pelo impedimento mudaram as probabilidades dos cenários políticos. Por um lado, torna-se cada vez menos provável a “sarneyzação” do mandato de Dilma, pelo esgotamento da velha política, à base do fisiologismo do Legislativo e da cumplicidade do antigo Judiciário. Por outro lado, o desemprego em massa e a corrupção sistêmica aumentam a probabilidade do impedimento da presidente por irresponsabilidade fiscal ou desgoverno ético, configurando o cenário de “collorização” de seu mandato.


A presidente assegura que não participa nem tem compromisso com malfeitos. Diz que não tem conta na Suíça e desafia quem possa repreendê-la pelas práticas políticas impróprias ora investigadas. Essa postura defensiva é pouco efetiva ante o avanço da proposta de impedimento, pois “um regime só se mantém na medida em que o sentimento que lhe é necessário existe entre o povo. Segundo Montesquieu, existem três sentimentos políticos fundamentais, e cada um deles assegura a estabilidade de um tipo de governo: a república depende da virtude, a monarquia, da honra, e o despotismo, do medo. A virtude da república não é uma virtude moral, mas política: consiste no respeito às leis”. A propósito das pedaladas fiscais, “Montesquieu sugere que o orçamento deve ser votado anualmente, de modo que o Poder Executivo tenha de depender do Poder Legislativo para o levantamento de recursos públicos. A votação anual do orçamento é assim uma condição da liberdade”, comenta Raymond Aron.

A presidente segue encurralada entre cenários desfavoráveis, o que tem alimentado a sugestão de sua renúncia. Mas ainda lhe resta a opção de atravessar “uma ponte para o futuro” com a bandeira da reforma política. Se Dilma não tem compromisso com malfeitos, deve tecer no Congresso reformas ante o esgotamento das práticas de governabilidade da Velha Política. Pouco importa se lubrificaram moderadamente a emenda da reeleição de FHC ou contribuíram abusivamente para a governabilidade dos sucessivos mandatos do PT. São inadmissíveis.

Paulo Guedes

Esperando o japonês

Quando voltava da padaria, empurrando a bicicleta, fui abordado, de forma simpática, por um leitor. Por que escrevia apenas sobre Dilma e o governo? Não é um simpatizante do PT, muito menos de Dilma. Mas fixar-se nisto, de uma certa forma, reduz o vasto horizonte cultural, disse. Respondi que concordava com ele. Mas, no momento, não conseguia me esquecer da crise em que nos metemos. No caminho de casa, pensei: poderia estar escrevendo sobre Clarice Lispector, Frida Kahlo ou mesmo Simone de Beauvoir. Para ficar apenas nas que voltaram à evidência.

Clarice foi uma das admirações literárias da juventude, e agora seus contos são reconhecidos nos Estados Unidos. Frida Kahlo, cuja casa, transformada em museu, na Cidade do México, tornou-se um ícone popular. E a velha Simone reapareceu no vestibular do Enem. Hoje tenho algumas divergências. Mas seu livro “O segundo sexo” inspirou um artigo que publiquei no “JB”, na década dos 1960, com título “Amélia não era mulher de verdade”. Isso posso deixar para o próximo Enem.

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Falar do Brasil e da crise tem prioridade para mim. Dilma, o leitor que me desculpe citá-la de novo, é presidente. É impossível ignorá-la, nesse momento. Felizmente, outros colunistas escrevem sobre a cultura mais ampla. Isso me enriquece como leitor. Pessoalmente, no entanto, não consegui achar a porta de saída da política.

É possível abandonar com gosto campanhas eleitorais, tramas partidárias, gravatas e mandatos. Difícil para mim é esquecer a política, sobretudo no momento em que o país, de uma certa forma, se desintegra. Escrevo artigos depois de trabalhar ao ar livre, filmando temas como o desastre de Mariana ou o surto de microcefalia. Isso faz sentido para mim. No entanto, à noite, diante da tela em branco, não resisto ao desejo de buscar um sentido maior, uma esperança. Sonho com o tempo de uma democracia madura, que me permita cuidar de todas as outras coisas, não diretamente ligadas à política.

Isso não virá tão cedo. Terá de ser conquistado. No momento, ainda há uma hesitação em encarar a realidade. A crise sanitária que vivemos é uma das mais sérias de nossa história. Houve outras, mas as pessoas ainda não viviam tão próximas e tão precariamente nas regiões metropolitanas. Estou pronto para esquecer divergências quando se trata de uma frente para encarar as novas ameaças que o vírus do zika revelou. Ou mesmo uma frente para encarar as ameaças ambientais que o desastre de Mariana dramatizou.

Tudo se passa com um governo paralisado. Mesmo os que apoiam Dilma sabem que é fraca. E não é apenas fraca como é fraco um governo que não deu certo. É também vulnerável. Se o impeachment não vier com as pedaladas fiscais, outros fronts vão se abrir. No TSE serão julgadas suas contas, certamente entrelaçadas com os recursos do mensalão. Na Lava-Jato, Cerveró está revelando como se comprou Pasadena.

Que tipo de arranjo o Brasil precisa encontrar para chegar a 2018 e inaugurar uma nova etapa, a partir das eleições presidenciais? Em Brasília, para sentir o clima do impeachment de Dilma e a cassação de Cunha, senti na verdade um clima de fim de mundo. Colhido por um tumulto e empurrões em pleno trabalho de documentar a tentativa de votação da deputada Mara Gabrilli. Ao vê-la indefesa na cabine, com meus óculos voando do bolso, compreendi que a crise chegou aqui de forma devastadora.

Minha hipótese é de que o vírus que reduz cérebros em Brasília nasce de uma doença fatal: distância do país, das pessoas que trabalham e sofrem.

Depois do quebra-pau, alguns diziam: mas na Coreia do Sul também brigam. No Estado Islâmico se fuzila, em alguns países da África amputam clitóris, se o cérebro continuar se estreitando, chegaremos lá. Tudo isso é o fruto da cultura dos últimos anos. A história passa a ser um álibi: no governo anterior também se roubava. Agora é a geografia: na Coreia do Sul também brigam.

Dia seguinte: chovia dinheiro no Recife, lançado das janelas da Hemobras. O que seria isso? Uma forma de combater o mosquito atropelando-o com maços de notas? Trabalham com o suprimento de sangue e acumulam fortunas. O que fazer? Está no DNA do aparelho petista. Saio de Brasília com a impressão de que, antes do carnaval, nada será decidido a respeito de Dilma e Cunha. Talvez tenha sido por isso que alguns deputados no plenário cantaram a marchinha do Japonês da Federal, aquele que aparece prendendo os corruptos em suas casas. “Aí meu Deus, me dei mal, bateu à minha porta o Japonês da Federal”.

Lama jorrando das barragens, mosquitos roubando a chance de plena vida a uma geração de brasileiros, rubro dinheiro do sangue jorrando pelas janelas de Recife. Apesar disso, não perdemos o humor. Mas, às vezes, bate uma tristeza. A experiência, no entanto, me consola. Na campanha das diretas também entramos num ritmo morto, fomos derrotados na votação parlamentar. Mas as diretas chegaram.

Como dizia Guimarães Rosa: “O que tem de ser tem muita força”. Bem que podia ser mais rápido.

Fernando Gabeira

'Esse não é o meu Brasil'


O Brasil está nervoso. Percebe-se no Congresso, a casa do povo, no Governo, nas ruas e nas redes sociais, onde os insultos são explícitos: "Você cheira à merda de porco", diz no Facebook deste jornal um leitor a outro desconhecido, mas que pensa diferente dele, "E você cheira à merda de cachorro vira-lata", responde o outro. A crise, o nervosismo e o medo estão levando a uma regressão anal?

O senador Cristovam Buarque, ex-ministro da Educação do primeiro Governo Lula, autor de mais de 40 publicações e um dos analistas mais críticos sobre os problemas do ensino, me disse em uma conversa informal, entre preocupado e machucado: "Esse não é o Brasil que nós gostaríamos de dizer é o meu Brasil".

O Brasil em que Buarque, um dos políticos mais respeitados por suas posições éticas, não se reconhece, e com ele milhões de brasileiros, é o que hoje faz mais barulho e cria mais inquietação democrática.

Hoje basta que se reúna um grupo de pessoas discutindo sobre política para que se arme uma briga. Já existem acordos entre casais, entre amigos de uma vida inteira, para não "tocar no tema", por medo de se tornar uma confusão. Já existem famílias dividas pelo maldito impeachment.

Encontrei dias atrás, em uma rua de Niterói, minha amiga Maria, irmã da grande atriz Sonia Braga, com seu marido, Carlinhos. A primeira coisa que me disseram depois de me dar um abraço foi: "Juan, onde esse país vai parar?" Eles estavam com medo.

O que acontece com o Brasil para que os deputados troquem tapas no Congresso e quebrem materialmente doze urnas eleitorais?


O Brasil precisa de mais silêncio e reflexão

Ou por que os deputados de uma comissão parlamentar como a de Ética, que deveriam também eles dar duplamente exemplo à sociedade, acabam se agarrando, atracados, como em uma briga de galos, obrigando a interrupção da sessão que deveria ter votado a admissibilidade do processo sobre a perda de decoro do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, artista em armar conflitos e tramas ocultas?

E não pára por aí. Durante em uma briga verbal, dois políticos proeminentes, a ministra Kátia Abreu e o senador José Serra, um dos políticos de maior peso deste país, a ministra jogou um copo de vinho no rosto do senador durante um jantar de políticos de diferentes partidos.

No alto da Presidência da República, o vice-presidente, Michel Temer, mostra sua irritação e decepção com sua chefe, a presidente Dilma Rousseff, através de uma carta que foi apelidada de “carta-bomba".

Na rua, ladrões pegos roubando são literalmente linchados e espancados até a morte, como se fosse a coisa mais normal do mundo, enquanto a polícia do Rio executa cinco jovens dentro de um carro com mais de cem tiros por considerá-los suspeitos.

Nas favelas ainda se cometem execuções, me contam pessoas que vivem nelas, das formas mais cruéis, da decapitação à queima de corpos ainda vivos. E o mesmo ocorre nas prisões. São filmes de terror.

Não que nunca tenha havido casos de brutalidade policial ou de disputas acaloradas no Congresso entre os políticos brasileiros. É que agora a irritação parece uma epidemia de um vírus que está contagiando todo mundo.

Tudo em nome da política, que deveria ser a arte do diálogo, da troca de ideias, da convivência pacífica. A democracia e o respeito pelas ideias uns dos outros não eram a substituição das velhas guerras armadas?

Um país pode viver em uma guerra civil sangrenta, mas também em uma luta ideológica inflamada. O perigo é que a ideologia possa levar à tragédia.

Os políticos, que em teoria deveriam ser os maiores responsáveis por vigiar os ideais da democracia, e que para isso foram eleitos pelos cidadãos, teriam que fazer, neste momento, um exame de consciência e deter entre eles essa avalanche de violência, que ofende as pessoas, enfraquece sua própria autoridade e prolonga a agonia da crise econômica.

O Brasil, de fato, é um país com enormes recursos e possibilidades de crescimento, com investimentos em infraestrutura e exportações, junto com um mercado de duas centenas de milhões de consumidores.

A crise é política e já esmaga a camada mais pobre da sociedade, que é a primeira a quebrar.

As pessoas se perguntam, com razão, como Maria Braga, para onde vai esse país, que "não merece" a imagem que dele está sendo criada fora das suas fronteiras. Um dia, os políticos de hoje, que parecem estar em um circo, com um soco em riste ante a primeira discussão, terão que responder à História.


A crise é política e já esmaga a camada mais pobre da sociedade, que é a primeira a quebrar

Os brasileiros são pessoas acostumadas a ver os políticos se corrompendo, pensando e tramando mais a seu próprio favor do que pelo país. Poderiam, no entanto, mudar e fazer uma surpresa. E a raiva da rua acaba sendo mais forte e perigosa do que as impensáveis brigas dos políticos.

As guerras armadas, algumas vezes, começaram por um único tiro de pistola. As guerras ideológicas podem acabar em guerra civil, às vezes, por um simples soco fora de tempo em uma sociedade gravemente descontente.

A violência, até a verbal, conduz inexoravelmente à violência física. É o que estamos vendo no Congresso e nas ruas.

O Brasil precisa de mais silêncio e reflexão, especialmente entre as pessoas que possuem uma bagagem suficiente de conhecimento e cultura, para entender que antes de todas as ideologias existe o dever humilde de saber entender as razões do outro.

Com o Brasil dos tapas, linchamentos e intolerâncias não se identificam os brasileiros honestos, que são maioria. E essa é a esperança.

Que se multipliquem aqueles que, como o senador e escritor Buarque, confessam que o Brasil da briga e da vingança não é o seu.

Governo bastardo

Revirei meus arquivos. Revisei a história. Puxei pela memória. Nada. Busquei inutilmente um exemplo em que a comunicação do governo e as manifestações de lideranças petistas não tivessem como objetivo enganar a nação, falsificar a verdade, criar ilusão, manipular fatos, dissimular males praticados, induzir a opinião pública a erros de julgamento, soterrar em publicidade as própria faltas. Pergunto: o que motivou os crimes contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, senão o desejo de esconder a realidade e falsear as contas públicas, sob o nome original de "contabilidade criativa"?

Concluí: líderes petistas só dizem a verdade em delações premiadas.

Fiz mais. Debrucei-me sobre o estouro das contas públicas. Examinei os números das eleições presidenciais de 2013. Abri o arquivo dos escândalos e escrutinei a lista das fortunas, expandidas com a velocidade daqueles automóveis que aceleram de 0 a 100 km/h em poucos segundos. Constatei, também, que menos de 10% da população aprova o governo Dilma, ao passo que 38% dos deputados votaram por uma Comissão de Impeachment governista. Perderam, mas fizeram muito voto!

Concluí: o governo não vence nas urnas nem nas votações do Congresso Nacional sem, de alguma forma, comprar votos.


Este governo é filho da mentira. Elegeu-se mentindo. Nas palavras de Lula: "ganhamos as eleições, sabe, com um discurso e, depois das eleições, sabe, nós tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que nós dizíamos que não íamos fazer". Muita conversa, Lula, para substituir a palavra "mentimos". Bastaria essa corrupção fundamental, a corrupção da verdade durante a campanha eleitoral, para mostrar quão pouco respeito merece um mandato tão mal parido. Bastaria isso para que o governo inteiro e seus apoiadores cruzassem pelos cidadãos, nas ruas, nos restaurantes, nos aeroportos, de olhos baixos, envergonhados. No entanto, - fato previsível sob tais condições morais - o governo tornou-se, também, centro de uma organização criminosa imensa em vulto. E várias vezes bilionária em resultados. Poucos anos bastaram para levar da pobreza à abastança uma plêiade de companheiros.

Concluí: a mentira é o primeiro degrau da corrupção. É corrupção da verdade. Daí ao roubo dos fundos de um banco, ou de uma petroleira, é questão de tempo e oportunidade.

Lênin, Goebbels e outros ensinaram (e todos que precisam saber sabem): a mentira insistentemente repetida fica suficientemente parecida com a verdade. Por isso, quando os petistas passam, em coro, a repetir algo de um modo exaustivo, alerte-se, leitor: a verdade deve ser buscada no inverso da afirmação. Nestes dias, a palavra golpe aparece duas vezes em cada frase proferida por um defensor do governo. Logo, eles sabem que impeachment não é golpe. E sabem isso melhor do que qualquer signatário de algumas das dezenas de requerimentos de impeachment que foram protocolados na Câmara dos Deputados ao longo deste ano, pelo simples motivo de que ou foram mentores, ou conhecem bem a natureza dos atos praticados pela presidente.

Golpe foi quebrar o país. Golpe foi tentar fazer de Eduardo Cunha uma espécie de dono do impeachment. Logo ele, que sentou durante meses sobre os requerimentos apresentados pela sociedade. Logo ele que nunca disse palavra que fosse, a favor de tais iniciativas. Logo ele que com sua atitude passiva desestimulou a mobilização popular. Golpe é, também, tentar mudar o rito do impeachment depois de iniciado o processo.

Mesmo assim, parido na mentira, o governo repete, como se adestram cães - golpe, golpe, golpe! E não falta matilha para abanar o rabo.

Percival Puggina

A agonia de Dilma, e a encenação grotesca da política

Para quem gosta de encenações ridículas, a crônica política está um prato cheio. Não digo encenação no sentido de que tudo é previamente combinado – não é, tem gente realmente desesperada para salvar a pele, e alguns mais sortudos (e/ou com mais sangue frio), doidos para puxar o tapete alheio. Digo encenação mais no sentido de que quase todo mundo perdeu o timing da (senão elegância) compostura. E está mostrando as vísceras, políticas e emocionais, num espetáculo de péssimo gosto. Que só pode ser visto como comédia ácida.


Nos últimos dias, vimos performances bizarras como a da tropa de choque de Cunha na Comissão de Ética, que age como se fosse possível salvar não só o mandato como a presidência da câmara para o deputado. É evidente que em algum momento Cunha vai cair – mas ele está possuído por um transe de se manter a qualquer custo, ao invés de pedir o chapéu e ir tratar de sua defesa (ou mesmo escapar do país, antes que seja preso).

O problema é que a desfaçatez da tropa tem conseguido destemperar os desafetos, como o deputado petista Zé Geraldo, que por pouco não protagonizou um pugilato com o agente provocador Wellington Roberto, do PR. A impressão (imprecisa) que é passada para o “público” é que Cunha é um vilão de novela, que se prolongará no cargo segundo as necessidades do roteiro – e não a força da lei. Até interessa para Dilma sustentar essa visão sobre o “vilão”, para jogar fumaça na dubiedade moral da sua própria posição. Mas reforça a percepção das pessoas de que vivem em um roteiro ruim.

Uma outra cena bizarra foi a da ministra Kátia Abreu, jogando um copo de vinho na cara do senador José Serra num jantar de confraternização de lideranças políticas, na casa do senador Eunício Oliveira. Mais bizarra ainda porque não foi decorrência da tensão política (pelo menos diretamente), mas de uma “brincadeira” sexista que Serra fez, chamando a ministra de “namoradeira”. Serra é conhecido por ser inconveniente. Por um lado, tem sim uma certa graça feminista uma figura autoritária (e normalmente um tanto sem noção) tomar uma atravessada dessas. Mas, por outro, ver o “público” de esquerda saudar irrestritamente Kátia, líder ruralista desmatadora e conivente com o assassinato de indígenas, também parece um erro de interpretação de sinais.

Finalmente, o vexame mais ambivalente: a carta do vice presidente a Dilma, “vazada” na última segunda feira. Por um lado – e por seu tom – foi tratada como mimimi do vice, referindo-se a episódios menores e de uma maneira patética, que não deve ser usada em manifestações políticas. Mas cumpriu bem sua função, ou funções. Uma delas era cortar a ressurreição midiática ensaiada por Ciro Gomes, usando do mesmo artifício que seu irmão Cid em março, quando saiu do governo acusando a submissão de Dilma à base aliada, particularmente à quadrilha de Cunha. Ciro, espertamente, estava tentando se inserir no espaço entre Lula e Dilma, desqualificando o ex-presidente nas entrelinhas e fazendo críticas a Dilma. Mas colocando-se como defensor (e eventual herdeiro) da legalidade, enquanto acusava Temer de ser o “capitão da traição”. A carta de Temer teve o condão de mandar Ciro de volta para o limbo.

Outra função da carta foi emitir sinais para o PMDB: na revolta no processo da formação da comissão parlamentar do impeachment, que o governo tentava controlar e, ontem, na deposição do ex-líder do PMDB, Leonardo Picciani, que trabalhava contra Temer e a favor de Dilma. O custo de ser ridicularizado em centenas de memes parece pequeno para Temer, diante da enquadrada que conseguiu dar na conjuntura caótica. Tenho a sensação (não há como saber) que Temer usou esse tom mesquinho de DR (discussão de relacionamento) intuitivamente, para dar uma feição de motivação humana à ruptura com Dilma. Acabou acertando num outro aspecto: fica claro nas entrelinhas a arrogância petista, a disposição de tratar aliados com desprezo – e depois correr atrás deles de maneira errática, quando a corda aperta.

E aqui chegamos ao que pode ser o cerne desta conversa. A construção dessa situação alucinatória certamente passa pelo psiquismo petista – ou pela doença do psiquismo petista. O PT deixou de ser um partido para ser uma igreja, uma seita. Desde sua atividade como oposição a demonização dos adversários políticos era uma recorrente. Mas, dada a empáfia das “elites” locais, parecia fazer sentido. Era um esforço para romper graves barreiras de preconceito.

Mas, porque, como corretamente reclama o petista histórico Frei Betto, a chegada do PT ao poder não correspondeu a uma flexibilização mais generosa desse psiquismo? Porque a escolha política recaiu em tentar comprar a fidelidade do fisiológico PMDB e das legendas de aluguel (digo “tentar” porque essa escória vende, mas não entrega)? Porque a escolha econômica consistiu em pinçar e turbinar seus próprios magnatas (como se vê no caso do banqueiro preso, André Esteves, do empreiteiro preso, Marcelo Odebrecht, e do folclórico e catastrófico Eike Batista)? Porque recolher do lixo histórico Collor, Sarney, Maluf, Barbalho, com um gostinho perverso? Porque radicalizar só no discurso sectário, ao mesmo tempo que reproduzia os piores comportamentos de seus adversários?

Evidentemente a corrupção não foi inventada pelo PT. Acharemos paralelos das negociatas nos governos anteriores. Mas há duas diferenças. A primeira, é que o PT foi nominalmente eleito para atacar os tiozões estupradores acaju da política – não para compor com eles. A segunda é que, em seu esforço para substituir a “elite anterior”, o PT foi montar sua própria versão de “elite” em um plantel de ladrões de galinha, pastores hipócritas, ministras assassinas de nossa matriz étnica, destruidores irresponsáveis do que restou do meio ambiente, corruptos e corruptores de extrações variadas. A lama e a doença, em sentido literal e metafórico, não saíram do nada. Saíram de nossa caminhada rumo ao descontrole absoluto e irresponsável.

O governo do PT fez todas as entregas que podia ter feito até a segunda gestão de Lula. A escolha de Dilma, uma figura com uma certa esquizofrenia (supostamente uma gerentona, mas submissa a Lula) já foi um erro demagógico em si mesma. Assim como rompeu relações históricas e algumas convergências ideológicas com FHC, para explorar um ódio de classe quando era conveniente, um “nós contra eles” ressentido, stalinista e antiético, a campanha violentíssima contra uma ex-petista e ativista digna, Marina Silva, levou esse jogo a um beco sem saída final. O beco sem saída em que o país se encontra é o beco sem saída do psiquismo petista – e é ridículo sermos capturados por esse transe tosco.

Nos últimos dias, políticos de extrações absolutamente diferentes, como Ronaldo Caiado e Luciana Genro, andam falando em formas de zerar o jogo, com renúncias coletivas do governo e do parlamento. A reação dilmista à fala de Luciana foi a pior possível – vi gente conhecida afirmar, com todas as letras, que era surpreendente Luciana estar sendo, esta semana, mais “decepcionante” do que Kátia Abreu, a valente. Kátia se assemelha muito a Dilma: são mulheres, mas mulheres totalmente comprometidas com valores patriarcais, como a repressão (expressa na lei antiterrorismo), a destruição da natureza e o desrespeito por populações não inseridas totalmente na lógica do consumo. Não é à toa que se adoram.

Não sou fã de Luciana Genro. Acho suas concepções marxistas um resíduo do século passado. Mas respeito seu esforço em pensar neste momento com alguma clareza não-sectária, em escapar à agonia petista, e a uma situação que se torce e se retorce sobre si mesma, rumo a coisa nenhuma. Porque, com Dilma e o PT, simplesmente não há como aguentar mais três anos. Ainda que com sinais supostamente invertidos nessa narrativa ruim, Cunha e Dilma estão brigando pela sobrevivência impossível.

Faça uma checagem: se você estiver bradando ‘golpe’, você pode estar contaminado.

Medo das ruas

É uma grande ironia ver o PT, partido que nasceu das ruas, ter medo delas e comemorar discretamente que o povo tenha ficado mais dentro de casa
Valdo Cruz, "O medo das ruas"

Recursos em massa ao Supremo serão um tiro no pé

A estratégica supostamente “jurídica” do Planalto foi iniciada através do PT e do PCdoB. Alguns recursos foram imediatamente arquivados, sobraram duas liminares que os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber aceitaram, equivocadamente, e restou também a ação do PCdoB, que há meses vinha sendo preparada pelos “juristas” do Planalto, como se fosse a bala de prata da presidente. É a peça principal; as outras, meras repetições.

As liminares somente agora serão examinadas pelo plenário e não poderão prosperar, porque agridem o Regimento da Câmara, que tem força de lei e só pode ser mudado em caso de inconstitucionalidade. Aliás, este é o limite de todas as questões apresentadas ao Supremo Tribunal Federal, nesta “blitzkrieg” desfechada pelo Planalto e pelo que restou da base aliada.


É isso mesmo. Somente poderão ser afetadas na importantíssima sessão de quarta-feira as inconstitucionalidades que tenham sido inquiridas, se é que existe alguma. Esta é a missão do Supremo, e termina por aí, conforme está disposto na Constituição Federal. Portanto, cesse tudo que a antiga musa canta, e o neófito ministro-relator Edson Fachin terá de arquivar seu projeto de o Supremo fixar um novo rito para o impeachment de Dilma. Se o Supremo obedecer à Constituição (e isso é o mínimo que se exige dele), não poderá fazê-lo, caso contrário estará invadindo a independência do Congresso, mexendo com um Regimento que tem força de lei, e vamos todos nos mudar logo para o Paraguai.

Ao apresentarem suas defesas na ação do PCdoB, a presidente Dilma Rousseff e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Congresso, cumpriram o fechamento da estratégia dos “juristas” do Planalto, exibindo uma série de argumentos para anular a aceitação do pedido de impeachment pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sob alegação de não ter havido defesa prévia da presidente e tudo o mais.

Mas a novidade mesmo foi a tentativa de minimizar a importância da aprovação do impeachment pelo plenário da Câmara, com o argumento de que a responsabilidade pelo processo da presidente cabe ao Senado e a Câmara apenas faz a acusação.

Sonhar não é proibido. Dona Dilma pode até diminuir as doses de sonífero e dormir melhor esses dias, mas quarta-feira terá um encontro marcado com a realidade, que já começou a ser descortinada pelo parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Além de descartar a obrigatoriedade de “defesa prévia” de Dilma, Janot aceitou a validade da aprovação do impeachment pelo presidente da Câmara, demolindo os argumentos do Planalto justamente no ponto central da questão. O impeachment está valendo, e “c’est fini”, como dizia o deputado baiano Mário Tupinambá.

O único ponto que Janot realmente contestou foi a votação secreta da Comissão Especial com duas chapas, esquecido de que sua aprovação para a procuradoria da República também foi sob voto secreto, vejam como a memória às vezes nos falha em momentos cruciais.

A Lei 1079/50 está correta e o Regimento da Câmara nela se baseia. A forma de eleger a Comissão Especial é assunto interno da Câmara, apenas deve ter representantes de todos os partidos, observada a respectiva proporção.

A Comissão, depois de eleger seu presidente e relator, emitirá parecer, dentro do prazo de dez dias, sobre se a denúncia deve ser ou não julgada objeto de deliberação. Dentro desse período poderá a comissão proceder às diligências que julgar necessárias.

Publicado e lido o parecer, juntamente com a denúncia, 48 horas depois será incluído na ordem do dia da Câmara dos Deputados, para discussão única.

Cinco representantes de cada partido poderão falar, durante uma hora, sobre o parecer, ressalvado ao relator da comissão especial o direito de responder a cada um. Encerrada a discussão do parecer, e submetido a votação nominal, será a denúncia arquivada ou aceita. Neste caso, a presidente Dilma receberá uma cópia e terá o prazo de vinte dias para contestá-la e indicar os meios de prova com que pretende demonstrar a verdade do que alegar.

O próximo passo são os depoimentos das testemunhas e da presidente Dilma ou de seu defensor. Finda esta fase, a Comissão Especial proferirá, no prazo de dez dias, parecer sobre a procedência ou improcedência da denúncia.

Depois, o parecer entra na ordem do dia, por duas sessões. Encerrada a discussão, haverá a votação nominal. Se for aprovado o parecer, a Câmara elege uma comissão de três membros para fazer a acusação e acompanhar a segunda fase do processo no Senado, com a presidente Dilma já afastada do cargo por 180 dias e salário reduzido pela metade.

No Senado o rito é mais rápido. A presidente Dilma será convocada a comparecer, podendo ainda oferecer novas provas e pedir diligências. Em seguida, será marcado o julgamento, presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski.

Abrindo a sessão, ele mandará ler o processo, a acusação e a defesa. Em seguida, inquirirá as testemunhas, fora da presença uma das outras. Logo após, haverá o debate entre a comissão de acusação e Dilma, ou seu advogado.

Finda esta discussão, Lewandowski fará um resumo da denúncia, das provas da acusação e da defesa, para então dar início à votação nominal dos senadores, que podem cassar Dilma ou mantê-la no cargo.

Bem, é este o rito da Lei 1079/50, não há a menor inconstitucionalidade. A Câmara se pronuncia como tribunal julgador e o Senado como revisor, não há a menor novidade nisso. Portanto, o Supremo terá de devolver a bola do Congresso, pondo fim a esta desesperada tentativa de tumultuar o processo de impeachment.

Que a presidente Dilma tenha um mínimo de dignidade e se defenda nos autos, sem chamar o exército de Stédile e suas outras forças auxiliares, digamos assim.

Por fim, lembremos que tudo isso é teoria. Na prática, se Dilma for condenada pela Câmara, o Senado confirmará a sentença, sem a menor vacilação, porque o julgamento é político.

Impeachment: golpe ou solução?

O processo histórico e a dinâmica política têm desdobramentos surpreendentes. A velha raposa mineira já alertava que se assemelham às nuvens com suas formas cambiantes. Por vezes, são anos a fio de calmaria, quase monotonia. De repente, as coisas viram de cabeça para baixo.

O Brasil vive um impasse agudo. Entre perplexas e preocupadas, as principais lideranças políticas e sociais assistem à deterioração do quadro institucional e à falência do governo Dilma. A economia brasileira está derretendo. A rejeição ao governo do PT transborda nas pesquisas de opinião. A sensação de estelionato eleitoral é generalizada. A Lava Jato põe a nu a corrupção sistêmica e institucionalizada. O governo Dilma não mais tem maioria parlamentar e, para completar, cometeu crimes de responsabilidade inequívocos e graves. E não é a oposição quem diz isso, é o TCU.


Estamos indo rumo ao desfiladeiro. Crescimento negativo. Nove milhões de desempregados, que poderão chegar a 11 milhões ao fim de 2016. Inflação acima de 10%. E, o mais grave, crise profunda de confiança e credibilidade.

A Mesa da Câmara dos Deputados acolheu o requerimento de impeachment apresentado pelo jurista Hélio Bicudo, fundador do PT, e pelo ex-ministro Miguel Reale Jr. Baseado nas pedaladas fiscais, na transgressão repetida da Lei de Responsabilidade Fiscal e na realidade revelada pela Lava Jato, oferece fundamento jurídico para a instalação do processo. A presidente Dilma, como ministra das Minas e Energia, presidente do Conselho de Administração da Petrobras e coordenadora do PAC, está no olho do furacão do escândalo na estatal.

Na última terça-feira, reafirmando a fragilidade do governo, o plenário da Câmara, por 272 votos a 199, elegeu a chapa alternativa pró-impeachment na composição da Comissão Processante. O vice-presidente Michel Temer escreveu carta na direção clara do rompimento. O ministro do STF Luiz Edson Fachin suspendeu liminarmente qualquer passo à frente até o pronunciamento do Supremo, na próxima quarta-feira, sobre o rito do processo. Após isso, a comissão será instalada, e o impeachment avançará.

O PT fala em golpe contra a democracia. Não é. O impeachment é previsto na Constituição. É um processo que necessita de consistência jurídica, mas a decisão é política. O PT pediu o afastamento de Collor, Itamar e FHC. Agora, mesmo diante do maior escândalo da história e dos crimes de responsabilidade, resiste e tenta vender a ideia de golpismo.

O Brasil não pode mais ficar pendurado por um fio, na incerteza permanente. A realidade pede mudanças. Particularmente, preferiria uma nova eleição em que a sociedade apontasse o rumo. Mas o impeachment se dará dentro dos marcos constitucionais e legais. É preciso reinventar o Brasil. Virar a página. E se há uma semana o impeachment de Dilma era improvável, hoje é quase uma certeza. Melhor e menos traumático seria se ela renunciasse e negociasse uma agenda de transição.

Assombrações do passado afetam futuro de Lula

A mais recente pesquisa Datafolha sobre o cenário político-eleitoral mostra que a crise está afetando a popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva. Além de ele sair derrotado em todas as simulações de segundo turno, a sondagem revela que a imagem do petista como ex-presidente sofre forte erosão. Em 2010, 71% dos brasileiros consideravam Lula o melhor presidente que o país já teve. Agora, são mais modestos 39% os que o colocam em primeiro lugar. Num mundo 100% racional, isso seria impossível. A exemplo do que se dá no esporte, depois que um recorde foi estabelecido, a marca só poderia ser derrubada por performance superior no futuro.

Só que o mundo não é 100% racional. Na verdade, quando entramos no terreno da história, a objetividade evapora. O problema não é a inexistência de fatos aferíveis, mas o modo como os encadeamos e procuramos encaixá-los numa narrativa coerente. As possibilidades são tantas que tornam a tarefa sobre-humana.

Qualquer evento histórico é fruto de um número tão grande de interações entre pessoas e ocorrências (climáticas, econômicas etc.) que é simplesmente impossível calculá-las. Só que nossas mentes não se acanham diante da intratabilidade do problema e adotam sua hipótese favorita como eixo explicativo, ignorando tudo que não se encaixe nela.

Para agravar o quadro, a própria memória, que Le Goff definiu como a matéria-prima da história, é mais do que traiçoeira. Experimentos neurocientíficos mostram que o conteúdo de nossas lembranças é modificado ao sabor de nossa subjetividade a cada vez que as acessamos.

O resultado, paradoxal, é não apenas que o passado se torna presa fácil de narrativas ideologicamente motivadas, mas também que é muito mais incerto do que se imagina. O mal-estar presente dos brasileiros afeta a memória que eles têm do governo Lula e, por extensão, suas chances como candidato no futuro.

Túneis, poços e labirintos

Não parece mais fazer sentido discutir se é trem. Não é. Nem dá para ver o fim. Não tem luz. Só calor. Não é travessia. Não para prever, ou enxergar o final. O túnel metafórico não existe.

Seria mais fácil se o tal túnel existisse. Haveriam vantagens. Em um túnel, o único caminho possível seria o avanço. Não é muita, coisa, mais pelo menos a caminhada seria em direção ao futuro. Ou para alguma direção definida. Saber para onde vamos seria sim, um grande consolo. Luxo, até.


No país onde até o passado é incerto, não surpreende que a existam duvidas sobre o presente. Tateando o entorno, dizem alguns que habitamos o fundo de um poço. Seria um alivio. Para melhorar, bastaria parar de cavar. Também não parece ser o caso. Infelizmente. Considerando as circunstancias, estar no fundo do poço até que não seria a pior das noticias.

Mas, como tudo nos trópicos, não é tão simples. Já faz tempo que a gente vaga sem direção. No escuro. Tateando paredes. Tropeçando. Sem chegar a lugar algum. Produzindo o nada. Reclamando de tudo.

Saídas simples não estão mais a disposição. É um labirinto. Feito de incontáveis encruzilhadas. Complexo. Difícil. Cruel mesmo. Labirinto que se preza, confunde. Ilude. Engana.

Labirintos testam a inteligência. Torturam aqueles que optam por soluções simples, rápidas e (claro!) erradas. Exigem também compromisso com objetivos. Saber reconhecer a saída é fundamental para a jornada.

Nosso labirinto metafórico é dos mais difíceis. Feito de ilusões e becos sem saída onde a mentira soa sempre atraente. Vai confundindo os sentidos. Dando voltas. Até minar a esperança. Convencer da inutilidade do esforço. Cria discípulos de Sísifo.

A cada curva, revive o passado. Obscurece o presente. Escurece o futuro. Parece não ter fim. E, a julgar pela qualidade das decisões passadas, talvez não tenha mesmo.

Distopia


Como será o amanhã...!?
um itinerário sem destino?
um calendário de incertezas?
O que restará dessa anémica biosfera...!?
do fluxo agonizante das nascentes...
das bandeiras hasteadas pela vida!?
Dia a dia e esse palco inquietante...!
esse escasso oxigénio,
essa delgada água,
esse termómetro assustador.
Ano a ano e a ampulheta do caos escorrendo lentamente nossas vidas...!
nessa paisagem devorada,
nesse carbono letal,
nesse mapa pontilhado pela morte.

Como será o planeta do amanhã...!?
Um mar sem arquipélagos?
um oceano de migrantes?
uma praia de naufrágios?
Falo de uma temperatura cruel,
de paisagens derretidas,
de uma frota de icebergs navegando os sete mares.
Como será a terra do amanhã!?
um campo calcinado?
uma lavoura sinistra?
Que sabor terão os frutos na próxima estação?
que surpresas nos escondem os segredos da ciência?
o que colheremos da alquimia da ganância?
Falo de patentes criminosas,
de sementes suicidas,
dessa dinastia de flores virulentas polinizando a vida
e desse bizarro contrabando germinando sobre a terra.

Como será teu amanhã!?
um teclado de emoções?
um híbrido palpitar?
Com que apetite digitarás as tuas ânsias
degustando essa cultura cibernética?
digerido pelos circuitos virtuais,
pelo marketing neurológico das partículas,
por esse “chip” instalado no teu cérebro,
processando uma ordem dogmática: conecte, “navegue”, consuma...
Com que senha abrirás teu coração?
haverá um ícone para a solidariedade?
um link para a compaixão?
Qual a fronteira entre tu mesmo e a máquina?
quem são essas moléculas engenhosas?
esses átomos amestrados
a devassar teu íntimo recanto de criatura?

Como será nosso amanhã!?
Uma bússola sem norte?
um insulto à liberdade?
com que farol iluminaremos nosso rumo
acuados pela ousadia da violência
e sitiados pelo próprio livre-arbítrio?
Aqui e acolá as estreitas fronteiras do pânico...
esse semáforo que não abre...
esse alguém que te observa...
esse olhar engatilhado...
uma abordagem indigesta
e o cronómetro do pavor computando teu destino.
No roteiro dantesco da sobrevivência
reabres dia a dia tua agenda...,
é o teu cotidiano decomposto,
essa incerteza diária de chegar...
essas balas que assobiam no perímetro dos teus passos.

Como será nosso amanhã!?
Um mundo sem idioma?
um cântaro de fel?
Falo de um território dominado por estranhas hierarquias,
por facções tatuadas com os signos da maldade,
pelos mercenários do vício
enriquecidos pelos lucros homicidas.
Falo de uma legião de vítimas,
de uma síndrome cruel e invencível,
de criaturas e sonhos em farrapos.
Falo dos “juízes” da vida e da morte,
de sentenças e chacinas,
de um comando sinistro e impassível.
Falo da cidadania encurralada pelas milícias do ódio
e de um mercado inexorável do extermínio.
Como será o amanhã!?
um shopping de entretenimentos?
uma oficina de vaidades?
um imenso bazar de grifes e mesmices?
Quem sabe..., uma alameda “fashion”...
onde desfilam as esbeltas silhuetas da ilusão,
estampadas, dia a dia, nas páginas coloridas do glamour.
Ou, talvez, um teatro de incautos “marionetes”...
encenando a sensualidade e o acinte
na pública ribalta do hedonismo!

Como será o amanhã?
Um santuário virtual do “encanto”?
uma cidadela da luxúria?
Falo da explícita pedagogia do erotismo,
seus ícones, seus balcões,
suas vitrines pontocom.
De suas telas insinuantes,
seu varejo literário,
e sua indigesta ditadura musical.
Falo da sodomia on-line,
de devassadas alcovas eletrónicas
e desse promíscuo ritual de fantasias.

E pergunto, perplexo, pela pátria do amanhã...
e falo das paisagens sedutoras do poder,
desse cheiro putrefato que chega do planalto.
Falo de uma oficial voracidade...
dessa doméstica fauna de homens públicos,
...essa nossa biodiversidade insustentável.
Falo da ascensão vertiginosa da esperteza,
dessa inumerável galeria de “celebridades”,
trajadas com as fisiológicas legendas do poder.
Falo do escândalo nosso de cada dia,
da nação envergonhada por quadrilhas palacianas,
por dossiês sonegados e pelos crimes arquivados.
Falo dessa insultante presunção de inocência,
dessa triste balada da alma humana,
dançando pela culpa absolvida
e gargalhando com escárnio da justiça.

O que sobrará enfim desse perene banquete...!?
para onde caminha essa infantil humanidade...
embriagada pelo licor das ilusões
e indiferente à dor dos desgraçados?
Quem sabe reste um naco qualquer de fraternidade
para ser digerido com um gole de esperança...
um “cardápio” para os filhos da miséria,
uma migalha perene...
para saciar essa fome que janta, na calçada, o nosso lixo remexido.

E eis porque falo de uma alarmante geografia de lágrimas,
de uma favela planetária
de uma legião mundial de parias.
Falo de criaturas açoitadas pela vida
de um mundo que “não dorme e que não come”
que “não lê e não escreve”...
Como saciar tanta sede de justiça?
como conter essa fome parindo seus herdeiros?
Ó Senhores...é tão triste ironizar a esperança
mas diante dessa insólita passarela
nós nos perguntamos: o que se espera dessa sórdida assembléia ???
Um projeto político para a solidariedade humana?
ou emendas com intenções inconfessáveis,
retórica ambiental e ongs humanitárias?
E o que se pode esperar desse desfile de beldades...
novas “tendências” para a fraternidade
um “estilo de vida” para os excluídos,
finos “tecidos” para cobrir o pudor dos maltrapilhos!!!???
Ou, talvez, “padrões” mais “chiques” de caridade,
“estampas” coloridas para a compaixão,
melhores “ângulos” para fotografar a beneficência!!!???

Mas afinal quem ousa desfilar nessa excêntrica avenida!?
quem são essas almas extraviadas,
essas tribos debochadas?
Quem comanda essas falanges
essa alcatéia de homo sapiens,
de corruptos e deslumbrados,
de perversos e pervertidos?
Que poder é esse...
esse paradigma sombrio que invadiu nossa decência?

Que poder é esse?
potencial, subliminar, imprevisível...
É uma corporação, uma egrégora ???
Falo de um império global com seus invisíveis tentáculos,
seu discurso sedutor,
suas catilinárias e suas litanias,
suas metáforas globalizadas,
seus descarados silogismos e seus slogans mentirosos.
Quem são eles?
nossos irmãos bastardos,
nossa herança cármica,
nosso “presente de grego” ?
Digo que é um sinistro “cavalo de Tróia”
há meio século parindo suas satânicas criaturas
invadindo todos os caminhos
disputando os espaços da ilusão
conquistando todas as trincheiras
mascarando a liberdade
ironizando os códigos da verdade
silenciando a voz do coração.
São os negociantes do poder
os mercadores do sexo
as falanges do vício.
São os falsos profetas,
os tribunos celestes da intolerância
franqueados pela simonia
inaugurando um templo em cada esquina.
São os senhores do mundo e do impasse
manchados com as cores da discórdia.
São os fabricantes da bomba,
os que gargalham sobre o sangue dos caídos.
Seus nomes se escrevem em todos os idiomas,
se escrevem sob o signo de uma águia poderosa,
com os mortos e os órfãos das nações vencidas.
Se escrevem com as siglas planetárias da ganância
e com os filhos planetários da miséria.


Senhores...para onde caminhamos...?
em que galeria serão expostas nossas ‘artes’...?
o que revelarão amanhã nossos retratos de Dorian Gray”,
pincelados com as cores da cobiça e da luxúria.
Falo da alma humana adoecida por chagas milenares
e pergunto como surgirá nossa face no espelho do amanhã...
maquiada com as sombras do orgulho e do egoísmo
e tatuada com tantos desatinos.
Falo dessa estesia emasculada,
dessa irreverente cadência de vaidades.
Falo dessa máscara hilariante da “felicidade”,
de criaturas tombadas do abismo da ilusão.

E diante de “triunfo de tantas nulidades”
Todos afinal nos perguntamos: como descrever o enredo do futuro???
Será um show permanente de aparências
ou uma trincheira de gangues e facções?
Será uma ilha oficial da fantasia
ou o gueto planetário da miséria?
Será ainda um vale semeado de ambição
ou já um planeta inteiramente saqueado?

(Ah! esse mundo sitiado...
essa convivência pari passu com a maldade...
esse estresse à flor da pele...
esse desencanto, essa impotência...
esse presente sem sentido do amanhã...)

O que restará do estado de direito
das Bastilhas e dos muros derrubados
das bandeiras hasteadas sobre o sangue dos tiranos
o que restará do Sermão da Montanha e das chagas do Calvário
da revolução de outubro e do sonho de Ernesto
quem manterá acesa a memória luminosa dos heróis
quem defenderá a trincheira da decência
quem ousará dizer não
o que acontecerá com os últimos rebeldes

Senhores..eu vos peço perdão...
por este lirismo sombrio,
pelos meus versos perplexos,
por esse indigesto cantar.

Senhor, nós te pedimos perdão...
por tantas balas perdidas,
por tantas pérolas aos porcos
e pelos dossiês da vergonha.
Perdão Senhor
pela pedofilia on-line
e pela inocência ultrajada.
Perdão pelas cartilhas da vaidade
e as dietas assassinas.
Nós te pedimos perdão
por esses ninhos queimando,
por essa relva secando,
por essa floresta no chão.
Perdão, Senhor, por esses cardumes boiando
pelos rios asfixiados
por essas águas morrendo
Perdão pelas chaminés borbulhantes,
por essas folhas exaustas,
pela agonia do ozônio,
por essa Gaia ferida.


E contudo...senhores, é imprescindível sonhar...
juntar os cacos da utopia
e crer, incondicionalmente, num amanhã...
É imprescindível sustentar a vida
para que os filhos da esperança possam respirar sua beleza.
Senhores... é também imprescindível indignar-se
não se acovardar ante a maldade,
porque é imprescindível virar o jogo
saber que só o que é justo faz sentido
e empunhar com paixão essa bandeira.
É sobretudo imprescindível unir nossas mãos em prece,
falar consigo mesmo e com as estrelas
e acreditar..., que sobre esse vale de lágrimas,
um olhar compassivo nos ampara.

Curitiba, 12 de Dezembro de 2006
Manoel de Andrade,

Quem desgoverna o Brasil?

Somos todos nós. Sim, desde o mais humilde até o mais importante cidadão brasileiro, quando descumprimos os princípios primordiais legais contribuímos direta ou indiretamente para o atual estado de coisas que bem representa o caos, quando nos sentimos extremamente ludibriados pelas políticas governamentais abraçadas.

O Ministro Levy tenta segurar o titanic mas nossos parlamentares são levianos a ponto de manter o déficit público e não colher superavit primário. Fato é que desde o nosso descobrimento, todo o período de colonização, os pequenos enganos, golpes, e artimanhas fazem parte do cotidiano. Quando você compra um produto lançam mão de uma ordem de serviço para não recolher impostos e nessa cadeia incessante de pequenas trangressões atingimos a máxima da corrupção.


Quem imaginaria que voltaríamos a ter uma inflação de dois dígitos e uma sangria generalizada com dados de um crescimento negativo e aspectos pífios da economia. E a total irresponsabilidade faz parte da carta dos nossos políticos da entrada até a sobremesa já que não conseguem imaginar as dificuldades atravessadas pela maioria da população. E deveras o engano das loterias, de um só ganhador e tudo que causa desprezo á inteligência do cidadão de bem.

Essas medidas que nos desgovernam soam como uma fritura que a população sofre no seu dia a dia. O ano de 2015 não começou e terminou tragicamente com a instabilidade, pedido de impedimento presidencial, e o bate boca geral entre a classe política que faz verdadeira luta de ringue no parlamento no apequenamento de seu papel e da respectiva função.

Durante o ano tivemos de tudo desde notícias terríveis como a famigerada situação da empresa Samarco em Minas Gerais, governos dando o calote e não pagando as contas e prefeituras terminando os expedientes mais cedo, sem recursos financeiros para manter o pessoal e a máquina em funcionamento. O estado falimentar brasileiro repercute nas empresas e com elas o número explosivo de pedidos de recuperação e falência o que coloca em risco empregos e a discussão em torno da roubalheira que se institucionalizou em todos os cantos do Brasil.

Como curar essa patologia, cuja moléstia pesa no bolso do consumidor e aflige à classe média cada vez mais empobrecida? Esse discurso da esquerda demagógica cede espaço às luzes vindas da Argentina e com a eleição no parlamento Venezuelano, não é possível que consigamos nos distanciar dos rumos e das metas que consagraram o plano real para colocar em ordem a casa.

Preços em alta, e não há consumo, como se explica, imóveis na estratosfera, carros importados a preços proibitivos? E zombam da população, haja vista que num País literalmente pobre se cobra todo o custo e mais um pouco, sem falar nos preços exorbitantes dos medicamentos.

E a população já toma consciência no sentido de saber que o desgoverno passa a ser visto a olhos nus quando se transgride da menor até a maior regra de convívio social, refletindo negativamente na sociedade civil. Sem oposição e com uma multidisciplina do atraso dos partidos políticos, voltamos ao período da selvageria, cada um defendo um interesse e caça e caçador no mesmo foco.

Não podemos imaginar que chegaríamos a uma realidade estranha, sem perspectiva de avanço ou melhoria a curto prazo. Quem desgoverna Brasil não são apenas nossos governantes, mas sim todo e qualquer cidadão que joga um cigarro na rua, atira o lixo para fora do local adequado, quer fazer manobra proibida com o carro ou estacionar na vaga de idoso ou deficiente físico.

A sociedade que se autopolicia e autoregula tem maior credibilidade e menor chance de violar suas regras de consciência no âmbito da vida em comum. Contudo, desde o síndico do prédio até o maior diretor de empresa, estatal ou particular, tudo se transforma na vantagem da Lei de Gerson e com isso perdemos décadas de atraso e puro retrocesso.

Enquanto não nos conscientizarmos que o bem coletivo, comum e da sociedade, prioriza nossa conduta e modo comportamental, agiremos com infantilidade e deixaremos as gerações futuras a ver navios. O esfrangalhamento entre os poderes é sinal evidente que ninguém pensa no amanhã, no futuro da juventude, no caminho das crianças, e na estabilidade da terceira idade.

Todos se empoleiram no poder, custe o que custar, para dele tirar máximo de vantagens e cortejar a maior posição em termos de riquezas materiais. O grande recuo da globalização foi exatamente esse, propicia para uma minoria conforto e bem estar e para a maioria luta e suor, já aqueles com menor pudor tentam se locupletar e a regra dos fins valem os meios tem sido uma máxima exemplar desde prisca época.

A alternativa é simples: ou aprendemos a nos respeitar ou oscilaremos entre os emergentes mais atrasados do continente, com dados estatísticos que aniquilam o sentido pleno da democracia.