quinta-feira, 16 de junho de 2022

Pensamento do Dia

 


Governo parece aceitar uma Amazônia sob domínio de criminosos

No segundo mês de mandato, Jair Bolsonaro mandou avisar que estava declarando "guerra ao crime organizado". O presidente enviou ao Congresso uma mensagem que replicava o marketing da campanha eleitoral e dizia que o governo não teria "pena nem medo de criminoso".

O próprio Bolsonaro faz questão de desmoralizar esse esforço fajuto de propaganda –com os típicos traços de crueldade de seu discurso. Nesta quarta (15), o presidente praticamente responsabilizou o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips por terem desaparecido na Amazônia.

Bolsonaro disse que a dupla fazia "uma excursão" pelo Vale do Javari e apontou que os dois ficaram em perigo porque "resolveram entrar numa área completamente inóspita sozinhos, sem segurança". Como se os assassinos não fossem os únicos culpados, ele acrescentou que era "muito temerário" andar pela região sem estar preparado.


O monitoramento da Amazônia é um desafio para qualquer governo, mas Bolsonaro abriu mão de qualquer empenho. Ele reconheceu que grupos criminosos circulam livremente na região e afirmou que Pereira e Phillips podem ter sido mortos porque incomodavam quem pratica atividades ilegais. "Lá tem tudo o que se possa imaginar", disse.

Dias antes, o vice-presidente Hamilton Mourão havia usado o mesmo tom resignado para falar daquele pedaço da Amazônia. "É uma região inóspita, afastada de tudo", descreveu. "Do lado peruano, uma série de ilegalidades acontecem. Do nosso lado, também. As duas pessoas entram numa área que é perigosa sem pedir uma escolta, sem avisar efetivamente as autoridades competentes, e passam a correr risco, né?"

Mourão e Bolsonaro preferiram não lembrar que a ocupação da área pelo crime organizado também é consequência de décadas de ausência do Estado. Um governo que diz defender a todo custo a soberania e a proteção do território parece mais do que conformado em ver a Amazônia como uma terra sem lei.

Na Amazônia, o coração das trevas

O assassinato dos heróis amazônidas Bruno Pereira e Don Philipps (já se deve falar assim) em plena atividade nas investigações que realizavam sobre atividades ilegais nas remotas regiões do vale do Javari no extremo oeste da Amazônia, além da comoção mundial que suscitou, trouxe para nós com evidência solar o projeto de capitalismo pirata que serve de bússola de orientação do governo Bolsonaro, apresentado sem subterfúgios em reunião ministerial de infausta memória nos idos de junho.


Foi nela que se alardeou o programa de desmatamento sistemático da floresta para fins de expansão do agronegócio, abrindo passagem para a boiada, na expressão do seu ministro do Meio Ambiente, na presença patibular da sua ministra da Agricultura, quando também foram ouvidas manifestações escandalosas de teor predatório das nossas instituições e dos valores cultivados por que há de melhor em nossas tradições nacionais.

O que o país e o mundo não sabiam até o desfecho trágico do assassinato dos amazônidas Bruno e Don era que havia homens com têmpera de heróis que, mesmo desprotegidos e desprovidos de recursos, porfiavam em defesa da floresta e dos seus povos enfrentando riscos mortais, denunciando, mesmo que com baixo poder de vocalização à opinião pública, nacional e estrangeira, os crimes de lesa pátria que ali se praticavam.

A execução criminosa deles destampou para horror universal – alguém já lembrou propósito o Coração das Trevas de J.Conrad – a crueldade a que estavam expostos os naturais da região, particularmente os indígenas, objetos da exploração predatória exercida por uma rede de pequenos interesses que estavam na ponta a serviço de grossos interesses capitalistas, envolvendo inclusive setores do narcotráfico e da traficância de armas, em movimentos expansivos que visavam por sob controle grande parte dos imensos recursos naturais ali disponíveis.

A ocupação criminal daquela região não pode ser encoberta pela razão cínica de que ali o Estado estava a léguas de distância, embora ele contasse com um histórico de presença, mesmo que rudimentar, malbaratada que foi pela ação do governo Bolsonaro em sua política de abrir uma estrada real para a passagem de boiadas, pastos, mineração, das madeireiras e tudo que pudesse ser convertido em objeto de lucro pela ação de caçadores da fortuna, agentes da livre iniciativa na linguagem do nosso governante, num capitalismo flibusteiro renomeado com o solene nome de defesa da soberania nacional.

Será desse lugar remoto da floresta que pela ação destemida de intelectuais locais aliados a indígenas e a segmentos da população amazônida, conscientes da necessidade de interlocução com a opinião pública nacional e estrangeira e com círculos universitários, especialmente os vinculados às universidades da Amazônia, que vai ter partida o movimento até então o mais significativo, pela ressonância externa e interna que provoca, na estratégica questão ambiental para a democracia brasileira.

Dali desvela-se a trama que põe a nu as redes dos interesses do nosso capitalismo autoritário, na antiga conceituação do antropólogo Octávio Velho, cujas raízes estiveram e estão radicadas no mundo agrário solidamente defendidas pelos aparelhos repressivos à disposição dos movimentos expansivos do capital entre nós. Emancipar a região das fronteiras amazônicas do crime organizado, protegê-la por um Estado democrático no que pode vir a ser a missão da iniciativa atual do Senado em instituir uma comissão para averiguar o que se passa no vale do Javari, pois que é de lá que deveremos decifrar o projeto sinistro em curso de assentar no país uma nova floração para o capitalismo autoritário.

O trágico episódio que vitimou nossos bravos amazônidas, trazendo para o centro da agenda do mundo civilizado os temas dominantes no cotidiano de resistência em que viviam, é exemplar do papel transformador que a convicção fundada nos ideais de justiça é capaz de operar.

Quem Bolsonaro culpa pela morte de Bruno Pereira e Dom Phillips

Garimpeiros ilegais que roubam a riqueza das reservas indígenas? Ele já foi um deles quando era soldado. Sempre os elogia. Garimpeiros, legais ou ilegais, votam em Bolsonaro.

Pescadores ilegais que contrabandeiam milhares de toneladas de peixes para países vizinhos? O Ibama finge que não os vê. Votam em Bolsonaro, assim como milicianos, traficantes.

Grileiros de terras indígenas demarcadas ou não? Grileiros de quaisquer tipos de terra na Amazônia? Essa gente sabe ser agradecida. Bolsonaro é seu padrinho, e por isso vota nele.

Desmatadores que trabalham para empresas nacionais ou internacionais, não ganham lá grande coisa, mas o que ganham dá para viver? Bolsonaro anistia suas multas. Eles votam nele.

O crime organizado, nacional e transnacional, que hoje atua em boa parte da Amazônia de vez que a presença do Estado é nenhuma? Por que Bolsonaro o culparia? São parceiros.

Descarte-se os militares. São poucos. Os oficiais contam os dias que faltam para sair dali. Sonham com postos no litoral. Dizem que a Amazônia é nossa, mas sabem que não é. Apoiam Bolsonaro.


Vou dar uma pista de quem Bolsonaro culpa pela morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, radicado no Brasil há muito tempo, casado com uma brasileira.

Na Flórida, Estados Unidos, depois de pedir ao presidente Joe Biden ajuda americana para se reeleger, Bolsonaro disse ao comentar o 7º dia de buscas aos dois desaparecidos:

“Eles, quando partiram, as informações que temos é que não foi acertado com a Funai. Acontece, né. As pessoas abusam, né”.

Quer outra pista para descobrir a resposta à pergunta sobre quem Bolsonaro aponta como responsável pelo assassinato bárbaro dos dois? Lá vai. Há 48 horas, Bolsonaro declarou:

“Já se levanta o comportamento deles na área, se era querido ou não. Lamento terem saído da forma como saíram, duas pessoas em terras desprotegidas. Tudo tem ali, até pirata”.

Última pista antes da revelação que você intui ou já sabe: ontem à tarde, a poucas horas de agentes federais descobrirem aonde estavam enterrados pedaços dos corpos, Bolsonaro disse:

“Um inglês e um brasileiro que sabiam dos perigos da região. […] Estão me culpando agora. Quando mataram a Dorothy Stang ninguém culpou o governo, era de esquerda”.

Bingo! Sim, Bolsonaro culpou Bruno Pereira e Dom Phillips pela própria morte. Não poderia ter sido mais claro ao dizer por fim:

“Esse inglês era malvisto, fazia muita matéria contra garimpeiros, questão ambiental, então, naquela região que é bastante isolada, muita gente não gostava dele. Ele tinha que ter mais que redobrada atenção para consigo próprio e resolveu fazer uma excursão.”

Fique sabendo o mundo que quem defende a Amazônia corre risco de morrer no Brasil de Jair Messias Bolsonaro.