domingo, 9 de abril de 2017

Por onde vamos?

“Se você pretende chegar à popularidade – explica um artigo escrito em fevereiro de 1889 por uma figura vastamente sábia –, o caminho mais fácil será seguir algumas regras. Uive como os lobos. Faça homenagem fervorosa aos vícios favoritos dos incultos, reverencie as mediocridades como fossem excelências. Feche os olhos firmemente diante de qualquer verdade que incomode a maioria, desde que não seja percebida pelos líderes da manada. Junte-se contra a minoria dos dissidentes, que enxergam os problemas e os males. Curve a cabeça diante da vulgaridade do poderoso e bata palmas para o macaco que zomba do leão caído e agonizante. Fique sempre alinhado com a opinião mais cômoda e dominante. Siga as modas. Com isso será certamente bem popular”.

A descrição traça o contorno do demagogo e, embora conhecida, renova-se a cada geração e colhe os louros de efêmeras vitórias.

E, se tem um lado sombrio, podemos procurar outro luminoso e bem mais raro em contraposição à fácil e vil demagogia.

“Não podemos esquecer-nos de alimentar até mesmo uma serpente esfomeada – ensinou o Mestre Budha –, controlando em nós o medo de vê-la voltar-se e morder a mão que a alimenta; não podemos esquecer a lei divina (Karma), que castigará quem foge e abandona os míseros ou se esquece de aliviar o pecador ou o desgraçado”.

Alimentar a serpente sem medo, oferecer a carne do nosso corpo ao tigre esfomeado!

Charge O Tempo 05/04/2017

Parece insanidade, mas a força firme e pura do bem pode anular o instinto do maléfico. Aí está a chave do milagre, da quebra da barreira. Assim como a cruz repele o diabo, o sentimento sem mancha aniquila o sombrio contrário. A luz faz desaparecer a escuridão, a força do bom pensamento amansa a besta, sacia seu apetite.

E aquela menina que foi violentada pelo bruto? O que fez de errado? Mal chegou a este planeta. Mas chegou, e chegou de outra esfera trazendo algo que possibilitou o horripilante crime? Como uma obra de barro, o infausto evento foi amassado por um diabo nas profundezas, invisíveis ao olho, que se estarrece diante da crueldade.

Acreditar? Sim, embora o santo monge, questionado pelo discípulo ao cair da escada: “Até tu, santo e imaculado?”, tenha respondido: “Sim, há 56 encarnações, pisei uma formiga inocente...”
E ainda é oportuno lembrar que a dor, em todas as suas formas, prefere os que procuram alcançar um desenvolvimento espiritual mais elevado. A dor é a expressão da benevolência superior. Per aspera ad astra.

Segundo o abade, não existe o mal como entidade, mas ele se revela na ausência do bem. Como a escuridão quando a luz se apaga. Quando a consciência se enfraquece, aparece o que definimos como mal e faz a festa, como rato na ausência do gato.

Como diria a inspirada Blavatsky, “uma vida limpa, uma mente aberta, um coração puro, um intelecto ardente, uma clara percepção individual, a fraternidade para com todos, a presteza para dar e receber conselhos e ensinamentos, a decidida resistência às injustiças pessoais, a intrépida defesa dos injustamente atacados, e, acima de tudo, uma visão constantemente voltada para o ideal, são a escada de ouro por cujos degraus um aprendiz chegará ao Templo da Sabedoria Divina”. E, quando essa vastidão se descortina, outro universo se ilumina.

A doce utopia, talvez, de um admirável mundo, que um dia chegará quando os méritos o deixarem surgir e ser realidade. Novo, livre, sem estruturas rígidas, pois cada homem saberá onde colocar-se fraternalmente, sem necessidade de pressão.

Inocentes do Leblon

A Lava-Jato representa uma novidade no Brasil. Mas, às vezes, tem uma recaída, típica dos momentos anteriores. Considero insensato permitir que Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral, cumpra prisão domiciliar. Não desconfio da honestidade do juiz. Prefiro supor que tenha caído, como todos nós caímos, na armadilha do meloso sentimentalismo que envolve nossa cultura.

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Em primeiro lugar, quero dizer que concordo com a ideia das mães cumprirem prisão ao lado dos filhos. As cadeias foram feitas para homens, e a ONU reconheceu essa inadequação ao aprovar as Regras de Bangcoc. As regras são boas, vão no sentido do progresso e reconhecem a singularidade da mulher. No entanto, como quaisquer regras, não podem ser aplicadas cegamente. Não creio que sejam no Brasil, onde dois terços dos pedidos de prisão domiciliar foram negados pela Justiça. A primeira pergunta que todos colocaram, inclusive a ministra dos Direitos Humanos: “Por que Adriana Ancelmo, e não todas as outras, tem direito à prisão domiciliar?” Pelo menos, a intervenção do governo admite que pobres também são humanos e retira esse conceito do limbo em que foi jogado por militantes que consideram humano apenas quem compartilha de suas ideias.

No entanto, não é esse o meu ponto. A decisão de transferir Adriana Ancelmo para sua casa foi insensata por outras razões, que se relacionam também com o conceito de Humanidade. Adriana é um dos cérebros da quadrilha que assaltou o Rio. O dinheiro das propinas de Cabral passava por suas mãos. Ela acompanhava o marido nas viagens ao exterior, nas quais o casal organizava melhor a distribuição da fortuna pelos diferentes esconderijos.

Os promotores acham que Cabral desviou R$ 1 bilhão. Cerca de R$ 300 milhões foram encontrados e, inclusive, aliviaram o drama de aposentados que não recebiam havia meses. E os outros possíveis R$ 700 milhões... Onde estariam? Adriana Ancelmo certamente sabe e vai querer redistribui-los não só para os gastos imediatos, mas também para utilizá-los no futuro. Cadeias no Brasil duram pouco.

Essa é a questão ética que se coloca para o juiz Marcelo Bretas, e ele respondeu de forma equivocada: atender à mãe separada dos filhos ou às milhares de mães que teriam seus dramas amenizados se o dinheiro fosse encontrado? Verdade que ele tomou precauções. Adriana não pode usar telefone nem internet. Mas como a Justiça brasileira, que não consegue bloquear telefones nos presídios, vai fazê-lo num prédio do Leblon? De novo, as precauções: a Polícia Federal está autorizada a realizar vistorias periódicas, sem avisar. Nos presídios, o próprio Exército está fazendo esse trabalho, que, na verdade, é um trabalho de Sísifo: você apreende os celulares hoje, reaparecem novos aparelhos na semana seguinte.

Em sua casa, Adriana poderá receber parentes, sem as regras rígidas do presídio. A essa altura, os defensores de Bretas devem estar pensando: se nos presídios não se bloqueiam celulares, qual a vantagem de mantê-la presa? Se a família Cabral não respeita as regras do presídio, graças ao grande cúmplice Pezão, que diferença faz receber parentes no Leblon?

Desde o início da década tenho acentuado a simpatia que a Justiça do Rio tem por Sérgio Cabral. No TSE ameaçavam processar quem o questionasse. Os tentáculos parecem se estender ao STJ, onde amigos estão prontos para ajudá-lo.

As recentes prisões de quase todos os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado dão apenas uma visão da metástase do processo de corrupção em todos os setores do estado fluminense.

A Lava-Jato caiu na armadilha. Achou um caminho para que um dos cérebros da quadrilha continuasse a trabalhar em paz, articulando a redistribuição do botim. Fez tudo isso para que ela cumprisse suas funções maternas, levasse de novo paz à casa desfeita. Mesmo essa boa intenção implícita nas Regras de Bangcoc torna-se ridícula quando analisada no caso de Adriana.

A decisão de Bretas e dos simpatizantes de Cabral no STJ levou o inferno ao Leblon. O quarteirão onde está o apartamento de Adriana vive em sobressalto. Manifestações, panelaços, gritos de protesto. O próprio restaurante em que Cabral comia, tão perto que os garçons poderiam servi-lo em casa, não é mais o mesmo. Carros buzinam a todo instante, e as vozes dos motoristas indignados penetram no salão. A experiência mostra que esses focos crônicos de protesto tendem a polarizar quando a conjuntura se agrava. Há um potencial de tragédia no ar.

Não é o caso de Bretas, mas, se Cabral tem amigos no STJ, é bom que saibam que ele pode delatar. É preciso gostar muito dele para ajudá-lo. E acreditar que a recíproca é tão verdadeira que, louco para reduzir a pena, Cabral não os entregue também.

Fernando Gabeira

Todos precisam de um amigo

Lula e a lei

O ex Luiz Inácio Lula da Silva se diz ansioso para depor ao juiz Sérgio Moro. Sua pupila e sucessora, a presidente cassada Dilma Rousseff, se “preocupa muito que mudem as regras” e prendam o seu padrinho. Combinados, eles fazem o jogo do contrário: o claro é escuro, o dia é noite.

Assim como os demais enrolados e arrolados pela Lava-Jato, Lula quer distância de Moro, mas não pode correr de uma intimação. E Dilma apenas engrossa a conhecida lengalenga de perseguição a Lula. Condená-lo não seria aplicação da lei, mas ação deliberada para impedir seu retorno à Presidência.

Ambos descem a lenha no Ministério Público Federal e na atuação da Justiça e, ao mesmo tempo, têm a desfaçatez de se dizerem defensores da Lava-Jato.

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Há quase um ano, Lula, Dilma e o PT tentam convencer o mundo de que o Brasil vive em estado de exceção. Com algum sucesso, até conseguiram apoio internacional na campanha contra o “golpe” que afastou Dilma.

Neste sábado, na Universidade de Harvard, em Boston, em evento organizado por alunos brasileiros, Dilma repetiu a ladainha. Acrescentou a pregação que o PT e Lula têm batido nas redes sociais e nas ruas: uma eventual condenação de Lula seria uma armação para tirá-lo da “parada” em 2018. E misturou – por confusão, má-fé ou ambos - regras eleitorais com prestação de contas à Justiça.

Além de ser mais uma afronta às instituições brasileiras, especialmente à Justiça, a tese reforça a intocabilidade que Lula e aqueles que o cercam exigem para o ex.

Ele estaria acima de qualquer lei. Acima de qualquer coisa. Na verdade, sempre se considerou assim.

Reforçar esse discurso do injustiçado pela Justiça, que quer cassar os direitos de Lula de concorrer no ano que vem, é a saída que resta para a possibilidade cada vez mais palpável de o líder maior do petismo ser condenado em um ou mais dos cinco processos nos quais é réu.

Tem-se ainda uma corrida contra o relógio. Nada a ver com a oitiva de Lula por Moro no dia 3 de maio, quando o PT pretende colocar tropas em Curitiba, mas com as delações do marqueteiro João Santana e sua mulher Mônica Moura. E, de quebra, com os estragos que o também marqueteiro Duda Mendonça pode fazer ao falar com o MPF, audiências premiadas que começam em breve.

Até José Dirceu, preso em São José dos Pinhais, teria feito considerações de que serão delações explosivas, com potencial de colocar Lula e Dilma na cadeia. Para fazer frente a elas, o ex-capitão do time petista crê que é preciso ocupar as ruas.

Mobilizar, colocar os aparelhos das centrais sindicais e dos ditos movimentos sociais na rua é o menor dos desafios. O problema real está no teor das delações, nos documentos e cruzamentos de dados que incriminam Lula.

Está na objetividade da acusação que o ex tenta dizer que é subjetiva quando se remete às trapalhadas do powerpoint do procurador Deltan Dellagnol, que, em setembro do ano passado, apontava Lula como beneficiário central da Lava-Jato, apoiado em “convicção”.

De lá para cá Lula e seus advogados sabem das novas diligências, das novas delações e das cooperações internacionais firmadas. Do rastreamento das palestras milionárias pelo mundo combinados com os contratos que a Odebrecht conseguiu nos “países amigos”. Do sorvedouro de dinheiro público para financiar campanhas, luxos e mimos do ex, de sua afilhada e de aliados, incluindo gente que hoje eles acusam de “golpista”.

Para os fiéis, Lula, Dilma e o PT deverão recrudescer o discurso do “todos contra Lula”, sempre sem dizer quem são os “todos”. Paralelamente, assim como fez na semana passada, Lula vai aliviar a fala em relação a Moro. Fará outros elogios, repetirá que Moro “cumpre papel importante”.

Firulas petistas à parte, ao Brasil só interessa que a Justiça seja justa. Que absolva inocentes, condene e coloque na cadeia aqueles que surrupiaram o país. Seja quem for, seja ou não um Lula.

Gente fora do mapa

Itália,1960 

O ilícito maior


Caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Me causa espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre a corrupção para fins de enriquecimento ilícito e a corrupção para fins de financiamento ilícito de campanha eleitoral.
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Para mim a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito
Juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato

A reforma possível

O Palácio do Planalto fez o que era de se esperar diante de uma situação na qual seu projeto de reforma da Previdência dividiu os aliados e uniu os adversários: recuou em relação às propostas originais, que perderam sustentação no Congresso. Após reunião com o presidente Michel Temer, o relator da reforma na Câmara, deputado Arthur Maia (PPS-BA), anunciou o novo posicionamento do governo. Participaram da conversa o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o secretário da Previdência, Marcelo Caetano,

Primeiro, o relator anunciou que o governo não abrirá mão do equilíbrio fiscal nem da idade mínima de 65 anos. Segundo, submeterá todos os trabalhadores ao teto do INSS. Terceiro, mudará as regras de transição, que teriam dois ou três paradigmas, reduzindo a idade dos atingidos de 50 para 40 anos. Quarto, mudará as regras da aposentadoria rural, mas não permitirá nenhuma aposentadoria abaixo do salário-mínimo. A primeira repercussão foi na base do governo. O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se opunha à reforma, classificou o novo posicionamento como um recuo. Disse que era a demonstração de que a reforma pode ser feita sem penalizar os trabalhadores nem empobrecer o Nordeste.

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A reforma da Previdência é um daqueles assuntos complexos nos quais a busca de uma solução simples e fácil costuma dar errado, como gosta de dizer o ex-secretário da Receita Everardo Maciel. A proposta original lançada pelo governo nasceu para ser mitigada, não se sabe bem se por causa dos “bodes”, que no jargão parlamentar são aquelas propostas incluídas nos projetos para serem esquartejadas e retiradas, ou porque a proposta era ruim mesmo. O fato é que a disposição de negociar com o Congresso pode desanuviar um pouco o ambiente na base do governo, embora dificilmente isso faça oposição ao governo arrefecer.

Saindo do varejo para o atacado, há duas maneiras de discutir a questão. Uma é a que vem predominando nas redes sociais e no movimento sindical, que reproduz a polarização política que interessa à oposição. Essa forma de tratar a questão facilita a vida do PT, que busca se reaproximar de suas bases tradicionais e novamente hegemonizar a esquerda, como se fosse possível recuperar a sua liderança moral, digamos assim, sem fazer nenhuma autocrítica dos erros políticos que cometeu e, principalmente, no pântano ético no qual se meteu.

A outra é reconhecer que a bipolaridade direita versus esquerda não resolve o problema real: a falta de sustentabilidade atuarial do atual modelo, que surgiu de um arremedo de estado de bem-estar social que privilegia as corporações da burocracia estatal e é profundamente injusto com os assalariados do setor privado. Esse é o xis da questão. Durante certo tempo, isso foi possível porque o Brasil foi muito beneficiado pela expansão da economia, a recuperação gradativa do salário-mínimo e o chamado bônus demográfico (a relação entre a população economicamente ativa, as crianças e os idosos com pensões e aposentadorias) contribuiu para elevar a renda das famílias.

Mas veio a crise econômica mundial, a recessão econômica foi agravada pelos desatinos dos governos Lula e Dilma e a janela de oportunidade foi definitivamente perdida, porque a mudança do perfil demográfico do país, nos próximos 50 anos, já está em pleno curso: redução da população economicamente ativa e de crianças e o crescente número de idosos, cuja expectativa de vida aumenta rapidamente. Pode-se argumentar que essa não é a realidade do Norte e Nordeste e das periferias dos centros de economia mais dinâmica, mas isso é transitório. Essas regiões passarão pelo mesmo processo.

Há um elemento estrutural que também precisa ser levado em conta: as mudanças no mundo do trabalho são irreversíveis e muito rápidas, por causa da quarta revolução industrial e da economia do conhecimento. Boa parte do desemprego existente hoje, embora fruto da recessão, não será revertido com a retomada do crescimento, que será limitado por outras variáveis (a falta de poupança interna, por exemplo). O melhor exemplo desse fenômeno é o setor automotivo, que passa por uma robotização acelerada. Basta comparar a montadora de Goiana (PE) com suas congêneres de São Bernardo (SP). O mesmo vale em relação à agricultura de exportação, cada vez mais mecanizada e informatizada, e ao setor de serviços, como o sistema bancário, por exemplo.

Diante dessa situação, não fazer a reforma é uma espécie de autoengano. Só ganham as corporações que ocupam posições estratégicas no Estado, com seus privilégios, enquanto o sistema como um todo caminha para o colapso. Alguns estados já vivem essa situação dramaticamente. O que há de verdade é conflito objetivo, distributivo, que opõe servidores públicos aos trabalhadores do setor privado. Mas o pior é o choque de gerações, pois esses privilégios terão impacto direto na Previdência das gerações futuras, que viverão muito mais.

Por que famílias pobres também desperdiçam comida no Brasil?

"Sua comida não é lixo." O alerta é do Waste and Resources Action Programme, mais conhecido como Wrap, criado na Grã-Bretanha há 17 anos para combater o desperdício de alimentos.

Mas vale também para o Brasil, onde uma carga equivalente a 625 mil caminhões cheios de verduras, frutas, e legumes bons para o consumo vai parar no lixo a cada ano. Este é o tamanho do desperdício de comida no país: 41 mil toneladas anuais.

Toda essa comida jogada fora seria suficiente para acabar com a insegurança alimentar no Brasil, de acordo com o Centre of Excellence Against Hunger (Centro de Excelência contra a Fome, em inglês) do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas.

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Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2013, o Brasil somava naquele ano 52 milhões de pessoas sem acesso diário à comida de qualidade e em quantidade satisfatória. Dos 65,3 milhões de domicílios registrados, 22,6% estavam em quadro de insegurança alimentar.

"É preciso combater o desperdício em todas as etapas da produção, comercialização e consumo", disse à BBC Daniel Balaban, diretor do centro. "Reduzir o desperdício na fase de consumo está ao alcance de todos."
Dinheiro no lixo

Uma estimativa do Instituto Akatu, que trabalha há 16 anos com ações de incentivo ao consumo consciente, indica que o brasileiro desperdiça, em média, 205 gramas de alimento por dia e que cada família - de três integrantes, de acordo com o padrão do IBGE - joga no lixo mensalmente R$ 171 em alimentos.

Na Grã-Bretanha, descartar comida em condições de consumo representa um prejuízo mensal equivalente a 60 libras (R$ 231) para uma família média.

"Um consumidor são vários: ele, a família e os amigos. Todos podem mobilizar outras pessoas. O consumo tem impacto e o consumidor, individualmente, causa impacto econômico", afirma Hélio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu.

O analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gustavo Porpino, que fez estudos sobre o comportamento do consumidor nos EUA e no Brasil, afirma que não são apenas os mais ricos que esbanjam alimentos no Brasil.

O desperdício, segundo ele, impressiona nas famílias de classe média baixa, que representam a maior fatia da população brasileira.

Segundo o analista da Embrapa, contribuem para o desperdício dois hábitos brasileiros - a fartura e a hospitalidade.

"Sempre pode chegar alguém" e "é melhor sobrar do que faltar" foram as frases que Porpino mais ouviu de donas de casa durante sua pesquisa, realizada em 2015.

As sobras são vistas com preconceito, e isso alimenta o desperdício. "Muitas mulheres me disseram que a família não gosta de 'comida dormida' e que o arroz tem que ser sempre fresquinho", conta.

Outra constatação feita pelo pesquisador diz respeito ao papel do sentimento de culpa na cadeia do desperdício de comida.

Essa culpa explicaria o fato de as sobras serem dadas também para cães e gatos, que podem ser dos vizinhos ou de rua.

Imagem do Dia

Quiche (Mexico)

Vadiagem produtiva

“Estou numa reunião”, diz a mensagem de texto. “Ele está em reunião”, diz um assistente ao telefone. “Amanhã não dá porque tenho duas reuniões seguidas.” Tenho um leve choque cultural cada vez que viajo ao Brasil. Meus parentes e amigos estão sempre numa reunião. E seus dias de trabalho são mais longos do que os de profissionais que conheço em Nova York. Fiz uma pesquisa informal entre os reféns das reuniões intermináveis e colhi a mesma impressão: as reuniões são longas, com pouco foco e, frequentemente, poderiam ser substituídas por uma troca de e-mails.

Ofereço dois nomes: Charles Darwin e Ingmar Bergman. Por que citar juntos o pai da Teoria da Evolução e o grande cineasta do século 20? Gênio, será a resposta mais provável. Um exame das duas biografias revelaria também ambição e paixão pelo que faziam. Os dois homens que mudaram, um a história da ciência, o outro, a história de uma arte, tinham algo mais em comum. Ambos trabalhavam poucas horas por dia, apesar de terem deixado uma produção copiosa.

Le monde moderne en 22 illustrations satiriques de Kai Ti Hsu | Mr Mondialisation:
Kai Ti Hsu 
Nossa cultura de conexão eletrônica incessante enfrenta a angústia da invasão do trabalho na vida pessoal. Um autor americano, Alex Soojung-Kim Pang, diz que algumas grandes figuras históricas devem ser objeto de atenção não apenas pelas suas conquistas, mas também pela maneira como descansavam.

Charles Darwin sentava à mesa do escritório às 8 da manhã. Pesquisava, lia correspondência, escrevia cartas. Ao meio-dia, declarava, “tive um bom dia de trabalho”. Depois de almoçar, tirar uma soneca, e caminhar, Darwin passava, se tanto, mais uma hora no escritório, antes do jantar.

Ingmar Bergman dizia que precisava de rotina. Caminhava, comia e lia no mesmo horário. Tempo dedicado a trabalhar nos roteiros, peças e livros? Não mais do que três horas por dia.

Estas e outras histórias estão no livro Rest, Why You Get More Done When You Work Less (Descanso, Por Que Você Faz Mais Quando Trabalha Menos), de Alex Soojung-Kim Pang, um veterano do Vale do Silício e fundador da Restful Company, uma consultoria que examina o problema do excesso de trabalho e seu efeito na produtividade. Ele diz que pessoas talentosas que se mostram produtivas vão longe, não apesar do lazer e do descanso, mas por causa deles.

O aumento da instabilidade no emprego e os gadgets digitais nos tornaram mais inseguros sobre o direito de desligar. Na década de 1950, uma pesquisa feita num instituto de tecnologia do Estado de Illinois mostrou que os cientistas mais produtivos, os que publicavam mais artigos, passavam uma média de 20 horas por semana no local de trabalho. Os que passavam 35 horas publicavam menos. Os piores, em matéria de produtividade? Os que trabalhavam 60 horas por semana.

Diversos profissionais e artistas citados no livro de Alex Soojung-Kim Pang revelam preferência similar por manter uma rotina e se proteger de distrações. Não é coincidência que a era mais infestada por distrações na história da humanidade seja uma era de dias de trabalho cada vez mais longos. O sucesso, diz o autor, está na constância da “prática deliberada” que é feita com foco, estrutura e clareza de objetivos. Pode ser o atleta que não deixa de acordar cedo para nadar. Ou um amigo compositor que me mostrou um chapéu em cima do piano cheio de pedacinhos de papel, cada um com uma clave musical. Todo dia, ele sorteava uma e se obrigava a compor naquela clave por 40 minutos.

Mas a prática deliberada é um esforço que deve ser limitado. Se não praticar, afasta as chances de sucesso, praticar demais aumenta as chances de fracasso. É uma noção especialmente importante para determinar as horas de estudo extraescolar e preparação para testes. Alex Soojung-Kim Pang diz que é preciso distinguir entre disponibilidade de tempo e disponibilidade mental e física para dedicar a um esforço. Ele cita outro estudo, feito nos anos 1980, entre violinistas no conservatório de Berlim. Os violinistas de menos sucesso subestimavam o número de horas dedicadas ao descanso e lazer. Os mais bem-sucedidos respondiam com precisão sobre a distribuição do tempo entre descanso e trabalho. Ou seja, seu descanso era mais consciente e deliberado.

Mais ócio e menos reuniões.

Não se faz mais prefeito como antigamento

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Convenho que o dinheiro do povo poderia ser mais útil e estivesse nas mãos, ou nos bolsos, de outro menos incompetente do que eu. Em todo o caso, transformando-o em pedra, cal, cimento, etc, sempre procedo melhor que se o distribuísse com os meus parentes, que necessitam, coitados
Graciliano Ramos, "Relatórios"

Dinheiro tem qualidade detergente

I like the style of drawing this is, with a simple pop of colour.:
O dinheiro tem, entre outras incontáveis virtudes, uma qualidade detergente. E múltiplas qualidades nutricionais. Alegra-te os belos olhos, engorda-te as bochechas, permite-te esse modo de ocupares uma poltrona, de pernas bem esticadas e jornal nas mãos. Dá-te essas mãos impolutas que emergem dos punhos de algodão branco da camisa. Já não és tu quem vagueia à noite. Podes contratar quem capture, degole e esfole as presas que constituem os ingredientes indispensáveis do cozido ou da paella dos domingos. Assim se fez sempre nas casas das boas famílias. 

Não é o senhor da casa que desfere o golpe fatal ao coelho, não é a senhora que crava a faca no pescoço da galinha e a depena, com o pote de barro entre as pernas, cheio de pão migado que o sangue há de empapar como deve ser, para o rico ensopado. Aos senhores, os animais chegam sempre já cozinhados, servidos numa bandeja coberta por uma reluzente campânula de prata, ou na caçarola, guarnecidos, irreconhecíveis de tão desfigurados e, por isso mesmo, apetitosos na sua aparente inocência. Assim se fez sempre, assim se continua a fazer; nós próprios adquirimos em poucos anos esse privilegiado estatuto, a ilusão de sermos todos senhores: em remotos pavilhões industriais, os trabalhadores matam e esfolam e esquartejam e despedaçam e embalam os animais que consumimos depois de transformados em objetos apresentavelmente assépticos: filetes rosados, que mais parecem salmão do que vitela graças a essas substâncias com que tingem a carne para que se torne mais atrativa à vista (sim, atrativo, um cadáver despedaçado, um cadáver desconjuntado como os que sofrem os efeitos de uma explosão): alcatras, costeletas e bifes, entrecostos e espáduas; coxinhas e peitos de frango, acomodados numa caixinha de esferovite branco coberta por película transparente, tudo com o ar mais impoluto possível, fazendo--nos esquecer que se trata do pequeno ataúde de um ser que sofreu uma morte violenta. 

No talho do hipermercado não desaparecem de todo os indícios de sangue — detetamo-los, mas evitamo-los. Esforçamo-nos por não decifrar esses sinais, para que o cadáver em pedaços não nos impressione, assim como não nos impressionam os cadáveres que vemos na televisão, os tipos desfeitos numa qualquer avenida poeirenta, com palmeiras em pano de fundo. No estrato social mais baixo (do qual acreditamos ter escapado nos últimos anos), não têm cabimento as discussões metafísicas sobre os limites do homem ao exercer os seus direitos sobre os outros animais. As coisas são como são. O reino moral não se vê em parte alguma. Estás em baixo porque não te desanimalizaste o suficiente. Os de baixo debatem-se antes com estratégias laborais, questões de método, manobras que permitam aumentar a eficácia com a mínima despesa de energia. Movem-se no plano da técnica, da mera busca de um máximo de resultados com um mínimo de esforço: empirismo: como atar as asas do pato para que não se debata quando o sacrificas, de que modo desferir ao coelho a pancada no cachaço de modo a que morra ao primeiro golpe, com que inclinação cravar a faca no gasganete do porco de modo a que o jorro de sangue acerte no caldeiro preparado para a matança, já cheio de cebola bem picada e colorau, tudo a postos para a confecção das morcelas. Nenhum homem rico medianamente inteligente pratica o assassinato. Não são psicopatas. Não têm razões para o ser. Para essas coisas, para matar e para sofrer de psicopatias, têm os seus criados.
Rafael Chirbes (1949 - 2015)

Se não saiu na mídia, não aconteceu

Já faz anos que exploro o mundo dos códigos e dos signos pelo estudo da linguagem, da comunicação, da psicanálise, do saber e de muitas outras formas. No entanto, nunca defini meu objeto! Porque cada linguagem propõe um paradigma de mundo diferente.

Quando jovem , meu professor de Semiótica, Naief Sàfady afirmou:

- Nascemos apenas com uma ideia na cabeça e não fazemos outra coisa senão desenvolvê-la ao longo de toda a nossa existência. Disse para mim mesmo:

- Será, então, que não é possível que haja uma mudança de vida? Que reacionário! Perto dos 68 anos de idade, entendi que meu professor tinha razão: de fato, durante toda a minha vida persegui tão-somente uma única ideia. O único problema é que não sei que ideia é essa!

Creio que estou chegando lá. De tanto me dedicar à semiologia, estou cada vez mais convencido da possibilidade de que o mundo não existe, de que ele nada mais é do que um produto da linguagem.

Houve momentos, no decorrer do século passado, que a filosofia se recusou a falar do mental sob o pretexto de que não podia vê-lo.

Hoje em dia, com as ciências cognitivas, as questões do conhecimento - o que quer dizer conhecer, perceber, aprender? - tornaram-se centrais. Os progressos da ciência permitem tocar naquilo que antigamente era invisível, o que obriga a Semiótica questionar: como é que a linguagem estrutura a percepção que temos das coisas?

Em famoso pensamento de Peirce, temos o entendimento de que o pensamento não está em nós, nós é que estamos em pensamento. Não reagimos mecanicamente às situações, de forma sempre igual. Estamos sempre em movimento, criando novos signos, aprendendo.

O código hegemônico não é apenas verbal, tampouco apenas imagem. É sim o cruzamento, a junção de diversas linguagens, presente na rede de computadores, nos vídeos, na publicidade, na linguagem do shopping center.

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Com a internet não temos mais informações, e sim menos. Em megalivrarias localizadas em shopping centers tem-se menos informação do que numa pequena livraria nas imediações da USP. Temos menos informação depois que a televisão multiplicou o número de canais. E quando peço na internet uma bibliografia e recebo uma lista com 10 mil títulos - não tenho nenhum ganho de informação com isso. Com a internet, temos uma diminuição trágica de informações. Corremos o risco de nos tornar autodidatas.

O autodidata é aquele que absorve uma enorme quantidade de informações, muito mais certamente do que um professor universitário, mas não sabe filtrá-las. A memória é um mecanismo que permite não somente conservar, mas também filtrar. Caso contrário, seríamos com Funes, el Memorioso, o personagem de Jorge Luis Borges que se lembrava de todas as folhas que havia visto durante 30 anos e ficou louco.

No ano passado fui a Blumenau (SC). Passei muito tempo dentro de táxis, mas só me lembro de um deles: o que tentou me roubar. Minha memória, felizmente, fez uma seleção, ou ficaria com a cabeça cheia de motoristas blumenauenses.

As mudanças impulsionadas pelas novas tecnologias digitais colocaram na tela da TV e na internet a informação massificada, onde está tudo disponível, de fácil acesso, condensado, daí a dúvida: será o fim do livro? As pessoas vão deixar de ler? Apesar de tudo isso, a escrita triunfou, e voltamos à civilização da escrita.

O computador teria obrigado McLuhan a reescrever A galáxia de Gutenberg. Vivemos incontestavelmente o retorno da escrita. Nas nossas telas lemos os textos que imprimimos. Nunca se publicaram tantos livros, construíram catedrais aos livros, como essas imensas livrarias. Portanto, quando eu ouço os escritores dizerem que o livro está prestes a desaparecer não consigo me conformar com tamanha má-fé.

No imaginário popular, o que importa é como a mídia descreve, interpreta, fotografa e divulga o mundo. A mídia pauta o mundo e forma ou deforma mentalidades. Se não saiu na mídia não aconteceu.

No mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclipe. Dessa forma, mais confunde do que esclarece e mais deforma do que forma.

Com o uso da internet, o volume de informação dificulta a compreensão num mundo caleidoscópico, que se apresenta em forma de mosaico sem nexo, que vive transfigurando e refigurando o espetáculo da vida como se o confundisse com um reality show. Se deixarmos de ser "zumbis" culturais e aprendermos a ler o mundo, enquanto linguagem, aprenderemos a pesquisar, aprenderemos a aprender o essencial no mundo moderno.

Sempre construímos a imagem do amanhã pensando no estudante da periferia. Hoje, o modelo é o internauta obcecado que se pluga e não lê mais? Isso não se aplica à maior parte das pessoas.

As mudanças impulsionadas pelas novas tecnologias digitais colocaram na tela da TV e na Internet a informação massificada, onde está tudo disponível, de fácil acesso, condensado, daí a dúvida: será o fim do livro ? As pessoas vão deixar de ler ? A resposta é não. A leitura, com o tempo e a prática vira êxtase, é semelhante a um transe. Ler é participar de uma das mais extraordinárias invenções e revoluções tecnológicas de todos os tempos, que são os sistemas de escrita. Nós não teríamos a Internet hoje, sem os códigos da escrita.

Há menos de duas décadas, as crianças e jovens tinham um acesso limitado às informações e os pais podiam, de algum modo, selecionar aquelas que possuíam um conteúdo condizente com cada idade e capacidade de compreensão, direcionando os interesses para boas fontes como livros clássicos da literatura infantil, bons filmes, etc.

As tecnologias atuais, em particular a Internet, mudaram toda essa perspectiva. O acesso a Internet dissemina-se aceleradamente e hoje a maioria das crianças e jovens, mesmo aquelas de classe menos favorecidas, conseguem ter contato com ela. Se não possui um computador em casa, a escola disponibiliza ou um amigo tem. E quando a telinha do computador se abre, o portal do mundo está aberto. Entretanto, permeando tais informações, há uma grande quantidade de "lixo informacional" invadindo nossos lares todos os dias. O cerne da questão está no fato de que o volume de informação não garante a qualidade.
Nelson Valente

Paisagem brasileira

Marinha, Jose Pancetti

Para Dilma, só santificação de Lula salva o país

Ainda não surgiu melhor definição para democracia do que a fornecida por Churchill: é o pior regime imaginável com exceção de todos os outros. Neste sábado, Dilma Rousseff decidiu associar-se ao pelotão dos que cultuam as alternativas muito piores. Ao participar de seminário organizado por alunos brasileiros da universidade americana de Harvard, em Boston, a presidente deposta insinuou que a democracia brasileira só terá futuro se Lula for canonizado.

Dilma declarou estar muito preocupada com o risco de que “mudem as regras do jogo democrático” no Brasil. “Vou dar nome aos bois”, ela prosseguiu. “Me preocupa muito que prendam o Lula. Me preocupa que tirem o Lula da parada.” Ouviram-se risos na plateia. Mas Dilma não se deu por achada: “Todo mundo aqui pode rir. Infelizmente, para as oposições, ele tem nas pesquisas 38%. Com tudo o que fizeram com ele! Não acho que o Lula tem de ganhar ou perder. Eu acho que ele tem de concorrer.”

O contrário de um anti-Lula raivoso é um pró-Lula ingênuo, que aceita todas as presunções de Lula a seu próprio respeito. Em matéria de direito penal, isso inclui concordar com a tese segundo a qual Lula, a “alma viva mais honesta” que a República já viu, tem uma missão de inspiração divina a cumprir. Uma missão tão sublime que é indiscutível. Réu em cinco ações penais, Lula continua sendo, para Dilma, uma superpotência moral que não deve explicações senão à sua própria noção de superioridade.

Dilma já fareja o triunfo eleitoral de Lula. “Isso é uma possibilidade concreta”, declarou ela em Harvard. “Desculpem-me as pessoas que riram, mas é uma possibilidade concreta, meus caros. Deixa ele concorrer, para ver se ele não ganha!” O que Dilma considera “gravíssimo” é que, diante da perspectiva de retorno do ser supremo ao poder, queiram agora “inventar todos os possíveis cenários alternativos para tirá-lo da parada.” É o que madame costuma chamar de “golpe dentro do golpe.”

O mais assustador na pregação de Dilma não é o timbre ingênuo. O que espanta de verdade é a sensação de que a oradora não percebe que está soando cínica. É como se ela acreditasse mesmo no que diz. Embora conheça a perversão por dentro, Dilma é movida pela mesma fé que leva o petismo a tratar sua divindade como santo de procissão, gritando efusivamente sob o andor: “Lula, guerreiro do povo brasileiro…”

Investigado pela Polícia Federal, Lula foi indiciado. Submetido ao crivo da Procuradoria, foi denunciado à Justiça Federal. Ao folhear os processos, magistrados de Brasília e de Curitiba enviaram-no ao banco dos réus em cinco ações penais. No momento, a divindade petista exerce o sacrossanto direito de defesa. Dispõe dos melhores advogados que a fortuna amealhada em palestras às empreiteiras pode pagar.

Se Lula for condenado, recorrerá aos tribunais de segunda instância. Mantida a sentença, vai em cana. E torna-se um ficha-suja, impróprio para o consumo eleitoral. Absolvido, vai à sorte das urnas em 2018. Qualquer coisa fora desse scriptseria, aí sim, uma mudança inaceitável nas regras do jogo democrático, uma afronta ao preceito constitucional segundo o qual todos são iguais perante a lei. à Constituição.

Alguém poderia argumentar que todos os defeitos de Lula estão perdoados e seus eventuais crimes prescritos, no entendimento tático de que ser responsável pela eleição Dilma Rousseff e ter a tragédia como defensora já é castigo suficiente para qualquer um. Mas Lula não é qualquer um. Ainda não foi formalmente canonizado, mas já virou símbolo. E precisa responder judicialmente por tudo o que passou a simbolizar. Ninguém transforma um partido numa máquina coletora de propinas ou chefia um governo tisnado por dois escândalos do porto do mensalão e do petrolão impunemente.

Momentos stand-up do ministro

Se o médico solicita muitos exames que dão resultado normal, ele não está agindo de forma correta com o sistema.
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Investimos por ano US$ 230 bilhões em serviços públicos de saúde no Brasil
Ricardo Barros, ministro da Saúde

Esculachando a sociedade

A roubalheira institucionalizada e a violência urbana são hoje os assuntos de maior destaque no noticiário nacional. Nesse cenário desolador, o Rio de Janeiro vem desempenhando um papel relevante graças às falcatruas do seu ex-governador, à falência financeira do estado e aos recorrentes conflitos armados nas suas favelas.

Quase uma década após a bem-sucedida implantação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), no Morro Dona Marta, em Botafogo, o Rio voltou a viver momentos de grande apreensão com os enfrentamentos entre facções do tráfico e forças policiais. A reação à política de pacificação das favelas faz parte de um movimento organizado por traficantes para retomar o controle territorial das comunidades pacificadas e permitir que os chamados “soldados do tráfico” garantam a segurança dos seus negócios através do poder arbitrário imposto aos moradores.

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Enquanto isso, observamos pelas ruas da cidade os semblantes tensos e preocupados das pessoas que temem ser assaltadas em seus trajetos diários. São roubos que infernizam a vida das pessoas que andam a pé, de bicicleta, de moto, de ônibus ou de automóvel. Assalto seguido de morte se tornou uma banalidade no Rio de Janeiro. Mesmo nos recantos bucólicos do Parque Nacional da Tijuca, esportistas e visitantes não escapam da sanha dos assaltantes.

A esses exemplos acrescentamos os sequestros-relâmpagos, os assaltos praticados por motoqueiros armados a qualquer hora do dia e da noite, e em qualquer lugar da cidade, e os arrastões feitos por bandos de jovens desordeiros que agem em grupo com a certeza da impunidade. O que assistimos hoje no Rio são cidadãos de bem sendo vítimas de criminosos que não poupam sequer as camadas mais pobres da população.

Reconhecermos que a questão social está na origem do problema, todavia a sua disseminação não configura uma decorrência exclusiva dos conflitos sociais. Portanto, não dá para pactuar com a política vacilante de combate à criminalidade. Há que se agir com extremo rigor antes que a esperança de pacificação da cidade se perca definitivamente. Ao contrário do que preconiza a “bancada da bala” no Congresso Nacional, portar arma de fogo sem autorização deveria resultar em prisão automática e inafiançável. Os criminosos não podem continuar esculachando os cidadãos honrados, e o poder público permanecer assistindo de braços cruzados.

Enquanto não houver uma estratégia de ações preventivas, será difícil reverter a situação atual. Existem exemplos bem-sucedidos de cidades no exterior que adotaram medidas de prevenção ao crime e alcançaram bons resultados. Nova York é uma delas. Todavia, com a lentidão do nosso poder Judiciário, com o estado deplorável do nosso sistema carcerário e com a corrupção rolando solta, fica difícil melhorar as condições da segurança pública.

Em uma sociedade como a nossa, marcada por expressivos contrastes sociais, é fundamental elevar a autoestima dos jovens através do estudo e de um trabalho digno que os desestimulem a seguir os caminhos da criminalidade. Nesse sentido, é fundamental promover atividades econômicas, sociais e culturais que atendam a essas camadas desfavorecidas da população. Caso contrário, não haverá modelo de segurança pública capaz de evitar o comprometimento definitivo do convívio social nos ambientes coletivos.

Não basta culpar o desequilíbrio das finanças públicas para justificar o imobilismo das autoridades governamentais diante dessa grave situação. O projeto da prefeitura para blindar as escolas municipais em áreas de risco é um equívoco tanto do ponto de vista técnico como conceitual, além de ser um desperdício de recursos públicos em tempos de escassez orçamentária. Da mesma forma, é um erro anunciar megaprojetos de intervenção urbana cuja viabilidade econômica sequer está assegurada. Refiro-me, nesse caso, às propostas de expansão do metrô até o Recreio e de reaproveitamento do conjunto de armazéns na Zona Portuária.

Além da conclusão das obras paralisadas, os novos investimentos em infraestrutura urbana devem se concentrar prioritariamente nas áreas mais populosas da cidade — Zona Norte e Zona Oeste — onde se concentram as camadas mais pobres da população. Desta forma, será possível estabelecer um caminho mais profícuo para reduzir as distâncias sociais e propiciar uma cidade mais justa, solidária e segura.