Primeiro, o relator anunciou que o governo não abrirá mão do equilíbrio fiscal nem da idade mínima de 65 anos. Segundo, submeterá todos os trabalhadores ao teto do INSS. Terceiro, mudará as regras de transição, que teriam dois ou três paradigmas, reduzindo a idade dos atingidos de 50 para 40 anos. Quarto, mudará as regras da aposentadoria rural, mas não permitirá nenhuma aposentadoria abaixo do salário-mínimo. A primeira repercussão foi na base do governo. O líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se opunha à reforma, classificou o novo posicionamento como um recuo. Disse que era a demonstração de que a reforma pode ser feita sem penalizar os trabalhadores nem empobrecer o Nordeste.
Saindo do varejo para o atacado, há duas maneiras de discutir a questão. Uma é a que vem predominando nas redes sociais e no movimento sindical, que reproduz a polarização política que interessa à oposição. Essa forma de tratar a questão facilita a vida do PT, que busca se reaproximar de suas bases tradicionais e novamente hegemonizar a esquerda, como se fosse possível recuperar a sua liderança moral, digamos assim, sem fazer nenhuma autocrítica dos erros políticos que cometeu e, principalmente, no pântano ético no qual se meteu.
A outra é reconhecer que a bipolaridade direita versus esquerda não resolve o problema real: a falta de sustentabilidade atuarial do atual modelo, que surgiu de um arremedo de estado de bem-estar social que privilegia as corporações da burocracia estatal e é profundamente injusto com os assalariados do setor privado. Esse é o xis da questão. Durante certo tempo, isso foi possível porque o Brasil foi muito beneficiado pela expansão da economia, a recuperação gradativa do salário-mínimo e o chamado bônus demográfico (a relação entre a população economicamente ativa, as crianças e os idosos com pensões e aposentadorias) contribuiu para elevar a renda das famílias.
Mas veio a crise econômica mundial, a recessão econômica foi agravada pelos desatinos dos governos Lula e Dilma e a janela de oportunidade foi definitivamente perdida, porque a mudança do perfil demográfico do país, nos próximos 50 anos, já está em pleno curso: redução da população economicamente ativa e de crianças e o crescente número de idosos, cuja expectativa de vida aumenta rapidamente. Pode-se argumentar que essa não é a realidade do Norte e Nordeste e das periferias dos centros de economia mais dinâmica, mas isso é transitório. Essas regiões passarão pelo mesmo processo.
Há um elemento estrutural que também precisa ser levado em conta: as mudanças no mundo do trabalho são irreversíveis e muito rápidas, por causa da quarta revolução industrial e da economia do conhecimento. Boa parte do desemprego existente hoje, embora fruto da recessão, não será revertido com a retomada do crescimento, que será limitado por outras variáveis (a falta de poupança interna, por exemplo). O melhor exemplo desse fenômeno é o setor automotivo, que passa por uma robotização acelerada. Basta comparar a montadora de Goiana (PE) com suas congêneres de São Bernardo (SP). O mesmo vale em relação à agricultura de exportação, cada vez mais mecanizada e informatizada, e ao setor de serviços, como o sistema bancário, por exemplo.
Diante dessa situação, não fazer a reforma é uma espécie de autoengano. Só ganham as corporações que ocupam posições estratégicas no Estado, com seus privilégios, enquanto o sistema como um todo caminha para o colapso. Alguns estados já vivem essa situação dramaticamente. O que há de verdade é conflito objetivo, distributivo, que opõe servidores públicos aos trabalhadores do setor privado. Mas o pior é o choque de gerações, pois esses privilégios terão impacto direto na Previdência das gerações futuras, que viverão muito mais.
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