terça-feira, 12 de março de 2024

Pensamento do Dia

 


O discurso do ódio

Diz-se que “já não há fascismo nem nazismo”. Pois não. Mas a natureza humana não mudou, e os instintos humanos que levaram ao fascismo e ao nazismo continuam a ser os mesmos de sempre.

O partido nazi também começou por ser um partido pequeno e jovem, destemido e sério, populista mas impopular. É ao princípio do partido nazi que temos de ir buscar as comparações com o dia de hoje: quando ainda podia ter sido derrotado.

Os fascistas e nazis eram antidemocratas que aproveitaram a democracia para dar cabo dela: para eles, era delicioso usar as armas do inimigo para o deitar abaixo. Eram contra tudo, excepto eles próprios: é esta a característica mais óbvia.


Na política, o impulso é quase sempre construtivo, optimista e, por defeito, generoso: traça-se um futuro que é melhor para todos, e depois trata-se de lá chegar.

Quando essa esperança falha, como falhou logo à entrada dos anos 1930, há duas reacções: uma é traçar um novo futuro e começar a tentar caminhar para lá, e outra é ir à procura dos culpados por tudo aquilo que correu mal.

Tanto faz serem os judeus, ou os emigrantes, ou os capitalistas, ou os democratas, ou os marxistas. Elegem-se os culpados e depois trata-se de os castigar. É esse o discurso do ódio: a energia é gasta na caça aos bodes expiatórios.

É como diagnosticar um cancro para explicar a pobreza e o desespero de um indivíduo. Ele está pobre porque está a ser comido por um cancro. Temos de encontrar esse cancro e arrancá-lo do corpo dele. Só livre desse cancro é que ele poderá animar e enriquecer.

É fácil distinguir as pessoas e os partidos ou organizações políticas que vivem da identificação destes inimigos. Vêem-se como exterminadores de parasitas, como oncologistas, como combatentes. É a violência que os fascina. Basta arranjar uma desculpa, um alvo para essa violência.

O discurso do ódio é negativo, invejoso, vingativo, obsessivo, megalómano, missionário, monocórdico e fantasista. Não é só perigoso – é mesquinho.
Miguel Esteves Cardoso

Negro morrendo, tô nem aí

Não há como pensar sobre segurança pública no Brasil sem considerar o racismo institucional.

A conclusão deveria ser óbvia para quem acompanha o noticiário nacional. País afora, são reiteradas as situações de abuso e violência cometidos por agentes de forças policiais contra pessoas negras.

Tem jovem tomando tiro pelas costas, no DF; disparo de fuzil a queima roupa contra homem desarmado, no RJ; prisão da vítima no lugar do agressor, no RS; morte por asfixia em viatura oficial, no SE; E por aí vai...


Contudo, na mais importante unidade da federação o governador decidiu dar de ombros, ironizar e assumir que não está "nem aí" para denúncias de abusos contra negros e pobres durante a Operação Verão, da PM, na Baixada Santista, após a morte de um soldado.

Registros oficiais apontam que, em São Paulo, as mortes em decorrência de intervenção policial subiram 94% nos dois primeiros meses de 2024, segundo a Conectas Direitos Humanos e a Comissão Arns, que apresentaram queixa à Organização das Nações Unidas (ONU) na semana passada.

"Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí", disse Tarcísio de Freitas a respeito dessa que é a segunda ação mais letal da história do Estado. Perde só para o massacre do Carandiru.

Impressionante o desrespeito à cidadania e a afronta aos direitos humanos. Mas a história ajuda a lembrar que a origem da nossa polícia militar remonta ao século 19, com a chegada de Dom João 6º, em 1808. À época, foi criada a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia do Rio de Janeiro para proteger os nobres. Um doce para quem adivinhar: proteger de quem?

Segurança pública inclui diversas nuances e é, com certeza, um tema tão importante quanto complexo. Mas é preciso admitir que está atravessado pelo vale tudo colonialista alimentado pelo preconceito e pelo racismo.

'Zona de interesse': os mil sons do terror nazista

Um rumor surdo acompanha o sono da família: zumbidos, bufos, chiados, detonações... os sons de uma fábrica em pleno funcionamento, noite e dia. Só que esta não produz bens, mas cadáveres. A família que esses barulhos acompanham o tempo todo é a de Rudolf Höss, comandante do campo de extermínio Auschwitz.

Sua casa fica logo ao lado dos muros do campo. A partir do jardim idílico, veem-se as chaminés soltando fumaça densa, à noite elas expelem chamas. As crianças brincam no jardim; para além dos muros, cães ladram, guardas berram ordens e insultos, detentos gritam de dor, tiros são disparados. É o verão de 1943, os crematórios de Auschwitz foram instalados poucas semanas antes, e agora operam 24 horas por dia.


Do lado de cá do muro, Hedwig Höss, interpretada pela atriz alemã Sandra Hüller, candidata ao Oscar, cuida de seu jardim florido, mostra as flores a um bebê. Quando a mãe a visita, ela comenta que quer plantar uma trepadeira junto ao muro, "aí não vai se ver tanto assim".

É uma das poucas cenas do filme Zona de interesse, de Jonathan Glazer, em que a vizinhança é mencionada ou comentada. De resto, o que acontece por trás dos muros é ignorado ou descartado como uma banalidade qualquer. Só uma vez o horror chega até a família: ao se banharem no rio, "Papai" Höss e seus filhos são surpreendidos por uma onda de cinzas vinda do crematório. Em seguida as crianças são lavadas e esfregadas na banheira, com quase desespero.

O idílio junto aos muros do campo da morte periga se desfazer quando Höss é transferido para Berlim. Mas Hedwig quer permanecer no paraíso que criou para si e os filhos – em Auschwitz.

Rudolf Höss (Christian Friedel) é um homem tranquilo e consciencioso, que domina perfeitamente as próprias emoções, que cuida, amoroso, de sua família-modelo: lê contos de fadas para as crianças, carrega a filha sonâmbula de volta para a cama, acaricia seu cavalo e sai para cavalgar com o filho mais velho. Até quando começa seu expediente no campo, onde executa o plano de extermínio dos judeus, inabalável, desumano, com eficiência implacável.

Nas memórias que Höss escreveu na prisão, antes de ser executado em 1947, um dos grandes temas é justamente essa eficiência. Cedo aprendeu a não demonstrar qualquer emoção, orgulhava-se de conseguir manter o rosto glacial, implacável, enquanto cometia assassinatos.

"Eu precisava aparentar ser frio e sem coração em procedimentos que fariam o coração se contorcer no corpo de qualquer um que ainda tivesse algum sentimento humano [...] Tinha que observar friamente as mães entrando nas câmaras de gás com os filhos que riam ou choravam."

No entanto estava sempre pensando na própria família. Quando – após supervisionar a incineração dos cadáveres, a extração das próteses dentárias valiosas, a morte nas câmaras de gás, como mandava seu dever – ficava por vezes tão perturbado que não conseguia voltar para a mulher e filhos em casa, ele escrevia sobre seu mundo emocional oculto.

Remorso, porém, o nazista Höss jamais sentiu: o cumprimento do dever em nome de seus comandantes estava acima de tudo. Assim, o genocídio de centenas de milhares de seres humanos era para ele uma atividade profissional incontornável, que não admitia nenhum tipo de questionamento.

Livremente baseado no romance homônimo de Martin Amis de 2014, Zona de interesse não coloca em questão o caráter de Höss. O que ele questiona é como é possível alguém viver nas vizinhanças imediatas de uma fábrica de morte e obliterar qualquer percepção do que está acontecendo por trás dos muros.

O ator Christian Friedel, que representa Höss, comentou à revista online Filmstarts: "É mesmo um fato que as pessoas viveram assim. Acho que essas dimensões do recalque – que seriam possíveis em nós todos, pelo motivo que seja – são exatamente o espelho que o filme quer colocar diante da gente."

Esse mecanismo de recalque se manifesta de forma especialmente crassa nas cenas em que uma das crianças brinca com dentes de ouro arrancados; um prisioneiro aduba as flores do jardim da família com as cinzas dos incinerados; ou Hedwig Höss experimenta o casaco de pele que pertencia a uma judia assassinada. Ao encontrar um batom num dos bolsos, ela se maquia com ele: não lhe importa que a última a aplicá-lo nos lábios tenha sido uma vítima de seu marido.

As rodagens foram inusuais para os participantes: espalhadas pela casa e o jardim, estavam câmeras sem operador. Tudo era observado e controlado a partir de um trailer, o elenco atuava sozinho, sem nunca saber quando e em que posição estava sendo filmado. Também não há praticamente close-ups das personagens, e essa distância proporciona ao filme um caráter quase documental.

Os diálogos parecem em parte improvisados, algumas conversas são incompreensíveis – o que não é uma perda, porque em geral se trata de meras banalidades. A não ser que Hedwig note ser preciso mandar ajustar as roupas das vítimas do campo – de que a família se apoderou como se fosse seu direito: os vestidos são todos estreitos demais.

Já tendo recebido numerosas distinções, entre as quais o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2023, Zona de interesse está indicado para concorrer a cinco Oscars em 10 de março: além de Melhor Filme e Melhor Filme Internacional, os de Direção, Roteiro Adaptado e Som.

O cineasta inglês Jonathan Glazer conseguiu apresentar o Holocausto de modo diferente do que se viu até então, ao intencionalmente abrir mão de mostrar por meios visuais as atrocidades que se cometem atrás dos muros.

Esse trabalho cabe inteiramente à sonografia: os barulhos onipresentes do campo de extermínio dispensam imagens para transportar o horror. Praticamente não há música: empregada com grande parcimônia, a trilha sonora é eletrônica e de brutalidade extrema.

Glazer recrutou como sound designer Johnnie Burn, com quem já colaborara em sua obra anterior, a experimental Sob a pele, de 2013. A dupla considerou cuidadosamente até mesmo a forma como o som chega ao público: renunciando à qualidade imersiva, "sensacionalista", da tecnologia multicanais Dolby Atmos, a trilha é em mono – como num anacrônico preto-e-branco sonoro.

"Foi o que simplesmente deu mais a sensação de documento do que qualquer outra coisa. Deixou aí de ser um lustro em cima do modo como o som era representado", explicou Burn à revista online Filmmaker.

Zona de interesse é uma obra cruel e importante. O ator Friedel comenta: "Quando vejo em que tempo estamos vivendo, como o filme é relevante, eu fico feliz de a gente tê-lo feito." Quando, ao fim, a tela fica preta, irrompe uma espécie de coro, torturantemente alto, dissonante, devastador, brutal: é terror em estado puro – e, no entanto, engendrado por seres humanos.

Gaza hoje

1.

Gaza já foi um campo de concentração, num tempo remoto, há cinco meses. Agora é um campo de extermínio, nos nossos ecrãs. Vi, no meu telefone, uma menina de Gaza pedir ao seu gato, com festas: quando formos mortos, por favor não nos comas. Vi gatos a rondarem gente morta no meio da rua. Cães a desenterrarem valas para comerem gente. Gente que comeu a comida dos cães, dos gatos, fez pão com isso. Que está a comer erva da rua, algas do mar com esgoto.

Milhares a lutar por um saco de farinha da ajuda humanitária. Uma menina com a metade de um limão porque não há pão. Crianças na areia de Rafah a brincar de amassar pão imaginário, cozer pão imaginário, porque estão esfomeadas. Como aquele judeu que cobiçava o pão do vizinho em Auschwitz, e nos perguntou – continua a perguntar – se isto é um homem.

Nunca vimos tantas provas de quem morre. E de quem mata. Soldados dedicam bombas às namoradas antes de carregarem no botão. Mandam pelos ares prédios de Gaza ao melhor estilo PlayStation. Montam vídeos com banda sonora, hits israelitas de guerra, raves de pastilha. Estão só doentes, ou também drogados?

Como aqueles soldados a espancarem coisas já muito destruídas numa loja da Cisjordânia: espancavam e espancavam, eufóricos, com tacos de baseball, com martelos, numa orgia. Um deles urrava, regando tudo com um jacto de espuma.

Muitos grafitam casas e mesquitas, insultos, estrelas de David (fotografei dezenas em Jenin). E agora roubam casas em Gaza por sistema: tapetes, cosméticos, motos. Um dos mais ricos e bem equipados exércitos do planeta, na sua versão gangs de Israel. Comportamentos que eu nunca tinha visto desde a primeira vez que lá estive, há 22 anos. Tal como israelitas com idade para serem pais e avós, sempre amorosos com os seus, e com os seus animais, dizem agora, como nunca antes: “Fuck Gaza”.

Porque para eles é 7 de Outubro. Não passaram 141 dias e 30 mil mortos em Gaza. Toda a compaixão que têm é para os 1000 mortos israelitas, os mais de 100 reféns do Hamas ainda vivos. Gente que merece estar tão viva como toda a gente. Incluindo o milhão e meio de moribundos nas barracas de Rafah, que já não movem esses israelitas laicos. Não os levam às ruas.

2.

E a cada manhã acordo e mais uma estrela da TV em Israel, mais um ministro, por vezes ministra, diz: “Estou orgulhosa das ruínas de Gaza.” Ou: “Não há inocentes em Gaza, as crianças de cinco anos não são inocentes.” Ou: “Vamos matá-los à fome, destruir tudo para partirem voluntariamente.” Ou: “Nunca haverá um Estado palestiniano.” Ou: “Como se atrevem a criticar-nos? Somos os filhos do Holocausto.” Ou: “Ninguém diz a Israel o que fazer”.

Não faltam declarações de intenção, além de comprovativos. Não falta orgulho nisso. Um país mais que narcísico: em grande parte doente.

A brava pequena minoria que combate a ocupação e a guerra, que se nega, por exemplo, a combater, é ostracizada, presa, mesmo. Em 25 de fevereiro, Sofi Orr, 18 anos, enfrenta a prisão. Entrevistei-a em sua casa no começo de janeiro.

3.

Nos últimos dias, multiplicam-se relatos de mulheres em Gaza, até já avós, que foram levadas pelos soldados, obrigadas a ficarem de roupa interior, ameaçadas, interrogadas sobre o Hamas. Na sua guerra “até à vitória final”, Israel está a tentar extrair informações torturando incontáveis multidões de palestinianos. Já acontecia com os homens, e era registado em imagens há meses, mas tudo se agravou, a escala dos detidos, a pressão das torturas, com simulação de afogamento, espancamento com barras de ferro, ferros metidos pela boca. Soldados de elite a humilharem milhares de homens, filmando-os despidos, vendados e amarrados, uns atrás dos outros, de cabeça curvada. O fascismo dos 120 dias de Saló-Sodoma que Pasolini retratou no cinema. Mas agora há 141 dias nos nossos telefones, pela mão armada dos descendentes de Auschwitz.

Então o que havia depois de Auschwitz era Auschwitz-em-direto.


4.

Lula da Silva quebrou um tabu entre líderes democráticos ao comparar o que está a acontecer com o Holocausto. O governo de Israel declarou-o persona non grata. Vi um cartoon em que Benjamin Netanyahu lhe chamava extremista enquanto lhe pingava sangue das mãos. Pois. Fora Israel, e bolsas sionistas aqui, ali, não dei por uma indignação alargada contra Lula. Um sinal de como ele toca em algo verdadeiro. Podemos preferir que algumas palavras dele tivessem sido outras.

Sabemos, como Lula sabe, que nunca antes nem depois seis milhões foram exterminados, com uma “Solução Final” decretada por um homem, e câmaras de gás e fornos adjudicados a toda uma máquina, e burocracia, de morte industrial. O Holocausto dos judeus da Europa tem circunstâncias únicas, e Lula não põe isso em causa. Mas claro que a comparação que ele faz está na mente de toda a gente com memória, com cabeça, com coração.

Masha Gessen, intelectual judia que citei há semanas, também foi criticada por essa comparação, e respondeu que não só ela pode como deve ser feita. Claro que fazê-la perturba, mas devíamos estar todos a perder o sono é com o que se passa em Gaza, diz Masha Gessen. E deve ser feita agora, porque é agora que temos de salvar vidas.

Foi isto que Lula percebeu. Um estadista com a intuição de poucos. Lula liberta os líderes para pressionarem o cessar-fogo, apontando a Israel o espelho que Israel mais teme. E que é o que lhe cabe, sim. Vou mais longe do que dizer que a comparação deve ser feita: essa é “a” comparação. Porque é de Israel que falamos. Da excepção que Israel representa no mundo. Do Holocausto que Israel explorou, transformando-o numa arma apontada para nós até hoje, na maior chantagem política de que há memória. Lula tocou no ponto, na ferida, no horror: que sejam os descendentes do mal maior a fazer isto. E que estejamos nós paralisados na culpa, deixando os vivos de agora morrer.

A comparação não é só incómoda para Israel. É para todos nós. O que diz isso sobre o humano.

Há mais de quatro meses escrevi aqui que travar a morte em Gaza seria honrar enfim a memória do Holocausto. Logo a seguir, que era preciso uma força de interposição em Gaza, e um boicote do mundo ao governo de Israel. Dezenas de milhares de mortos depois, e com milhões em risco de morrerem à fome ou doença, Gaza é o maior campo de extermínio do nosso tempo de vida.

Lula falou. Faltam sanções, boicote e desinvestimento. Israel tem de ser isolado: em nome de Gaza, dos palestinianos, de todos nós, dos judeus em geral. E dos israelitas. Não o fazer será ser parte do crime e da doença. O tabu do Holocausto acabou. Tal como a utopia de Israel.

Saudei que o ainda ministro Cravinho contrariasse as sanções à UNRWA, com um simbólico milhão extra de apoio, e falando no isolamento de Israel. Falta tudo o resto, isolar de facto, espero que também pela mão do próximo governo português.

5.

Israel está em autodestruição há muito. Antes de 7 de Outubro, à beira de uma guerra civil entre os que acreditam que o país é uma democracia e os que querem uma autocracia, ou teocracia. É o grande fosso entre sionistas laicos e religiosos. E o 7 de Outubro, que foi o maior trauma do Estado de Israel, não apaziguou isso. Ao contrário do que tende a acontecer quando um país se sente atacado, Israel não se uniu. A guerra interna segue latente.

Um dos frutos de todas estas décadas, e de todas as contradições. Desde a contradição de origem — querer ser um Estado judaico e uma democracia — a continuar a ocupar e colonizar um povo, depois de o destituir da sua terra, forçar a tornar-se refugiado.

O historiador israelita Ilan Pappé elencou em Janeiro cinco fatores para o que chama “começo do fim do projeto sionista”. O fosso laicos-religiosos é um. Outros quatro: o apoio crescente à Palestina, agora numa lógica anti-apartheid inspirada na África do Sul; a ocupação e a guerra sugarem a economia de Israel (e a Moody’s rebaixou Israel há dias, inédito e muito falado lá); a incapacidade de defesa que o exército demonstrou a 7 de Outubro; e cada vez mais judeus no mundo, sobretudo nos EUA, já não acreditarem que a existência de Israel protege os judeus. Ao contrário, pensarem que os ameaça. Subscrevo tudo.

Israel foi uma utopia a mentir para si mesma coisas como: “Uma terra sem povo para um povo sem terra.” Presa na culpa, a Europa sustentou a utopia. Foi cúmplice, com o dinheiro e as armas americanas. Israel chegou a 2023 mais doente que nunca. A ferida interna mais a gangrena colonial apodrecendo o colonizador. Mais três mil casas nos colonatos anunciadas anteontem (em retaliação a um ataque a colonos à entrada de Jerusalém).

Benjamin Netanyahu é um escroque. Mas não é a origem do mal, é o desfecho, muitos milhões de desalojados e mortos depois. O Hamas cravou uma faca em Israel a 7 de Outubro. A faca veio de fora. A doença vem de dentro. Israel não vai destruir a Palestina. Autodestrói-se.
 Alexandra Lucas Coelho