A alguns generais do Exército que fazem parte da equipe presidencial, já expressei minha opinião: eles provocam um dano à imagem das Forças Armadas, que não aceitam a participação deles em disputas partidárias e em atos radicais que ameaçam a democracia (…)As manifestações promovidas pelo presidente são coordenadas por elementos de extrema direita, ligados por sua vez a extremistas americanos e a religiosos neopentecostaisSérgio Ferolla, brigadeiro ex-presidente do Superior Tribunal Militar, ao jornal italiano Il Fatto Quatidiano
domingo, 14 de junho de 2020
Dano colateral
A desastrada canetada militar do capitão
Tendo colocado um general no Ministério da Saúde, Jair Bolsonaro deveria escolher um médico para aconselhá-lo em assuntos militares. Fazendo isso, evitaria lambanças como a que produziu assinando um decreto que permitia ao Exército operar com aeronaves de asa fixa. Assinou o decreto no dia 2 e revogou-o uma semana depois. No escurinho de Brasília e na confusão da pandemia, passava-se uma boiada que criaria a aviação do Exército.
A incorporação de aeronaves às forças de terra e de mar é uma velha encrenca doutrinária. Caxias usou balões fixos na Guerra do Paraguai, antes do voo do primeiro avião. O Exército teve uma aviação, e seu patrono é o tenente Ricardo Kirk , que em 1915 morreu ao cair em Caçador (SC), combatendo os revoltosos do Contestado.
A Força Aérea não gosta da ideia de aviões com a Marinha ou com o Exército. Em 1964. o marechal Castelo Branco teve que descascar o abacaxi da aviação embarcada que tripularia o navio aeródromo Minas Gerais. Nessa crise, um capitão da FAB metralhou o rotor de um helicóptero da Marinha que pousou na base gaúcha de Tramandaí. Esse foi o único incidente em que os desentendimentos militares ocorridos durante a ditadura tiveram tiros. Em todos os outros as questões foram resolvidas por telefone. O presidente Castelo Branco viu no episódio “um deplorável estado de espírito” de “vários elementos da Marinha e da FAB”. Em poucos meses caíram dois ministros da Aeronáutica e um ministro da Marinha.
Finada a ditadura, durante o comando do general Leônidas Pires Gonçalves, sem quaisquer atritos, o Exército organizou uma força de helicópteros que vai muito bem, obrigado. Iam assim as coisas até que alguém teve a ideia do decreto que daria aviões à tropa terrestre. Como era previsível, a FAB incomodou-se e certamente a Marinha também não gostou. Se uma iniciativa desse tamanho tivesse sido tomada com algum debate público, cada lado teria bons argumentos. Depois da canetada, o melhor caminho foi pegar a Bic para revogá-la.
Bolsonaro fala em “minhas Forças Armadas”. Elas não são suas, mas o capitão precisa saber o que fazer com elas. Vá lá que batalhe pela cloroquina, que ouvisse seu ministro da Educassão e tentasse passar a boiada das nomeações de reitores. A ideia de equipar a aviação do Exército é velha. Tratar essa questão com uma canetada foi um despropósito, tanto assim que nunca havia sido tentado.
Se Bolsonaro tivesse consultado um médico antes de assinar o decreto, certamente teria sido dissuadido.
A incorporação de aeronaves às forças de terra e de mar é uma velha encrenca doutrinária. Caxias usou balões fixos na Guerra do Paraguai, antes do voo do primeiro avião. O Exército teve uma aviação, e seu patrono é o tenente Ricardo Kirk , que em 1915 morreu ao cair em Caçador (SC), combatendo os revoltosos do Contestado.
A Força Aérea não gosta da ideia de aviões com a Marinha ou com o Exército. Em 1964. o marechal Castelo Branco teve que descascar o abacaxi da aviação embarcada que tripularia o navio aeródromo Minas Gerais. Nessa crise, um capitão da FAB metralhou o rotor de um helicóptero da Marinha que pousou na base gaúcha de Tramandaí. Esse foi o único incidente em que os desentendimentos militares ocorridos durante a ditadura tiveram tiros. Em todos os outros as questões foram resolvidas por telefone. O presidente Castelo Branco viu no episódio “um deplorável estado de espírito” de “vários elementos da Marinha e da FAB”. Em poucos meses caíram dois ministros da Aeronáutica e um ministro da Marinha.
Finada a ditadura, durante o comando do general Leônidas Pires Gonçalves, sem quaisquer atritos, o Exército organizou uma força de helicópteros que vai muito bem, obrigado. Iam assim as coisas até que alguém teve a ideia do decreto que daria aviões à tropa terrestre. Como era previsível, a FAB incomodou-se e certamente a Marinha também não gostou. Se uma iniciativa desse tamanho tivesse sido tomada com algum debate público, cada lado teria bons argumentos. Depois da canetada, o melhor caminho foi pegar a Bic para revogá-la.
Bolsonaro fala em “minhas Forças Armadas”. Elas não são suas, mas o capitão precisa saber o que fazer com elas. Vá lá que batalhe pela cloroquina, que ouvisse seu ministro da Educassão e tentasse passar a boiada das nomeações de reitores. A ideia de equipar a aviação do Exército é velha. Tratar essa questão com uma canetada foi um despropósito, tanto assim que nunca havia sido tentado.
Se Bolsonaro tivesse consultado um médico antes de assinar o decreto, certamente teria sido dissuadido.
A Constituição como inimiga
Na hipótese de que seja apenas ignorância, é espantoso que um político que passou três décadas no Congresso e hoje é a autoridade executiva máxima da República demonstre desconhecimento tão profundo do texto constitucional.
O presidente, por exemplo, já declarou que “qualquer dos Poderes” pode “pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”. Fazia referência ao artigo 142 da Constituição, que, na exótica interpretação de Bolsonaro, lhe permitiria convocar as Forças Armadas para intervir em crises e também para atuar como uma espécie de “Poder Moderador” quando há conflito entre Poderes.
O presidente repetiu em diversas ocasiões essa interpretação mesmo tendo sido alertado por especialistas e magistrados de que se tratava de uma leitura estapafúrdia da Constituição. Isso enseja uma outra hipótese: a de que Bolsonaro sabe muito bem o que está fazendo, ou seja, trata de confundir a opinião pública e, em meio a um “debate” constitucional sem sentido, dar verniz de legitimidade a seus propósitos autoritários. Ao mesmo tempo, tenta enredar as Forças Armadas em seu projeto de poder, com o objetivo óbvio de intimidar os opositores.
É por esse motivo que são tão importantes manifestações cristalinas como a do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, a propósito da absurda interpretação bolsonarista sobre o papel das Forças Armadas. “As Forças Armadas sabem muito bem que o artigo 142 não lhes dá (qualidade) de Poder Moderador. Tenho certeza de que as Forças Armadas são instituições de Estado que servem ao povo brasileiro, não são instituições de governo”, disse o ministro Toffoli.
Sendo o Supremo o intérprete final da Constituição, pode-se dizer que o caso está encerrado, mas tudo indica que Bolsonaro insistirá em sua exegese ardilosa do artigo 142. Afinal, seu objetivo é fazer suas mentiras se transformarem em verdades apenas pelo mecanismo da repetição incessante, a despeito - e muitas vezes à revelia - da realidade.
O presidente usa essa estratégia tipicamente totalitária ao insistir também que “o Supremo Tribunal Federal decidiu que governadores e prefeitos é que são responsáveis por essa política (de impor a quarentena contra a pandemia de covid-19), inclusive isolamento”, razão pela qual ele diz que não pode ser responsabilizado nem pelas mortes nem pela crise. “Não queiram colocar no meu colo”, disse Bolsonaro, numa frase que já se tornou padrão em um governo que não assume responsabilidade por nada.
Parece inútil explicar ao presidente, como já se fez diversas vezes, que em nenhum momento o Supremo atribuiu a Estados e municípios competência exclusiva para lidar com a pandemia. O STF, ao contrário, decidiu que União, Estados e municípios têm “competência concorrente” - isto é, todos os entes da Federação têm de agir para enfrentar a crise, em seus diversos aspectos, “preservada a atribuição de cada esfera de governo”.
O que Bolsonaro queria, na verdade, era ter poder para ordenar a Estados e municípios que ignorassem a pandemia e mantivessem a economia em funcionamento, atropelando não apenas as recomendações sanitárias, mas principalmente o princípio federativo gravado na Constituição. Como teve seu intento autoritário mais uma vez frustrado pelo Supremo, tratou de investir na versão fantasiosa segundo a qual é o Judiciário que o impede de tomar as medidas necessárias para o que o País “volte à normalidade”.
No devaneio ditatorial que os camisas pardas bolsonaristas acalentam, não há verdade senão aquela “revelada” por seu líder. Não à toa, já houve até um ministro de Bolsonaro que demandou a prisão de ministros do Supremo, já que estes ousaram contestar a “verdade” do chefe confrontando-a com a Constituição. Assim, na sua busca por um inimigo objetivo, que todo movimento totalitário requer, o bolsonarismo já encontrou o seu: é a própria Constituição, que reflete não a vontade de seu líder, mas o esforço coletivo de construção de um regime genuinamente democrático.
O tempo encurta
O presidente americano ainda estaria na primeira etapa de uma escalada ao poder antidemocrático, uma vez que as instituições, a oposição e a imprensa livre do país continuam de pé. Segundo uma sequência elaborada pelo sociólogo e ex-ministro da Educação húngaro Bálint Magyar, Trump vive a fase da “tentativa autocrata”. Ela antecede às duas seguintes do ciclo autoritário estudado por Magyar: a “ruptura autocrática” e a “consolidação da autocracia”.
Até recentemente Trump demonstrou ser um aspirante bastante sólido à supremacia do poder pelo poder, com eleitorado personalista fidelíssimo e um Partido Republicano curvado em servilidade. Mas tudo mudou com a devastação provocada pela Covid-19, que já ultrapassou a marca de dois milhões de contaminados e 110 mil óbitos nos EUA. A razia do vírus somou-se ao destemido despertar antirracista nas ruas do país e, de repente, a cinco meses da eleição presidencial, Donald Trump tem pressa.
Seu índice de popularidade voltou a despencar fora da bolha que lhe é fiel, e o adversário democrata Joe Biden, apesar de física e mentalmente fraquejante, está oito pontos percentuais à frente. Com ou sem pandemia, é imperioso para Trump voltar aos comícios em arenas fechadas, de forma a dominar o noticiário e turbinar o eleitorado. A adição de um pré-requisito para participar de seus comícios merece mais do que um rodapé na história: o apoiador precisa confirmar, on-line, ter ciência do risco de exposição ao coronavírus, e garantir, voluntariamente, que não vai acionar Donald J. Trump na Justiça no futuro. Temos aí um díptico perfeito da peste de 2020 e da mente do 45º presidente dos Estados Unidos. Como é que ninguém do Palácio do Planalto ou de seus porões não pensou em algo semelhante para Jair Bolsonaro?
Faz parte do perfil de um aspirante a autocrata ceder o poder em caso de derrota nas urnas, mesmo que esperneando e afogado em teorias conspiratórias. Mas e se ele quiser pular etapas e partir para a “ruptura”? Dias atrás, correu mundo um discurso em vídeo do general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos Estados Unidos. Dirigida a cadetes da Universidade Nacional de Defesa, a fala visou a ouvidos civis e militares, republicanos e democratas.
A mais graduada autoridade militar americana pedia desculpas à nação. Milley servira de figurante a uma desastrosa encenação de Trump nas ruas, que resultara em violenta repressão a manifestantes pacíficos. “Minha presença naquele momento e naquele ambiente criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna... Nós que usamos as insígnias da nossa nação, que viemos do povo, devemos sustentar o princípio de Forças Armadas apolíticas...”, disse o general. Em privado, ele também alegou que fora convocado de surpresa pelo presidente e o acompanhou sem saber do que se tratava — o que por si só já seria péssimo, vindo de um chefe militar da maior potência mundial. Mais grave, contudo, é o fato em si: nos EUA de Trump foi necessário esclarecer que as Forças Armadas têm raízes firmes na base republicana da nação. Coisa rara, senão inédita. E inquietante.
Lá não é como no Brasil de Bolsonaro, onde dia sim dia não algum militar da ativa, de pijama, ou de ministério nega riscos de qualquer tipo de golpe —seja presidencial ou de quepe.
Por ora, a nossa aberração nacional tem tintas próprias. Na Praia de Copacabana a areia amanhecera com cem cruzes de madeira sobre covas rasas, simbolizando as mais de 40 mil vidas brasileiras que o coronavírus já levou e enterrou às pressas. Lá pelas tantas um bípede grisalho de peito estufado e passada firme sai do calçadão e adentra a instalação montada pela ONG Rio de Paz. Ele não usa máscara, prefere óculos de sol. Avança pela areia sem tirar o tênis e passa a arrancar as cruzes uma a uma, em movimento cadenciado, quase militar. Hesita só uma vez, indeciso diante da bandeira nacional que enfeitava uma das cruzes. Sacrilégio derrubar a bandeira pátria no chão. Tinha plateia, silenciosa.
Até que outro brasileiro irrompe na cena. Márcio Antonio perdera o filho de 25 anos para a Covid sem poder lhe dar um enterro decente. Caminhava pelo calçadão com a mulher quando percebeu o destruidor de cruzes em ação. De chinelo nos pés e camisa no pescoço, também invadiu a areia. Em cadência igualmente obsessiva foi refincando as cruzes tombadas uma a uma, com paixão. Foi xingado com estridências. Ouviu “Vai pra Venezuela!”, como se a Venezuela já não fosse aqui. De outro espectador recebeu o conselho de baixar o tom da raiva.
Se ninguém se mexer, os aspirantes daqui vencem.
O que a grandeza da terra nos traz
O louco que nos governa
O país já está anestesiado pelas atrocidades diárias do presidente da República. Ainda assim tomou um susto com a criminosa atitude de estimular pessoas à invasão de hospitais. Isso é crime contra a saúde pública, é perturbação da ordem e incitação à prática de ilícitos. Coloca em risco pacientes, médicos e a população. Os seguidores do presidente podem seguir a proposta e executar tal desatino. Ele avisou que encaminhará os vídeos que receber à Polícia Federal. Se o fizer, será denunciação caluniosa. O negacionismo de Bolsonaro levou-o à loucura. Um louco nos governa.
Vamos olhar as leis. O código penal estabelece o crime de pôr em perigo a saúde de outrem (artigo 132), violação de domicílio (150) , infração de medida sanitária (268), incitação ao crime (286). Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública (265). Na lei de abuso de autoridade, o artigo 22 estabelece que é crime “invadir ou entrar astuciosamente ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio”, no artigo 25, obter provas, em procedimento de investigação ou fiscalização, de forma ilícita. Essa lei prevê o ato de cometer crime por meio de terceiros. Na lei das contravenções penais, artigo 42: “perturbar alguém, o trabalho, ou o sossego alheios, com gritaria ou algazarra”.
Para entrar em um hospital, em qualquer momento, é preciso apresentar documentos, passar pela segurança, saber se a pessoa pode receber visita, lavar as mãos, passar álcool gel, respeitar as restrições. Numa pandemia, todos esses cuidados aumentam. Se é crime invadir um hospital em períodos normais, imagine no meio de uma pandemia. Os governadores do Nordeste em carta o chamaram de inconsequente.
A proposta é um desrespeito aos pacientes, invasão de privacidade desses doentes, ameaça aos médicos e enfermeiros e coloca em risco a própria pessoa que o fizer, porque ela pode contrair o vírus e ser um vetor de contágio. O presidente está levando pessoas à morte com uma fala como essa.
Confesso que num primeiro momento não acreditei. Dei ao presidente Bolsonaro o benefício da dúvida. Infelizmente era verdade. O crime é agravado por ele ser o presidente da República. Ele acha que assim serão desmascarados os governadores e prefeitos, que, no seu delírio persecutório, estariam mentindo sobre os números de mortes e infectados e a respeito da sobrecarga do SUS, para ter ganhos políticos.
Bolsonaro repetiu a afirmação de que ninguém no Brasil morreu por falta de leitos ou respiradores. Está convencido de que há uma conspiração entre imprensa, governadores, Organização Mundial da Saúde (OMS), os que ele acha que são seus inimigos. Todos estariam inventando mortos. Indício claro de transtorno psíquico.
Vamos olhar as leis. O código penal estabelece o crime de pôr em perigo a saúde de outrem (artigo 132), violação de domicílio (150) , infração de medida sanitária (268), incitação ao crime (286). Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública (265). Na lei de abuso de autoridade, o artigo 22 estabelece que é crime “invadir ou entrar astuciosamente ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio”, no artigo 25, obter provas, em procedimento de investigação ou fiscalização, de forma ilícita. Essa lei prevê o ato de cometer crime por meio de terceiros. Na lei das contravenções penais, artigo 42: “perturbar alguém, o trabalho, ou o sossego alheios, com gritaria ou algazarra”.
Para entrar em um hospital, em qualquer momento, é preciso apresentar documentos, passar pela segurança, saber se a pessoa pode receber visita, lavar as mãos, passar álcool gel, respeitar as restrições. Numa pandemia, todos esses cuidados aumentam. Se é crime invadir um hospital em períodos normais, imagine no meio de uma pandemia. Os governadores do Nordeste em carta o chamaram de inconsequente.
A proposta é um desrespeito aos pacientes, invasão de privacidade desses doentes, ameaça aos médicos e enfermeiros e coloca em risco a própria pessoa que o fizer, porque ela pode contrair o vírus e ser um vetor de contágio. O presidente está levando pessoas à morte com uma fala como essa.
Confesso que num primeiro momento não acreditei. Dei ao presidente Bolsonaro o benefício da dúvida. Infelizmente era verdade. O crime é agravado por ele ser o presidente da República. Ele acha que assim serão desmascarados os governadores e prefeitos, que, no seu delírio persecutório, estariam mentindo sobre os números de mortes e infectados e a respeito da sobrecarga do SUS, para ter ganhos políticos.
Bolsonaro repetiu a afirmação de que ninguém no Brasil morreu por falta de leitos ou respiradores. Está convencido de que há uma conspiração entre imprensa, governadores, Organização Mundial da Saúde (OMS), os que ele acha que são seus inimigos. Todos estariam inventando mortos. Indício claro de transtorno psíquico.
Bolsonaro voltou a atacar o “penúltimo”, que é como ele chama o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, dizendo que o número está alto agora porque Mandetta havia “dado uma inflada”. Vamos desenhar para o primeiro mandatário: quando ele foi demitido, em 16 de abril, os números oficiais eram de 1.933 mortos e de 30.449 contagiados, de acordo com o Ministério da Saúde. Ontem, estávamos com mais de 41 mil mortos e mais de 800 mil infectados. O aumento desde então foi de 20 vezes. Mesmo que todos os óbitos registrados no período do ex-ministro fossem apagados, ainda assim o país teria 39 mil mortes. Aliás, desde que o general Pazuello assumiu, as vítimas fatais pularam de 14.817 para 41.828.
Na frente desta guerra pela vida estão médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, todo o pessoal de apoio. Eles trabalham duro, diariamente, longe muitas vezes das suas famílias, com risco de contaminação, em cargas horárias pesadas, com equipamento de proteção desconfortável e insuficiente, vendo a falta de remédios, passando por momentos de estresse. Inúmeros integrantes das equipes médicas dos hospitais públicos já morreram de Covid-19. Como vítimas desta tragédia, estão os doentes, tentando se recuperar nos hospitais, ou sofrendo numa UTI entre a vida e a morte. Seus parentes estão aflitos à espera de notícias. A todos eles, médicos, pacientes, familiares, o presidente Jair Bolsonaro desrespeitou com essa imperdoável atitude de convocar seus seguidores para invadir hospitais. Que pessoa sã faria isso?
Na frente desta guerra pela vida estão médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, todo o pessoal de apoio. Eles trabalham duro, diariamente, longe muitas vezes das suas famílias, com risco de contaminação, em cargas horárias pesadas, com equipamento de proteção desconfortável e insuficiente, vendo a falta de remédios, passando por momentos de estresse. Inúmeros integrantes das equipes médicas dos hospitais públicos já morreram de Covid-19. Como vítimas desta tragédia, estão os doentes, tentando se recuperar nos hospitais, ou sofrendo numa UTI entre a vida e a morte. Seus parentes estão aflitos à espera de notícias. A todos eles, médicos, pacientes, familiares, o presidente Jair Bolsonaro desrespeitou com essa imperdoável atitude de convocar seus seguidores para invadir hospitais. Que pessoa sã faria isso?
Por que não abandonar Bolsonaro para que se divirta apenas com seus brinquedos de morte?
O presidente Jair Bolsonaro gosta de brincar mais com a morte do que com a vida. Tem mais vocação de demolidor que de construtor, de guerreiro que de diálogo, de caçador de inimigos, verdadeiros ou imagináveis, que de impulsor da paz. A mentira lhe cai melhor que a verdade.
Bolsonaro não será derrubado por suas bravatas ameaçando com um golpe. A tragédia do coronavírus o tirará da presidência por seus crimes contra a humanidade. Será derrotado pelo pranto das famílias de luto que nem poderem se despedir de seus entes queridos.
Bolsonaro zombou da epidemia desde o primeiro momento. Minimizou sua força destrutiva e continuou a fazê-lo enquanto os mortos se acumulavam nos cemitérios. Quando os números das vítimas o estavam desnudando de sua cegueira, tentou culpar os governadores, os prefeitos e a própria OMS.
Não apenas negou sempre as evidências como adotou uma atitude de provocação, desobedecendo pública e descaradamente a todas as normas de prevenção da ciência e da medicina. Desarmou o Ministério da Saúde de médicos e o armou de militares. Quando a epidemia se espalhou e começou a aparecer como uma das mais letais do mundo, chegou ao cúmulo do cinismo. Tentou esconder a realidade impedindo que fossem publicados os números da catástrofe. Decidiu matar até os mortos.
Se existe algo, no entanto, que hoje está unindo os brasileiros sem distinção é o medo da epidemia e a solidariedade com as famílias atingidas pela dor da perda dos seus. E será essa união de todos o que acabará destronando-o. A sua já é uma estátua cada vez mais desgastada por sua frieza psicopática e por sua incapacidade de entender e ainda menos de compartilhar a dor de uma nação.
Não busquem razões jurídicas ou políticas para apear Bolsonaro de um poder do qual se tornou indigno de exercer. Seu maior pecado é sua falta de humanidade, sua zombaria da tragédia e o fato de dar as costas à dor que sufoca as pessoas.
É possível que Bolsonaro caia antes de acabar seu mandato, esmagado pelos milhares de vítimas cujo grito não deveria deixá-lo dormir. Mas se por inércia ou falta de coragem daqueles que deveriam afastá-lo da presidência chegasse à reeleição, o silêncio ensurdecedor dos mortos o seguirá em cada passo da campanha e aos brasileiros será impossível voltar a assinalar seu nome nas urnas. Sim, serão os mortos mais que os vivos que colocarão uma barreira à sua insaciável fome de poder totalitário.
Quem conhece o presidente diz que tentou minimizar a guerra contra a epidemia diante do temor de que a tragédia pudesse criar problemas para sua reeleição porque a economia iria quebrar. Chegou a dizer que, no final das contas, quem mais morreria seriam os idosos e os já doentes, como se isso fosse irrelevante. Mais ainda, uma assessora de seu ministro da Economia chegou a afirmar que a morte de idosos seria um alívio para a economia, pois dessa maneira “se economizariam muitas aposentadorias”.
Bolsonaro confessou uma vez que sua missão como militar era “matar e não curar as pessoas”. Sem contar que essa afirmação é uma ofensa ao Exército, que não existe para matar, mas para salvar a nação de seus possíveis inimigos e também atuar para salvar vidas nas tragédias e calamidades naturais.
Bolsonaro não se conforma em ser mito, mas vai como um deus decidindo sobre a vida das pessoas. É difícil encontrar personagens na história com tal amplitude de negatividade, pois parece viver em um mundo de fantasmas de mortos como se os vivos o assustassem.
Como construir um país tão rico de vida quanto o Brasil, tão jovem e com tanto futuro governado por fantasmas de destruição e morte? Como apostar na reunificação pacífica do país sem ter que ouvir a todo o momento os lúgubres presságios da violência, da divisão e da falta de empatia com a dor alheia da boca de quem deveria, ao contrário, despertar sentimentos de vida e de renascimento do melhor que aninha no coração humano?
Bolsonaro sempre à caça de inimigos a abater os encontra em todos os lugares, na imprensa, no Congresso, no STF. Para que devem existir outros poderes fora de seus domínios? Não disse que a Constituição é ele e, portanto, sonha em poder mudá-la e reescrevê-la a seu gosto? Para que a cansativa viagem de diálogo e colaboração com as outras instituições que servem apenas como obstáculo? Não, Bolsonaro não é um fantasma, é um amontoado de instintos de destruição e morte. Seu sonho é armar pessoas, se possível até as crianças. O que é uma pessoa sem um fuzil para empunhar?
A morte sempre como pano de fundo. Seus instintos são o tânatos de Freud. A felicidade, o compartilhar a vida, o diálogo sereno com os que pensam diferente dele, a compaixão pelos que mais sofrem, que são os mais esquecidos, e o compartilhar a dor alheia não cabem em sua psicologia de destruição e em seus medos irracionais diante de inimigos inexistentes. Melhor deixá-lo sozinho se divertindo com seus brinquedos de morte, já que a vida parece lhe dar medo.
Governo demente
Cada dia que passa, ele demonstra que não está preparado para sentar-se naquela cadeiraAngelo Coronel, senador do PSD-BA
Pazuello: o “cara” (tosco) da Saúde na Covid-19
Meu Santo Antônio da Glória! Em plena celebração do seu dia (13/6), o jornalista – um ateu que já acreditava nos milagres do poderoso santo português desde menino da beira do São Francisco (rio da minha aldeia), muito antes de visitar seu templo maior de devoção, na italiana Pádua, e me ver ajoelhado diante de seu túmulo –, pergunta, meio desconcertado e com vergonha: O que se há de fazer, meu santo?
“O Diabo quando não vem, manda um secretário. Eu não vou nessa canoa, que eu não sou otário”, canta o insuperável ritmista da música popular brasileira, agora através do computador. Tiro e queda, diga-se a bem da verdade e do fato jornalístico, se comparado com a atuação tosca do ministro da Saúde do ponto de vista das informações e domínio dos dados e problemas específicos da pasta entregue pelo presidente da República ao general de infantaria, “eficiente cumpridor de ordens”, nesta quadra tão angustiante e temerária da saúde pública nacional. Mas, para surpresa geral, precário e sofrível até em termos de conhecimentos gerais primários, a partir do fato de que estamos falando de um oficial do mais alto rango das nossas Forças Armadas.
Na Câmara, ao tentar camuflar, jogar para debaixo do tapete e dificultar a divulgação dos dados reais de contaminados e mortos da pandemia no Brasil, o ministro Pazuello disse que a mudança aumenta a transparência, porque, a partir de então, os números ficariam à disposição 24 horas por dia. “Não precisa mais me perguntar que horas vai botar o dado. Na hora que o dado chega do gestor ele é colocado no BI (boletim de informação da saúde), e acabou, vai imediato. Se chegar às 16h, o nome do “cara” estará lá”.
Precisa desenhar a gravidade de tamanha grosseria e falta de sensibilidade? Se tais palavras de um ministro da Saúde, reduzindo a “caras” os mortos pelo novo corona vírus no País – quando o número já beirava os 40 mil – tivessem ficado restritas ao ambiente da comissão especial que acompanha o avanço da pandemia, já seria motivo de escândalo em qualquer lugar civilizado do planeta. Mas a fala de Pazuello, reproduzida nos noticiários de ponta a ponta da Nação, soou como uma botinada na memória das vítimas e de suas famílias, e uma bofetada humilhante na face da sociedade brasileira.
Glorioso Santo Antonio, louvado neste seu dia de pedidos e agradecimentos por seus milagres e graças, pelos católicos do Brasil e do mundo inteiro, peço licença para terminar este artigo que é também em seu louvor, com versos do imortal Jackson do Pandeiro: “Não vou na onda nem no conto do vigário, que o diabo quando não vem, manda um secretário”. Oremos!Vitor Hugo Soares
Algemas
Eu terminara de almoçar e lia na sala os jornais que haviam chegado. Eles me ligavam ao mundo e informavam sobre os acontecimentos tormentosos daqueles dias de repressão. Minha mulher também corria os olhos pelas notícias e nossos filhos, ainda pequenos, pulavam por ali.
O telefone tocou. Era um colega de cidade vizinha que pedia minha presença na telefônica, no centro da cidade, com a maior rapidez porque seu tempo era curto. Tinha sido preso e estava sendo conduzido não sabia para onde, queria falar-me, precisava de apoio, estava desesperado. Chamara também os demais colegas e contava que todos fossem até lá para darem, pelo menos, apoio moral. Sentia-se na sua voz uma grande angústia.
Não hesitei um momento. Expliquei tudo em duas palavras à minha mulher, peguei um agasalho e rumei para o lugar indicado. Nenhuma outra consideração entrou no meu espírito – nem medo, nem cálculo, nem conveniência de qualquer espécie. Tratava-se de um advogado como eu, colega e amigo, ainda que não fosse dos mais chegados, e meu dever era socorrê-lo no momento amargo, quaisquer que fossem as conseqüências.
Na minha juventude de então eu não sabia que estava vivendo um instante fugidio mas glorioso da existência. Enquanto dirigia pela colina abaixo quase explodia de indignação diante da arbitrariedade que me parecia monstruosa e ia pronto para tudo, inclusive para ser preso e seguir com o colega, se isso fosse necessário. Hoje, na maturidade, fico encabulado à lembrança de alguns arroubos daquela época, mas esse episódio me envaidece e meu coração afirma que sairia novamente, agora, em socorro do colega se ele estivesse me chamando.
Minha surpresa foi grande ao notar a ausência dos demais. Nenhum compareceu, nenhum se dispôs a amparar o seu igual, nem mesmo os que se diziam “correligionários” do preso, de quem eu era, por coincidência, adversário em política. Olhei incrédulo para a casa de um deles, distante pouco mais de cem passos, e tive ganas de gritar com a força máxima dos pulmões:
– Covardes! Covardes!
Creio, sinceramente, que hoje eu gritaria.
Mas o choque maior foi quando percebi as algemas, aquelas peças niqueladas nos punhos do bacharel, como se fosse um marginal perigoso e prestes a intentar a fuga. Moço culto e educado, incapaz de uma grosseria, quanto mais da menor violência, ele mal podia falar em meio aos oficiais condutores. E tudo aquilo por ter sido contrário aos mandões do momento!
Fiquei arrasado.
Ele, num esforço imenso, resumiu tudo numa pergunta:
– E os outros?
Não tive o que dizer e me limitei a encolher os ombros. Depois, meio sem jeito, tratei de abraçá-lo e confortá-lo. Prometi telefonar à família (ele fora preso no escritório e nem pudera se despedir), atendê-la no que pudesse e acompanhar o destino dele próprio, até então obscuro. Seus olhos marejavam e eu senti com intensidade a gratidão que se instalava na alma do colega mais velho pela atitude do mais jovem.
O carcereiro, impaciente, queria partir. Tinha ordens e horários a serem cumpridos. Relutante, atrapalhado com as algemas niqueladas, o advogado embarcou. Em instantes a viatura policial dobrava a esquina em direção à estrada poeirenta.
Fiquei ali um tempão, parado na frente da telefônica, com o olhar fixo na estradinha campeira. Todo o edifício jurídico construído dentro de mim, em anos de estudo e trabalho, estava abalado.
Mas a vida continuava e era preciso lutar. Voltei devagar para casa, a esposa, os filhos, a profissão. Naquele trajeto, sozinho e amargurado, assumi comigo mesmo o compromisso formal — até hoje cumprido a duras penas — de jamais transigir com os inimigos da democracia, mascarados ou não, e defendê-la pelos modos ao meu alcance. Acima de tudo, incutir nos filhos a consciência democrática como forma de ensinar que só a democracia protege a dignidade do homem e que ela poda ter mil defeitos mas ainda não se inventou nada melhor.
Enéas Athanázio
O telefone tocou. Era um colega de cidade vizinha que pedia minha presença na telefônica, no centro da cidade, com a maior rapidez porque seu tempo era curto. Tinha sido preso e estava sendo conduzido não sabia para onde, queria falar-me, precisava de apoio, estava desesperado. Chamara também os demais colegas e contava que todos fossem até lá para darem, pelo menos, apoio moral. Sentia-se na sua voz uma grande angústia.
Não hesitei um momento. Expliquei tudo em duas palavras à minha mulher, peguei um agasalho e rumei para o lugar indicado. Nenhuma outra consideração entrou no meu espírito – nem medo, nem cálculo, nem conveniência de qualquer espécie. Tratava-se de um advogado como eu, colega e amigo, ainda que não fosse dos mais chegados, e meu dever era socorrê-lo no momento amargo, quaisquer que fossem as conseqüências.
Na minha juventude de então eu não sabia que estava vivendo um instante fugidio mas glorioso da existência. Enquanto dirigia pela colina abaixo quase explodia de indignação diante da arbitrariedade que me parecia monstruosa e ia pronto para tudo, inclusive para ser preso e seguir com o colega, se isso fosse necessário. Hoje, na maturidade, fico encabulado à lembrança de alguns arroubos daquela época, mas esse episódio me envaidece e meu coração afirma que sairia novamente, agora, em socorro do colega se ele estivesse me chamando.
Minha surpresa foi grande ao notar a ausência dos demais. Nenhum compareceu, nenhum se dispôs a amparar o seu igual, nem mesmo os que se diziam “correligionários” do preso, de quem eu era, por coincidência, adversário em política. Olhei incrédulo para a casa de um deles, distante pouco mais de cem passos, e tive ganas de gritar com a força máxima dos pulmões:
– Covardes! Covardes!
Creio, sinceramente, que hoje eu gritaria.
Mas o choque maior foi quando percebi as algemas, aquelas peças niqueladas nos punhos do bacharel, como se fosse um marginal perigoso e prestes a intentar a fuga. Moço culto e educado, incapaz de uma grosseria, quanto mais da menor violência, ele mal podia falar em meio aos oficiais condutores. E tudo aquilo por ter sido contrário aos mandões do momento!
Fiquei arrasado.
Ele, num esforço imenso, resumiu tudo numa pergunta:
– E os outros?
Não tive o que dizer e me limitei a encolher os ombros. Depois, meio sem jeito, tratei de abraçá-lo e confortá-lo. Prometi telefonar à família (ele fora preso no escritório e nem pudera se despedir), atendê-la no que pudesse e acompanhar o destino dele próprio, até então obscuro. Seus olhos marejavam e eu senti com intensidade a gratidão que se instalava na alma do colega mais velho pela atitude do mais jovem.
O carcereiro, impaciente, queria partir. Tinha ordens e horários a serem cumpridos. Relutante, atrapalhado com as algemas niqueladas, o advogado embarcou. Em instantes a viatura policial dobrava a esquina em direção à estrada poeirenta.
Fiquei ali um tempão, parado na frente da telefônica, com o olhar fixo na estradinha campeira. Todo o edifício jurídico construído dentro de mim, em anos de estudo e trabalho, estava abalado.
Mas a vida continuava e era preciso lutar. Voltei devagar para casa, a esposa, os filhos, a profissão. Naquele trajeto, sozinho e amargurado, assumi comigo mesmo o compromisso formal — até hoje cumprido a duras penas — de jamais transigir com os inimigos da democracia, mascarados ou não, e defendê-la pelos modos ao meu alcance. Acima de tudo, incutir nos filhos a consciência democrática como forma de ensinar que só a democracia protege a dignidade do homem e que ela poda ter mil defeitos mas ainda não se inventou nada melhor.
Enéas Athanázio
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