domingo, 13 de setembro de 2015
O Brasil é um quebra-cabeças perigoso
O Brasil parece neste momento um quebra-cabeças, com as incertezas da política e da economia, as intrigas em todos os níveis, inclusive internacionais, as hipóteses de futuro imediato e as surpresas e sobressaltos de cada dia, dos quais os cronistas e analistas não dão conta.
Tudo fica velho em poucas horas. Uma notícia nega a outra, enquanto os índices econômicos se deterioram rapidamente.
É difícil até oferecer a informação com imparcialidade a uma sociedade dividida e inflamada que, neste momento, observa e pensa mais com a paixão e o estômago do que com a razão pura de Kant.
E o Brasil é tropical e emotivo, não é a Suécia nem o Japão. Em sua idiossincrasia estão incrustadas heranças do passado que ainda o condicionam para o bem e para o mal. É um país ainda em construção, e que se sente hoje agoniado pela incerteza sobre seu futuro e a corrupção que transborda em todos os níveis, mas que não pretende renunciar à sua fatia de esperança, uma esperança que aparece nos lábios até dos que mais estão sofrendo os açoites da crise.
É um quebra-cabeças difícil de resolver. Há mais de 300 anos havia mapas confeccionados com peças de madeira colorida. Agora, das peças dispersas e contraditórias da política atual, que é o coração da crise, deverá aparecer a cara ainda desconhecida do novo Brasil. Uma imagem que está sendo forjada mais nas sombras do poder do que à luz da rua.
Nos primeiros quebra-cabeças, que eram passatempos originais e elegantes, as peças, desprovidas de encaixes, não se juntavam umas às outras como nos jogos comerciais de hoje.
Os montadores tinham de jogar com muita atenção e cuidado porque bastava um movimento repentino para que tudo se desmanchasse.
Além disso, não contavam com uma imagem que guiasse o montador. Tinham de trabalhar tendo apenas como referência o título que escondia a imagem ainda oculta.
O quebra-cabeças político do Brasil atual se parece com o daquela época: difícil de montar, por não se poder contar com uma imagem já pré-fabricada. Trata-se, com efeito, de adivinhar o que pode acontecer neste país dentro, talvez, de apenas semanas ou meses, nos diferentes cenários que estão se embaralhando. Que Brasil, que Governo, que modelo econômico, que novas esperanças ou novas nuvens de crises maiores, que novos gritos na rua esse quebra-cabeças atual esconde?
Também as peças da crise política brasileira se parecem com as dos quebra-cabeças que escorriam das mãos e não se encaixavam automaticamente, mas estavam prestes a desmoronar ao primeiro movimento em falso ou precipitado da mão.
O momento é difícil e complexo. Pode estar em jogo o futuro deste país-continente; pode estar à porta a volta da pobreza para muitas famílias ou a desilusão de voltar atrás para os que já tinham subido no trem da prosperidade. Pode nascer daí um país medíocre ou ressurgir mais pujante o gigante que, de adormecido, passou a se mostrar enfurecido e traído.
Pode estar sendo forjado um Brasil ainda pior, mas também outro melhor, com mais responsabilidade individual e coletiva, mais moderno, mais rico e justo, livre de ideologias e utopias que acabam por fim empobrecendo a política.
A imagem colorida e luminosa, ou a sombreada e enegrecida, que sairá desse quebra-cabeças ainda incógnito dependerá da capacidade criativa e do espírito republicano dos responsáveis por resolver a crise, assim como da capacidade, por parte dos que são os maiores responsáveis por terem conduzido o país até a margem perigosa da crise, de ter humildade e coragem para reconhecer erros e tropeços. E até mesmo dependerá da retirada de cena com um gesto de responsabilidade, para permitir uma melhor solução da crise.
Se sacrifícios e esforços serão necessários para resolver esse difícil quebra-cabeças, eles nunca deveriam recair sobre os artesãos que com suor e trabalho moldaram suas peças. Sacrifícios e receitas amargas deveriam ser suportados e sofridos, sobretudo, por aqueles cuja torpeza ou ambição de poder os levou a desmanchar a imagem positiva e alegre de que o Brasil desfrutava, para entregá-lo à pilhagem e à corrupção, em um festim cujas cortinas a justiça está abrindo com coragem e cujo espetáculo a sociedade contempla entre incrédula e esperançosa.
O que já não é permitido ao Brasil é um suplemento de paciência. Esse tempo acabou. Quanto mais se esticar e alargar a crise, quanto mais obstáculos seus maiores responsáveis interpuserem, mais cruel e injusta será a imagem que esse quebra-cabeças revelará.
A responsabilidade é de todos, mas especialmente dos que irresponsavelmente empurraram o carro até o sopé do vulcão. Esperar mais seria ignorar que um vulcão em erupção não avisa o dia nem a hora em que pode expelir fogo.
Tudo fica velho em poucas horas. Uma notícia nega a outra, enquanto os índices econômicos se deterioram rapidamente.
É difícil até oferecer a informação com imparcialidade a uma sociedade dividida e inflamada que, neste momento, observa e pensa mais com a paixão e o estômago do que com a razão pura de Kant.
E o Brasil é tropical e emotivo, não é a Suécia nem o Japão. Em sua idiossincrasia estão incrustadas heranças do passado que ainda o condicionam para o bem e para o mal. É um país ainda em construção, e que se sente hoje agoniado pela incerteza sobre seu futuro e a corrupção que transborda em todos os níveis, mas que não pretende renunciar à sua fatia de esperança, uma esperança que aparece nos lábios até dos que mais estão sofrendo os açoites da crise.
É um quebra-cabeças difícil de resolver. Há mais de 300 anos havia mapas confeccionados com peças de madeira colorida. Agora, das peças dispersas e contraditórias da política atual, que é o coração da crise, deverá aparecer a cara ainda desconhecida do novo Brasil. Uma imagem que está sendo forjada mais nas sombras do poder do que à luz da rua.
Nos primeiros quebra-cabeças, que eram passatempos originais e elegantes, as peças, desprovidas de encaixes, não se juntavam umas às outras como nos jogos comerciais de hoje.
Os montadores tinham de jogar com muita atenção e cuidado porque bastava um movimento repentino para que tudo se desmanchasse.
Além disso, não contavam com uma imagem que guiasse o montador. Tinham de trabalhar tendo apenas como referência o título que escondia a imagem ainda oculta.
O quebra-cabeças político do Brasil atual se parece com o daquela época: difícil de montar, por não se poder contar com uma imagem já pré-fabricada. Trata-se, com efeito, de adivinhar o que pode acontecer neste país dentro, talvez, de apenas semanas ou meses, nos diferentes cenários que estão se embaralhando. Que Brasil, que Governo, que modelo econômico, que novas esperanças ou novas nuvens de crises maiores, que novos gritos na rua esse quebra-cabeças atual esconde?
Também as peças da crise política brasileira se parecem com as dos quebra-cabeças que escorriam das mãos e não se encaixavam automaticamente, mas estavam prestes a desmoronar ao primeiro movimento em falso ou precipitado da mão.
O momento é difícil e complexo. Pode estar em jogo o futuro deste país-continente; pode estar à porta a volta da pobreza para muitas famílias ou a desilusão de voltar atrás para os que já tinham subido no trem da prosperidade. Pode nascer daí um país medíocre ou ressurgir mais pujante o gigante que, de adormecido, passou a se mostrar enfurecido e traído.
Pode estar sendo forjado um Brasil ainda pior, mas também outro melhor, com mais responsabilidade individual e coletiva, mais moderno, mais rico e justo, livre de ideologias e utopias que acabam por fim empobrecendo a política.
A imagem colorida e luminosa, ou a sombreada e enegrecida, que sairá desse quebra-cabeças ainda incógnito dependerá da capacidade criativa e do espírito republicano dos responsáveis por resolver a crise, assim como da capacidade, por parte dos que são os maiores responsáveis por terem conduzido o país até a margem perigosa da crise, de ter humildade e coragem para reconhecer erros e tropeços. E até mesmo dependerá da retirada de cena com um gesto de responsabilidade, para permitir uma melhor solução da crise.
O que já não é permitido ao Brasil é um suplemento de paciência. Esse tempo acabou. Quanto mais se esticar e alargar a crise, quanto mais obstáculos seus maiores responsáveis interpuserem, mais cruel e injusta será a imagem que esse quebra-cabeças revelará.
A responsabilidade é de todos, mas especialmente dos que irresponsavelmente empurraram o carro até o sopé do vulcão. Esperar mais seria ignorar que um vulcão em erupção não avisa o dia nem a hora em que pode expelir fogo.
O fim do caminho
Escrevi, certa vez, que a geração ideológica que havia combatido a ditadura e que assumiu o poder no Brasil após o regime militar chegava ao seu fim, isto é, cumprira a sua função e se esgotava.
O grupo liderado por Fernando Henrique Cardoso, de uma esquerda moderada, governou até 2002, quando Luiz Inácio da Silva ganhou as eleições e, com isso, a facção mais radical daquela geração assumiu o governo e nele se manteve até agora, no segundo mandato de Dilma Rousseff. Essa é uma geração que, em diferentes graus, situava-se à esquerda dos que apoiaram a ditadura e se aliou, consequentemente, aos partidos que pregavam o marxismo, embora não fosse aquele seu pensamento.
O grupo liderado por Fernando Henrique Cardoso, de uma esquerda moderada, governou até 2002, quando Luiz Inácio da Silva ganhou as eleições e, com isso, a facção mais radical daquela geração assumiu o governo e nele se manteve até agora, no segundo mandato de Dilma Rousseff. Essa é uma geração que, em diferentes graus, situava-se à esquerda dos que apoiaram a ditadura e se aliou, consequentemente, aos partidos que pregavam o marxismo, embora não fosse aquele seu pensamento.
Desse modo, quando o PT chegou ao poder, as fantasias revolucionárias já estavam fora de moda. Além disso, os escândalos do mensalão e, agora, as delações da Operação Lava Jato revelaram que, se Lula e seu pessoal foram de fato revolucionários algum dia, ao chegarem ao poder mudaram de projeto.
Imagino o que se passou na mente dos petistas: se a postura revolucionária não tinha mais cabimento, que fazer com o poder que lhes caíra no colo? Antes de tudo, não deixar que viesse a escapar-lhe das mãos e, para consegui-lo, a providência fundamental era manter e ampliar o apoio do eleitorado pobre.
Isso, por um lado; por outro, não dividir com ninguém os cargos importantes da máquina do Estado, como os ministérios e as grandes empresas estatais. Aliou-se, então, aos pequenos partidos, aos quais, em vez de dar altos cargos, comprou com dinheiro público: o mensalão.
Tendo nas mãos os ministérios e as estatais, infiltrou-os com a nomeação de mais de 20 mil "companheiros", sem concurso, a fim de que cedessem parte do salário ao partido e trabalhassem pela ampliação do número de novos militantes a favor do governo.
Mas isso não era tudo. O principal residia na apropriação das grandes empresas do Estado e particularmente da maior delas –a Petrobras. Ficou comprovado, na Operação Lava Jato, que, desde 2003– quando Lula assumiu o governo–, criou-se na Petrobras um "clube", formado por altos funcionários, ligados aos partidos do governo, e representantes de grandes empreiteiras, que prestavam serviço à empresa. As licitações –que envolviam centenas de milhões de reais– eram manipuladas de modo que, em rodízio, cada uma daquelas empresas obtivesse os contratos.
A tais prejuízos somam-se os resultantes de negociatas envolvendo a compra e a construção de refinarias. E era Lula quem acusava seus opositores de pretenderem privatizar a Petrobras. Ele, de fato, não a privatizou: apropriou-se dela.
Lula e sua turma agem sem remorsos, uma vez que, sendo eles os defensores dos verdadeiros interesses nacionais, julgam-se com o direito de se apropriarem dos bens públicos.
Vou dar um exemplo. Há algum tempo, antes da Lava Jato, uma senadora do PT, indagada sobre os crescentes prejuízos sofridos pela Petrobras, respondeu: "Só quem se preocupa com isso são os acionistas. A Petrobras existe para servir ao povo".
Ou seja, não tem de dar lucro. Agora, a Operação Lava Jato mostrou que a sua eleição ao Senado, em 2014, foi financiada com propinas da Petrobras e, assim, dá para entender a sua tese: a senadora é o povo.
Esse é um tipo de populismo que, se arvorando defensor dos pobres, atribui-se o direito de usar de qualquer meio, inclusive a corrupção, para manter-se no poder.
Lula e Dilma só não contaram com duas coisas: que a gastança demagógica levaria o país à crise econômica e que suas falcatruas seriam reveladas à opinião pública.
O engodo se desfez, a credibilidade dos petistas despencou. Qual será o desfecho dessa comédia não sei dizer, mas que o lulopetismo já não engana a quase ninguém, não resta dúvida.
A crise de caráter
A matreirice sempre deu o tom na política nacional. No dia 31 de março de 64, Benedito Valadares, raposa matreira, encontrou-se com José Maria Alkmin e Olavo Drummond no aeroporto de Belo Horizonte.
- Alkmin, para onde você vai?
- Para Brasília.
- Para Brasília, ah, sim, Brasília. Sei.
Os três seguiram conversando até o cafezinho. Até que Benedito, piscando um olho, cutucou o braço de Olavo:
-É, o Alkmin está dizendo que vai para a Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília.
A artimanha é conhecida nos tratados de guerra como engano de segundo grau. Alkmin queria tapear Benedito dizendo-lhe a verdade para tirar proveito de sua desconfiança.
Ao longo da história, a enganação tem feito carreira. Nos últimos tempos, porém, os jogos do engodo, da simulação e da dissimulação atingem níveis absurdos. Temos visto tapeação de primeiro, segundo e terceiro grau. Delatores apontam pessoas que teriam recebido propina dos dutos da Petrobras e são desmentidos; o governo ensaia a volta da CPMF, mas retrocede; tira, por decreto, poderes dos Ministros militares em matéria de política de pessoal e os repõe ante a onda negativa; põe na agenda um enxugamento dos ministérios e fica por isso mesmo; TCU e TSE sugerem dúvidas sobre os próximos passos em relação às pedaladas e contas de campanha da presidente. O Brasil perde o grau de investimento, com o rebaixamento feito pela S&P, e Lula diz que isso não vale nada. De arrepiar.
A violência registra casos de horror extremo, como a chacina que matou 19 pessoas em Osasco (SP), deixando suspeitas sobre o próprio aparelho policial. O palavrório de sempre se instala. As ruas se enchem com desfiles de pedintes e, nos semáforos, meninos e adolescentes se multiplicam na tarefa de mostrar habilidades com bolas, pernas de pau, facas e tochas de fogo. A estética da miséria expande cores cinzentas e escancara a desilusão de milhões de brasileiros que, após subirem um degrau na escada da pirâmide social, se vêem arrastados para o andar de baixo, onde a classe D tenta sobreviver no meio de um turbilhão de carências. Falta dinheiro para completar a fatia de carne, o saquinho de arroz, o quilo de feijão. Verduras? Nem pensar. E o Bolsa Família para as margens? Já deu o que tinha de dar. É coisa pouca.
A tétrica anatomia urbana, como a pedrinha do dominó empurrando a seguinte, ameaça a queda de todas. Mas há algo pior: é a miséria moral que o país herda do seu aglomerado de crises. A necessidade de sobrevivência acaba corroendo a base do caráter. Os efeitos aparecem na propensão para a violência, para desvios e inclinação de certos núcleos na apropriação de bens de outros. O engodo que se instalou em cima desce a outros níveis.
Daí a conclusão: as fontes da seara do caráter também secam. Sentimentos e relações sociais se impregnam da ordem moral que recai sobre a sociedade.
Torna-se difícil manter a coluna vertebral ereta quando os poderosos a dobram, em todos os instantes, no atendimento às suas conveniências.
A desconfiança, quando não a indignação, passa a imperar, principalmente no seio de grupos de sólida formação moral. Que passam a cristalizar e a verbalizar o sentimento de repúdio à classe dirigente, com ênfase aos integrantes do partido que, há quase 13 anos, ocupa o centro do poder.
A paisagem é celeremente contaminada pela crise da corrosão do caráter, terrível doença que Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova Iorque, aponta como uma das mais trágicas do mundo moderno. A degradação do caráter é metástase que se propaga em função das mazelas da vida pública. A crise de caráter puxa a da credibilidade. A crença nas instituições e nos agentes públicos se esvanece.
Leis não obedecidas, justiça lenta, projetos casuísticos, distorção de prioridades, violência extremada, tibieza de governantes, culto à improbidade, mais impostos e muita mentira amortecem o ânimo nacional. Ante esse quadro, o povo clama por ações de um Estado que se mostra anêmico e inerte.
Quem imaginaria um ex-presidente da República idolatrado e uma mandatária bem aclamada em seu primeiro mandato vestirem o manto de bonecos infláveis representando o engodo? Teriam faltado à verdade com o eleitor? Teriam mistificado as massas pela propaganda política?
Que tempos. Tempos de grandes mentiras.
O libertador Simon Bolívar, tão admirado pelas esquerdas latino-americanas, fazia, há 165 anos, um desabafo: “não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento”. O timoneiro fez uma profecia, mais que um queixume. A vida brasileira se aproxima do tormento.
- Alkmin, para onde você vai?
- Para Brasília.
- Para Brasília, ah, sim, Brasília. Sei.
Os três seguiram conversando até o cafezinho. Até que Benedito, piscando um olho, cutucou o braço de Olavo:
-É, o Alkmin está dizendo que vai para a Brasília para eu pensar que ele vai para o Rio. Mas ele vai mesmo é para Brasília.
A artimanha é conhecida nos tratados de guerra como engano de segundo grau. Alkmin queria tapear Benedito dizendo-lhe a verdade para tirar proveito de sua desconfiança.
Ao longo da história, a enganação tem feito carreira. Nos últimos tempos, porém, os jogos do engodo, da simulação e da dissimulação atingem níveis absurdos. Temos visto tapeação de primeiro, segundo e terceiro grau. Delatores apontam pessoas que teriam recebido propina dos dutos da Petrobras e são desmentidos; o governo ensaia a volta da CPMF, mas retrocede; tira, por decreto, poderes dos Ministros militares em matéria de política de pessoal e os repõe ante a onda negativa; põe na agenda um enxugamento dos ministérios e fica por isso mesmo; TCU e TSE sugerem dúvidas sobre os próximos passos em relação às pedaladas e contas de campanha da presidente. O Brasil perde o grau de investimento, com o rebaixamento feito pela S&P, e Lula diz que isso não vale nada. De arrepiar.
A palavra distancia-se de seu significado. A imprensa registra algo em um dia e, no seguinte, o contraditório.
A administração federal mais parece barata tonta depois de forte dose de inseticida. Não sabe onde rodopiar. Enchentes em alguns pontos, grande seca em outros, e reservatórios de água suprem populações com seus volumes mortos. A dúvida se instala: as chuvas de setembro e outubro garantem normalidade ou sofreremos crise hídrica e energética?
A violência registra casos de horror extremo, como a chacina que matou 19 pessoas em Osasco (SP), deixando suspeitas sobre o próprio aparelho policial. O palavrório de sempre se instala. As ruas se enchem com desfiles de pedintes e, nos semáforos, meninos e adolescentes se multiplicam na tarefa de mostrar habilidades com bolas, pernas de pau, facas e tochas de fogo. A estética da miséria expande cores cinzentas e escancara a desilusão de milhões de brasileiros que, após subirem um degrau na escada da pirâmide social, se vêem arrastados para o andar de baixo, onde a classe D tenta sobreviver no meio de um turbilhão de carências. Falta dinheiro para completar a fatia de carne, o saquinho de arroz, o quilo de feijão. Verduras? Nem pensar. E o Bolsa Família para as margens? Já deu o que tinha de dar. É coisa pouca.
A tétrica anatomia urbana, como a pedrinha do dominó empurrando a seguinte, ameaça a queda de todas. Mas há algo pior: é a miséria moral que o país herda do seu aglomerado de crises. A necessidade de sobrevivência acaba corroendo a base do caráter. Os efeitos aparecem na propensão para a violência, para desvios e inclinação de certos núcleos na apropriação de bens de outros. O engodo que se instalou em cima desce a outros níveis.
Daí a conclusão: as fontes da seara do caráter também secam. Sentimentos e relações sociais se impregnam da ordem moral que recai sobre a sociedade.
Torna-se difícil manter a coluna vertebral ereta quando os poderosos a dobram, em todos os instantes, no atendimento às suas conveniências.
A desconfiança, quando não a indignação, passa a imperar, principalmente no seio de grupos de sólida formação moral. Que passam a cristalizar e a verbalizar o sentimento de repúdio à classe dirigente, com ênfase aos integrantes do partido que, há quase 13 anos, ocupa o centro do poder.
Convém lembrar, porém, que parcela da população, aflita com o cinturão que aperta seu corpo, faz prevalecer o bem material sobre o valor moral. Essa é horrenda feição desenhada pela miséria.
Caráter é o espelho da grandeza humana. Integra um sistema de valores compostos, entre outros, por lealdade, compromisso, companheirismo, confiança, comunhão de propósitos. De nossos avós, uma frase comum era: “aquele era um homem de palavra”. Queriam dizer: “ um homem de caráter”. Quem pode afirmar a mesma coisa neste ciclo de deterioração do escopo moral?
A paisagem é celeremente contaminada pela crise da corrosão do caráter, terrível doença que Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova Iorque, aponta como uma das mais trágicas do mundo moderno. A degradação do caráter é metástase que se propaga em função das mazelas da vida pública. A crise de caráter puxa a da credibilidade. A crença nas instituições e nos agentes públicos se esvanece.
Leis não obedecidas, justiça lenta, projetos casuísticos, distorção de prioridades, violência extremada, tibieza de governantes, culto à improbidade, mais impostos e muita mentira amortecem o ânimo nacional. Ante esse quadro, o povo clama por ações de um Estado que se mostra anêmico e inerte.
Quem imaginaria um ex-presidente da República idolatrado e uma mandatária bem aclamada em seu primeiro mandato vestirem o manto de bonecos infláveis representando o engodo? Teriam faltado à verdade com o eleitor? Teriam mistificado as massas pela propaganda política?
Que tempos. Tempos de grandes mentiras.
O libertador Simon Bolívar, tão admirado pelas esquerdas latino-americanas, fazia, há 165 anos, um desabafo: “não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento”. O timoneiro fez uma profecia, mais que um queixume. A vida brasileira se aproxima do tormento.
Agenciazinha de fim de mundo: rebaixando o que nunca existiu
Este tipo de pensamento esconde algo que não mudou na transição da velha para Nova Esquerda ocidental - o fato de que não existe, na verdade, moral alguma a ser defendida por um regime revolucionário. A moral, no modo de produção capitalista, faz parte da "superestrutura" do sistema.
"Somos o que produzimos", disse Karl Marx, e isso é um dogma capaz de causar uma colisão frontal com uma outra espécie de imperativo ético - "nós somos a história do nosso esforço, do nosso sacrifício para produzir algo; jamais este algo material em si mesmo", pois é a ação que nos faz humanos; não o resultado dela sobre a matéria. A noção de mérito precisa, portanto, atravessar nossa passagem por esta vida dando, ela sim, um sentido moral à mesma.
Relações econômicas no mundo ocidental e num país como o Brasil tem por base critérios morais que, sejam eles quais forem, não podem ser criticados como "justos" ou "injustos" por um Governo Revolucionário. Quando um país tem sua nota de crédito rebaixada por uma agência como a Standard & Poor's (S&P), não faz sentido algum que os comentaristas políticos, os economistas ou presidentes de federações e associações de empresários, esperem do Governo Petista uma reação de preocupação à altura porque o simples conceito de "crédito" é um conceito de natureza moral, é um juízo de valor que você faz a respeito da palavra e do comportamento futuro de outra pessoa.
Em outros termos, técnico ou não técnico, filiado ou não à "ortodoxia revolucionária" (se é que se pode falar numa coisa dessas) Joaquim Levy não traduz o pensamento do Partido expresso na declaração do deputado José Nobre Guimarães, do PT do Ceará, que disse - "não é uma agenciazinha qualquer do fim do mundo que vai interferir na economia do Brasil".
Prezado leitor, entenda por favor o seguinte: não se trata de "supervalorizar" o que foi dito por Guimarães, não se trata de desmentir, de dizer que "isso é uma barbaridade", que ele "está louco", que é "petralha" ou que (evidentemente) o "Brasil vai pagar caríssimo por isso" ou "vocês vão ver a BOVESPA e o preço do dólar". A ideia deste texto é tão somente mostrar que tipo de importância, que tipo de preocupação ou status moral, o fato em si pode gerar para o PT e eu creio ser possível afirmar sem medo algum: nenhuma!
Notas de agências de crédito e a consequência delas não estão entre as preocupações de um governo revolucionário. "É Milton, mas daí eles ficam sem crédito e acaba a grana. De quem eles vão tirar mais para que possam se manter no Governo?" Resposta: "crédito" e "moral" só podem ser "rebaixados" se você os tem ou se acredita que eles sejam importantes para sua autoestima (seja ela como indivíduo ou como governo) ou para o pagamento de suas contas. O que a S&P fez foi rebaixar algo que simplesmente nunca existiu e, se o partido precisar de mais dinheiro, vai simplesmente tirar de todos nós.
Falta alguém para botar ordem no Planalto
Solução para tirar o país da crise: cortar gastos e aumentar impostos, denominador comum defendido pelo governo inteiro. Unem-se todos, da presidente Dilma à equipe econômica, aos ministros, palacianos ou não, e à tecnocracia incrustada nos diversos órgãos de assessoramento do Executivo. Só que há mais de um mês não chegam a qualquer conclusão sobre onde cortar e que impostos aumentar. Nessa hora, valem mais as conflitantes inclinações políticas e econômicas, somadas às idiossincrasias, à soberba e à inveja de cada um diante do conjunto.
Madame promove reuniões diárias mas não se decide. Teme a opinião pública e o Congresso. Perde tempo, talvez nem saiba exatamente que iniciativas adotar. Falta coragem ao governo para enfrentar a queda. Melhor dizendo, falta um maestro capaz de conduzir a orquestra, como sobram músicos hesitantes e medrosos de aconselhar a dona do teatro.
Nuns mais, em outros menos, mas em todos os governos, costumava-se observar a figura do coordenador, geralmente na chefia da Casa Civil. De Golbery do Couto e Silva a Leitão de Abreu, de Ronaldo Costa Couto a Henrique Hargreaves, de Jorge Bornhausen a José Dirceu, cada qual com seu estilo e sua sorte, exprimiram o papel aglutinador dos respectivos governos.
Agora, não. Não há quem se credencie para botar ordem no palácio do Planalto, claro que interpretando a presidente. O resultado aí está. Mais uma reunião, ontem, talvez outra hoje. Para quê? Repetem o exemplo dos Cavaleiros de Granada de que falava Cervantes, aqueles que alta madrugada saíram em louca cavalgada, brandindo lança e espada. Para quê? Para nada…
Utilizar o trabalho escravo das populações conquistadas foi uma das artimanhas de Hitler para conquistar o povo alemão. Às custas da vida de milhões de russos, franceses, tchecos, polacos e de outras etnias, deixaram-se envolver os arianos, julgando-se destinados a funções intelectualmente superiores. Viveram felizes por alguns anos, fingindo ignorar que seu desenvolvimento decorria da desgraça de outros povos. O sonho acabou, viram-se destroçados por ideologias diversas e comeram o pão que o diabo amassou, encerrada a guerra. Como culturalmente evoluídos, plenos de capacidade e força de vontade, bem como da ajuda de antigos inimigos, os alemães são hoje o que são: a nação mais evoluída da Europa, a economia mais desenvolvida.
Sofrem, porém, os alemães, do mesmo germe do passado, ainda que sem os horrores do nazismo: vão receber 500 mil refugiados por ano, além dos milhões que para lá acorreram nas últimas décadas. Estes ficam felizes por encontrar habitação e alimentação num mundo novo, fugidos da fome, da desgraça e até das guerras. Estão prontos para executar as funções subalternas. Mesmo recebendo salários no passado inexistentes, formam comunidades economicamente inferiores, submissas, desintegradas da população alemã, dedicada a ocupações superiores. Como foi um alemão que vaticinou repetir-se a História apenas como farsa, é bom tomar cuidado…
Madame promove reuniões diárias mas não se decide. Teme a opinião pública e o Congresso. Perde tempo, talvez nem saiba exatamente que iniciativas adotar. Falta coragem ao governo para enfrentar a queda. Melhor dizendo, falta um maestro capaz de conduzir a orquestra, como sobram músicos hesitantes e medrosos de aconselhar a dona do teatro.
Nuns mais, em outros menos, mas em todos os governos, costumava-se observar a figura do coordenador, geralmente na chefia da Casa Civil. De Golbery do Couto e Silva a Leitão de Abreu, de Ronaldo Costa Couto a Henrique Hargreaves, de Jorge Bornhausen a José Dirceu, cada qual com seu estilo e sua sorte, exprimiram o papel aglutinador dos respectivos governos.
Agora, não. Não há quem se credencie para botar ordem no palácio do Planalto, claro que interpretando a presidente. O resultado aí está. Mais uma reunião, ontem, talvez outra hoje. Para quê? Repetem o exemplo dos Cavaleiros de Granada de que falava Cervantes, aqueles que alta madrugada saíram em louca cavalgada, brandindo lança e espada. Para quê? Para nada…
Utilizar o trabalho escravo das populações conquistadas foi uma das artimanhas de Hitler para conquistar o povo alemão. Às custas da vida de milhões de russos, franceses, tchecos, polacos e de outras etnias, deixaram-se envolver os arianos, julgando-se destinados a funções intelectualmente superiores. Viveram felizes por alguns anos, fingindo ignorar que seu desenvolvimento decorria da desgraça de outros povos. O sonho acabou, viram-se destroçados por ideologias diversas e comeram o pão que o diabo amassou, encerrada a guerra. Como culturalmente evoluídos, plenos de capacidade e força de vontade, bem como da ajuda de antigos inimigos, os alemães são hoje o que são: a nação mais evoluída da Europa, a economia mais desenvolvida.
Sofrem, porém, os alemães, do mesmo germe do passado, ainda que sem os horrores do nazismo: vão receber 500 mil refugiados por ano, além dos milhões que para lá acorreram nas últimas décadas. Estes ficam felizes por encontrar habitação e alimentação num mundo novo, fugidos da fome, da desgraça e até das guerras. Estão prontos para executar as funções subalternas. Mesmo recebendo salários no passado inexistentes, formam comunidades economicamente inferiores, submissas, desintegradas da população alemã, dedicada a ocupações superiores. Como foi um alemão que vaticinou repetir-se a História apenas como farsa, é bom tomar cuidado…
De olho nele, quanto pior, muito melhor
Amigos não exatamente indignados, mas, sim, em óbvio tom de cobrança, a cada notícia alarmante parecem esperar de mim uma segunda opinião sobre o impeachment de Dilma Rousseff. Devo admitir, embora seja capaz de comemorar efusivamente o exílio do último dia alvissareiro, não deixo de sofrer com a reprovação dos cupinchas. Trata-se de um claro divórcio de idéias, como se discordássemos sobre a melhor estratégia em uma partida de xadrez. Eles não admitem, mas a mesma pergunta poderia perfeitamente ser invocada por mim. Especialmente após cada notícia alarmante.
Nesta semana que passou, por exemplo, vejam só, o governo demorou, mas finalmente conseguiu a façanha de rebaixar o Brasil. Na classificação de crédito da Standard and Poor’s, agora passamos a ser considerados lixo. E então pergunto, já pensaram no enorme desperdício, caso este precioso momento ocorresse na administração Temer, e não durante um mandato petista? E agora?
Nossa divergência, acho eu, reside na dificuldade deles em perceberem que o copo, aparentemente meio vazio, já está transbordando para quem deseja ver o PT sucumbir. Que as atuais notícias ruins, por mais amargas, asseguram um futuro sem Lula, e portanto animador para o país. Ou, por outra, que às vezes, quanto pior, não só se está melhor, mas muito melhor.
Lamento, mas se corrupção, má administração e, acima de tudo, falta de dinheiro no bolso, pela primeira vez começam a ser nacionalmente associados ao Partido dos Trabalhadores, não vejo sentido algum em aliviar Lula e sua turma da morte política, a única que realmente conta para eles e interessa ao Brasil.
Digo, a crescente indignação, até mesmo por parte de quem já votou em Lula e Dilma, é por demais sui generis para ser subaproveitada. Merece, isto sim, ser delicadamente temperada até 2018, e não interrompida prematuramente. Ou alguém consegue imaginar passeatas enormes contra o PMDB e bonecos de Michel Temer flanando por aí?
“Mas, Mario, e o Brasil? Se continuarmos assim, o que restará do país em 2018?”, questionamento campeão de popularidade, não me comove ou assusta. E são alguns os motivos.
O primeiro deles, porque terrorismos do mesmo quilate já estão cheirando a mofo, de tanto que foram utilizados pelo próprio PT nas últimas eleições.
Depois, pela falsa premissa embutida na pergunta, de que o impeachment certamente significaria uma melhoria imediata no dia a dia dos brasileiros. Além de ser um chute, se levarmos em conta as projeções do mercado e opiniões dos especialistas, sem contar o crescente embaraço de Levy, pinta como um daqueles que ultrapassará o alambrado do estádio.
Mesmo assim, nenhum vaticínio me assusta mais do que, desde já, dar a derrocada de Lula como favas contadas. Me parece um erro crasso subestimar o comprovado poder de sedução do único político brasileiro verdadeiramente popular, sem falar em um voto que já se tornou hábito consolidado há mais de uma década.
Erro maior, só mesmo considerar que as manifestações organizadas até agora, incluíndo aí o genial pixuleco, tenham ressoado no brasileiro avesso ao que acontece na política nacional. Para essa parcela da população - anotem aí, a única que realmente interessa na hora de fazer qualquer projeção eleitoral - o embate entre petistas e anti-petistas é tão interessante quanto uma luta entre escaravelhos no Globo Repórter. Votam da maneira mais pragmática possível, sem paixão, com a mão no bolso, analisando se a própria vida está melhor ou pior, pesando se vale pena ou não mudar em time que está ganhando.
Pois tendo a devoção da militância e a repulsa dos antipetistas como certezas, Luiz Inácio jamais deixou regar a plantinha do populismo, abocanhou essa turma, e na base do nós contra eles alcançou um tamanho inédito, a ponto de conseguir eleger e reeleger uma presidente tão patética como Dilma.
Hoje em dia, tudo o que o Caudilho gostaria de poder fazer, além de não precisar se expor ao cair em contradições fáceis de serem desmascaradas, é pular do barco. E logo, antes que fique claro, para essa mesma base de apoio fiel, que o placar está virando. Sabe que ainda dá tempo, mas também reconhece o atual cenário como uma ampulheta. A cada dia que passa com Dilma no poder, quem perde cacife é ele.
Mesmo com um cenário tão cristalino, a grande lição do petismo, de calcular passos com antecedência e sempre que possível dificultar o caminho do adversário, parece ainda não ter sido assimilada.
“E agora?”, amigos, quem diz sou eu.
A maldição da herança
O governo Dilma Rousseff fica cada vez mais parecido com o fim dos governos Figueiredo e Sarney. A diferença crucial é que o atual mandato da presidente está no começo. João e José saíram aos farrapos; Dilma, aos frangalhos, talvez não consiga prosseguir.
Em qualquer situação, completando o mandato ou não, deixará ao sucessor uma herança maldita. Não o legado imputado ao governo Fernando Henrique Cardoso pelo populismo oportunista de Luiz Inácio da Silva, mas um espólio objetiva e concretamente malévolo que acaba de se materializar na volta do Brasil ao clube dos países desprovidos de credibilidade internacional, arrastando junto a Petrobrás, para citar apenas a maior das várias empresas agora consideradas investimento de risco.
Por ocupar a Presidência, Dilma personifica o desastre, mas evidentemente não é a única responsável por ele. Atribuir responsabilidade só a ela significa ignorar todo o conjunto de uma obra coletiva construída com a finalidade de submeter o Brasil à dominação de um partido.
Projeto que, por força da boa saúde das instituições e do despertar (tardio) da sociedade, não deu certo, embora tenha provocado desacertos profundos e nos levado a retroceder 20 anos no processo de recuperação da credibilidade do País.
Os governos do PT puseram esse trabalho a perder. Por orientação do chefe, Luiz Inácio da Silva, uma perfeita encarnação do herói sem caráter descrito por Mário de Andrade. Quando assumiu a Presidência, Lula adotou a política econômica do antecessor. Foi, por isso, muito elogiado, saudado pela escolha do bom caminho.
Nessa visão otimista faltou, contudo, analisar o dado essencial da motivação: nada foi feito por convicção, mas pela percepção de que ou incorporava as posições do adversário ou não governaria. De onde não hesitou em incorporá-las na economia e explorá-las na política ao expropriar o patrimônio dos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, atribuindo a si a autoria da estabilização e ao antecessor a maldição de uma herança, na realidade bendita.
Lula e o PT herdaram uma casa senão totalmente em ordem, muito bem encaminhada com os pressupostos da reorganização implantados e muitos obstáculos devidamente removidos ao custo de intensas negociações externas e internas. Aos herdeiros caberia completar o trabalho, dando prosseguimento às reformas de estrutura e usando os princípios defendidos por eles desde sempre para, com a força do apoio popular e a presença de um líder, formar maioria no Congresso mediante parâmetros programáticos.
Como nem a convicção na economia nem o princípio da ética na política eram genuínos, evidente que mais dia menos dia a casa cairia. Os escombros soterraram o PT, mas o conceito do vale-tudo, traduzido na expressão da presidente Dilma de que é legítimo fazer “o diabo” para ganhar eleições, levou o País inteiro ao inferno.
Dilma fracassou? Já havia sido um fiasco gerencial antes, nos anos 90, quando levou à falência duas lojas de produtos R$ 1,99 em Porto Alegre. Foi Lula quem garantiu que a dona dos estabelecimentos poderia governar o Brasil.
Foi ele também o avalista das alianças políticas financiadas com dinheiro público. Por essas e possíveis outras que a Polícia Federal pede agora que dê explicações à Justiça no âmbito da Operação Lava Jato.
O fascínio pelo poder
Se meu nobre amigo Augusto Nunes me permite a indicação, é excelente o artigo de Ricardo Vélez Rodrígues hoje replicado no vizinho distante, Aluízio Amorim. Um retrato bastante preciso e sem retoques do que é a petralharia no poder. Só volto a discordar do Olavão e seus discípulos quando todos insistem em traduzir para um refinado planejamento intelectual desses carcamanos o que é uma mentalidade pura e simples.
Já disse aqui que conheço uma seita por dentro. Posso afirmar de cátedra que as decisões não se dão milimetricamente calculadas; pelo contrário. Tal como uma reunião de vespas raivosas, a coisa se dá na base do “vibrar na mesma onda” e ganha adeptos imediatos entre aqueles que só pensam com a metade esquerda do cérebro baldio. Alguém inventa lá: “Vamos enganar nossos otários assim? Logo uma multidão de falsários, vigaristas, ascendentes sociais e militantes marretas se oferecem para o pedido de gincana da vez. É um erro acreditar que gente com tanta deficiência intelectual saiba o que está fazendo.
O que existe e que une essa galera torta feito cola de sapateiro é um fascínio desmesurado pelo poder. Onde se esconde Dilmita bacana? A dona colhida pela maior crise republicana brasileira vai para o meio do mato entregar casinhas. Bem se vê o que resta de toda sua ideologia marreta e sua baioneta retórica. Uma espécie de osmose com o Sílvio Santos. Um “quem quer dinheiro” picareta, elegendo a compra de apoios e armistícios como a muleta da vez para a sua oceânica antipatia crônica. O sonho dourado de Dilma e Lula é a aceitação. Para isso não poupam os cofres públicos, em busca de apoio para aplacar a gigantesca síndrome de preteridos. Este é exatamente o ponto, meus caros.
Evidente que tal crise de identidade acaba por reverberar em muito brasileiro. Todos aqui querem subir pelo atalho. Ganhar tempo em meio ao terreno baldio e à pirambeira moral aqui erigida. Se o governo oferece esse atalho via alinhamento, dinheiro fácil, compadrio e um “corruptos anônimos”; um tipo de apoio psicológico onde você encontra outros na mesma condição para sublimar as culpas, a coisa se torna um grande clube de batedores de carteira, não é mesmo? É o que eu vejo vicejar no país; uma mentalidade e um culto ao tacanhismo. Tal como as pirâmides, evidente que a corrente um dia se quebra. Evidente que os últimos elos da corrente não receberão o que lhes foi prometido.
O que falta saber aqui, e isso todo brasileiro de bem anda esperando, é se a polícia, que já foi acionada para desbaratar a quadrilha, vai chegar a tempo de prender seus principais executores. Ou eles continuarão com essa desfaçatez, humilhando os decentes, ameaçando a sociedade pagante com mais impostos, stédiles amestrados e mais roubalheiras?
Dilmita bacana, lá da Martinica, não consegue se divertir com um cacho de banana nanica. Precisa seviciar uma nação inteira. É claro que a síndrome de rejeição dela e do pai, Lula da Silva, assumirá contornos de patologia extrema ao saberem que o que fizeram ao país gera cadeia. Acho, no entanto, que a civilidade, as relações humanas, o apreço pelo pátria e os valores nacionais deveriam vir primeiro, na escala natural das coisas. É didático impor ao cidadão a responsabilidade pelos seus atos, mandos e desmandos.
Mais que isso: é fundamental para um país que se quer nação. Se estes dois senhores não tiverem o fim que a sociedade vem exigindo, o país estará condenado. Que os homens da lei pensem bem nisso. Trabalhar numa seara onde o bandido é o dono do pedaço definitivamente não faz do policial um homem correto. Ser presidido por bandidos não faz o país trilhar um bom caminho. Ter estes políticos que aí estão, relativizando as coisas, não leva o país um milímetro sequer adiante. E o preço a pagar por tudo isso sobe a cada dia. Precisa desenhar?
Já disse aqui que conheço uma seita por dentro. Posso afirmar de cátedra que as decisões não se dão milimetricamente calculadas; pelo contrário. Tal como uma reunião de vespas raivosas, a coisa se dá na base do “vibrar na mesma onda” e ganha adeptos imediatos entre aqueles que só pensam com a metade esquerda do cérebro baldio. Alguém inventa lá: “Vamos enganar nossos otários assim? Logo uma multidão de falsários, vigaristas, ascendentes sociais e militantes marretas se oferecem para o pedido de gincana da vez. É um erro acreditar que gente com tanta deficiência intelectual saiba o que está fazendo.
Evidente que tal crise de identidade acaba por reverberar em muito brasileiro. Todos aqui querem subir pelo atalho. Ganhar tempo em meio ao terreno baldio e à pirambeira moral aqui erigida. Se o governo oferece esse atalho via alinhamento, dinheiro fácil, compadrio e um “corruptos anônimos”; um tipo de apoio psicológico onde você encontra outros na mesma condição para sublimar as culpas, a coisa se torna um grande clube de batedores de carteira, não é mesmo? É o que eu vejo vicejar no país; uma mentalidade e um culto ao tacanhismo. Tal como as pirâmides, evidente que a corrente um dia se quebra. Evidente que os últimos elos da corrente não receberão o que lhes foi prometido.
O que falta saber aqui, e isso todo brasileiro de bem anda esperando, é se a polícia, que já foi acionada para desbaratar a quadrilha, vai chegar a tempo de prender seus principais executores. Ou eles continuarão com essa desfaçatez, humilhando os decentes, ameaçando a sociedade pagante com mais impostos, stédiles amestrados e mais roubalheiras?
Dilmita bacana, lá da Martinica, não consegue se divertir com um cacho de banana nanica. Precisa seviciar uma nação inteira. É claro que a síndrome de rejeição dela e do pai, Lula da Silva, assumirá contornos de patologia extrema ao saberem que o que fizeram ao país gera cadeia. Acho, no entanto, que a civilidade, as relações humanas, o apreço pelo pátria e os valores nacionais deveriam vir primeiro, na escala natural das coisas. É didático impor ao cidadão a responsabilidade pelos seus atos, mandos e desmandos.
Mais que isso: é fundamental para um país que se quer nação. Se estes dois senhores não tiverem o fim que a sociedade vem exigindo, o país estará condenado. Que os homens da lei pensem bem nisso. Trabalhar numa seara onde o bandido é o dono do pedaço definitivamente não faz do policial um homem correto. Ser presidido por bandidos não faz o país trilhar um bom caminho. Ter estes políticos que aí estão, relativizando as coisas, não leva o país um milímetro sequer adiante. E o preço a pagar por tudo isso sobe a cada dia. Precisa desenhar?
O pacto deles - e o nosso
Primeiro, foi Michel Temer, com seu “alguém precisa unificar este país”. Depois, o empresário Abilio Diniz sugeriu preencher o sujeito oculto com três nomes, os de FH, Lula e o próprio Temer, que seriam “trancados numa sala para encontrar a solução”. Na sequência, o sociólogo André Singer, porta-voz de Lula no primeiro mandato, propôs uma correção no esquema de Diniz, opinando que o chamado à reunião salvadora deve partir de Dilma Rousseff — e que a presidente precisa estar na sala lacrada. Finalmente, segundo informa a jornalista Dora Kramer, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, um conselheiro do círculo direto de Dilma, peregrinou até o Instituto Fernando Henrique Cardoso para solicitar, sem sucesso, uma audiência não agendada com o ex-presidente. Paira no ar a palavra “pacto”.
A Alemanha tem algo a ensinar, quando se trata de pacto. Perante o Bundestag (Parlamento), em março de 2003, o chanceler social-democrata Gerhard Schröder expôs sua Agenda 2010, um plano de reformas nas relações de trabalho e no sistema previdenciário. O país concluíra o penoso processo de incorporação da antiga Alemanha Oriental, liderava a União Europeia no lançamento do euro e enfrentava as novas condições de concorrência global geradas pela ascensão chinesa. As reformas destinavam-se a alavancar a produtividade, que estagnara, de modo a reativar a capacidade exportadora da indústria alemã.
Schröder obteve apoio da Democracia-Cristã, o principal partido oposicionista, do empresariado e de líderes cívicos e religiosos. Enfrentou batalhas com os sindicatos mas, em 2004, conseguiu o suporte decisivo dos dirigentes da maior central sindical. O pacto alemão implicou cortes significativos nos salários reais e no welfare state. Em compensação, propiciou a retomada do crescimento e, mais adiante, conferiu à Alemanha a musculatura indispensável para resistir à crise geral da zona do euro.
Bem antes, a Espanha fizera uma experiência de sucesso no terreno perigoso do pacto nacional. O Pacto de Moncloa, de agosto de 1977, funcionou como ponte pela qual o país transitou do franquismo à democracia e, no fim do arco-íris, ingressou na Comunidade Europeia. Menos de dois anos após a morte do ditador Francisco Franco, a Espanha ingressava no quinto ano de uma recessão marcada por fortes desequilíbrios nas contas externas, inflação crescente e altas taxas de desemprego. Por iniciativa do presidente de governo de centro-direita Adolfo Suárez, uma comissão pluripartidária redigiu os textos dos acordos, que foram aprovados no Parlamento.
Nos acordos econômicos, definiu-se uma política de austeridade fiscal e de contenção salarial. Nos políticos, garantiu-se o direito de associação, a reforma do Código Penal e a reorganização da polícia. O Palácio da Moncloa, sede do governo, serviu de palco para a conclusão do pacto, assinado pelos líderes de todos os grandes partidos: o social-democrata Felipe González, o eurocomunista Santiago Carrillo, e o ex-franquista Manuel Fraga, do Partido Popular, que apenas não subscreveu o capítulo de reforma politica.
O Brasil carece da condição prévia que permitiu os pactos alemão e espanhol: a crença compartilhada na legitimidade dos partidos políticos. Os dois grandes partidos alemães aprenderam a lição da parceria no jogo democrático durante a Guerra Fria, quando conviveram na trincheira de resistência à URSS e à Alemanha Oriental. Na Espanha, apesar da memória indelével da Guerra Civil, os principais partidos tinham um objetivo comum, que era a democratização e o acesso à Comunidade Europeia. Por aqui, em contraste, o PT não enxerga os outros grandes partidos como rivais políticos e competidores eleitorais, mas como “inimigos do povo”.
A linguagem lulopetista liga-se à tradição da esquerda nacionalista latino-americana, que usa o conceito de imperialismo para exibir os demais partidos como representações internas de um “inimigo externo”. Do ponto de vista do PT, o PSDB está devotado a vender o “patrimônio nacional” às empresas estrangeiras. Os clássicos discursos petistas sobre a Petrobras e, meses atrás, as acusações eleitorais de Dilma contra Aécio Neves e Marina Silva evidenciam a impossibilidade de um pacto legítimo.
Um pacto distingue-se de um conchavo porque se articula em torno de uma nítida, detalhada plataforma política e econômica. No Brasil, o lulopetismo impede a formulação de consensos básicos como os que sustentaram a Agenda 2010 e o Pacto de Moncloa. Nosso pacto nacional teria que associar a consolidação fiscal a reformas estruturais destinadas a incrementar a produtividade. O pensamento econômico do PT, porém, continua hipnotizado pela combinação fracassada de estatismo e expansão fiscal do primeiro mandato de Dilma — e qualifica qualquer alternativa como uma maléfica conspiração “neoliberal”. Além disso, um pacto só teria sentido se atendesse à exigência cidadã de libertar a administração pública da colonização político-partidária, algo impensável tanto para o PT quanto para um relevante setor do PMDB.
As vozes petistas que, de repente, descobriram as virtudes do “pacto” buscam apenas uma saída tática para o desastre histórico do lulopetismo. O Brasil precisa, realmente, de um pacto nacional, cujos contornos esboçam-se em meio à crise atual. Mas, infelizmente, ao contrário dos precedentes alemão e espanhol, ele não será conduzido pelo governo e excluirá a participação de um dos grandes partidos, que é o PT. Nosso pacto é para o pós-Dilma, seja isso daqui a poucos meses ou apenas em 2018.
Há pouco, FH escreveu sobre a necessidade da formação de “um novo bloco de poder que tenha força suficiente para reconstruir o Estado brasileiro”. Nessa fórmula, encontra-se o reconhecimento de que a chave do futuro não é propriedade do PSDB e nem mesmo de uma coalizão partidária. Pacto, dito de outro modo.
Demétrio Magnoli
Doendo no corpo
Cidade vive a somatização da crise: sintomas físicos em consequência da insegurança econômica, da desorientação do governo e da incerteza geral
Recebi do deputado federal Índio da Costa um e-mail em que ele dá o seu testemunho sobre a violência na cidade. “A política me faz caminhar nas comunidades e tenho visto com os próprios olhos que traficantes e milicianos estão novamente armados como estavam antes das UPPs.
O conjunto de violência, crime e desilusão crescente com o projeto de ocupação aumenta a percepção de insegurança. Pesquisa feita nos dias 22 e 23 de agosto deste ano com 1.200 pessoas no Rio (capital) mostra que 85,2% dos entrevistados sentem medo ao sair de casa e 73,5% temem andar nas ruas”.
A pesquisa confirma a sensação de que tem aumentado — e não só no Rio — a somatização das crises, ou seja, o número dos que na televisão, nos jornais e na internet se queixam de sintomas físicos em consequência da insegurança econômica, da desorientação do governo e da incerteza geral.
Uns se dizem estressados por causa da violência. Um casal não consegue dormir direito com medo de que o marido perca o emprego. Uma pequena empresária tem permanente dores de cabeça e enjoos desde que constatou uma queda brutal no movimento de sua loja.
A jovem que não consegue emprego se revolta quando lê sobre a corrupção e os escândalos. Uma dona de casa que teve de reduzir gastos com alimentos entrou em depressão.
Como não acredita que o governo do estado sozinho possa resolver tudo — “ainda mais com o déficit de R$ 1 bilhão ao mês causado pela perda dos royalties e a rápida desaceleração da economia” — o deputado pretende mobilizar a classe política e a sociedade em torno de um projeto conjunto.
Nesse sentido, um seminário está marcado para o próximo dia 10, quando ele aproveitará para debater o conceito das janelas quebradas, que Rudolph Giuliani (com quem conversou quando ele esteve aqui recentemente) aplicou como prefeito de NY para combater a desordem urbana.
Mas embora a crise se apresente mais dramática no Rio sob a forma de violência, as manchetes dos últimos dias mostram que ela atinge todo o país sob a dimensão econômica. “Levy não descarta aumentar IR”, “Governo planeja elevar Cide, IOF e IPI” e, se não fosse suficiente, a notícia de que o Brasil foi rebaixado, isto é, perdeu o selo internacional de bom pagador.
Mesmo antes, se em vez de ajustar suas contas, a presidente tinha anunciado que adotaria “alguns remédios amargos, mas necessários”, imagina o que virá. O pior é que são remédios que devem aumentar o sofrimento psicológico e físico do paciente, que é quem paga a conta, e não garantem a cura.
Recebi do deputado federal Índio da Costa um e-mail em que ele dá o seu testemunho sobre a violência na cidade. “A política me faz caminhar nas comunidades e tenho visto com os próprios olhos que traficantes e milicianos estão novamente armados como estavam antes das UPPs.
O conjunto de violência, crime e desilusão crescente com o projeto de ocupação aumenta a percepção de insegurança. Pesquisa feita nos dias 22 e 23 de agosto deste ano com 1.200 pessoas no Rio (capital) mostra que 85,2% dos entrevistados sentem medo ao sair de casa e 73,5% temem andar nas ruas”.
A pesquisa confirma a sensação de que tem aumentado — e não só no Rio — a somatização das crises, ou seja, o número dos que na televisão, nos jornais e na internet se queixam de sintomas físicos em consequência da insegurança econômica, da desorientação do governo e da incerteza geral.
Uns se dizem estressados por causa da violência. Um casal não consegue dormir direito com medo de que o marido perca o emprego. Uma pequena empresária tem permanente dores de cabeça e enjoos desde que constatou uma queda brutal no movimento de sua loja.
A jovem que não consegue emprego se revolta quando lê sobre a corrupção e os escândalos. Uma dona de casa que teve de reduzir gastos com alimentos entrou em depressão.
Como não acredita que o governo do estado sozinho possa resolver tudo — “ainda mais com o déficit de R$ 1 bilhão ao mês causado pela perda dos royalties e a rápida desaceleração da economia” — o deputado pretende mobilizar a classe política e a sociedade em torno de um projeto conjunto.
Nesse sentido, um seminário está marcado para o próximo dia 10, quando ele aproveitará para debater o conceito das janelas quebradas, que Rudolph Giuliani (com quem conversou quando ele esteve aqui recentemente) aplicou como prefeito de NY para combater a desordem urbana.
Mas embora a crise se apresente mais dramática no Rio sob a forma de violência, as manchetes dos últimos dias mostram que ela atinge todo o país sob a dimensão econômica. “Levy não descarta aumentar IR”, “Governo planeja elevar Cide, IOF e IPI” e, se não fosse suficiente, a notícia de que o Brasil foi rebaixado, isto é, perdeu o selo internacional de bom pagador.
Mesmo antes, se em vez de ajustar suas contas, a presidente tinha anunciado que adotaria “alguns remédios amargos, mas necessários”, imagina o que virá. O pior é que são remédios que devem aumentar o sofrimento psicológico e físico do paciente, que é quem paga a conta, e não garantem a cura.
De qual utopia precisa o Brasil?
O título deste post me ocorreu quando li, recentemente, o artigo de um economista no jornal que argumentava que a Constituição de 1988 é ainda a grande utopia brasileira. Constituição cidadã, como se disse à época de sua promulgação. Constituição que prevê a erradicação da pobreza, na qual a educação, a saúde, a alimentação e o trabalho são direitos sociais. Em suas páginas a segurança pública é dever do Estado e a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna. O ensino público deve garantir “padrão de qualidade”. De fato, um Brasil bem melhor do que o que temos.
Quando li que seria essa a nossa utopia, porém, fiquei acabrunhado: então é isso, o básico é o nosso ideal? De repente a palavra utopia pareceu forte demais: pertence ao reino do sonho, do impossível – e se é assim, então por que não pensar em termos mais audaciosos? Mas depois e consultando, em seus termos políticos, o sentido da palavra no dicionário (“qualquer descrição imaginativa de uma sociedade ideal”), ponderei que talvez a Constituição de 1988 seja de fato a nossa utopia. Que qualquer idealização de sociedade passaria, afinal, por aquilo que está escrito na Constituição brasileira no formato de seções, artigos e depois emendas, pois se trata de uma obra aberta, que vai sendo reescrita ao longo do tempo (para que isso ocorra são necessários 2/3 dos votos dos congressistas).
Seja como for, saúde, educação e tudo o mais são uma utopia ou o essencial?
Voltei a raciocinar nesses termos nesta semana quando vi a fotografia de um cartaz colocado no local onde 18 pessoas foram executadas em Osasco e Barueri, em São Paulo. No lugar da chacina, flores e a faixa: “A quebrada só pede paz, e mesmo assim é um sonho”.
A paz é “mesmo assim” um sonho. Distante. Inalcançável. Mas no final é apenas isso: paz. Uma espécie de utopia brasileira que de algum modo remete à Constituição de 1988: a segurança é um dever do Estado. Mas ter segurança não deveria ser algo tão utópico assim! Onde erramos? Onde está o fundo da questão? Como sair coletivamente do buraco ou dos vários atoleiros brasileiros? São tantos!
No que diz respeito aos serviços públicos, tem-se um quadro de insatisfação há muito tempo. Segundo uma pesquisa recente feita pela FGV-DAPP, 86% dos brasileiros estão insatisfeitos com a saúde pública, 82% com a segurança pública, 74% com educação e 67% com os transportes. Foram entrevistadas 3.600 pessoas em cinco regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre).
Os números não espelham nenhuma novidade, mas exatamente por isso, por seu caráter de repetição, é que preocupam. São os sintomas de uma Constituição não cumprida. De um pacto anunciado e não levado inteiramente a cabo. Muitos serviços melhoraram nos últimos 30 anos, é verdade, a própria educação se universalizou – mas e a qualidade? E os novos e incessantes desafios?
Por conta disso não espanta que, segundo o levantamento da FGV, três em cada cinco brasileiros estejam insatisfeitos com o funcionamento da democracia. Banalizar esta situação será um erro. O que refletir sobre ela?
Creio que uma parcela do desalento brasileiro atual é fruto da distância entre o que foi prometido e o alcançado, não por este ou aquele governo, mas no acumulado das décadas (talvez isso ajude a entender a rejeição generalizada aos partidos existentes). Leis podem melhorar ou piorar uma sociedade, e no caso da Constituição de 1988, ajudaram a estabelecer um marco abrangente de direitos.
OK, mas isto não basta. A vida das pessoas precisa melhorar na vida real e de forma continuada. Quem sabe não estaria justamente aí a brecha para a utopia? “Sonho que se sonha junto é realidade”, já disse o poeta. Quais lideranças vão saber captar e constituir este sonho?
Seja como for, saúde, educação e tudo o mais são uma utopia ou o essencial?
Voltei a raciocinar nesses termos nesta semana quando vi a fotografia de um cartaz colocado no local onde 18 pessoas foram executadas em Osasco e Barueri, em São Paulo. No lugar da chacina, flores e a faixa: “A quebrada só pede paz, e mesmo assim é um sonho”.
A paz é “mesmo assim” um sonho. Distante. Inalcançável. Mas no final é apenas isso: paz. Uma espécie de utopia brasileira que de algum modo remete à Constituição de 1988: a segurança é um dever do Estado. Mas ter segurança não deveria ser algo tão utópico assim! Onde erramos? Onde está o fundo da questão? Como sair coletivamente do buraco ou dos vários atoleiros brasileiros? São tantos!
No que diz respeito aos serviços públicos, tem-se um quadro de insatisfação há muito tempo. Segundo uma pesquisa recente feita pela FGV-DAPP, 86% dos brasileiros estão insatisfeitos com a saúde pública, 82% com a segurança pública, 74% com educação e 67% com os transportes. Foram entrevistadas 3.600 pessoas em cinco regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre).
Os números não espelham nenhuma novidade, mas exatamente por isso, por seu caráter de repetição, é que preocupam. São os sintomas de uma Constituição não cumprida. De um pacto anunciado e não levado inteiramente a cabo. Muitos serviços melhoraram nos últimos 30 anos, é verdade, a própria educação se universalizou – mas e a qualidade? E os novos e incessantes desafios?
Por conta disso não espanta que, segundo o levantamento da FGV, três em cada cinco brasileiros estejam insatisfeitos com o funcionamento da democracia. Banalizar esta situação será um erro. O que refletir sobre ela?
Creio que uma parcela do desalento brasileiro atual é fruto da distância entre o que foi prometido e o alcançado, não por este ou aquele governo, mas no acumulado das décadas (talvez isso ajude a entender a rejeição generalizada aos partidos existentes). Leis podem melhorar ou piorar uma sociedade, e no caso da Constituição de 1988, ajudaram a estabelecer um marco abrangente de direitos.
OK, mas isto não basta. A vida das pessoas precisa melhorar na vida real e de forma continuada. Quem sabe não estaria justamente aí a brecha para a utopia? “Sonho que se sonha junto é realidade”, já disse o poeta. Quais lideranças vão saber captar e constituir este sonho?
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