domingo, 13 de setembro de 2015

De qual utopia precisa o Brasil?

O título deste post me ocorreu quando li, recentemente, o artigo de um economista no jornal que argumentava que a Constituição de 1988 é ainda a grande utopia brasileira. Constituição cidadã, como se disse à época de sua promulgação. Constituição que prevê a erradicação da pobreza, na qual a educação, a saúde, a alimentação e o trabalho são direitos sociais. Em suas páginas a segurança pública é dever do Estado e a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna. O ensino público deve garantir “padrão de qualidade”. De fato, um Brasil bem melhor do que o que temos.


Quando li que seria essa a nossa utopia, porém, fiquei acabrunhado: então é isso, o básico é o nosso ideal? De repente a palavra utopia pareceu forte demais: pertence ao reino do sonho, do impossível – e se é assim, então por que não pensar em termos mais audaciosos? Mas depois e consultando, em seus termos políticos, o sentido da palavra no dicionário (“qualquer descrição imaginativa de uma sociedade ideal”), ponderei que talvez a Constituição de 1988 seja de fato a nossa utopia. Que qualquer idealização de sociedade passaria, afinal, por aquilo que está escrito na Constituição brasileira no formato de seções, artigos e depois emendas, pois se trata de uma obra aberta, que vai sendo reescrita ao longo do tempo (para que isso ocorra são necessários 2/3 dos votos dos congressistas).

Seja como for, saúde, educação e tudo o mais são uma utopia ou o essencial?

Voltei a raciocinar nesses termos nesta semana quando vi a fotografia de um cartaz colocado no local onde 18 pessoas foram executadas em Osasco e Barueri, em São Paulo. No lugar da chacina, flores e a faixa: “A quebrada só pede paz, e mesmo assim é um sonho”.

A paz é “mesmo assim” um sonho. Distante. Inalcançável. Mas no final é apenas isso: paz. Uma espécie de utopia brasileira que de algum modo remete à Constituição de 1988: a segurança é um dever do Estado. Mas ter segurança não deveria ser algo tão utópico assim! Onde erramos? Onde está o fundo da questão? Como sair coletivamente do buraco ou dos vários atoleiros brasileiros? São tantos!

No que diz respeito aos serviços públicos, tem-se um quadro de insatisfação há muito tempo. Segundo uma pesquisa recente feita pela FGV-DAPP, 86% dos brasileiros estão insatisfeitos com a saúde pública, 82% com a segurança pública, 74% com educação e 67% com os transportes. Foram entrevistadas 3.600 pessoas em cinco regiões metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre).

Os números não espelham nenhuma novidade, mas exatamente por isso, por seu caráter de repetição, é que preocupam. São os sintomas de uma Constituição não cumprida. De um pacto anunciado e não levado inteiramente a cabo. Muitos serviços melhoraram nos últimos 30 anos, é verdade, a própria educação se universalizou – mas e a qualidade? E os novos e incessantes desafios?

Por conta disso não espanta que, segundo o levantamento da FGV, três em cada cinco brasileiros estejam insatisfeitos com o funcionamento da democracia. Banalizar esta situação será um erro. O que refletir sobre ela?

Creio que uma parcela do desalento brasileiro atual é fruto da distância entre o que foi prometido e o alcançado, não por este ou aquele governo, mas no acumulado das décadas (talvez isso ajude a entender a rejeição generalizada aos partidos existentes). Leis podem melhorar ou piorar uma sociedade, e no caso da Constituição de 1988, ajudaram a estabelecer um marco abrangente de direitos.

OK, mas isto não basta. A vida das pessoas precisa melhorar na vida real e de forma continuada. Quem sabe não estaria justamente aí a brecha para a utopia? “Sonho que se sonha junto é realidade”, já disse o poeta. Quais lideranças vão saber captar e constituir este sonho?

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