quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Política é ofício do diabo

Não acredito em coincidências, creio em destinos. Ainda na semana passada, escrevi neste espaço sobre os “ares de agosto”, mês que, pela tradição do interior, é tempo de cachorro doido, ventanias e malquerenças. Não falei em renúncia, crise política e outras intemperanças.

Num país como o nosso, em que a democracia aparece sempre como sucedâneo de ditaduras, assim como o verão sucede à primavera, não é de estranhar que, chegado o mês fatídico, chegue junto o sobressalto político que ameaça o nosso regime, a forma e o sistema de governo.

O episódio dantesco do suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia do presidente Jânio Quadros, com todas as suas implicações, o desastre que matou Juscelino Kubitschek, a morte de Miguel Arraes, ícone das esquerdas no país e principalmente no Nordeste, e, recentemente, o desastre que matou seu neto, o governador Eduardo Campos, no mesmo fatídico 13 de agosto (só faltou ser numa sexta-feira de ano bissexto), tudo isso reforça a crendice popular de que agosto é mês de mortes e assombrações. Agosto é mês comprido, e, com o desenrolar da operação Lava Jato e um governo que praticamente acabou antes do tempo, por ação e eiva de ladrões da “coisa pública”, não é de estranhar o sobressalto que estamos vivendo com as notícias e os boatos de uma possível e desejada renúncia de Dona Dilma, que está entendendo que essa confusão por que passa o país é fruto da operação Lava Jato...

Eu não penso assim, até porque “cachorro não corre atrás do rabo”... Dia desses, acordei pensando que escutava aquela música antiga de Nelson Gonçalves, na voz de Dona Dilma, que, chorosa, cantava em uma janela do Palácio: “A minha renúncia/ enche-me a alma e o coração de tédio/A tua renúncia/ dá-me um desgosto que não tem remédio/ Amar é viver/ é um doce prazer, embriagador e vulgar/ difícil no amor é saber renunciar...” Mas isso é coisa de gente sensível e, às vezes, patriota. Guerrilheiros e terroristas são mais é de quebrar o pau, né, Dona Dilma?

A renúncia nem sempre é um ato de covardia. Pelo contrário, pode ser ato de bravura e até de colaboração. Não, eu não estou sugerindo nada a ninguém, até porque não sei qual a vantagem de termos o atual vice-presidente, Michel Temer, como presidente. Macaco velho na política, tem aquela conversa mole de pessedista e não é suficientemente simpático para assumir tal responsabilidade. Talvez tivesse mais sucesso lá no Egito, pela parecença com o finado Anwar Al Sadat...

Em suma, já que estamos falando em renúncia, tenho medo do retardamento do último ato do juiz Sérgio Moro, que a nação espera ansiosa: o indiciamento do lobista-mor, que, com nove dedos, armou todo o esquema do petrolão, indicando empresas brasileiras para obras no exterior com financiamento do BNDES a fundo perdido. Com as CPIs do BNDES e os fundos de pensão ficaremos sabendo todo o enredo desse filme de terror. O ex-Luiz sabe que a fila anda...

Por isso, condenada

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O sentido das coisas

Sempre procurei, tantas vezes em vão, encontrar o significado de tudo. Por exemplo, por que há pessoas boas e más, por que as pessoas boas fazem coisas más e vice-versa, por que entre pessoas que se querem bem pode haver frieza ou até maldade, por que… lista infindável, ainda mais para quem tem um pouco de imaginação. A cada momento reinventamos o mundo, reinventamos a nós mesmos, reinventamos nossos afetos para que seja tudo menos doloroso.

Escrevendo sobre a situação do Brasil um pequeno livro que deve aparecer em breve, observo ainda mais intensamente o que acontece, tanta coisa inacreditável, mas real. Assim reflito quase constantemente sobre todas as loucuras, baixezas, perigos, sustos, desalentos atuais, aqui e ali uma luzinha minúscula que logo bruxuleia. Vai se apagar para sempre? Nada é para sempre. As coisas más, as fases ruins, também hão de passar. Mas, no momento, não sou otimista. Falsidade, mentiras, arzinho superior e palavras fantasiosas sobre questões fundamentais, apontar o dedo para o adversário, tudo é pior do que a dura verdade. Assustam-me discursos com que neste momento dramático alguns negam ou diminuem a gravidade da situação, revelando-se o desvio de inacreditáveis fortunas que deveriam atender o povo mais carente, a maior vítima desse desastre, um povo despossuído, sem as coisas essenciais que lhe têm sido negadas - não por uma fatalidade, mas por ganância de quem já tinha uma boa fortuna, mas queria mais, e mais.

Hoje, os acusados reagem com ironias, ameaças, invenções: mas fizeram de nós um dos piores países do mundo em quase tudo, sobretudo educação e segurança. Ninguém assume sua responsabilidade, antes critica adversários ou países mais adiantados, como se fôssemos todos uns pobres crédulos. Começamos a perceber o que se passa no nevoento território da política que fragilizou a economia, e é cenário de tão grave incompetência e irresponsabilidade. Na grande negociata nunca vista, quase todos tinham seu preço: não foi barato. Pouco sobrou para o brasileiro que ignorava esses fatos que atingiram seu bolso, sua esperança e suas possibilidades de uma vida decente.

A política influenciou e dominou nossa existência nos últimos anos, com gestão incompetente, péssimo planejamento, desorganização nas contas públicas, maquiagem do desastre que foi escondido de um povo mal informado porque mal escolarizado (não é por acaso que negligenciamos tanto a educação). A pátria-mãe desvia o rosto; nós, os filhos, largados na floresta como num conto de fadas sinistro. Os próprios investigadores das gigantescas fraudes, impressionados, admitem estar diante de tramas de dimensão e sofisticação nunca vistas.

A paisagem brasileira está de pernas para o ar: nada faz muito sentido, tamanho o escândalo. Para começar, os salários com que tentamos manter uma vida honrada são patéticos diante das cifras roubadas, apresentadas pelos competentes e corajosos investigadores. Irresponsabilidade e incompetência comandaram as façanhas que esfacelaram o país, agora rebatizadas de “malfeitos”. Espantoso: os desvios não eram efetuados por bandidos oficiais, mas por grandes empresários que admitem, talvez forçados pelo medo, que, se não tivessem entrado no esquema de corrupção e pagado as irreais propinas, suas companhias teriam ficado “de fora” da roda dos mafiosos, prejudicando seus acionistas e trabalhadores. Quase todos afirmam com veemência que de nada sabiam: viviam em outro planeta. Não saber de nada passou a ser um triste refrão.

Os investigados, denunciados e presos continuam protestando contra tamanha maldade: todos vítimas do lobo mau da Justiça. Seus defensores encenam uma ópera-bufa de delirantes explicações: roubalheira mascarada de comportamento legal, nos parâmetros da decência. Se essas ficções patéticas fizessem sentido, nunca teria havido tantos inocentes no mundo: as elites e os estrangeiros seriam os culpados. Essa farsa acabou: não há desculpa perante uma nação ferida. 

Não é fácil se posicionar em meio a subterfúgios e mentiras

A crise por que passam os brasileiros, que tem várias faces, vem se agravando cada vez mais. Assiste-se, dia após dia, ao desmoronamento da nossa economia. Para uns, a crise é econômica; para outros, é política. Na realidade, ambas são causas, mas também efeitos. E a deterioração desse circo mambembe (e sem palhaço) vem se acentuando desde o primeiro mandato da presidente Dilma, mas atingiu o clímax na sua reeleição. Com o apoio do submisso ex-ministro Guido Mantega (et caterva), desprovida das qualidades necessárias à liderança política e, ainda, com o desafio de provar – principalmente ao PT – que é mesmo a eficiente “gerentona” do ex-presidente Lula, Dilma se transformou na única condutora da nossa economia. Um horror!

Para mim, porém, leitor, o que há de mais perigoso é a crise política, que é (vale repetir uma vez mais) “a arte de bem governar os povos”. É ela que solapa a credibilidade de um país, interna e externamente. Mas, como qualquer crise, sempre se encontrou uma saída para ela, proposta, sobretudo, e independentemente dos partidos, por lideranças espertas ou conscientes do seu papel. O que ocorre é que, ao lado de outras crises, há, ainda, a pior e mais grave delas – a crise de lideranças. É devastadora, hoje, a ausência de representantes confiáveis, tanto no governo quanto na oposição. O que se vê são políticos de varejo, que apenas defendem os seus interesses, próximos ou longínquos, sem nenhuma preocupação com o país. Não é nada fácil, portanto, se posicionar politicamente em meio a subterfúgios e mentiras.

Veja bem, como diria um velho e educado amigo toda vez que pedia permissão para dar o seu palpite, não sem antes frisar os dois pontos: o país está nesse impasse, senhores, simplesmente porque o governo está sem rumo, e, em compensação, a oposição não consegue sequer escolher um rumo. A presidente delegou as suas atribuições a vários intermediários: Joaquim Levy, um bom sujeito (mas sem nenhuma preocupação com o seu emprego em grande banco no futuro), deveria conduzir a economia, e Michel Temer, a articulação política. Só que o primeiro não tem o apoio do PT, e o segundo já sucumbiu, não sem antes afirmar que o país precisa de alguém que o reúna e o defenda.

Na oposição, sobretudo no PSDB, em qual das correntes você acredita, leitor? Na do senador Aécio Neves, que quer a impugnação da chapa Dilma e Temer para ser candidato a presidente três meses depois da convocação das eleições? Ou você acredita na do governador Geraldo Alckmin, que deseja levar a presidente sangrando até 2018, quando, então, ele seria o candidato? Ou, enfim, você crê na do senador José Serra, que confia, piamente, que, no caso de impeachment via TCU, e com a consequente posse do vice-presidente, e com o apoio do PMDB, ele seria o futuro todo-poderoso da nossa economia? Mas essa última opção não provocaria um desastre, que seria a posse de Michel Temer, que, por ser passageiro do mesmo barco, fretado pela dona Dilma e que os acompanhou nas eleições, agravaria mais ainda a crise?

Os partidos de oposição poderiam entregar ao ex-presidente Fernando Henrique a missão sugerida por Michel Temer – a de reunir o país em favor de um rumo. Aos 84 anos, FHC tem plenas condições – mentais, morais, intelectuais e políticas, internas e externas – para encaminhar uma solução para o imbróglio. Só faltam duas condições para isso: ele querer e, depois, o PSDB o aceitar a missão…

Ou o que todos desejam é que a vaca vá para o brejo?

O pós-petismo

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A crise que vivemos é assombrosa, inédita em sua natureza e escopo e imprevisível em suas consequências. Precisa ser decifrada, pois são inúmeras as perguntas que nos inquietam. Entre elas, por exemplo, o que acontecerá com o governo do PT ou com o campo petista em geral. É pergunta urgente, pois a resposta indicará os caminhos futuros da política e dos processos decisórios públicos, mas, crucialmente, também as possibilidades da economia. Interpretar com exatidão o que vem adiante interessa não apenas aos mais ativos operadores do poder. Interessa aos brasileiros, pois ou iluminará a persistência da agonia decorrente do inacreditável despreparo da ação governamental ou, pelo contrário, apontará se observaremos iniciativas que abreviem o que atualmente é quase um martírio coletivo. A presidente será capaz de um ato de grandeza, como a renúncia, ou será escorraçada pelo calor das ruas ou, ainda, pelo Congresso Nacional?

Esta quadra histórica vai desenhando diversos contornos que emergem ameaçadores, sem paralelo com o passado. Um deles, de profunda consequência no estado de humor da sociedade, diz respeito à visceral perda de esperança pelos cidadãos, descrentes de tudo e de todos. Não existem mais elites políticas confiáveis à vista e, assim, como divisar o futuro próximo com serenidade? Encarcerando bilionários, caciques políticos e um almirante, o Ministério Público parecerá ser a tábua de salvação neste mar revolto, mas não está entre suas funções a administração do Estado. Por isso, o esvaziamento da esperança é a antessala do desespero social. Se a crise for arrastada para níveis ainda mais graves de desemprego e recrudescimento da inflação, como nos alertam os economistas, a perspectiva de convulsão social não pode ser descartada.

Outra faceta inesperada deste momento é a estratégia que o PMDB vai cerzindo na política brasileira, quando surge uma chance única nascida a partir do seu redivivo protagonismo. Exceto durante o deplorável governo Sarney, é um partido que se aquietara na posição de linha auxiliar, mas sente que a hora de dar o bote pode estar se aproximando.

Se a presidente for afastada no tempo preciso, o condestável vice-presidente reinará na parte restante, preparando o palco para o candidato do partido que emergirá, então, como o novo salvador da Pátria nas eleições seguintes. Provavelmente, será o atual prefeito do Rio de Janeiro, sobretudo se colher o saldo positivo e os holofotes da Olimpíada.

Já os petistas, por extensão incluindo boa parte da esquerda, intuem com alarmismo o tempestuoso cenário que se está armando. O legado de quatro mandatos, talvez o último deles interrompido ao meio, será funesto para o futuro do partido. Como é típico entre a esquerda, novas rupturas serão muitas e imediatas, levando o partido à marginalização.

Cada vez mais, seus defensores serão somente os filiados que detêm cargos, forçados a curvar-se até mesmo ao indefensável. Ao contrário de sua recente propaganda, o PT no poder, de fato, encheu as panelas dos brasileiros, mas foi de espanto e desesperança. Atônita ante a obscena apropriação dos fundos públicos, destinada, primeiro, a um projeto de hegemonia partidária e, depois, ao enriquecimento pessoal, a sociedade começa a se mexer. Já a desesperança prospera porque nunca em nossa história um partido foi depositário de tamanha generosidade oferecida pelos cidadãos, crédulos das promessas, sobretudo, de moralização das condutas daqueles que conduzem o Estado.


O campo petista no poder, para a surpresa de todos, empreendeu uma estratégia que quase produziu a falência da esquerda, o que já vem acarretando efeitos nocivos na qualidade da política em nosso país. Certa ou errada em sua visão de futuro, as tradições programáticas da esquerda sempre perseguiram o enfrentamento crítico dos donos do poder, contestando a volúpia do capital, os ímpetos conservadores de nossa história e o autoritarismo inerente às práticas sociais de um país que foi o último a abolir a escravidão, para não citar o combate às formas de violência e de discriminação. Nada disso sobrou, abrindo as portas, como sabemos, para a escória da política.

Não analisando aqui os erros cometidos na gestão macroeconômica, também a administração petista do Estado tem sido calamitosa, atiçando irrefletidamente uma linguagem de direitos que jamais foi tornada razoável pelo seu complemento lógico, que seria uma narrativa concomitante de deveres, transparência e responsabilização. Já no quarto mandato, o Estado praticamente parou, com um corpo de servidores em boa parte descomprometido com o bem comum, por sobre uma máquina absurdamente inchada e dirigida por gestores, quase sempre, guindados a tais posições em razão de suas lealdades partidárias. É, hoje, um Estado fortemente disfuncional e revirá-lo pelo avesso para novamente servir à população será tarefa quase impossível em prazo médio, pois os interesses partidários e sindicais incrustados em quase todas as suas partes reagirão com ferocidade ante as tentativas de racionalização que se fazem necessárias.

O futuro próximo, para o Partido dos Trabalhadores e os setores sociais a ele alinhados, incluindo a esquerda, poderá ser traumático. Seu líder principal vê minguar, a cada dia, a sua capacidade de aglutinar quadros e apoio popular. Os dirigentes do partido, por sua vez, presos à soberba, fingem não enxergar a gigantesca ira social endereçada ao campo petista que foi sendo formada em todas as paragens brasileiras, em face do descalabro da administração federal e dos infinitos desmandos petistas. Nesse contexto, a renúncia da presidente talvez seja o menor dos gestos esperados, pois a gestão do período seguinte, ante tal legado, será tarefa extremamente desafiadora.

Quanto maior o governo, menor o cidadão

Saídas manjadas, receitas vencidas

Sem margem de manobra e rejeitada pela ampla maioria dos brasileiros, a presidente Dilma Rousseff apela para fórmulas que já deram o que tinham de dar. Em uma ponta tenta salvar seu governo reaproximando-se dos chamados movimentos populares, uma espécie de reedição do caminho trilhado pelo governo Lula na época do escândalo do mensalão. Na outra, procura superar a balcanização de sua base parlamentar com o aprofundamento do presidencialismo de coalizão. É mais do mesmo.


O “diálogo” presidencial volta-se para esses dois atores da cena política e tem como objetivo se contrapor ao clamor das ruas. Com essas, não tem entendimento, não tem pedidos de desculpa. Qualquer manifestação contra o seu governo será acusada de crime de lesa-pátria, coisa da turma do quanto pior, melhor. Ou esse não foi o sentido das palavras da própria presidente no Maranhão?

À Dilma importa ganhar tempo, empurrar a crise com a barriga para conseguir levar o seu governo até o fim, mesmo que aos trancos e barrancos. Nesse sentido, assinará em baixo e concordará com todos os itens da Agenda Renan, mesmo tendo plena consciência de que seu partido e os ditos movimentos populares serão os primeiros a estrebuchar. Sabe ela que os itens dessa agenda são rubrica de longo prazo e dificilmente se materializarão na sua gestão.

A questão é saber se remédios tão antigos terão eficácia diante da maior crise da história do Brasil dos últimos tempos.

Há uma diferença da água para o vinho entre os primórdios do governo Lula e os dias de hoje. À época, planava-se em céu de brigadeiro, vivia-se o boom das commodities. Com gorduras para queimar, Lula pode fazer mimo aos movimentos sociais, em troca de seu bom-mocismo, de apoio incondicional. E com os endinheirados, parte deles encrencada na operação Lava-Jato.

Atualmente, as condições da economia impedem Dilma de acenar com qualquer bondade para esses movimentos, sem contar que o amancebamento levou ao esvaziamento de suas entidades, à perda de representatividade. No presente momento eles não têm poder de mobilizar amplas massas. O exército de Pedro Stédile é mera figura de retórica e a UNE tem peso pena na sociedade.

Junto aos bem-aventurados a presidente teve de suspender as benesses do BNDES e propor ao Congresso o fim das desonerações, que ela tanto prezava.

A estratégia de Dilma está minada por suas próprias contradições internas. Como manter no mesmo barco Joaquim Levy e os movimentos sociais que pedem sua cabeça? Ela pode seguir o conselho de Lula e dar um cavalo de pau na economia?

Evidentemente que não. Se abrir um pouquinho o cofre da União para aplacar os ânimos da base aliada, do PT e da CUT, a leitura do mercado, das agências de avaliação, dos especialistas e dos formadores de opinião será uma só: a presidente mandou às favas o ajuste fiscal.

O impacto negativo seria tremendo. A bola de neve se transformaria em avalanche, a Agenda Renan não teria serventia nem mesmo marqueteira.

Tampouco é fácil harmonizar interesses contraditórios no interior da base parlamentar do governo. Os partidos aliados querem ministérios de porteira fechada, com direito a nomear todos os cargos de segundo escalão. Ao mesmo tempo, não há hipótese de o PT largar o osso.

A margem de manobra de Dilma é estreitíssima, ou quase nula. E pelo menos dois fatores fogem de seu controle: a Lava-Jato - com novas delações em curso e Lula sendo puxado para o olho do furacão - e o próximo domingo.

Não há menor sinal de reconciliação entre a presidente e os brasileiros. Ao contrário, o sentimento de indignação aflorou mais ainda com as provocações grosseiras do PT, em seu programa de TV.

A probabilidade, portanto, é que no dia 16 de agosto multidões lotem as ruas das principais cidades do país, exercendo seu direito democrático de, pacificamente, protestar contra os descalabros do governo, contra a inflação, o desemprego e a corrupção.

Nas crises, conhece-se o grau de robustez das instituições e a determinação de um povo. Felizmente, o Brasil vai bem nesse teste. As instituições de Estado estão respondendo às exigências do momento e os brasileiros estão dando provas do seu amadurecimento. Já não se intimidam com o discurso do medo.

Hubert Alquéres

Linhas de desmontagem

Nada do que Renan Calheiros levou a Dilma, como proposta contra a crise, tem a ver com a crise ou pode nela influir para dissolvê-la, em seu aspecto econômico ou no político. Não é mais do que um amontoado de manjadas propostas sem nexo entre si, e quase tudo sujeito a fácil identificação com intenções subalternas, em benefício de diferentes áreas de poder econômico –logo, também financeiro. Se fossem propostas isentas de interesses escusos, não seria Renan Calheiros a levá-las à Presidência.

As fanfarras e a louvação com que a própria Dilma recebeu Renan, e as tais propostas, explicam-se por utilidades que independem do teor do presente. Aos dois lados convinha a reaproximação.

Renan não é político que viva de costas para o poder. Dilma precisava da contribuição de Renan para encarar no Senado as bombas de Eduardo Cunha aprovadas na Câmara. De quebra, ter Renan em seu círculo é distanciá-lo de Eduardo Cunha e atrapalhar a recente fraternidade a ele dedicada por José Serra, Aécio Neves e outros do opositor PSDB. Afora isso, em um dizer antigo, é questão de estômago.

Mas talvez seja o caso de lamentar que as sugestões de Renan Calheiros não ofereceçam alguma utilidade contra a crise. O otimismo expresso por Dilma, com a ideia de que "vivemos uma transição e em breve vamos retomar o crescimento", não encontra nem o mínimo apoio em parte alguma da realidade. Muito ao contrário, são dados objetivos, e não meras especulações do quanto pior mais impeachment, que sugerem estarmos no último estágio econômico e social em que ainda é possível deter a degringolada geral. E reverter os danos mais perigosos ou absurdos.

O país está parando. Os eventos e providências que Dilma anuncia, nas andanças para a pretendida e improvável reanimação do país, não tocam nos problemas da crise. Olham para um futuro impreciso e não condizem com o presente do governo. Mas são já os avanços do número de empregados, da remuneração do trabalho, de várias faces da ascensão econômica que regridem, que se perdem sob as vistas indiferentes dos mestres de ajustes que desajustam. A jornalista Flávia Oliveira, de múltiplas competências, formulou uma síntese precisa: "Crise é tempo de promover ajustes, não o desmonte".

Se o governo persiste no rumo do tal "ajuste fiscal", como se alheio ao que se passa com e no país, pode-se desde logo desacreditar que Dilma e Joaquim Levy consigam o tal ajuste fiscal que pensam buscar –quanto mais a retomada do crescimento, difícil e longa até em caso de êxito da atual suposição de política econômica e de governo.

Um plano para os planos

O pacote lançado pelo senador Renan Calheiros não deve tirar a economia do atoleiro, mas tem tudo para aumentar os lucros de alguns empresários. Um dos setores mais animados é o dos planos de saúde, cujo lobby se espalha como vírus nos gabinetes de Brasília.

A proposta prevê a “proibição de liminares judiciais que determinam o tratamento com procedimentos experimentais onerosos ou não homologados pelo SUS”. A ideia ganhou um apelido sugestivo no Congresso: “Emenda Qualicorp” (veja nota abaixo). Se virar lei, o paciente que paga a mensalidade na saúde e é abandonado na doença ficará impedido de recorrer à Justiça para garantir os seus direitos.

Os planos viram alvo de ações quando se recusam a cobrir cirurgias e tratamentos de alta complexidade. Por desrespeitar contratos, encabeçam os rankings de reclamação do consumidor. Se os pacientes dependessem só dos políticos, seria melhor rasgar a carteirinha e engrossar as filas dos hospitais públicos.

Um levantamento dos professores Mário Scheffer, da USP, e Lígia Bahia, da UFRJ, ajuda a explicar essa cumplicidade. Em 2014, os planos doaram R$ 54,9 milhões a 131 candidatos. Ajudaram a eleger a presidente da República, três governadores, três senadores e 29 deputados federais.

A Amil, recordista em doações, investiu R$ 26,3 milhões. A Qualicorp, que agora batiza um item da “Agenda Brasil” de Renan, deu R$ 4 milhões à campanha de Dilma Rousseff e R$ 2 milhões à de Aécio Neves.

Como ensinou um ex-diretor da Petrobras, não existe doação grátis. Em fevereiro, o deputado Ivan Valente propôs uma CPI para investigar abusos dos planos. O pedido foi engavetado por Eduardo Cunha, que recebeu R$ 250 mil da Bradesco Saúde.

O presidente da Câmara é um dos homens de ouro do setor. Em 2014, incluiu um “jabuti” na medida provisória 627, sobre tributação de empresas no exterior, para perdoar R$ 2 bilhões em multas aos planos. A anistia foi vetada pelo Planalto.

Bernardo Mello Franco

O dono da Qualicorp, José Seripieri Junior, é um dos melhores amigos de Lula. A intimidade é tamanha que Lula que levou toda a família para passar os dois últimos réveillons na mansão do empresário em Angra dos Reis, onde se divertiu com dona Marisa pescando no iate do dono da Qualicorp,