domingo, 1 de setembro de 2019

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Moro, patrimônio em chamas

Com um abraço cenográfico após afagos que culminaram na máxima “Moro é patrimônio nacional”, o presidente Jair Bolsonaro esforçou-se para parecer ter deixado de lado a beligerância que deflagrou há meses contra o seu ministro da Justiça. Isso se deu durante a cerimônia de lançamento do Em Frente Brasil, nome que já serviu a outros fins em outros governos e agora batiza o Programa Nacional de Enfrentamento à Criminalidade Violenta. 

Mas qual o quê. No mesmo dia, o superintendente da Polícia Federal do Rio, Ricardo Saadi, um dos pomos da discórdia, foi exonerado.

Mais uma derrota na fila de dissabores de Moro, que, de recuo em recuo, ainda não conseguiu dizer a que veio. 

Sucumbiu no projeto de flexibilização de posse e porte de armas, não conseguiu fazer andar sua proposta de combate à criminalidade no Congresso Nacional. Nem mesmo emplacar auxiliares de terceiro escalão, como bem diz o simbólico exemplo de Ilona Szabó, que ele queria e não foi autorizado a colocar na suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. 


E ainda tem de ouvir pitos públicos do chefe, como as suspensões das credenciais hierárquicas do ministro sobre a PF e da carta branca conferida no início do governo que agora Bolsonaro nega.

Quando trocou a toga pelo cargo de ministro, Moro tinha obrigação de saber que perderia brilho. Deixaria de ser o todo-poderoso juiz da operação Lava-Jato para se tornar subserviente ao presidente, persona que ele não podia alegar desconhecer. Perdeu poder, autoridade e autonomia, algo que só uma indesculpável ingenuidade ou um carreirismo deslavado seriam capazes de explicar. Ou os dois.

Como Moro apanha sem reagir, pululam como pulgas teorias extravagantes de que ele estaria se guardando para quando a eleição presidencial chegar. De que continuaria cultivando sua popularidade e de forma alguma pediria demissão, reservando ao presidente o ônus de um eventual afastamento. 

Difícil crer em uma estratégia tão tortuosa, que pressupõe cuspir sobre o prato em que comeu. Ou seja, se tornar opositor de Bolsonaro na última hora e concorrer contra ele em 2022. Ato visto como traição, na maioria das vezes imperdoável, pelo eleitor.

Por mais que a aprovação popular resista já há lacunas no super-herói, abalado pelos vazamentos de mensagens com procuradores e, mais grave ainda, por não conseguir fazer andar investigações que envolvem a família do presidente. Talvez porque Bolsonaro passe por cima dele e dê ordens diretas aos órgãos responsáveis pelas apurações, o que o levaria para desconfortável campo da cumplicidade nada republicana.

Isso se traduz em fragilidade, imagem oposta à de robustez e força que Moro passava ao público quando suas sentenças condenavam corruptos à prisão.

A ingenuidade, que aqui beira a tolice, pode até embalar sonhos de vir a disputar votos, mas o servilismo a um patrão que faz dele gato e sapato leva à outra ponta: o desejo continua sendo a cadeira no Supremo Tribunal Federal. O assento vitalício valeria a submissão.

Mas também aí o ex-juiz de Curitiba deve se precaver. Bolsonaro não é propriamente um homem de palavra. Vive desdizendo os ditos, não raro dizendo que nunca disse o que disse. 

E seu apreço por patrimônios é próximo de zero, como se viu recentemente no trato com a Amazônia, patrimônio universal, ou em relação a Angra, patrimônio natural que ele quer transformar em uma nova Cancún. 

Moro seria mais um patrimônio ardendo em chamas. No caso, por autocombustão. 

Bolsonaro volta a avacalhar o conceito de indulto

No Brasil, até o nobre conceito do indulto está sendo avacalhado. Nas últimas três décadas, todos os presidentes submetidos à Constituição de 1988 exercitaram seus pendores humanitários por meio do indulto de Natal. Mas há um limite depois do qual uma tradição pode se transformar em maldição. Em 2017, o que parecia natural virou imoral. O então presidente Michel Temer estendeu o indulto aos presos por corrupção. Agora, Jair Bolsonaro quer perdoar policiais condenados.

O indulto de Temer levou a suavização do castigo às fronteiras do escárnio, perdoando 80% das penas e 100% das multas. A Procuradoria-Geral da República recorreu na época. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, levou o pé à porta, atenuando o absurdo por meio de uma liminar. Mas Temer acabou prevalecendo no plenário da Suprema Corte. Ficou entendido que o indulto é um ato discricionário do presidente. Ou seja: no limite, Bolsonaro pode fazer agora o que lhe der na telha.

Na campanha presidencial, Bolsonaro disse que o petista Fernando Haddad, se eleito, decretaria um indulto seletivo, só para abrir a cela de Lula, um malfeitor da política. Agora, o capitão ameaça recorrer à mesma seletividade para livrar da tranca os bandidos da polícia —civis e militares. Gente condenada, segundo ele, "por pressão da mídia".

Pela tradição, o indulto só pode beneficiar criminosos "não-violentos". Sob Temer, alegou-se que corrupção não é crime violento. Uma bobagem. Ao roubar verbas públicas, o corrupto mata metaforicamente nas macas dos hospitais sem recursos. Mata o futuro de crianças matriculadas em escolas precárias. Bolsonaro será ainda mais explícito. Promete soltar gente que puxou o gatilho.

Bolsonaro não aprende

Conceito comum entre filósofos e líderes espiritualistas é que nós, seres humanos, evoluímos de duas maneiras, ou pela dor ou pelo amor. Raramente, o processo se dá pela segunda via. A verdade é que somos todos encrenqueiros. Sempre achamos que temos razão em tudo, e é bem fácil criticar, julgar, condenar e atacar. Esse é o nosso perfil médio. Quando melhoramos, episodicamente, é pela via da dor, causada pelas consequências das próprias atitudes. Somos todos “farinha do mesmo saco”, com variações mínimas.

Não obstante, chamam a atenção alguns casos, que se destacam pelo excesso de beligerância, intensidade e constância. O presidente da República parece ser um ponto fora da curva, aparentemente incapaz de aprender por qualquer das duas vias.

Enquanto deputado federal, não filtrava palavras. Usava dessa estratégia para ganhar algum destaque no ambiente que não lhe dava a menor importância. Naquele tempo, as consequências de suas atitudes eram suportadas por ele próprio, exclusivamente. No famigerado atrito com a deputada Maria do Rosário, para mencionar apenas um exemplo, acabou oferecendo à rival, de mão beijada, a munição que a ela interessava. Virou réu em duas ações judiciais, uma cível e outra criminal. De brinde, ainda foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República numa terceira ação. Mais do que isso, angariou contra si a antipatia de milhões de mulheres, as críticas severas da imprensa, mais o rótulo internacional de misógino. Conviveu, durante meses, com a angústia de sofrer condenação criminal antes do pleito e enfrentar teses inimigas de uma suposta inelegibilidade. Parece que nada disso serviu de lição!

Hoje, não é mais um deputado do baixo clero, mas o líder máximo da nação, a oitava economia do planeta. As consequências de seus pronunciamentos impõem a todos os brasileiros uma fatura a pagar. O discurso e a postura do presidente constroem, ou destroem, a imagem do nosso país. A Amazônia desperta diferentes interesses internacionais. Dependemos de habilidade diplomática para manter a cobiça estrangeira à distância e a nossa soberania respeitada. Não será com ofensas, beligerâncias, fanfarronice, bravatas e falta de educação que defenderemos nossos interesses.

Ao atacar os líderes europeus, de forma impulsiva, o presidente compromete a imagem do país e coloca em risco nossos interesses comerciais. Ironias de cunho pessoal não só dificultam as relações, como despertam o rancor entre os chefes de Estado — o que, obviamente, não resultará em nada positivo para o Brasil. Pela evidente incapacidade de aprender, pela dor ou pelo amor, o presidente vem se incumbindo de destruir todas as relações diplomáticas tradicionalmente cultivadas pelo Brasil. Assim como fez com a deputada, insiste em oferecer, gratuita e desnecessariamente, toda a munição que interessa àqueles que têm os olhos voltados para a Amazônia. Muito em breve, o preço será pago por todos nós.

O mínimo que se espera do presidente da República é que tenha discernimento e compreenda o seu atual papel. E, nesse caso particular, que entenda que a Europa não é igual a Maria do Rosário.
Gustavo Bebianno, ex-secretário-geral da Presidência

Pensamento do Dia


Ruídos de Bolxo x Moro, PF nas queimadas e a morte da lavoura do cacau

Há fogo, ainda, sob as cinzas, em meio a nuvens de fumaça que se diluem aos poucos na região da Amazônia Legal. Enquanto isso, nos desvãos da política , seguem os ruídos sobre a relação, do presidente Jair Bolsonaro com o seu ministro da Justiça e da Segurança, Sérgio Moro, no jogo de poder atual. Vale a pena acompanhar, com olhos bem abertos, o trabalho (e resultados) da PF, na investigação sobre a participação do crime organizado no chamado “Dia do Fogo”, em áreas emblemáticas da floresta. Determinação do Palácio do Planalto, prontamente acatada pelo ministro “patrimônio nacional”, no discurso do presidente, quinta-feira (29).


Indícios e pistas, revelados pela revista Globo Rural, apontam ações típicas de organizações bandidas, na propagação do grande incêndio que, entre outros desastres e prejuízos, municiou o presidente Macron, da França , nos ataques duros ao colega brasileiro e nos palpites sobre a questão ambiental e a soberania do Brasil na região estratégica. Errática tentativa de agradar ruralistas de seu país, e fazer acenos políticos à ruidosa esquerda francesa, que morde seu calcanhar desde a posse.

Isso faz o jornalista recordar outro episódio de “terrorismo ambiental”, originário também da mata amazônica, de conseqüências terríveis para a lavoura e a economia do cacau no sul baiano, com efeitos na política: a grande virada que fez o governo e o poder mudar de mãos na Bahia. A derrubada dos chamados “Barões do Cacau” e do “Carlismo” (de ACM, “o original”, no dizer de Mario Kertész).Tudo (ou quase) foi para as mãos do PT e suas linhas auxiliares.

<p>Era o escândalo da Vassoura de Bruxa. Praga transplantada por mãos criminosas, da Amazônia para a Mata Atlântica, e que matou a rica e histórica lavoura cacaueira, um dos carros-chefes das exportações do agronegócio do país, e força econômica maior e motriz da balança comercial baiana.. O jornalista vale – se da memória, de sua atuação profissional nas redações de A Tarde e sucursais do Jornal do Brasil e da Revista Veja, para alertar desmemoriados.

A Veja produziu, na época, ampla, bem apurada e polêmica reportagem sobre o bioterrorismo na zona do cacau. Investigação jornalística contundente, a partir de confissão de Luiz Henrique Franco Timóteo, então militante do PDT, de ter organizado ações para espalhar a praga nos cacauais sob as sombras das matas no rico sul do estado. Timóteo acusou pessoas e grupos organizados ligados ao PT de terem concebido e levado adiante o plano de disseminação do fungo da vassoura-de-bruxa da Amazônia, onde a praga é endêmica. Mais não conto. Está tudo nos arquivos dos jornais e revistas, nos inquéritos policiais e nos processos na justiça.

Agora a PF apura o que se esconde nas nuvens turvas do chamado “Dia do Fogo”, convocação criminosa, para promover queimadas na Amazônia, através de aplicativos de mensagens usados por agricultores, grileiros e grupos organizados atuando no meio do caos dos desmatamentos.

“A suspeita é de crime organizado, metido em ações violentas, corruptas e, às vezes, em conluio com policiais, políticos e agentes do Estado na região”, assinalou o experiente e bem informado jornalista Alex Ferraz, na Tribuna da Bahia . Bomba de poder destrutivo bem maior que o terrorismo biológico da Vassoura de Bruxa, que devastou a lavoura e a economia do cacau na Bahia. A conferir.

Aos amados, tudo

A gente vai ficar aceitando fundo de Amazônia e continuar se prostituindo em nome disso? Aqui é o Brasil, aqui quem manda somos nós. Se quiserem continuar depositando, que continuem. Se não quiserem, um abraço
Eduardo Bolsonaro, deputado nascido para a diplomacia

Basta de gols contra

É difícil escrever mensalmente sem tocar em temas sensíveis que eu preferiria não abordar. É o caso agora. Foram tantos os gols contra praticados pelo Governo atual que não há modo de deixá-los de lado. Pior, passei três dias na Argentina na semana anterior e lá participei de um encontro promovido pelo jornal Clarín em que estavam presentes e em diálogo público Macri e Fernandez. Não pude fugir da imprensa local e da brasileira. Queriam saber, naturalmente, dos “temas quentes” sobre o Brasil. Como de hábito, não me furtei a responder, tomando o cuidado de lembrar que estava em país estrangeiro, embora irmão. A diplomacia a que me imponho por haver sido presidente obriga a não avançar com as velas pandas no exterior sobre temas nacionais de cá e de lá, sobretudo os que podem ser sensíveis às pessoas que lideram as duas nações.

Assim, com luvas de pelicas, de volta ao Brasil, vamos ao que interessa. É indiscutível que o Brasil, no exterior, marcha para ser a gata borralheira. Também com o desaguisado presidencial na questão do meio ambiente, nas supostas relações com as “milícias”, em casos de nepotismo, e por aí vai, é difícil contestar a avalanche de críticas e afirmações, nem sempre corretas, que desaguam nas mídias mais influentes do estrangeiro. Por que e para que isso?

Aparentemente, o presidente e seu círculo mais íntimo parecem não haver entendido que não estamos mais na Guerra Fria. Não há mais o confronto entre dois blocos ideológicos. Mesmo Trump, capitaneando uma relação comercial belicosa com a China e pensando em levantar muros na fronteira mexicana, não se pauta pela lógica bipolar de um mundo dividido entre esquerda e direita. Nem a China. E muito menos a Europa. Qual o sentido, pois, em fazer desaforos ao presidente da França e sua esposa, em ressuscitar um nacionalismo anacrônico parecido ao que aflorou (à época com maior razão) diante do projeto de um think tank americano, Hudson Institute, que nos anos 60 aventou a ideia estapafúrdia de transformar a Amazônia em um grande canal de navegação alternativo ao do Panamá?

A reação dos europeus ao aumento das queimadas na Amazônia responde a motivos distintos e não se deu de forma uniforme. Há uma preocupação genuína com questões que têm impactos globais (mudança climática e extinção da biodiversidade). Existem também razões menos universais, como a defesa de interesses protecionistas, e motivações circunstanciais, como o receio de derrotas em eleições locais a se realizar no próximo ano. Em lugar de reagir toscamente, negando dados empíricos e insultando cientistas e chefes de estado de outros países, deveríamos ter reagido prontamente para combater as queimadas e mostrar, na prática, o compromisso soberano do Brasil com a proteção do meio ambiente. Não há meio mais eficaz para desinflar a conjectura inaceitável sobre conferir um estatuto internacional à Amazônia.

Nessas horas precisamos de bom senso e racionalidade, virtudes difíceis em um país polarizado. Patriotismo não se mede por bravatas nacionalistas, sobretudo quando insultuosas. A proteção do bioma amazônico é, acima de tudo, do interesse do Brasil, um interesse coincidente com o dos demais países que compartilham esse bioma e também com o do planeta. Dadas as restrições fiscais, recursos do exterior são bem-vindos. Não nos falta capacidade para bem administrá-los, com transparência, e em parceria com a sociedade civil, que pode e deve ser aliada e não inimiga na preservação do meio ambiente e na realização de projetos de desenvolvimento.

Há queimadas que em parte são cíclicas, em parte são legais, mas em grande parte (é preciso avaliar o tamanho) são criminosas: derrubada ilegal de mata para queimá-la e transformar a floresta em pasto ou em áreas para grãos. Se nos faltasse terra, vá lá, caberia a discussão sobre o que fazer. Mas elas são abundantes e o agronegócio brasileiro, aquele que opera dentro da legalidade, não precisa depredar para ser competitivo. Ao contrário, só continuará a ser competitivo se não depredar, como prevê a Constituição e está estatuído nas leis.

Enquanto vozes lúcidas do agronegócio clamam por racionalidade, no Governo há quem insista em distorcer os fatos. Como se fosse pouco negar a validade de dados científicos, busca-se transformar vítimas em algozes. Nessa linha, aponta-se a demarcação de terras indígenas como o grande obstáculo para o desenvolvimento da Amazônia.

É essa retórica de desinformação, insulto e incentivo a práticas ilegais, reiterada ao longo de oito meses, a principal responsável pela crise atual. De um lado, ela abriu a porteira para que os interessados no desmatamento ilegal se sentissem autorizados a tocar fogo no cerrado e na floresta. De outro, deu o pretexto para que a defesa de interesses protecionistas se revestisse com a capa de legitimidade da preocupação ambiental. A retórica oficial tem sido danosa aos interesses do Brasil. Pode colocar em risco, até mesmo, o acordo do Mercosul com a União Europeia.

De positivo nesse quadro, só há dois pontos a destacar: primeiro, a reação rápida e vigorosa de vários setores da sociedade brasileira; segundo, a prontidão das Forças Armadas em responder à situação de emergência provocada pelo descontrole das queimadas na região amazônica.

Com tanto horror perante os céus, como disse um poeta, devemos aguentar firmes (imprensa, Congresso, Judiciários, líderes empresariais e da sociedade civil) para não deixar que arroubos personalistas e interesses familiares comprometam o futuro do país.

Creio que foi Octávio Mangabeira quem disse: a democracia é como uma plantinha tenra, precisa ser regada todos os dias para crescer. Trata-se agora de preservá-la. Como mostram muitos livros recentes sobre a crise da democracia, a forma moderna de corrompê-la não passa por golpes militares, mas por atos governamentais que, quando não encontram reação à altura, pouco a pouco lhe vão arrancando as fibras.

O preço da liberdade é a eterna vigilância. É preciso nos manter atentos e fortes para que as instituições do Estado continuem a cumprir, com independência, as obrigações impostas pela Constituição.

Quando o G7 salvou a Amazônia

O G7, grupo dos países mais ricos do mundo, ofereceu dinheiro para o Brasil num momento de crise causada por desmatamento e queimadas fora de controle na Amazônia. A pressão internacional sobre o país era intensa, com líderes estrangeiros falando em internacionalizar a floresta. De forma surpreendente, o presidente do Brasil — um outsider longilíneo com inclinações autoritárias e que muita gente não hesitaria em chamar de maluco — aceitou a oferta do clube dos ricos. Não impôs condições e não acusou ninguém de querer comprar a região. Essa história aconteceu de verdade. O ano era 1992. O nome do presidente era Fernando Collor de Mello.

O movimento do G7 foi feito no contexto da conferência Rio-92, na qual nasceram as convenções de Clima e Biodiversidade da ONU. Ele daria origem ao Programa Piloto de Proteção às Florestas Tropicais do Brasil, o PPG-7, que começou a operar em 1994. Até hoje considerado o maior caso de sucesso de cooperação internacional na área ambiental, o PPG-7 durou 15 anos e investiu 463 milhões de dólares, que ajudaram a criar 100 milhões de hectares de terras indígenas em unidades de conservação, e desenvolver tecnologias que provaram que manter floresta em pé não é incompatível com melhorar a vida das pessoas que moram nela. De um jeito muito real, o programa criou as condições para o Brasil reduzir a taxa de desmatamento entre 2005 e 2012.

Foi ali que surgiu parte da governança ambiental que ora é desmantelada por Jair Bolsonaro e seu antiministro do Meio Ambiente. Dois instrumentos particularmente importantes nasceram dentro do programa-piloto. Um deles foi a ideia de criar vastas extensões de áreas protegidas como barreiras à grilagem e ao desmatamento. Isso incluía o zoneamento ecológico-econômico dos Estados da Amazônia, a fim de identificar as áreas com maior aptidão agropecuária e as áreas com maior potencial de conservação.

O outro instrumento foi um sistema de licenciamento de propriedades rurais que consistia em mapear por satélite as áreas de vegetação nativa em cada fazenda. Batizado SLAPR, o sistema foi adotado com sucesso em Mato Grosso no fim do Governo FHC e expandido para outros Estados Amazônia no Governo Lula. Hoje ele vigora no país inteiro sob o nome de Cadastro Ambiental Rural, ou CAR. Ruralistas que apoiaram a decisão de Bolsonaro de rejeitar a “esmola” de 20 milhões de dólares oferecida pelo G7 na última segunda-feira se dizem fãs do CAR e do zoneamento.


O programa também testou os incentivos econômicos à manutenção da floresta, algo que o Brasil nunca conseguiu fazer funcionar na escala necessária. Manejo sustentável de madeira, cadeias produtivas de óleos e essências, açaí e castanha — tudo isso foi explorado. Colonos da Transamazônica, no Pará, aprenderam que um pé de copaíba em suas terras vale mais pelo seu óleo do que pela sua madeira.

Como o Governo sabia que não daria conta de executar todos os projetos iniciados com a doação do G7, o programa-piloto produziu mais uma inovação: entregou-se essa tarefa a organizações da sociedade civil. Os néscios que criticam a suposta profusão de ONGs na Amazônia fariam bem em entender que essas organizações foram chamadas pelo Estado para suprir a carência de Estado, em parceria com o Estado. O PPG-7 ajudou a criar uma capacidade de atuação de ONGs na Amazônia que se mostraria importante depois.

Foi por causa dessa capacidade que a Noruega entregou ao Brasil 1 bilhão de dólares de seu fundo soberano em 2007 com a condição de que parte dos projetos fossem executados por ONGs e com a tranquilidade de que o recurso seria aplicado naquilo a que se destinava. Ao tentar, de forma desonesta e truculenta, tirar as ONGs do Fundo Amazônia, o antiministro Ricardo Salles ignorou um histórico de mais de duas décadas de parceria bem-sucedida. É evidente que os doadores não topariam a patranha — os alemães, que doam para o fundo, foram os maiores contribuintes do PPG-7. Eles cooperam com ONGs no Brasil desde que Salles era um estudante do colegial e nunca tiveram problemas com isso.

O principal ganho do PPG-7, porém, foi imaterial: o programa ajudou a silenciar a paranoia soberanista que cercava qualquer ação estrangeira na Amazônia. Mostrou que cooperação em meio ambiente não é um jogo de soma zero e que, não, soldados de olhos azuis não vão desembarcar na região Norte e decretá-la zona internacional.

Evidentemente não se tratava de um surto de bondade do G7: era um dinheiro que os países ricos eram obrigados a doar de qualquer maneira como ajuda externa ao desenvolvimento — aliás, nunca cumpriram o compromisso firmado em 1992 de aumentar os repasses de 0,36% para 0,7% do PIB. E que encontrou destinação adequada na proteção de um ativo que preocupava a opinião pública nos países doadores. O Planalto, por sua vez, entendeu que o sucesso do programa ajudaria a calar a boca dos críticos que diziam que os brasileiros eram incapazes de cuidar da própria floresta.

Isso tudo, claro, era como raciocinavam os civis no governo.

Os militares nunca engoliram essa história de cooperação internacional e nunca deixaram de alimentar a psicose da invasão estrangeira, facilitada pelas ONGs, pelos índios e pelos padres. Sua volta ao poder em 2018 libertou todos os demônios enjaulados desde a Rio-92. E desta vez não vieram sozinhos, mas apoiados num casamento de conveniência com os setores mineiro e agropecuário que perderam o acesso livre às terras baratas na Amazônia.

Os discursos de ignorância calculada do general Heleno (que conhece a Amazônia muito bem) e o tuíte do general Villas-Boas que nomeia uma trupe de malucos como referências de “equilíbrio” na área ambiental mostra que essa gente não está brincando: querem retomar o controle dos destinos da região e continuar de onde seus antecessores pararam em 1985. Isso inclui apertar o cerco contra os indígenas e seus defensores, contra as ONGs e contra a Igreja Católica — e dar uma bicuda na cooperação internacional.

Dificilmente foi da própria cabeça que Bolsonaro tirou a ideia de mandar Angela Merkel pegar o repasse alemão do Fundo Amazônia e “reflorestar a Alemanha”. Em nenhuma outra situação um presidente com uma emergência ambiental a enfrentar deixaria 200 milhões dólares (o saldo do Fundo Amazônia, dez vezes mais que a “esmola” do G7) bloqueados por birrinha de seu ministro do Meio Ambiente, quando uma canetada poderia resolver a questão. O discurso surreal de Bolsonaro contra os índios nesta semana, o powerpoint vazado que resgata elementos do programa Calha Norte e o fato de estar circulando na Secretaria de Assuntos Estratégicos o clássico conspiratório militar A farsa ianomâmi, de Carlos Alberto Menna Barreto (1995), completam os sinais. Vem nacionalismo bruto por aí.

O que a turma verde-oliva e a ala psiquiátrica do Governo precisam entender é que o mundo, o Brasil e a Amazônia mudaram muito desde 1992. Há tecnologia de dados, comunicações e liberdade de imprensa. Há compromissos internacionais ratificados pelo Brasil contra a crise climática que demandam proteção da floresta. E, como o setor de couro acaba de descobrir, há um poder de pressão muito maior dos mercados globais sobre a economia brasileira. O caso do PPG-7 mostra que o desastre da política ambiental do país não se terá devido à falta de bons exemplos no passado.