terça-feira, 7 de maio de 2019

Pensamento do Dia


Um governo em combustão

Depois de Gustavo Bebianno, Ricardo Velez e Hamilton Mourão, agora é o ministro Santos Cruz quem sofre ataques de seus inimigos íntimos. Resgataram uma entrevista de um mês atrás em que ele supostamente trataria de controle de mídia, e fizeram dela motivo para críticas. Tudo é motivo para quem não precisa de motivos.

Carlos Andreazza aponta o óbvio: a fritura de Santos Cruz tem como causa próxima o controle da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), subordinada à Secretaria de Governo. O núcleo ideológico quer o comando da casa de máquinas, pois o twitter presidencial já não basta. Propaganda é a alma do negócio.

O espantoso é que tais ardis se deem dentro do governo, orquestrados por gente do governo. Agora me pergunto: se quem escolheu um por um os ministros e secretários foi Bolsonaro, e não a imprensa, que culpa tem a imprensa – ou a oposição – por toda a bagunça político-institucional? De fofoca em fofoca dois ministros já caíram.


A não ser que se considere razoável e republicano que o condecorado ideólogo ofenda e acuse o vice-presidente e quase todos os ministros, sob anuência ou vista grossa do presidente; a não ser que se considere prudente e democrático que os condecorados filhos falem constantemente num ataque ao establishment, como se eles não fossem o próprio establishment.

Se isso lhes parece normal, Deus me livre de saber o que considerarão loucura.

Bolsonaro se vangloria de ter adotado critérios técnicos nas escolhas. Também se orgulha de não ter negociado vagas e ministérios em troca de apoio. Portanto, se ele teve plena autonomia para montar sua equipe, ele tem toda responsabilidade por quem entrou e saiu, por quem vier a entrar e sair do governo.

Sendo assim, que coisa maluca é essa de ter se cercado de incompetentes, traidores e golpistas, como gente muito próxima tem denunciado? “Dize-me com quem andas…” Bolsonaro convocou dezenas de golpistas para governar, militares que ele conhecia desde os tempos em que também era militar. Todos aproveitadores?

Mais um pouco e vou começar a suspeitar do próprio Bolsonaro.

A culpa disso tudo será minha, sua, da imprensa – ou mesmo do PT? Não. Mas há quem esteja muito confortável na espreguiçadeira da indignação barata, aquela que balança no modo automático desde 2002. Antipetismo virou sinônimo de consciência crítica. Criticar o PT se transformou em meio de vida intelectual para muita gente que parece sentir saudade dos tempos em que o objeto da crítica e o governo se confundiam. Era tão mais fácil apontar os erros do governo quando o governo era do PT, não é mesmo? Agora o governo é outro, o PT se desmantelou e dá trabalho repensar as categorias, ajustar o foco, aprender palavrinhas novas.

O PT destruiu o país, arrebentou as contas, desviou bilhões, loteou o Congresso e sabotou a democracia real – ponto pacífico. No entanto, Bolsonaro tem se mostrado um presidente que não sabe se quer ser presidente ou oposição. Fala, desfala, manda, desmanda, indica, desindica, avança, recua, condecora, desrespeita, conspira, denuncia conspirações.

É um governo em autocombustão.

Sobre chantagem e amores bandidos

Democracia é a resposta natural que toda comunidade de iguais tende a dar aos seus problemas comuns. São muito raros na História, entretanto, os “povos sem rei”. Com exceção da Suíça, que nunca teve um e criou em 1291 o modelo que viria a ser o de soberania absoluta do eleitor que hoje todo o mundo que funciona copia, essa situação só se configurou pelo isolamento em territórios distantes de súditos de monarquias europeias, como os que vieram colonizar as Américas. “Como sobreviver? Quem vai cuidar de construir os abrigos e fortificações? De caçar e plantar o que comer? Quem se dedicará à defesa? Quem ditará as leis? Quem se encarregará de fazê-las cumprir?” Foi disso que trataram o Pacto do Mayflower e os town meetings (assembleias em praça pública) das primeiras colônias de Massachusetts. Foi para isso que evoluiu na prática, mais de cem anos antes, o modelo das Câmaras Municipais do império português, onde durante séculos comunidades isoladas nas vilas dos sertões votaram e foram votadas, em pacífica e regularíssima sucessão, para organizar os meios de prover por si mesmas todas as suas necessidades.

Desde 1808, porém, um filtro de seleção negativa instalou-se no Rio de Janeiro. E cumpriu darwinianamente o seu papel. Não era mais do feito d’armas nem da ousadia empreendedora ou do financiamento privado de Bandeiras que se poderia subir na vida. Surgira um meio mais fácil. E de lá a velha doença europeia veio arrancando o Brasil à sua americanidade. Sai Reinado entra Império, sai Império entra República, nunca a corrupção pelo privilégio foi tão extensamente socializada. Impossível prosperar sem se compor com o Sistema. Quem não se deixou contaminar já morreu, se não física, com certeza econômica e politicamente. Afundou no lúmpen. Está reduzido a cuidar de sobreviver até amanhã ao tiroteio...

Hoje os laços de família, e não a ideologia, é que são o maior obstáculo à mudança. Está invertida a lei antinepotismo. Nenhum brasileiro com voz ou algum grau de acesso aos centros de decisão deixa de ter pelo menos “cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive (...) investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, (...) no exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios”, ou de deter, ele mesmo, um privilegiozinho corporativo menor que não está disposto a perder. E a conta da Previdência é onde tudo isso deságua, no ponto mais alto das remunerações por “direitos adquiridos” mediante aquele toque mágico que transporta instantaneamente pobres mortais das incertezas deste vale de lágrimas para a segurança da “estabilidade vitalícia no emprego”.

No contexto do isolamento perfeito entre o País Real e o Oficial que atingimos em função do monopólio até da prerrogativa de pedir votos ao povo reservado aos membros dessa privilegiatura, o desafio que se apresenta ao solitário agente que os governos importam do País Real para lidar com a economia dos desprivilegiados que eles nunca viveram não é apenas o de convencer o povo do ponto de vista do presidente e seu governo, mas antes o de convencer o presidente e seu governo a firmarem um ponto de vista diverso daquele que formaram como agentes da privilegiatura alienada que foram até ontem. Só então, e na medida do sucesso sempre relativo dessa primeira operação, poderão partir para a tentativa de convencer os caronas e os caronas dos caronas do Estado aqui fora de que não haverá escapatória ao amargo fim se transferirem o tratamento do problema para onde ele não está.

A minoria com super-privilégios – a dos donos do Estado e seus funcionários – é de meros 0,5% da população. E a minoria com hiper-privilégios é uma fração dentro dessa fração. Só a cumplicidade da maioria pode, portanto, explicar a resiliência dos privilégios de parcela tão ínfima do eleitorado num país que em algum momento ainda vota.

Dois fatores elucidam esse falso mistério. O primeiro é a falta de enraizamento do País Oficial no País Real que enseja esse nosso sistema eleitoral, que não permite identificação entre representados e representantes uma vez eleitos. A bordo de um partido bem aquinhoado de dinheiro “público” de campanha eles não precisam mais dos eleitores nem para se reeleger. Podem dedicar-se exclusivamente ao único jogo de soma zero, que é o do poder, no qual o Brasil é meio, e não fim. Daí o espantoso na afirmação do solerte Paulinho da Força de que para derrotar Bolsonaro convém manter os 210 milhões de brasileiros semiafogados mais alguns anos debaixo d’água ser apenas a sinceridade com que foi feita, e não o significado do que foi dito, como este jornal lembrou em editorial.

Mas o segundo fator é que é o mais insidioso. Agora mesmo, no Olimpo do Judiciário, está sendo armada a cama para Rogério Marinho, o articulador da reforma. O formidável poder de chantagem e intimidação que essa minoria dentro da minoria privilegiada detém pelo controle do gatilho do acionamento (ou não) da lei é o que tem decidido as paradas. A corrupção, inerente à condição humana, é eventual. Mas a corrupção institucionalizada, aquela que nos rouba com a lei, e não contra a lei, essa é sistemática e transfere todo santo dia montanhas de dinheiro das favelas para os palácios, que, no entanto, podem continuar posando de virtuosos, o que a faz triplamente subversiva.

Para que possamos sair desta nossa Idade das Trevas, o Brasil inteiro terá de rever o seu amor bandido pelo pequeno privilégio. Mas o Brasil “indignado”, em especial, este terá de reconsiderar fria e racionalmente quanto do “pega ladrão” em que se deixa a toda hora embarcar é gritado para fazer ou para impedir que se faça justiça, ou o sol jamais voltará a brilhar.

Governo de risco


Se o Presidente permitir a autofagia, será o fim. Um líder pode até se fortalecer do conflito, por um breve período. Quando o conflito se transforma em dinâmica de gestão, o risco imaginado passa a ser real
Janaina Paschoal (PSL-SP)

Paciência tem limite

Muitos perguntam o que está por trás da guerra entre “olavetes” e militares, ou melhor, de “olavetes” contra os generais do governo. Simples. Trata-se da velha disputa de poder, mas também a disputa pelo coração, a mente e a tutela do presidente Jair Bolsonaro. Quanto mais fraco, mais ele se torna refém dos dois lados.

Segundo Bolsonaro, “não existe grupo de militares nem de olavos. O time é um só”. Isso não é exatamente verdade. Se a mídia tradicional não serve, basta uma busca nas postagens do tal Olavo de Carvalho, dos filhos do presidente e suas tropas nas redes sociais. Os ataques de um time e a defesa do outro são estridentes.

Os militares do Planalto e arredores se contorciam e apanhavam calados, mas tudo tem limite. O vice-presidente Hamilton Mourão reagiu e agora calou. O ministro Santos Cruz também reagiu e entrou no alvo da enxurrada de palavrões como “bosta engomada”.

Ficou claro que a fila de generais agredidos não teria mais fim. Após Mourão e Santos Cruz viriam Augusto Heleno (GSI), Floriano Peixoto (Secretaria Geral), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Edson Pujol (comandante do Exército). Tiro ao alvo.




Foi por isso que o ex-comandante Eduardo Villas Bôas entrou na guerra. Ele tem força e liderança, como várias vezes já dito aqui neste espaço, e ninguém como ele para dar um basta e repor as coisas nos seus devidos lugares, já que o capitão Bolsonaro não faz nada e ainda permite (ou estimula?) o apoio dos seus filhos aos desaforos aviltantes dos olavistas aos generais.

Bolsonaro diz que “a melhor resposta é ficar quieto”, mas agraciar Olavo de Carvalho com o grau máximo da Ordem de Rio Branco (condecoração do Itamaraty) não significa ficar “quieto”, mas sim tomar partido. E a paciência dos disciplinados militares foi se esgotando e, com Villas Bôas, a reação mudou de patamar. Ele é o principal líder militar e tem respeito nas Forças, no meio político, na opinião pública e até em setores da esquerda. Isso é uma virtude e um trunfo, não um defeito, como quer fazer crer o tal Olavo.

Segundo o general, o “filósofo da Virgínia”, como é chamado, não passa de um “Trotski da direita”, apoiado no seus “vazio existencial” e na “total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de humildade”.

Importante é que, na reação, Villas Bôas ratifica um alerta insistentemente feito pelos de bom senso, que não são obcecados por ideologia e querem que o País melhore e entre nos eixos: “Substituir uma ideologia pela outra não contribui (...) para soluções concretas para os problemas brasileiros”.

Só falta acusarem o ex-comandante de esquerdopata... Aliás, não falta mais. O próprio Olavo já partiu para essa baixaria e quem quiser se irritar leia os comentários da turba à manifestação do general. Uma saraivada de ironias e críticas misturando ignorância com má-fé, bolsonaristas radicais com o que parece uma tropa de robôs esquerdistas. Tem de tudo, menos inteligência e bons propósitos.

Se Bolsonaro falou efetivamente algo relevante ontem, após os palavrões de Olavo de Carvalho, de uma conversa de mais de uma hora com Santos Cruz e da reação de Villas Bôas foi que... “há coisas muito mais importantes para discutir no Brasil”. Ninguém discorda.

A lista é longa: a previsão de crescimento cai pela décima semana consecutiva, o desemprego cresce, Bolsa e dólar voláteis, violência insana, o MEC investe contra universidades, incerteza sobre a reforma da Previdência... Querem mais?

Bolsonaro, porém, está tão “quieto” diante das infâmias do guru do seu governo como diante dos grandes problemas nacionais. “Olavetes” atacam os generais porque os dois lados disputam quem vai tomar conta da bagunça.

Brasil espera o milagre


Crise entre Bolsonaro e militares se aprofundou

A autocrise que Jair Bolsonaro criou com os militares está longe de terminar. Agravou-se na noite passada. Em conversas presenciais e telefônicas —uma delas avançou até o início da madrugada desta terça— integrantes da banda fardada do governo concluíram que o presidente sinaliza à opinião pública um sentimento de "desprezo" em relação às Forças Armadas. Faz isso ao endossar os ataques de seu ideólogo Olavo de Carvalho contra os militares.

A avaliação é de que o endosso de Bolsonaro se manifesta de duas formas: na "ausência de resposta" e na "reprodução das críticas" de Olavo nas suas próprias redes sociais. Estabeleceu-se um consenso entre os militares: o problema se chama Jair Bolsonaro, não Olavo de Carvalho. Essa impressão é compartilhada com oficiais da ativa das três forças armadas. O sentimento dos militares em relação ao presidente oscila entre a "irritação" e a "decepção".

Esperava-se que Bolsonaro modificasse seu comportamento depois que o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, reagiu em termos ácidos contra os ataques que Olavo de Carvalho dirigiu ao seu penúltimo alvo: o também general Carlos Alberto Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo. Entretanto, além de dar de ombros para Villas Bôas, o presidente praticamente culpou Santos Cruz pelo novo capítulo da crise.


A encrenca ressurgiu no final de semana. Utilizou-se como matéria prima da discórdia uma entrevista concedida por Santos Cruz há um mês. Indagado sobre o uso das redes sociais pelo governo, o general respondeu que a utilização teria de ser cuidadosa, para evitar distorções de segmentos radicais. Defendeu o diálogo. E manifestou-se a favor do aprimoramento da legislação para coibir abusos. "Controlar a internet, Santos Cruz?", indagou Olavo de Carvalho. "Controlar a sua boca, seu merda".

A repercussão baseada numa fake-interpretação das palavras do general estendeu-se às redes sociais do vereador carioca Carlos Bolsonaro e do deputado federal Eduardo Bolsonaro. O próprio Jair Bolsonaro anotou na internet que seu governo não patrocinaria o controle das mídias, incluindo as sociais. E insinuou que deveria mudar para Cuba ou para a Coreia do Norte quem pensasse diferente.

Nesta segunda-feira, questionado pelos repórteres sobre os ataques a Santos Cruz, Bolsonaro declarou: "De acordo com a origem do problema, a melhor resposta é ficar quieto. É essa orientação que eu tenho falado porque temos coisa muito, mas muito mais para discutir no Brasil. Aqueles que por ventura não tenham tato político estão pagando um preço junto à mídia"

Os repórteres interpretaram a recomendação de silêncio de Bolsonaro como uma tentativa de jogar água fria na fervura. Os militares enxergaram a frase como um jato de gasolina na fogueira. Avaliaram que Bolsonaro quis dizer que Santos Cruz não deveria ter dado entrevista. Muito menos falar de redes sociais. Para os auxiliares fardados do governo foi como se o capitão dissesse que o general Santos Cruz, seu amigo de três décadas, mereceu as pauladas virtuais que tomou.

Na mesma entrevista, Bolsonaro tentou negar o inegável. "Não existe grupo de militares nem grupo de olavos aqui. Tudo é um time só". Perguntou-se objetivamente ao presidente se cogita defender Santos Cruz dos ataques. E ele: "Estamos numa guerra. Eles, melhor do que vocês, estão preparados para uma guerra". A frase aprofundou o fosso que se abriu entre Bolsonaro e os militares que ele recrutou para o seu ministério.

Na expressão de um dos ministros, os militares que integram o primeiro escalão do governo se enxergam como "oficiais da reserva convocados para colocar a serviço da pátria toda a experiência adquirida na ativa e a formação custeada pelo contribuinte brasileiro". Não imaginavam que essa convocação envolveria a participação numa "guerra de fabricação doméstica".

Numa evidência de que a capacidade do governo de fabricar crises no seu quintal é ilimitada, alguns dos auxiliares de Bolsonaro acompanharam em tempo real as novas diatribes despejadas por Olavo de Carvalho nas redes sociais desde os Estados Unidos. Começaram à tarde. Estenderam-se pela noite. Invadiram a madrugada. O guru de Bolsonaro respondeu à manifestação do general Villas Bôas com a virulência e o calão rasteiro que lhe são peculiares.

Olavo de Carvalho levou ao ar uma pilha de postagens. Duas foram especialmente ofensivas. Numa, o ideólogo dia família Bolsonaro referiu-se ao ânus do general. Noutra realçou a saúde frágil de Villas Boas para estender a desqualificação aos colegas de farda que ele defendeu. Olavo escreveu que não esperava ver "altos oficiais" acossados "escondendo-se por trás de um doente preso a uma cadeira de rodas". Acrescentou: "Nem o Lula seria capaz de tamanha baixeza".

Villas Bôas é um dos oficiais mais respeitados das Forças Armadas. Comandou o Exército sob Michel Temer. Hoje, está lotado na assessoria do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Ou seja, dá expediente no quarto andar do Planalto, a um lance de escada do gabinete presidencial. Na resposta que irritou Olavo de Carvalho, Villas Bôas foi duro. Mas não não desceu ao nível do autoproclamado filósofo que os Bolsonaro idolatram.

O general escreveu num trecho do seu texto: "Mais uma vez o senhor Olavo de Carvalho, a partir de seu vazio existencial, derrama seus ataques aos militares e às Forças Armadas, demonstrando total falta de princípios básicos de educação, de respeito e de um mínimo de humildade e modéstia. Verdadeiro Trótski de direita, não compreende que, substituindo uma ideologia pela outra, não contribui para a elaboração de uma base de pensamento que promova soluções concretas para os problemas brasileiros. Por outro lado, age no sentido de acentuar as divergências nacionais no momento em que a sociedade brasileira necessita recuperar a coesão e estruturar um projeto para o país."

Inimigo público nº 1

Vergonha, ser inimigo da educação pública
Maria Eduarda Sá Ferreira, ex-aluna do Colégio Militar do Rio de Janeiro e hoje estudante de Direito da UFRJ

Os generais e seus labirintos

Mourão não é uma ameaça a Bolsonaro, um conspirador, um golpista, como o veem os filhos do Mito e os devotos

Para um paisano chegar a general tem que estudar muito, fazer muitos cursos e especializações, aqui e no exterior, ter sólida formação profissional e comportamento exemplar no respeito à disciplina, à hierarquia e ao cumprimento do dever. O Estado investe uma fortuna na sua formação, e como o Brasil não tem preocupações sérias de defesa territorial, os aspectos militares de combate e o armamento precário são secundários, sobra-lhes tempo para estudar. E, como se aposentam com 60 anos, ainda podem prestar bons serviços ao país.

Em tese. Porque o general João Figueiredo foi sempre o melhor aluno de sua turma, mas fez um péssimo governo. Era general da Cavalaria, mas se comportava como um cavalariço com pinta de cana do SNI e principalmente detestava governar e conviver com políticos detestáveis. Gostava mesmo era de cavalgar, metáfora de sua personalidade.


Não é o caso do general Hamilton Mourão, da Artilharia, inteligente e preparado, que parece ter gosto de exercer o poder, dar opiniões e assumir posições com independência, educação e até algum humor. Não é uma ameaça a Bolsonoro, um conspirador, um golpista, como o veem os filhos do Mito, os minimitos, e os devotos. Quando aceitou ser candidato a vice, todos sabiam que não seria “vice decorativo” como Temer choramingou para Dilma. Era homem de comando, mas de respeito à hierarquia. Bolsonaro elegeria até um poste, ou um príncipe, como vice, mas seu capital eleitoral equivalia ao prestígio de Mourão com os generais e a tropa.

Já o capitão Bolsonaro estava completamente despreparado para a presidência, foi formado pela convivência por trinta anos com a elite e a escória da política brasileira na Câmara. E engana-se quando atribui à atuação do filho nas redes sociais a sua vitória: o horror ao PT e à corrupção foi seu maior eleitor.

Mas, aos militares que estão em cargos de poder no lugar de políticos profissionais, não bastam formação e idoneidade, é preciso eficiência. A incompetência dá mais prejuízo que a corrupção.

A ordem é derrubar Santos Cruz; Heleno vem depois...

Hamilton Mourão, vice-presidente da República, está, digamos, "mais comportado". Já foi mais eloquente na exposição de pressupostos corretos sobre democracia e governança do que nos últimos dias. Atendeu a apelo de colegas generais da reserva que estão no governo. É inequivocamente audível que anda mais silencioso. Ponto para a ala porra-louca do bolsonarismo? É bem verdade que, em ambientes conflagrados como o deste governo — que, convenham, não precisa de uma oposição a lhe criar problemas —, o silêncio pode ser mais preocupante do que a loquacidade. Ocorre, meus caros, que os companheiros de farda de Mourão têm uma marca de origem no seu pensamento e na sua formação, uma verdadeira cicatriz, que os impede de entender o que está em curso. São, sim, herdeiros intelectuais do positivismo. Para eles, as ações, que têm de estar assentadas no conhecimento científico e na experiência, valem por seus resultados. O que é contraproducente escapa à sua compreensão. Ocorre que a política é coisa bem mais complexa do que isso.


Os generais não estavam preparados para ser alvejados pelo próprio governo — em particular, pelo presidente da República. E estão perplexos. Não sabem o que fazer. Mourão silenciou. O silêncio é inútil porque o ódio que os bolsonaristas lhe devotam não se resume ao conteúdo de suas intervenções. Seu grande defeito, aos olhos da turma, é outro: ele não pode ser demitido. E é o primeiro na linha sucessória. Silenciado Mourão, a ordem é pegar Santos Cruz, secretário de Governo. Desta feita, o objetivo é derrubá-lo. E, atenção para o que vêm agora: nas esferas mais altas da chamada "ala ideológica do bolsonarismo", não pensem que se nutre grande amor pelo também general Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete da Segurança Institucional).

Os valentes o consideram inepto politicamente e o acusam de impedir que o presidente, como posso dizer?, seja ele-mesmo, autêntico. Sintetizo: para que Bolsonaro venha a ser aquele que a tal ala ideológica deseja, também Heleno tem de cair fora. Na cabeça dos malucos, chegará essa hora. Não suportam o fato de o general ser visto como uma espécie de consciência última do presidente, como se este estivesse sob a sua tutela. Não está, é bom que se diga. O chefe do Executivo, já escrevi aqui, queria o prestígio que lhe conferem as Forças Armadas. Mas já deixou claro que tem suas próprias — e más — ideias sobre o país e o mundo.

Ex-humorista distorce frase, e começa o massacre...

O ataque a Santos Cruz chega a ser espantoso porque se ressuscitou trecho de uma entrevista que ele concedeu há um mês à jornalista Vera Magalhães, do Estadão, em que dizia o seguinte sobre o uso das redes sociais pelo Planalto:

"Podem até ser um instrumento importante de governo, para a divulgação das suas ideias, dos seus projetos. Isso tem de ser feito. Mas tem de usar com muito cuidado, para evitar distorções, e que vire arma nas mãos dos grupos radicais, sejam eles de uma ponta ou de outra. Tem de ser disciplinado, até a legislação tem de ser aprimorada, e as pessoas de bom senso têm de atuar mais para chamar as pessoas à consciência de que a gente precisa dialogar mais, e não brigar."


É evidente que Santos Cruz não está pregando nenhuma forma de controle das redes sociais. Ele trata do disciplinamento do uso dessas ferramentas pelo próprio governo, no que está correto. Os bolsonaristas transformaram a fala do general numa espécie de defesa da censura das redes. E conseguiram emplacar no Twitter a hashtag #ForaSantosCruz, que passou a ser chamado, ora vejam!, de "comunista".

Quem pinçou trecho da entrevista e lançou no ar a dúvida sobre a suposta intenção do general de controlar as redes foi o ex-humorista, apresentador de televisão e prosélito de extrema-direita Danilo Gentili. E aí começou a pancadaria contra o general.

Pensam que Bolsonaro saiu em defesa do seu ministro? Não! Ele também partiu para o linchamento, ainda que indireto. Escreveu no Twitter: "Em meu Governo a chama da democracia será mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluída as sociais. Quem achar o contrário recomendo um estágio na Coréia do Norte ou Cuba". Não há alusão ao general. Mas precisa? Carlos Bolsonaro, o insaciável, que controla os perfis do pai, mandou ver também em seu próprio nome, com a delicadeza de pensamento característica: "A internet 'livre' foi o que trouxe Bolsonaro até á (sic) Presidência e graças a ela podemos divulgar o trabalho que o governo vem fazendo! Numa democracia, respeitar as liberdades não significa ficar de quatro para a imprensa, mas sempre permitir que exista a liberdade das mídias!"

Sempre que os Bolsonaros defendem a liberdade de expressão, eu me pergunto onde estão escondendo o revólver.
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