terça-feira, 15 de agosto de 2023
Esse diabo de patriotismo!
O homem de hoje vacila entre a pátria e a humanidade e é raro que ele possa ser humano e patriota ao mesmo tempo. Cada bem traz sua antinomia do mal e decerto o patriotismo é um dos aspectos demoníacos da civilizaçãoJoão Ribeiro
Somos uma pátria ?
No final deste texto, o leitor poderá responder à pergunta-título acima. Abro a reflexão com o escritor argentino, José Ingenieros, discorrendo sobre a visão de Pátria, em O Homem Medíocre:
Somos um país tomado por dúvidas. Duas bandas separam o território, uma acusando a outra, uma caminhando no canto esquerdo do arco ideológico, tentando vestir o manto do progresso, outra ostentando os valores do conservadorismo, com ênfase na defesa da família. Ambas destilando ódio e desfechando ataques recíprocos sobre as posições polarizadas.
O tom ácido da expressão de alguns protagonistas da política, que bebem água na fonte da “confabulação dos politiqueiros”, acirra a animosidade das bandas, fazendo emergir a ideia maluca de separatismo em um país que tem elevado ao alto a bandeira da unidade nacional, sob a manutenção de uma mesma língua e preservação dos eixos de uma democracia, mesmo incipiente.
O Poder Judiciário até parece um juizado de pequenas causas, quando adentra o terreno da criminalidade e passa a exercer funções de investigação. O Ministério Público, que deveria ser a muralha de defesa da sociedade, politiza sua ação, escancarando a parcialidade de posições adotadas. Briga-se ali pelo poder de mando.
O Poder Executivo quer se transformar no poder do “faz tudo”. Que pode se intrometer na seara de outros poderes, senão diretamente, mas indiretamente, usando o “mando imperial” para nomear juízes para as cortes superiores e até para a Suprema Corte, sob o desígnio do comandante da tropa governista. Um descalabro.
O ambientalismo ganha lugar de destaque no discurso. Uma Cúpula que abriga os países amazônicos mostrou a divisão de opiniões. O Brasil de Lula quis aparecer com as vestes de preservação do bioma, mas deixou aberta a porta para exploração de petróleo na região, contrariando outros países. Fugiu, ainda, de uma meta que já esteve na ponta de seu discurso: o desmatamento zero até 2029.
Apesar do combate ao garimpo em terras indígenas, a ilegalidade e a ação de garimpeiros continuam a devastar a reserva dos yanomamis.
Para todos os lados que olhemos, vê-se uma disfunção, um ato ilícito, mortes de soldados e bandidos, discussão se foram assassinados por fulano ou sicrano, rapinagem e tomadas de praças públicas por drogados, como é o caso da Cracolândia, em São Paulo, capital.
A indagação é pertinente: estamos no meio do caos, no princípio da crise, no fim do túnel ou na rota dos horizontes de progresso? Ninguém sabe. Uns e outros divergem sobre essa interrogação. Cada qual quer expressar e garantir suas verdades. Porque o Brasil é um país de versões. Um país lúdico que ri da tragédia e se comove com a comédia. Comédia e tragédia, aqui, se fundem num amálgama que traduz falta de essencialidade e racionalidade.
O fato é que a improvisação, o gosto pela aventura e a alma criativa provocam um sentimento de estágio em uma cultura pré-civilizatória. E esse viés faz com que desprezemos o conceito de Pátria. Para boa parcela, o que importa é o bem material, dinheiro, levar vantagem em tudo.
Pátria, reafirme-se, é um conjunto de valores, reunindo amor ao espaço físico e espiritual, solidariedade, orgulho pelo país, civismo e atavismo. Onde estão as bandeiras brasileiras nas portas das casas? Quem conta histórias sobre os nossos antepassados?
Multidões ruminam desconfianças, afastam-se das instituições e de seus representantes, afogam-se em mágoas, perdem-se em ilusões.
O país está expandindo a velhice. Os aposentados crescem assustadoramente, carregando a angústia de a qualquer hora, deixarem de receber os proventos. Brasileiros de todos os rincões temem os impactos da reforma tributária, apesar da promessa de muitos parlamentares em garantir justiça na arrecadação dos tributos. Surpresas e medos se expandem.
Volto à pergunta: somos uma Pátria?
– Os países são expressões geográficas, e os Estados formas de equilíbrio político. Uma Pátria é muito mais do que isso, e é outra coisa: sincronismo de espíritos e de corações, têmpera uniforme para o esforço, e homogênea disposição para o sacrifício, simultaneamente na aspiração à grandeza, no pudor da humilhação e no desejo da glória… é preciso que haja sonhos comuns, anelos coletivos de grandes coisas…Pátria está implícita da solidariedade sentimental de um povo, não na confabulação dos politiqueiros que medram à sua sombra.
Somos um país tomado por dúvidas. Duas bandas separam o território, uma acusando a outra, uma caminhando no canto esquerdo do arco ideológico, tentando vestir o manto do progresso, outra ostentando os valores do conservadorismo, com ênfase na defesa da família. Ambas destilando ódio e desfechando ataques recíprocos sobre as posições polarizadas.
O tom ácido da expressão de alguns protagonistas da política, que bebem água na fonte da “confabulação dos politiqueiros”, acirra a animosidade das bandas, fazendo emergir a ideia maluca de separatismo em um país que tem elevado ao alto a bandeira da unidade nacional, sob a manutenção de uma mesma língua e preservação dos eixos de uma democracia, mesmo incipiente.
Desenvolve-se no espaço da instituição política um intrincado jogo de poder, que procura repartir cartas com um complexo partidário de cerca de 25 siglas, entidades que nunca chegam ao consenso sobre questões centrais. E esse fenômeno ocorre com a participação de um considerável número de congressistas, 513 na Câmara e 81 no Senado, inseridos numa equação que carrega uma dissonância sobre sua efetiva representatividade. Um Estado pequeno, como Roraima, com 8 parlamentares e um eleitorado de menos de 500 mil eleitores, tem os mesmos direitos que um Estado como SP, com seu eleitorado de 36 milhões de eleitores e uma conta de 70 deputados, com defasagem de mais de cerca de 30 parlamentares, debitada ao princípio federativo.
O Poder Judiciário até parece um juizado de pequenas causas, quando adentra o terreno da criminalidade e passa a exercer funções de investigação. O Ministério Público, que deveria ser a muralha de defesa da sociedade, politiza sua ação, escancarando a parcialidade de posições adotadas. Briga-se ali pelo poder de mando.
O Poder Executivo quer se transformar no poder do “faz tudo”. Que pode se intrometer na seara de outros poderes, senão diretamente, mas indiretamente, usando o “mando imperial” para nomear juízes para as cortes superiores e até para a Suprema Corte, sob o desígnio do comandante da tropa governista. Um descalabro.
O ambientalismo ganha lugar de destaque no discurso. Uma Cúpula que abriga os países amazônicos mostrou a divisão de opiniões. O Brasil de Lula quis aparecer com as vestes de preservação do bioma, mas deixou aberta a porta para exploração de petróleo na região, contrariando outros países. Fugiu, ainda, de uma meta que já esteve na ponta de seu discurso: o desmatamento zero até 2029.
Apesar do combate ao garimpo em terras indígenas, a ilegalidade e a ação de garimpeiros continuam a devastar a reserva dos yanomamis.
Para todos os lados que olhemos, vê-se uma disfunção, um ato ilícito, mortes de soldados e bandidos, discussão se foram assassinados por fulano ou sicrano, rapinagem e tomadas de praças públicas por drogados, como é o caso da Cracolândia, em São Paulo, capital.
A indagação é pertinente: estamos no meio do caos, no princípio da crise, no fim do túnel ou na rota dos horizontes de progresso? Ninguém sabe. Uns e outros divergem sobre essa interrogação. Cada qual quer expressar e garantir suas verdades. Porque o Brasil é um país de versões. Um país lúdico que ri da tragédia e se comove com a comédia. Comédia e tragédia, aqui, se fundem num amálgama que traduz falta de essencialidade e racionalidade.
O fato é que a improvisação, o gosto pela aventura e a alma criativa provocam um sentimento de estágio em uma cultura pré-civilizatória. E esse viés faz com que desprezemos o conceito de Pátria. Para boa parcela, o que importa é o bem material, dinheiro, levar vantagem em tudo.
Pátria, reafirme-se, é um conjunto de valores, reunindo amor ao espaço físico e espiritual, solidariedade, orgulho pelo país, civismo e atavismo. Onde estão as bandeiras brasileiras nas portas das casas? Quem conta histórias sobre os nossos antepassados?
Multidões ruminam desconfianças, afastam-se das instituições e de seus representantes, afogam-se em mágoas, perdem-se em ilusões.
O país está expandindo a velhice. Os aposentados crescem assustadoramente, carregando a angústia de a qualquer hora, deixarem de receber os proventos. Brasileiros de todos os rincões temem os impactos da reforma tributária, apesar da promessa de muitos parlamentares em garantir justiça na arrecadação dos tributos. Surpresas e medos se expandem.
Volto à pergunta: somos uma Pátria?
Nada fica escondido para sempre
O golpe de Estado era uma etapa do golpe das joias. Não por acaso a investigação sobre os atos antidemocráticos levou à descoberta da organização criminosa ligada a Bolsonaro. Esqueça Deus, pátria, família: o negócio era grana. A quadrilha fez de tudo —até transformar o avião da Presidência em mula de muamba— para manter-se no poder e continuar faturando.
É espantoso pensar na facilidade com que o ex-presidente corrompeu as instituições, a começar pela Polícia Federal, que hoje o desmascara com a Operação Lucas 12:2. Na reunião ministerial de 2020, aquela da boiada, ele admitiu ter um sistema particular de informações e, para não ser surpreendido, iria intervir nas agências de segurança. Na PF, trocou o diretor-geral, em média, a cada 12 meses e afastou dezenas de delegados; a PRF foi entregue a um assecla, Silvinei Vasques, que dificultou o trânsito de eleitores.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, escolheu ser amigo de Bolsonaro, não da Constituição. Ao lado de seu braço direito, a vice-procuradora Lindôra Araújo, Aras manteve agendas privadas, à noite, no Alvorada, com o ex-presidente, sempre antes de manifestações favoráveis a ele. Os encontros não foram divulgados pelo governo nem pelo MPF.
Em matéria de favores monetários, nada se compara à atuação das Forças Armadas. Além dos militares do alto escalão golpista, todos recebendo supersalários, outros 18 integrantes da caserna que tinham cargos na gestão Bolsonaro estão na mira de diferentes inquéritos. No caso das joias —cujas transações podem ter superado R$ 1 milhão— estão citados um almirante (Bento Albuquerque) e um general (Lourena Cid).
A PF pediu a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle. Difícil será mapear a movimentação em dinheiro vivo, que, como se sabe, é a preferida do capitão. Mas nada permanece escondido para sempre.
É espantoso pensar na facilidade com que o ex-presidente corrompeu as instituições, a começar pela Polícia Federal, que hoje o desmascara com a Operação Lucas 12:2. Na reunião ministerial de 2020, aquela da boiada, ele admitiu ter um sistema particular de informações e, para não ser surpreendido, iria intervir nas agências de segurança. Na PF, trocou o diretor-geral, em média, a cada 12 meses e afastou dezenas de delegados; a PRF foi entregue a um assecla, Silvinei Vasques, que dificultou o trânsito de eleitores.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, escolheu ser amigo de Bolsonaro, não da Constituição. Ao lado de seu braço direito, a vice-procuradora Lindôra Araújo, Aras manteve agendas privadas, à noite, no Alvorada, com o ex-presidente, sempre antes de manifestações favoráveis a ele. Os encontros não foram divulgados pelo governo nem pelo MPF.
Em matéria de favores monetários, nada se compara à atuação das Forças Armadas. Além dos militares do alto escalão golpista, todos recebendo supersalários, outros 18 integrantes da caserna que tinham cargos na gestão Bolsonaro estão na mira de diferentes inquéritos. No caso das joias —cujas transações podem ter superado R$ 1 milhão— estão citados um almirante (Bento Albuquerque) e um general (Lourena Cid).
A PF pediu a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle. Difícil será mapear a movimentação em dinheiro vivo, que, como se sabe, é a preferida do capitão. Mas nada permanece escondido para sempre.
‘Bolsonaro era um mau militar’; e não era o único
O ano era 1993 e Jair Bolsonaro ainda estava no primeiro de seus sete mandatos como deputado federal. O capitão da reserva havia chegado a Brasília três anos antes, apoiado por 67.041 eleitores. Foi a sexta maior votação no Rio de Janeiro.
Afastado da política desde 1979, quando passou a faixa para João Figueiredo, o general Ernesto Geisel, quarto presidente depois do golpe militar de 1964, concedeu naquele ano uma série de entrevistas para os pesquisadores Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.
A certa altura da conversa, refletindo sobre as relações entre os militares e a política, Geisel chamou a atenção para a baixa influência que os fardados exerciam naquele momento, oito anos após a redemocratização.
“Presentemente, o que há de militares no Congresso?”, questionou Geisel. “Não contemos o Bolsonaro, porque é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”.
A reputação do ex capitão paraquedista na cúpula das Forças Armadas e entre os generais reformados do Círculo Militar era a pior possível. Em 1986, Bolsonaro havia desrespeitado a hierarquia dos quartéis ao reclamar da situação financeira de praças e oficiais num artigo publicado na revista “Veja”. Um ano depois, a imprensa revelou que Bolsonaro estaria por trás de plano de atentado a bomba para pressionar por aumentos.
Os dois eventos levaram à abertura de processo contra o capitão, mas a leniência corporativista acabou falando mais alto, e Bolsonaro foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar em 1988. Além de escapar da punição, Bolsonaro alcançou uma popularidade tão grande entre seus colegas de farda que resolveu pedir transferência para a reserva e lançar-se na política, primeiro como vereador do Rio e depois, como deputado federal.
Ao longo de 28 anos no Congresso Nacional, Bolsonaro comportou-se como um sindicalista das corporações militares e de segurança. A maior parte dos projetos propostos tratava de reajustes dos soldos, melhorias no sistema de pensões, anistia de penalidades e outras regalias para militares. Nenhuma das suas propostas, porém, chegou a ser aprovada.
A carreira legislativa de Bolsonaro foi totalmente irrelevante, nunca tendo ocupado cargos de liderança ou relatorias de projetos importantes. Pulando de partido em partido, Bolsonaro se reelegia a cada quatro anos graças a um eleitorado cativo, mas nunca deixando de ocupar o baixo clero da política nacional.
Seu tino pela polêmica e a adoção de posições extremistas, porém, foram sendo aperfeiçoados ao longo do tempo e começaram a ecoar fora dos círculos militares. Em 2014, num prenúncio do tsunami que se abateria sobre a política brasileira, Bolsonaro obteve seu sétimo mandato na Câmara com expressivos 464.572 votos, a terceira maior votação do país, atrás apenas do apresentador de TV Celso Russomano e do humorista Tiririca.
De lá até as eleições de 2018 as cenas se sucedem em modo acelerado. De um lado, as várias fases da Lava-Jato, Eduardo Cunha, impeachment de Dilma, Temer e Joesley se encontrando no Palácio do Jaburu, prisão de Lula. De outro, exposição maciça nas redes sociais, Bolsonaro carregado nos aeroportos de todo o país, discurso com citação a Brilhante Ustra na votação contra Dilma, “mito! mito! mito!” e o apoio de 57,8 milhões de brasileiros o levaram ao posto mais alto da República brasileira.
A cúpula das Forças Armadas entrou de cabeça no novo governo. Três generais (Heleno, Santos Cruz e Azevedo e Silva) e um almirante (Bento Albuquerque) assumiram altas posições no Ministério, sem falar no vice Hamilton Mourão. Muitos outros vieram depois, assim como centenas de oficiais e milhares de praças, da ativa e da reserva, ocupando órgãos públicos e estatais.
O alto comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica conhecia Bolsonaro, suas limitações intelectuais e personalidade difícil. Também tinha total ciência de seu passado de “mau militar”, como diria Geisel, e de parlamentar medíocre.
A cúpula das Forças Armadas brasileiras tinha plena consciência do risco de aderir ao governo de Bolsonaro. Se a gestão fracassasse, a reputação das três Forças seria gravemente contaminada. No entanto, se deixou inebriar pela perspectiva de voltar a comandar o país e pelas inúmeras benesses financeiras que a vitória do capitão reformado poderia oferecer à classe.
Das cinco linhas de investigação abertas atualmente pela Polícia Federal contra Bolsonaro, todas têm militares como protagonistas: ataques virtuais a opositores, campanha contra as urnas eletrônicas, tentativa de golpe de Estado, gestão da pandemia e fraudes com vacinas e o caso das joias.
De Eduardo Pazuello, que no auge da pandemia enviou vacinas do Amazonas para o Amapá porque confundiu as siglas dos Estados, a Mauro Cid pai, que negociou joias roubadas da Presidência da República enviando foto com seu rosto no reflexo, ambos generais, o governo Bolsonaro expôs a mediocridade das nossas Forças Armadas.
Os militares criminosos precisam ir para a prisão. E os demais, voltar urgentemente para os quartéis.
Afastado da política desde 1979, quando passou a faixa para João Figueiredo, o general Ernesto Geisel, quarto presidente depois do golpe militar de 1964, concedeu naquele ano uma série de entrevistas para os pesquisadores Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.
A certa altura da conversa, refletindo sobre as relações entre os militares e a política, Geisel chamou a atenção para a baixa influência que os fardados exerciam naquele momento, oito anos após a redemocratização.
“Presentemente, o que há de militares no Congresso?”, questionou Geisel. “Não contemos o Bolsonaro, porque é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”.
A reputação do ex capitão paraquedista na cúpula das Forças Armadas e entre os generais reformados do Círculo Militar era a pior possível. Em 1986, Bolsonaro havia desrespeitado a hierarquia dos quartéis ao reclamar da situação financeira de praças e oficiais num artigo publicado na revista “Veja”. Um ano depois, a imprensa revelou que Bolsonaro estaria por trás de plano de atentado a bomba para pressionar por aumentos.
Os dois eventos levaram à abertura de processo contra o capitão, mas a leniência corporativista acabou falando mais alto, e Bolsonaro foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar em 1988. Além de escapar da punição, Bolsonaro alcançou uma popularidade tão grande entre seus colegas de farda que resolveu pedir transferência para a reserva e lançar-se na política, primeiro como vereador do Rio e depois, como deputado federal.
Ao longo de 28 anos no Congresso Nacional, Bolsonaro comportou-se como um sindicalista das corporações militares e de segurança. A maior parte dos projetos propostos tratava de reajustes dos soldos, melhorias no sistema de pensões, anistia de penalidades e outras regalias para militares. Nenhuma das suas propostas, porém, chegou a ser aprovada.
A carreira legislativa de Bolsonaro foi totalmente irrelevante, nunca tendo ocupado cargos de liderança ou relatorias de projetos importantes. Pulando de partido em partido, Bolsonaro se reelegia a cada quatro anos graças a um eleitorado cativo, mas nunca deixando de ocupar o baixo clero da política nacional.
Seu tino pela polêmica e a adoção de posições extremistas, porém, foram sendo aperfeiçoados ao longo do tempo e começaram a ecoar fora dos círculos militares. Em 2014, num prenúncio do tsunami que se abateria sobre a política brasileira, Bolsonaro obteve seu sétimo mandato na Câmara com expressivos 464.572 votos, a terceira maior votação do país, atrás apenas do apresentador de TV Celso Russomano e do humorista Tiririca.
De lá até as eleições de 2018 as cenas se sucedem em modo acelerado. De um lado, as várias fases da Lava-Jato, Eduardo Cunha, impeachment de Dilma, Temer e Joesley se encontrando no Palácio do Jaburu, prisão de Lula. De outro, exposição maciça nas redes sociais, Bolsonaro carregado nos aeroportos de todo o país, discurso com citação a Brilhante Ustra na votação contra Dilma, “mito! mito! mito!” e o apoio de 57,8 milhões de brasileiros o levaram ao posto mais alto da República brasileira.
A cúpula das Forças Armadas entrou de cabeça no novo governo. Três generais (Heleno, Santos Cruz e Azevedo e Silva) e um almirante (Bento Albuquerque) assumiram altas posições no Ministério, sem falar no vice Hamilton Mourão. Muitos outros vieram depois, assim como centenas de oficiais e milhares de praças, da ativa e da reserva, ocupando órgãos públicos e estatais.
O alto comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica conhecia Bolsonaro, suas limitações intelectuais e personalidade difícil. Também tinha total ciência de seu passado de “mau militar”, como diria Geisel, e de parlamentar medíocre.
A cúpula das Forças Armadas brasileiras tinha plena consciência do risco de aderir ao governo de Bolsonaro. Se a gestão fracassasse, a reputação das três Forças seria gravemente contaminada. No entanto, se deixou inebriar pela perspectiva de voltar a comandar o país e pelas inúmeras benesses financeiras que a vitória do capitão reformado poderia oferecer à classe.
Das cinco linhas de investigação abertas atualmente pela Polícia Federal contra Bolsonaro, todas têm militares como protagonistas: ataques virtuais a opositores, campanha contra as urnas eletrônicas, tentativa de golpe de Estado, gestão da pandemia e fraudes com vacinas e o caso das joias.
De Eduardo Pazuello, que no auge da pandemia enviou vacinas do Amazonas para o Amapá porque confundiu as siglas dos Estados, a Mauro Cid pai, que negociou joias roubadas da Presidência da República enviando foto com seu rosto no reflexo, ambos generais, o governo Bolsonaro expôs a mediocridade das nossas Forças Armadas.
Os militares criminosos precisam ir para a prisão. E os demais, voltar urgentemente para os quartéis.
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