domingo, 26 de junho de 2016

Tolerância intolerável

Uma das belezas das línguas está em palavras que só esse idioma tem e revelam formas próprias de apreensão da realidade. É o caso da tão citada saudade em português. Isso também ocorre com insight em inglês — algo muito além das traduções sugeridas pelos dicionários, como perspicácia, discernimento ou introvisão. Tem a ver com a ideia de revelação súbita e iluminadora de algo oculto, uma espécie de relâmpago na consciência. Uma palavra que nos falta na língua de Camões.

Em recente conferência na ABL, o cientista político Sergio Abranches comentou que a sociedade brasileira anda tolerando o intolerável. Para alguns dos presentes, foi um insight, a nos lembrar que lutamos por mais tolerância à diversidade, mas estamos deixando de nos preocupar com nosso excesso de tolerância em outras casos. Talvez estejamos tolerando demais a desigualdade. E nos anestesiando para a aceitação da impunidade.


No entanto, temos todo dia uma quantidade incrível de lembretes de como esses males nos assolam. A proliferação recente da violência vai muito além dos atos de terrorismo que explodem a qualquer momento em qualquer lugar. O ataque à boate gay em Orlando, com dezenas de vítimas fatais, se soma a massacres de fiéis de seitas rivais no Oriente Médio, à guerra de facções entre a bandidagem nacional, aos estupros coletivos que se multiplicam país afora, ao assassinato da deputada britânica que defendia a permanência do Reino Unido na União Europeia, à agressão de uma menina na escola de Curitiba por ter sido fotografada com a mãe portando símbolos do candomblé. Para não falar nas torcidas que se agridem e se matam em eventos esportivos, nas balas perdidas multiplicadas, nas chacinas em todo canto, nos assaltos que eliminam vidas para obter umas pedras de crack, ou nos quase 20 bandidos fortemente armados que invadiram o maior hospital de emergência do Rio, fizeram o que bem entenderam, feriram, mataram, resgataram um criminoso famoso por matar gente a machadadas. E ainda se gabaram de seu feito, no centro da cidade, perto de batalhões da PM, do outro lado da praça onde fica a sede da Secretaria de Segurança e onde, poucos dias antes, foram filmados outros bandidos de fuzis circulando à vontade. Com a certeza da impunidade.

Em palavras vindas de outro hospital, o oncologista Carlos Gil alertou há poucos dias: “Condição financeira não pode ser critério de sobrevida”. Falava nas desigualdades no atendimento observadas em sua área. Tem razão, ao denunciar que estamos tolerando o intolerável, criando quase um sistema de castas na saúde.

Estamos ficando indiferentes ao fato de que, no Brasil, as taxas de morte violenta, sobretudo de jovens negros ou mestiços, atingem números incompatíveis com a civilização. Estamos anestesiados para os índices recordistas de policiais mortos no cumprimento de suas funções. E, por mais que o prefeito do Rio use adjetivos como inaceitável ou inadmissível, estamos aceitando e admitindo que as obras públicas sejam tão mal feitas que tragam perigo à população que as pagou. Até mesmo causando mortes como na recente queda da ciclovia. Ou como a ruptura da barragem de Mariana. Sem exigir que a fiscalização de obras passe a ser feita por seguradoras, e não por vistorias amigas, aptas a fazer vista grossa.

Estamos tolerando barbaridades que corroem por dentro o que deveria ser a própria tessitura da sociedade, que nos liga uns aos outros como filhos de uma mesma nação. É claro que a situação é complexa, e as causas são muitas e entrelaçadas. Mas não é possível continuarmos fechando os olhos para nossa tolerância à impunidade.

Às vezes, por meio de uma omissão que se confunde com cumplicidade e em nome de vagas teorias, insiste-se em formas de celebração demagógica que passam por cima das péssimas condições de educação, moradia e saneamento em que vive grande parte da população, sem esgoto nem coleta de lixo. Ignora-se a relação entre sujeira e doenças, ou falta de oportunidades e criminalidade juvenil. Rejeita-se encarar os vínculos entre as políticas econômicas adotadas e a deterioração das cidades, o custo Brasil, os efeitos destrutivos do populismo e da incompetência administrativa, a incapacidade empresarial de aumentar a produtividade e gerar empregos em número suficiente e com remuneração adequada.

Por que aceitamos as terríveis condições de nosso sistema prisional? Por que ônibus fretados sofrem acidentes horríveis, e isso continua sem controle? Por que não funciona a lei que obriga que pacientes de câncer tenham seu tratamento iniciado dentro de, no máximo, dois meses depois do diagnóstico? Por que aceitamos que religiosos se achem acima da lei, seja no volume de decibéis de seus cultos, seja nas isenções fiscais? Por que não conseguimos combater o armamento pesado nas mãos dos bandidos? Por que vemos deputados querendo afrouxar ainda mais a lei, e continuamos reelegendo essa gente?

Estamos tolerando o intolerável. Muito além da simples tolice.

Ana Maria Machado

Fora foro privilegiado

Com 105 condenações que somam mais de 1.140 anos de prisão, a Lava-Jato faz o Brasil acreditar que é possível trancafiar endinheirados e poderosos. Nas celas de Curitiba estão ex-ministros e tesoureiros do PT, empreiteiros, doleiros. Mas não consegue pegar políticos com mandato, detentores de foro especial por prerrogativa de função, vulgo foro privilegiado. Uma excrecência que beneficia mais de 22 mil pessoas – do presidente da República e seus ministros a governadores e prefeitos, além de senadores e deputados, magistrados – algo em torno de 16 mil. E até vereadores e delegados, em alguns tipos de crimes.

O foro especial não é uma invenção tupiniquim. Existe em vários lugares do mundo. Mas quase sempre limitado a um tipo de processo – normalmente correlato à função exercida pelo beneficiado, portanto administrativo. “O Brasil é um dos países que mais tem pessoas com prerrogativa de foro, só se compara à Venezuela e à Espanha, mas lá o foro é apenas para os crimes funcionais”, assegura o procurador da Lava-Jato Diogo Castor de Mattos.




Por aqui, o privilégio vale para tudo: do estelionato aos maus tratos, da roubalheira ao homicídio. A única exceção expressa no parágrafo 1º do artigo 53 da Constituição de 1988 é ser pego com a boca na botija, em “flagrante de crime inafiançável”.

Sendo assim, ainda que o Supremo Tribunal Federal tivesse disposição e dias de 80 horas, seria preciso muito fôlego dos 11 ministros para dar conta de um contingente desse tamanho. Só pela agenda sufocada dos ministros, o réu ou investigado ganha tempo – muito tempo - quando o processo fica no âmbito do STF, desejo máximo da unanimidade dos advogados de defesa.

No caso da Lava-Jato, a quantidade de procedimentos do Supremo impressiona. De acordo com o hotsite criado pelo Ministério Público Federal para informar sobre a operação, em pouco mais de dois anos o STF já autorizou 139 investigações, instaurou 59 inquéritos, com 38 investigados.

Mas o fato é que, à exceção do ex-senador Delcídio do Amaral – preso em flagrante não por roubar, mas por interferir nas investigações –, nem julgamento nem punição chegaram aos políticos que detêm mandato.

Em 2007, ano em que o STF acatou a denúncia dos 40 envolvidos no Mensalão, o ministro Celso de Mello fez defesa contundente do fim do foro de elite. “Minha proposta é um pouco radical: a supressão pura e simples de todas as hipóteses constitucionais de prerrogativa de foro em matéria criminal”, disse ao jornal Folha de S. Paulo. Como a suspensão do privilégio depende de aprovação congressual, sugeriu que a Corte avançasse, pelo menos, em limitar a abrangência dos crimes.

Nada aconteceu. Nem no STF, nem no Congresso, onde dezenas de propostas sobre o tema tramitam, algumas delas há mais de uma década. Duas semanas atrás, no bojo da cobrança do MPF em torno da emenda popular sobre as 10 medidas contra a corrupção, uma delas, a PEC 470, de 2005, ameaçou sair da gaveta. Ficou só na ameaça.

Disse a ministra Cármen Lúcia: “No Brasil, a gente engole o elefante, mas engasga com a formiga, consegue fazer o impeachment (da presidente da República), mas não consegue tirar o vereador da cidade pequena que todo mundo sabe que roubou ou fez coisa errada”.

Isso é gravíssimo. Mas o problema é maior e ainda pior do que o expresso pela figura de linguagem da magistrada que assume a presidência do STF em setembro.

O Brasil não consegue desratizar nem dedetizar. Ao contrário, mantem privilégios que perpetuam a multiplicação de roedores e insetos, predadores que não só o engasgam, mas o intoxicam. Perto disso, engolir elefantes é fácil.

'Está no livrinho?'

O genial brasileiro Tobias Barreto (1838-1889) era contundente com os pseudointelectuais que “se achavam”, falemos assim. Ia na jugular dos escritores que não se davam conta do mico em que habitualmente incidiam com suas análises e teorizações de fundo de quintal. Fruto de uma visão de mundo que não era senão a mais rasteira cumplicidade entre o provincianismo colonial brasileiro e os balofos privilégios da monarquia igualmente brasileira. Com o seu acabrunhante séquito de patriarcalismo, racismo, patrimonialismo, compadrio, nepotismo, fisiologismo, autoritarismo, soberba, cartorialismo e o tão renitente quanto ilícito enriquecimento privado à custa do erário.

Donde o conhecido trocadilho do padre Antônio Vieira (1608-1697): “Os governadores chegam pobres às Índias ricas e retornam ricos das Índias pobres”.

Pois bem, Tobias sapecava em tais personagens o rótulo de “figuras caricatas”. Encarnação do “baixo cômico”. Retrato não muito distante do que hoje é apelidado, já na esfera política nacional, de baixo clero parlamentar. Que, no entanto, cresceu nas últimas eleições e tem influenciado o desempenho dos governantes centrais do País. Vale dizer, Legislativo e Executivo mais e mais se têm inclinado a confundir presidencialismo de coalizão programática (válido mecanismo de governabilidade por aproximação ideológica de forças) com presidencialismo de cooptação fisiológica (espúrio mecanismo de governabilidade mercadológica ou pela troca de favores redutíveis a pecúnia e empoderamento pessoal). Visão equivocada de exercício do poder, porquanto cumulativamente antiética e distanciada da voz ideológica das urnas. Ambas as instâncias estatais a tomar gosto no ofício de apenas representar que representam o povo. Espécie de feudal aparelhamento do Estado para a impudente festa (diria o poeta Castro Alves) do loteamento de ministérios de “porteiras fechadas” e do abocanho individual-parlamentar de dotações orçamentárias. Este último adocicadamente chamado de “orçamento imperativo”, que outra majoritária destinação não costuma ter senão a de custear mal disfarçados quadros oficiosos de pessoal e organizações civis de questionável préstimo coletivo. Quando não “fantasmas”, no plano dos fatos.

É isso. É tal provinciana atmosfera mental de troca de favores pessoais e fidelização de viés partidário meramente utilitarista que habitua os agentes políticos do País a mal servir às respectivas instituições. Tanto quanto estas a desservir às respectivas finalidades. Modo de ser e de agir que tende a perpetuar um distorcido conceito social de governabilidade. Duplamente distorcido, porquanto contrário à vontade objetiva da Constituição e indutor de uma subjetiva resignação do povo quanto à impossibilidade popular de transformação das coisas. Donde a mais visível percepção de falta de unidade qualitativa na formação dos quadros ministeriais do Poder Executivo da União, nos últimos tempos, independentemente de quem esteja à testa desse Poder. Mais nítida percepção de que os governantes centrais do País tendem a enxergar mais os bastidores do seu entorno partidário do que o céu aberto da sociedade civil. Com o que se expõem ao gravíssimo risco de deixar de ser pontes para se tornarem muros perante essa mesma sociedade.

A saída, no entanto, é fácil. Basta cumprir a Constituição! Basta comparar com a letra e o espírito da Lei Maior do País (modo metafórico de se falar do sentido e do significado de cada norma constitucional) tudo o que se pretenda fazer como governante mesmo! Das nomeações de auxiliares à formação de bases partidárias. Do respeito à Lei Orçamentária Anual à Lei de Responsabilidade Fiscal. Das concretas políticas públicas às prioridades que para elas a Constituição mesma já estabelece, como sucede, por ilustração, com os setores do meio ambiente ecologicamente equilibrado e da educação e da saúde pública. Da proibição do preconceito contra determinados segmentos sociais às ações afirmativas do direito a reparação dos danos historicamente sofridos por eles. Da prossecução das políticas públicas de distribuição de renda aos economicamente débeis ao prestígio das instâncias estatais de cobrança de responsabilidades penais, civis e administrativas de quantos se encarreguem ou, então, ilicitamente se apropriem de bens, valores e dinheiros públicos. Sem jamais esquecer que toda a “ordem econômica” brasileira se lastreia em dois pilares constitucionais: a livre-iniciativa dos empresários e a valorização do trabalho humano (artigo 170). Trabalho de cujo “primado” a Constituição ainda dá conta como base da “Ordem Social” igualmente brasileira (artigo 193). Numa frase, basta otimizar em concreta funcionalidade poder e pudor, inclusão social e integração institucional ou comunitária. Tudo sob o império da mais ativada cidadania e plenitude da liberdade de expressão em sentido lato.
Uma comparação ainda me parece cabível. Assim como a mais inteligente forma de ser do indivíduo é trilhar sem nenhum desvio o caminho da honestidade, o modo mais inteligente de governar é seguir assim retilineamente a estrada da Constituição. O ser humano e todo governante a não temer jamais polícia, Ministério Público, Poder Judiciário, Tribunais de Contas, Receita Federal, imprensa, blogs, redes sociais, e por aí vai. Cônscios do dever cumprido e em paz com o seu travesseiro. O chefe do Poder Executivo tendo apenas de se perguntar se tudo o que vier a fazer “está no livrinho” a que se referia o presidente Eurico Gaspar Dutra. Chefe de governo e de Estado que esteve como inquilino do Palácio do Catete entre 1946 e 1950.
Carlos Ayres Britto

A desobediência do andar de cima

Num artigo em que defendeu o mandato de Dilma Rousseff e condenou a hipocrisia como tradição política, a historiadora Hebe Mattos, da Universidade Federal Fluminense, foi ao século 19 e nele encontrou um vigoroso processo de desobediência civil por parte da classe senhorial contra a extinção do tráfico de africanos. 

Em geral, pensa-se que desobediência civil é coisa de pobre. A desobediência civil do andar de cima ajuda a entender o que está acontecendo com a Operação Lava Jato. (Em nenhum momento a professora fez esse paralelo e é possível que nem sequer concorde com ele.) Até hoje só partiram do novo governo defesas cerimoniais da Lava Jato. Tramitam no Congresso lotes de iniciativas destinadas a desossá-la. Aqui e ali, ouve-se: Onde é que isso vai parar?. José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá não podiam ter sido mais claros nos grampos de Sérgio Machado.

A professora mostra como a desobediência civil da elite do século 19 dobrou leis e tratados. Em 1823, quando a Inglaterra reconheceu a independência do Brasil, o governo comprometeu-se a extinguir o comércio de escravos trazidos da África. Em tese, os negros trazidos para a terra seriam livres. Entre 1831 e 1851, chegaram ao Brasil cerca de 500 mil africanos contrabandeados. Todas as leis de proteção aos negros foram desossadas, e só em 1888 o Brasil tornou-se o último país americano livre a libertar seus escravos. Assim prevaleceu o atraso.

Na segunda metade do século 19, ninguém defendia a escravidão. Todo mundo aceitava o fim do cativeiro desde que. Assim como a escravidão, a corrupção empresarial e política da máquina pública é algo que precisa acabar, "desde que". Desde que não se aceite a colaboração de pessoas presas, diz Renan Calheiros. Desde que uma pessoa possa recorrer em liberdade aos tribunais de Brasília, diz Romero Jucá. Desde que a Lava Jato tenha dia para acabar, diria o doutor Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil de Michel Temer.

No século 19, a desobediência civil do andar de cima preservou a escravidão. No 21, ela tenta preservar o arcabouço que protegeu a corrupção e que agora está ameaçado.

Pena da política tem de ser Lava Jato perpétua

Não se fala noutra coisa. A corrupção generalizou-se de tal forma no Brasil que ficou impossível mudar de assunto. Pode-se, no máximo, mudar de corrupto. Pela primeira vez desde a chegada das caravelas, a gatunagem é combatida em toda sua latitude. E a plateia, que morria de passividade, passou a viver uma epidemia de cólera, desnorteando as autoridades.

Uma característica curiosa da corrupção era observada nos partidos políticos. O corrupto estava sempre nas outras legendas. Agora, ele está em toda parte. Outro traço marcante era que, guiando-se por algum autocritério, todos os políticos eram probos. Hoje, são honestos apenas até a próxima delação. O suor do dedo respinga em todos —de vermelhos a bicudos. Não se salvam nem os mortos.

Não há mais alternância no poder. O que existe é uma mera mudança de cúmplices. Confirmou-se a velha suspeita de que o sistema político brasileiro não é constituído por três poderes, mas quatro: o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o Dinheiro, que paira sobre os outros.

Todo aquele idealismo, aquele ímpeto de servir à sociedade, aquela ânsia de entregar-se ao bem público, toda aquela conversa estava impulsionada pela grana. Para entender o Brasil, era indispensável um certo distanciamento. Que começava com a abertura de contas secretas (se preferir, pode me chamar de trusts) na Suíça.

Dois fenômenos empurram a política para os novos tempos: a disposição dos países estrangeiros de colaborar no combate à roubalheira e a percepção de que corrupção passou a dar cadeia no Brasil. Para reduzir as penas, os corruptos levam os lábios ao trombone, oferendo matéria-prima para o avanço das investigações. Hoje, quem ama o feio leva muito susto.

Ouve-se ao fundo um zunzunzum a favor da fixação de um prazo para as investigações. “Os principais agentes da Lava Jato terão a sensibilidade para saber o momento de aprofundar ao extremo e caminhar para uma definição final. Isso tem que ser sinalizado”, disse o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) dias atrás. Hã, hã… O país não pode ficar dez anos nessa situação”, ecoou Michel Temer. Hummm!

Já está entendido que desse mato não sai coelho. Sai apenas jacaré, Renan, cobra, Sarney, hiena, Jucá, gambá, Cunha, porco-espinho, Zé Dirceu, gorila, Vaccari e um etcétera pluripartidário. Pela primeira vez, a oligarquia é investigada, encarcerada e presa. Verificadas as circunstâncias, é possível ser otimista a, vá lá, médio prazo, e ver o lado bom das coisas, mesmo que seja preciso procurar um pouco.

Num instante em que a força-tarefa de Curitiba começa a abrir filiais em São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, fica claro que a saída para o combate à roubalheira é a federalização do modelo Lava Jato de investigação, uma engrenagem que tritura o crime com quatro pontas: Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e Judiciário.

Se as últimas investigações demonstram alguma coisa é que o sistema político brasileiro apodreceu. A corrupção tornou-se um atributo congênito do político, como as escamas do peixe. A cosa nostra só voltará a ser coisa nossa quando os larápios se convencerem de que a festa acabou.

Como disse Temer, “o país não pode ficar dez anos nessa situação”. Contra um assalto intermitente, exige-se uma vigilância permanente. A política brasileira talvez volte ao normal se for condenada à Lava Jato perpétua.

Ainda o roubo institucionalizado dos velhinhos

Depois de um ‘”marido da Narizinho” roubar tostões de velhinhos aposentados para turbinar seus sonhos socialistas, acho que não sobra pedra sobre pedra para defender algum desses canalhas numa acalorada mesa de bar. Esse é o ponto. O socialismo posto no sol para secar mostrou toda a sua natureza sórdida e marreta. E incentivou o extremismo do outro lado, reação natural daqueles que olham essa confraria com nojo e indignação.
 
É muito cedo para sabermos o que vai acontecer com a Desunião Européia. O que vai acontecer com o socialismo, no entanto, já são favas contadas. Vai levar uma surra das “sociedades organizadas” em todos os níveis de atuação. Chega de pedaladas nas ideias. A gente, que somos “inútil”, não quer só comida; a gente quer diversão e arte. E saída para qualquer parte. Pode ser ou tá difícil?

A temporada de caça nos municípios

Daqui a três meses o Brasil estará votando para prefeito e vereador. Em 5.587 municípios os eleitores participarão daquela que deveria ser a eleição mais disputada do país. Deveria, mas não será, tendo em vista a completa indiferença popular diante da escolha mais importante da representação política nacional. Mesmo nos grandes municípios, como nas prefeituras das capitais estaduais, há indiferença generalizada. Imagine-se nos grotões.

Dizia o dr. Ulysses que ninguém mora na União, sequer nos Estados. Só nos municípios, quer dizer, nas cidades. Os presidentes da República, governadores, deputados e senadores dispõem de imensuráveis poderes e responsabilidades. Mas é para os prefeitos e vereadores que o cidadão comum se volta, em especial quando lhe doem os calos. Daí mais um motivo para a não coincidência de mandatos dos planos estaduais e nacional com os municipais.

Continuando o desinteresse provavelmente olímpico entre os eleitores e seus imediatos e óbvios representantes, o risco é desse sentimento atingir os outros planos, daqui a dois anos.

A dúvida é se a sombra da corrupção municipal começará fornecer material tão farto quanto as denúncias que vêm enlameando os Estados e a União. Parece que sim, abrindo-se agora a temporada de caça aos prefeitos e vereadores, que apenas por falta de interesse maior vinham poupando a ação da Justiça e o noticiário dos jornais. Mas que tem prefeitos e vereadores em profusão, capazes de ser denunciados e até obstados em suas pretensões de reeleger-se, é mais do que natural. Os tribunais regionais eleitorais terão trabalho redobrado.

Sinal dos tempos bicudos que vivemos em termos de representação política está no fato de que, nos Estados, são poucos os observadores em condições de apontar os candidatos a prefeito de suas capitais. Nos outros municípios, também.

Aula de Moro

O Estado contemporâneo assumiu tarefas mais amplas e complexas do que as dos seus antecessores. […] A ampliação dos deveres do Estado trouxe concomitantemente novos desafios, não só de gestão, mas também fiscais, pois os recursos não são infinitos.
Como resultado, uma tendência, verificada a partir do final do século passado, consiste na realização de parcerias entre o Estado e entidades privadas, com atribuições a estas de funções e tarefas que se pensavam originariamente estatais. Há um provável ganho de eficiência, considerando a menor burocracia do âmbito privado, e igualmente uma pulverização de poder, o que é igualmente relevante para a democracia em uma sociedade pluralista.
Não se deve perder de vista que, apesar das parcerias, ainda se trata de serviços de relevante interesse público e que, envolvendo muitas vezes transferências de recursos do Estado para o âmbito privado, direta ou mesmo indiretamente, por meio de isenções, todo o cuidado é pouco.
Tais parcerias, delegações ou atribuições não transformam a coisa pública em privada e, portanto, a atividade das entidades parceiras deve sempre ser orientada em benefício do interesse público, vedada a contaminação por interesses especiais. […]
Trechos do prefácio escrito pelo juiz Sergio Moro para o livro "Regime Jurídico das Parcerias das Organizações da Sociedade Civil e a Administração Pública – Lei 13019/14", escrito pela sua mulher e advogada Rosangela Wolff Moro. A  obra é um manual de consulta para entender melhor as novas regras de parcerias entre entidades – agora chamadas de Organizações da Sociedade Civil – e a Administração Pública direta e indireta de todas as esferas, por conta da Lei 13.019/14,denominada Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. 

Mamãe eu quero mamar!

Que saudades do tempo dos malandros que “batiam carteira”, sorrateiros de mãos leves; dos ladrões que roubavam galinhas; e da época que os políticos apenas mentiam e falavam palavras de efeito. Saudades dos tempos em que a Petrobras furava petróleo no Recôncavo baiano e o Rio era boêmio. Na Afonso Pena, havia árvores e BH era a “Cidade Jardim”. O Mineirão cabia 150 mil pessoas, o clássico era divido ao meio e ninguém morria espancado.

Homens flertavam apenas com o rabo de olho, e as mulheres dificultavam ao máximo. Tarado era quem falava palavras “feias” e desrespeitosas. Crianças viviam nas ruas, seu mundo variava do mágico ao ingênuo. Delta Larousse e Barsa eram nossos Googles poderosos. Ah! Já ia esquecendo nesse meu delírio saudosista e ridículo: filhos respeitavam e admiravam os pais e os professores eram referências e mestres. Esse mundo fossilizou, não existe mais, mas lembranças sempre me farão muito feliz.


Sim, meus jovens, sou um dinossauro bem-resolvido, revivido, tecnofóbico, esperando a extinção com um sorriso nos lábios e uma frase que não quer calar: “era feliz e sabia ser!”. O resto é história que guardo para contar para os netos, que ainda não tenho, pois os filhos estão compenetrados nas suas telas.

Mas, com esse mar de lama que devastou o rio Doce; o tsunami de figuras importantes da “república do quem rouba mais”; do capitalismo das desigualdades; da Inglaterra, que inventou o colonialismo, e agora quer pular fora do barco dos náufragos, dos botes dos pobres ex-colonos, da revolução industrial que obriga tropicais a usar ternos e ter que falar inglês e agora diz um “dane-se todo mundo, pois aqui é a terra da rainha”; literalmente ,estamos no início do fim dos tempos.

Um brinde à civilização, a todos nós que embarcamos nessa canoa furada. Merecemos nossos políticos, nossas dívidas, nossa avacalhação, nossa Copa, nossa Olimpíadas onde recorde de zikas, medalha de ouro de corrupção, desfile de abertura da vergonha e incompetência, mais uma vez nos goleará de 7 a 1.

E ainda faremos piadas, memes, esperaremos o Carnaval e embebedaremos ao som eterno de “Mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar ...” Acústica campeã há décadas, afinal é a nossa cara! Doidos que somos para mamar na teta farta do país mais fértil e de mais futuro do mundo.

Somos essa gente morena que quer mostrar valor, que se torna preta se isso ajudar a passar no concurso, que finge ser branca quando latina vai às compras em New York. Mal-resolvidos, ora esquerda em festa e protesto, ora direita em mordomias e privilégios, ou centro na indiferença que nos faz eleger os coronéis e seus cabos que mantêm a ignorância no cabresto.

O mundo está aqui no nosso quintal, na nossa casa. Globalizou a injustiça, o egoísmo, a indiferença, a vaidade, o cada um cuida de si e nem mais Deus dando conta de todos. Sai da frente que eu quero passar, nem que seja pisando em cabeças, pagando por fora, sendo amigo do fulano que é filho do coronel.

Enfim, a profética marchinha se mostrou verdadeira: “Me dá chupeta, me dá chupeta, pro nenê não chorar”. No fundo, somos o país que adora mamar, de preferência, com o mínimo esforço, e até desdentado. “Olha a cabeleira do Zezé...” Aí vem o politicamente correto, é melhor parar por aqui.