quarta-feira, 30 de novembro de 2016

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O problema da igualdade

Os escândalos e a inverossímil corrupção que vivemos têm um denominador comum. Na teoria corrente, trata-se da óbvia apropriação do público pelo particular. Sociologicamente, porém, eles são um elo da nossa imensa capacidade de driblar a igualdade, trocando-a por simpatias pessoais.

Mudamos leis para não mudarmos o que Tocqueville chamava de “hábitos do coração”. Essas “segundas naturezas” que usamos sem pensar porque elas estão tão dentro de nós que não as enxergamos.


Os abusos do universo público pelos partidários e amigos resultaram na prisão de uma elite bandida, a qual, por sua vez, provocou imediatamente fortes articulações para limitar um chamado “abuso de autoridade” e a anistia de crimes que levariam ao esvaziamento da Lava-Jato.

Essa é a prova cabal da nossa aversão à igualdade. Que o povo negro e pobre seja alvo da igualdade perante a lei não é problema. A coisa, porém, se transforma em problema quando os ladrões formam uma súcia de parlamentares, doleiros e empresários. Nesses casos, causa repugnância a ideia de que a lei “deve valer para todos”, inclusive para o “governo”, a família e os amigos. Contra tal acinte, legisla-se em causa própria.
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Como exercer a igualdade na terra do “Você sabe com quem está falando?”, onde o poder é centralizado, hierarquizado, avesso à inclusão e fraternalmente dividido com os amigos?
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Nossa resistência em dividir leva a um paroxismo centralizador, que esconde do cidadão a riqueza produzida por todos, mas controlada pelos poucos que estão no poder. É fácil reduzir salários de funcionários, mas não se cogita sair dos palácios, renunciando a um aristocrático estilo de vida.
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A República funciona como monarquia. O que poderia disciplinar a ambiciosa elite capitalista termina por colocar num mesmo ralo governo e empresários. Daí a roubalheira estruturante e estrutural. Felizmente, existe uma “imprensa comprada” para denunciá-la, algo que os nazistas de esquerda e de direita querem cercear. Essa é a imprensa que divulga como se esbanja dinheiro público mantendo — mesmo debaixo de uma crise nunca antes vista neste país — um estilo de vida palaciano e moleque.
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Nesta postura, a ética da amizade engloba a ética pública. O que seria de todos passa a ser propriedade dos poderosos legalmente — notem o paradoxo — acima da lei.
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A patologia que experimentamos não vem de mais-valias absurdas. Vem da impossibilidade de punir governantes e de descobrir que roubar e governar são sinônimos. Quando a administração transforma ideologicamente a insídia em valor, descobrimos assustados que o crime não é desvio, mas norma.

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Eis o sinal, dizia Durkheim, de doença.
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Se roubar a sociedade é um valor, assassinamos a igualdade, engendrando uma classe de ladrões ilustres e graduados: presidentes, governadores, senadores, deputados, juízes, delegados, deputados, grandes empresários e o que mais não sejam. Papéis sociais couraçados pela honra e competência desmancham-se. Eles não servem mais à coletividade, mas aos seus ocupantes, amigos e partidos. É o fim...
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O privilégio — esse pai da corrupção — está no uso de cargos públicos para obter vantagens particulares. A indiferença ao conflito de interesse exigido por certos papéis explica a nossa desmoralização. Quando o papel de ministro corre o risco de ser canibalizado pelo de proprietário de um apartamento de luxo, não se pode mais fingir. O bem-estar instável de um país comandado por um governo tampão e emergencial demanda — conforme ocorreu — que se fique do lado do Brasil, e não do amigo.
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Liquidamos a nobreza mas, como compensação, mantivemos um sistema jurídico bizantino, com múltiplos privilégios. Para os conflitos do dia a dia, inventamos o “Você sabe com quem está falando?” sem discutir as amizades cujas regras implícitas têm promovido vergonhosas tragicomédias.
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Com 40 anos escrevi tudo isso (e mais alguma coisa) em “Carnavais, malandros e heróis”. Hoje, aos 80 e desolado, observo uma batalha entre “direita” e “esquerda” arrebentando o Brasil, quando a verdadeira questão é a da igualdade. A igualdade que se faz quando há coragem de dizer não a si mesmo, pois é isso que permite — como escreveu Oliveira Vianna em 1925 — a começar a resistir aos amigos!
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Meu abraço afetuoso ao Edson Celulari. Meus agradecimentos ao Ruy Castro, que me enviou o seu brilhante prefácio ao livro “Memórias de um sargento de milícias” — essa cartilha do Brasil. E minhas condolências aos admiradores dos revolucionários que, no poder, viram tiranos.

Roberto DaMatta

Os caras deslavadas

O presidente do Senado, Renan Calheiros, vai fechando seu período no posto com chave que não é de ouro, mas de material a ele assaz familiar: o cinismo. Aquele mesmo usado quando do rompimento com Fernando Collor, de quem havia sido líder na Câmara, procurando dar a impressão de que se afastava por razões éticas quando, na verdade, rompia em reação ao corte de recursos recebidos via Paulo César Farias para a campanha ao governo de Alagoas em 1990, depois que Collor deixou claro o apoio ao adversário, Geraldo Bulhões.

Daí em diante fez carreira nacional à custa da ingenuidade, da complacência e da cumplicidade alheias: foi ministro, note-se, da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, quatro vezes presidente do Senado, uma renúncia ao cargo para escapar da cassação e campeão na quantidade de inquéritos acumulados no Supremo Tribunal Federal, que amanhã examina o primeiro de uma série de 12. Está prestes a tornar-se réu na ação em que figura como receptor de propina de empreiteira e usuário de documentos falsos.

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Pois nessa condição é que se faz (na ótica dele) porta-voz da defesa dos interesses nacionais. De um lado, partindo da correta premissa de que é necessário atualizar a legislação que responsabiliza civil, criminal e administrativamente atos de abuso de poder para atingir o torpe objetivo de mostrar aos órgãos de investigações quem é que manda. De outro, ontem partindo com truculência verbal para ataques ao sistema político, segundo ele, “fedido, falido, caquético, alvo de desconfiança da sociedade”.

Mesmo? Não fosse Renan Calheiros a dar o alerta continuaríamos a viver a ilusão de que o modelo pelo qual sua excelência e companhia se elegem, mandam e desmandam há anos seria cheiroso, florescente, vigoroso, objeto da mais absoluta confiabilidade na opinião do público. Determinados políticos quando fazem esse tipo de diagnóstico e defendem com veemência uma remodelação total nos meios e modos na política remetem à anedota do sujeito que rouba uma carteira e sai gritando “pega, ladrão”, no intuito de desviar de si as atenções.

Calheiros e demais mandachuvas do setor tiveram todo o tempo do mundo para consertar os defeitos que apontam. A começar pelas respectivas condutas. Não fizeram porque não quiseram. Uma reformulação virá, mas não nos moldes formais (e acanhados) propostos pelo Congresso.

Nascerá da incorporação na sociedade do sentido do primeiro artigo da Constituição: o poder emana do povo e, portanto, em seu nome deve ser exercido.

Hiperdemocracia sem lei

mec
Brasília, 29/11/2016 - A anarquia sindicalista
“Não há liberdade sem lei”
Rousseau

Anarquia é a doutrina política fundada no princípio da negação da autoridade. Prega a volta do homem ao estado original, de total liberdade para decidir e agir, dispor de si mesmo, dar às coisas o destino que melhor lhe parecer, ou convier, sem pedir permissão ou depender da autoridade de alguém (John Lock). Anarquista ou ácrata, no sentido vulgar, é quem afronta a ordem estabelecida disposto a eliminar, se preciso fisicamente, autoridade eleita ou nomeada.

O Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino entende por anarquismo “o movimento que atribui ao homem, como indivíduo, e à coletividade o direito de usufruir toda a liberdade, sem limitação de normas, de espaço e de tempo, fora dos limites existenciais do próprio indivíduo”.

Pessoas dotadas de discernimento sabem que as coisas não funcionam assim. Nesse sentido registrou o político espanhol José Maria Gil Robles, para condenar a violência que devastou a Espanha na Guerra Civil (1936-1939): “Não nos enganemos, um país pode viver sob a Monarquia ou sob a República, o Presidencialismo ou o Parlamentarismo, sob o Comunismo ou sob o Fascismo! Mas não pode viver na anarquia”.

Produto da utopia, o anarquismo jamais poderia materializar-se como sistema de governo. Causou numerosas vítimas e provocou enormes prejuízos em períodos de anomia, quando as autoridades se mostraram coniventes ou indecisas, temerosas de esboçar reação.

Para Roderick Kedward, autor do livro Os Anarquistas, a época dourada da doutrina de Proudhon e Bakunin situa-se entre 1880 e 1914. Retratado por Hans Magnus Enzensberger na obra O Curto Verão da Anarquia, o catalão Buenaventura Durruti entrou para a História como inimigo da ordem e da lei. Foi morto em Barcelona durante tiroteio de rua. O homem que fez tremer a Europa deixou duas pistolas, dois jogos de roupas de baixo, um binóculo e óculos de sol.

As raízes do movimento sindical brasileiro estão fincadas no anarquismo. Anarcossindicalista foi Everardo Dias (1886-1966). Tipógrafo, jornalista, escritor e maçom, escreveu a História das Lutas Sociais no Brasil para registrar experiências vividas desde a greve de 1917 até a implantação do Estado Novo, em 1937. Também o foram Edgard Leunroth (1881-1968), Gregorio Nazianzeno Moreira de Queiroz e Vasconcelos ou Neno Vasco (1879-1920), Gigi Damiani (1876-1953), Oreste Ristori (1874-1943).

O que se observa não guarda semelhança com a genuína doutrina anarquista. Ressalvadas pacíficas manifestações públicas em locais determinados, o que presenciamos são aglomerações dominadas pela violência, provocadas pelo amálgama da decomposição social com a falência de autoridade e a desmoralização da política, vítima da corrupção. Com as redes sociais à disposição tornou-se simples mobilizar espíritos brutalizados e agressivos.

A pretexto da imediata solução do problema de moradia, do atendimento às reivindicações nas áreas de segurança, saúde, educação, do combate às reformas previdenciária e trabalhista, do saneamento das finanças, são invadidos prédios públicos, ocupadas ruas, praças e avenidas, posto fogo em pneus e latões de lixo, depredados imóveis comerciais. Infelizes dos que se encontrarem diante da horda, a caminho do trabalho, da residência, do hospital ou da escola.

A insegurança não encontra paralelo na História. Pouco importa saber que a crise é real, profunda, e que há milhões de desempregados e subempregados. Vivemos uma espécie de hiperdemocracia sem leis, na observação de Ortega y Gasset em Rebelião das Massas. Com palavras de ordem da CUT, do MST, da FPSM, da FBP e de outras siglas improvisadas ao sabor do momento, vândalos atacam a polícia à procura de um morto para exibi-lo em passeatas e convencer incautos de que o governo é arbitrário.

A derrubada das grades do Palácio dos Bandeirantes em abril de 1983, a repetitiva ocupação de prédios e dependências do serviço público, ataques a ônibus, a recente invasão do prédio da Secretaria de Segurança Pública em São Paulo demonstram a ousadia de facções anárquicas conduzidas por irresponsáveis e engrossadas por aquilo que se costuma denominar de inocentes úteis ou massa de manobra.

Não raro a anarquia está camuflada dentro de partidos radicais de extrema esquerda. Basta prestar atenção aos discursos para perceber os objetivos ocultos dos líderes. Disputam eleições, mas são inimigos da democracia, da lei, da propriedade privada. Quando se submetem ao teste das urnas, são inapelavelmente rejeitados.

A História revela a dificuldade de organização das classes trabalhadoras. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), produto de divisão na época do governo João Goulart, como relata Jacob Gorender no livro Combate nas Trevas, pertencem à espécie dos partidos de quadros. Jamais foram partidos de massas. O Partido dos Trabalhadores (PT) resultou da única tentativa bem-sucedida de reunião de operários, comerciários, bancários, dentro de legenda estruturada. Desmoronou abatido pela corrupção. Altos dirigentes estão presos; outros, à espera de visita da Polícia Federal.

Aproximam-se as eleições de 2018. Com o PT liquidado, PSDB e PMDB são os partidos aptos à disputa da maioria no Senado, na Câmara dos Deputados e da Presidência da República. A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos da América deve soar como advertência de clima favorável aos demagogos, com promessas que as massas gostam de escutar.

Acautele-se o presidente Michel Temer, pois poderá ser surpreendido e derrotado, como acaba de acontecer com Barack Obama.

Paisagem brasileira

Trecho do Piabanha (1948), Manuel Faria

Educação em Cuba

Que fique claro: ditaduras não se justificam em nome dos avanços sociais e muito menos são pré-condições para tais conquistas. Não há, portanto, nenhum sentido em absolver Fidel Castro e o seu regime sobre o pretexto de a revolução cubana ter promovido a “igualdade”.

Na vizinha Costa Rica, a revolução de 1948 obteve enormes avanços na educação e na saúde e dissolveu seu próprio exército revolucionário. A Costa Rica, coração civil, nunca deixou de realizar eleição presidencial livre e limpa a cada quatro anos e sua capital é a sede da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Detalhe: o salário médio no país é 15 vezes maior do que o de Cuba, seu PIB e renda per capita são os mais altos da região.

Temos ainda o exemplo da Coreia do Sul, um país atrasado até os anos 50 e hoje com um IDH bastante alto – o 15º do mundo. A Coreia passou por períodos ditatoriais, mas é uma democracia liberal desde 1987. A educação foi a grande alavanca para alcançar o status de ser o país mais inovador do planeta.

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Vamos para a educação cubana.

Há alguns anos fiz parte de uma delegação brasileira de gestores da rede privada do ensino em visita a Cuba para conhecer como era a educação no então único país socialista do continente americano.

Chamou atenção o fato de Cuba ter erradicado o analfabetismo (no final da década de 80 a taxa de analfabetismo no Brasil ainda era de 20% da população de 15 anos ou mais) por meio de ampla mobilização, em que para alfabetizar não era necessário ser professor. Quem sabia ler e escrever ensinava a quem não sabia.

A maioria das escolas que visitamos padecia de recursos, funcionava em prédios improvisados, sem manutenção e com deficiência de iluminação. Mas tudo isto era compensado pela alta motivação dos educadores e educandos, o que faz toda a diferença nos resultados colhidos.

Na Escola Lenin de Ensino Médio, a melhor do país, dotada de equipamentos modernos para a época, exibia a contradição entre um ensino de forte conteúdo e o dirigismo ideológico. Os alunos eram campeões mundiais nas olimpíadas de matemática ou física, eram exímios no xadrez, mas o ensino de história era totalmente tendencioso e priorizava acontecimentos cubanos e soviéticos. Na biblioteca havia um grande volume de livros, mas não se encontrava os que mostravam a produção cultural ou científica do mundo ocidental.

Até hoje nem tudo pode ser ensinado nas salas de aula, o diálogo deve ser monitorado e o senso crítico, com a confrontação das verdades estabelecidas, é reprimido. Evidente que à juventude cubana não é dada a possibilidade de viver uma natural fase de experimentação, ou de considerar caminhos alternativos, comportamentos diferentes. E nem mesmo questionar influências familiares, sociais ou culturais.

Choque mesmo tivemos ao visitar uma escola exclusiva para crianças com surdez. A falta de recursos saltava aos olhos, mas era impossível não se emocionar com a dedicação dos professores que faziam milagres. Os alunos, todos pequenos, conseguiam falar e expressar ideias com grande fluência. A frustração veio logo seguir, quando, a pedido dos professores, em uníssono afirmaram: “todas as crianças de Cuba querem ser como Che Guevara”. Foi a constatação de que o sistema educacional da Ilha reproduz até hoje o culto à personalidade de seus “deuses”; ignora a sentença do dramaturgo Bertold Brecht: “triste de um povo que ainda precisa de heróis”.

O pensamento único impede o debate de ideais, não respeita o diferente, impõe uma educação incapaz de ensinar a conviver com a diversidade, seja ela de natureza religiosa, política ou de gênero. É impensável, por exemplo, que seja abordado em suas salas de aula o tema da homofobia. Sem o direito à privacidade, sacrifica-se também a liberdade de expressão.

E tudo isso é consequência da ditadura.

Não há, portanto sentido algum em se fazer hagiografia e genuflexão diante de ditaduras, ainda que se digam “benéficas”.

Barraco legislativo

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Câmara optou por olhar para dentro. Ficou com a corporação. Perdeu a chance de recuperar alguma credibilidade. Sai muito menor desse episódio
Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator das medidas anticorrupção

Uma madrugada para jamais ser esquecida

A Câmara dos Deputados fez nesta madrugada o que justamente se esperava dela. Ao votar o pacote de medidas contra a corrupção, enfraqueceu-o para se vingar da Lava-Jato e proteger parte dos seus membros investigados ou alcançados por denúncias de roubalheira.

Uma vez aprovado o pacote da forma como ele havia sido apresentado pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS), a esmagadora maioria dos deputados começou a desfigurá-lo por meio de emendas a vários dos seus principais itens.

O pacote de medidas contava com o apoio do Ministério Público e de 2,5 milhões de brasileiros que o assinaram. O que se fez logo de partida? A Câmara aprovou emenda que tipifica o crime de abuso de autoridade para magistrados e integrantes do Ministério Público.

Charge do dia 27/11/2016

Foram 313 votos favoráveis, 132 contrários e cinco abstenções. Cumpriu-se o que horas antes antecipara o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão do ex-ministro Geddel: “Vamos, sim cortar as asas deles”. Referia-se a procuradores e juízes.

“Os procuradores deram um tiro no pé ao nos pressionarem para aumentar seus poderes”, comemorou o deputado Benício Gama (PTB-BA), vice-lider do governo. Lorenzoni foi vaiado e xingado por colegas ao se opor à aprovação da emenda.

Doravante, se o Senado confirmar a decisão da Câmara e o presidente Michel Temer não vetá-la, os membros do Ministério Público poderão responder pelo crime de abuso de autoridade se, entre outros motivos, promoverem a “instauração de procedimento sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito”.

Além da “sanção penal”, o procurador ou promotor poderá ficar “sujeito a indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado”. Quanto aos juízes, eles poderão ser punidos em pelo menos oito situações.

Uma delas: expressar-se, “por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento”. A pena prevista é de seis meses a dois anos de prisão e multa.

“Está sendo aprovada a lei da intimidação contra promotores, juízes e grandes investigações”, protestou em mensagem postada no Twitter o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná

Tem mais: a emenda modifica a Lei de Improbidade Administrativa para prever que a pessoa que apresentar representação ou ação contra agente público poderá ser punida com prisão de seis a dois anos e multa, além de ressarcimento por danos materiais e morais se o ato da denúncia ocorrer “de maneira temerária”.

Hoje, a lei só prevê punição para quem fizer denúncia sabendo que o acusado é inocente.

A Câmara também rejeitou a criação do crime de enriquecimento ilícito de servidores públicos e a perda dos bens que o funcionário não conseguir comprovar sua origem, em caso de condenação por outros crimes.

O item do pacote que previa a criação de “o reportante do bem”, espécie de denunciante que teria salvaguardas por informar sobre um caso de corrupção, simplesmente foi eliminado. Também foram eliminadas mudanças para dificultar a ocorrência da prescrição de penas.

A única coisa que a maioria dos deputados abdicou de fazer foi aprovar emenda que anistiasse a doação e o recebimento de dinheiro não declarado à Receita e à Justiça Eleitoral – o caixa dois. Deve-se isso ao ex-ministro Marcelo Callero, da Cultura.

Na semana passada, depois de demitir-se do cargo, Callero atingiu o governo com a denúncia de que ministros e altos funcionários da República, de comum acordo com Temer, haviam feito tráfico de influência para beneficiar o ex-ministro Geddel.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional embargou a construção de um prédio de 30 andares em área tombada de Salvador. Geddel era dono, ali, de um apartamento. Para recuperar-se do estrago em sua imagem, Temer prometeu que vetaria uma possível anistia do caixa dois.

Prometeu e cumpriu.

A Chapecoense, nossa academia e as simetrias


A Chapecoense não foi o primeiro time a perder seus jogadores num desastre aéreo. Italianos e ingleses nos precederam também neste quesito.

” Ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias”, diz Jorge Luís Borges no conto “A trama”, tão curto quanto célebre.

Eu dava esta narrativa como exemplo de uma história curta bem contada a alunos do Brasil meridional que estudavam na Universidade de Ijuí na década de 70. Notei que, entre eles, havia catarinenses que vinham de Chapecó e lembrei-lhes que Lucas Boiteux, autor que pertenceu à Academia Catarinense de Letras, explicara que a etimologia de Chapecó na língua caingangue queria dizer “lugar de onde se vê o caminho da roça”.

Nos dias seguintes, fomos a uma aldeia caingangue ali das redondezas e o cacique perguntou-nos pelo governador Borges de Medeiros, de quem se dizia amigo. Explicamos que ele não era mais governador. O chefe indígena franziu o cenho: “Mas por quê?”. Um de nós lhe disse que o governador tinha morrido. Ele quis saber de quê.

Nenhum de nós soube responder. Fazia quase vinte anos que Borges de Medeiros morrera, aos 98 anos, o que nos deu o ensejo para perguntar a idade do cacique. “Quatro sementes de taquara”, disse o cacique. Só mais tarde fomos saber que a semente de taquara demora de 35 a 40 anos para florescer…

Hoje pela manhã, falei ou troquei mensagens com vários catarinenses, por gosto ou por dever de ofício, e nossa pauta ia ser outra (sou catarinense, tenho muitos amigos em SC, pertenço à Academia Catarinense de Letras, ajudo num projeto editorial da Unisul etc.), mas o assunto era um só: o desastre aéreo que matara todo o time da Chapecoense.

O escritor Oldemar Olsen Jr., que já foi casado com a também escritora Maria Odete Olsen, ambos meus queridos amigos, noticiou um fato grave: com os sentimentos desarrumados pela tragédia, recebeu conselho do irmão mais novo para acalmar-se. Foi, então, que ele percebeu que a coisa era feia: receber conselho de irmão mais novo!

Pois é, uns vivem mais do que Borges de Medeiros, como foi o caso do cacique caigangue. Outros morrem cedo, como os dois irmãos adolescentes que perdi afogados num rio catarinense.

E uns morrem no céu da pátria, a poucos minutos de o avião aterrissar e a um dia de disputarem por Santa Catarina e pelo Brasil o título da Copa Sul-americana.

O jornalista Celso Arnaldo Araujo lembrou há poucas horas que o goleiro Danilo, um dos mortos, fez há poucos dias a maior defesa de sua carreira no último minuto do jogo da Chapecoense contra o San Lorenzo, e que esta defesa custou-lhe a vida hoje!

Ontem, à noite, minha mulher e eu descartamos um filme da Globo que parecia ser de desastre aéreo. E fomos rever mais um episódio de “Lúcia McCartney”, autor brasileiro contemporâneo que eu lia e, admirado, indico a meus alunos desde aquela época. Quando José Henrique Fonseca me convidou para ser consultor do roteiro, tremi de emoção.

Reitero com Borges: “ao destino agradam as repetições, as variantes, as simetrias”.

“Pero, che!”.

Até pensei que fosse minha

Foi num pequeno sótão no Príncipe Real que Lisboa começou a ganhar ares de lar através dos meus olhos. A casinha, sempre enfeitada com flores coloridas, tinha dois pontos que me apaixonavam diariamente. O primeiro era a janela na qual, se eu me esticasse bastante, via a cúpula da Basílica da Estrela. Assim que o sol ameaçava se pôr, era para lá que eu corria.

O outro ponto era a pequenina varanda que dava para uma mansão absolutamente linda e absolutamente triste. O jardim impecável estendia-se por muitos metros. A namoradeira branca não tinha uma única falha na pintura e os degraus nunca tinham folhas secas. Os empregados cuidavam de tudo, eu via muito bem enquanto estendia minhas roupas no varal.

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Mas era triste não ver os donos da casa aproveitando nada daquilo. Uma ou duas vezes vi o casal de senhores tomarem um rápido café na varanda. Porém, a maior tristeza daquela casa morava nos brinquedos do jardim. Um balanço, uma gangorra e um escorregador, todos novos e coloridos. Brinquedos sem crianças conseguem ser mais tristes do que crianças sem brinquedos.

Eu diariamente me perguntava onde estariam aqueles prováveis netos cuja ausência transformava um lindo jardim florido em um imenso vazio. Passou dezembro, passou janeiro e fevereiro. O frio começou a afastar-se. Os dias mais longos de março e abril aumentavam a melancolia dos brinquedos inertes. Eu detestava olhar para aquilo.

Era o fim da tarde de um sábado de maio. Eu tinha saído cedo para ler debaixo de sol, comer pão de canela e comprar frutas. Subi os quatro andares de escada e assim que abri a porta comecei a ouvir vozes de crianças. Seria possível? Larguei as sacolas no chão da cozinha e corri para a varanda.
Sim, eles estavam lá. Dois meninos correndo e uma menininha de vestido branco que ainda não andava com muita firmeza, mas encontrava-a nas mãos do avô, que finalmente desceu aqueles degraus. Enquanto a avó se aproximava com uma jarra de suco, eu sentei no chão da minha varanda e senti algumas lágrimas inadequadas rolarem.

Lembrei-me do Chico cantando que a felicidade morava tão vizinha que, de tolo, até pensei que fosse minha. Nunca soube os nomes deles, nem onde viviam as crianças. Nunca pisei naquela casa. Nada naquela história me pertencia. Mas percebi que aquela alegria gratuita pela felicidade alheia, ainda que tão inadequada quanto as lágrimas, era das coisas mais minhas que eu já havia sentido.
Ruth Manus

Em algum lugar do passado

Instituições em frangalhos

Perdeu-se o presidente Michel Temer na trapalhada de conceitos que se obriga a oferecer a seus ministros e ao país. Acaba de declarar, em encontro com empresários, que o Brasil não tem instituições sólidas, pois elas são abaladas por qualquer fatozinho que surja.

Com todo o respeito, o Judiciário é uma instituição sólida. A Polícia Federal, também, assim como o Ministério Público. Claro que a Câmara dos Deputados não é, assim como o Ministério. Mas a operação Lava Jato parece feita de granito. E assim por diante, com vantagem para a solidez de boa parte das instituições nacionais. Se o presidente da República duvida, é problema dele.

Sólido é o processo eleitoral, apesar da fragilidade de seus resultados. Ainda agora vai-se desmanchar como sorvete ao sol um grupo de perto de 200 políticos incluídos na lista da Odebretch. Como alguns ministros que deixaram de ser ministros depois da posse de Temer.

Nas colunas de deve e haver, o governo ainda dispõe de saldo positivo. O que não dá para entender é o desânimo presidencial, estendido a uma parte do Ministério.

Ao aderir ao processo de impeachment da antecessora, Michel conseguiu injetar boa dose de esperança no fortalecimento das instituições. Se agora é ele mesmo a duvidar de seus sentimentos, alguma coisa desandou. Talvez a confiança em seus próprios ministros, ainda que se possa dizer que vem colhendo o que plantou.

Estava escrito que determinados ministros se envolveriam em trapalhadas. Cabe-lhe corrigir a escalação do time. Reconhecer o erro é o primeiro passo para a correção de rumos. Faltam dois anos e um mês para a consolidação das instituições. Jamais para deixá-las em frangalhos.

Despachados e despachantes

Geddel Vieira Lima define-se como “despachado”, autoindulgência dentro da qual faz caber a compreensão peemedebista do que seja a atividade política. Não importa que Geddel já não seja ministro. Ele fica. Tem permanência. A rigor, ele sempre esteve.

Geddel não é indivíduo. É categoria moral. É o político brasileiro essencial. Mas não somente. Diz-se que a classe política nacional se divorciou da sociedade brasileira. Pois eu digo — sem pretensão de originalidade — que isso é mistificação condescendente; e que divórcio haveria se a sociedade brasileira fosse aquilo que pensa ser.

Quando um ministro de Estado, tipo que se considera correto, comporta-se geddelmente (ao gravar o presidente da República) porque ameaçado — intimidado — pelos métodos geddéis, o que avança é o processo de geddelização da vida, não só a pública, no Brasil.

Projetemos uma pesquisa de opinião que, ouvindo cidadãos de todo o país, pedisse ao brasileiro que se definisse em uma palavra — e então o leitor me responda se, em adjetivos vários, não teríamos um conjunto de malandragens que pudesse ser resumido em “despachado”. Hein?

Nós nos classificamos — não sem orgulho — como despachados. Mas não o somos. Não exatamente. Tampouco Geddel o é. A coisa é mais complexa. Uns mais outros menos, nós — Geddel incluído — pendemos a geddel, a categoria moral.

E o nosso partido, aquele para o qual somos vocacionados, é o PMDB, cujos costumes facilitam a leitura de uma sociedade em que a fronteira entre público e privado consiste em massinha de modelar, ajustando-se ao gosto do freguês; sociedade em que traficar influência jamais será traficar influência — não se o agente for nosso amigo querido.

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Quantos geddéis você conhece, leitor? E quantas vezes não foi, você mesmo, geddel — ainda que de leve e rapidamente? O ministro indignado que grava o presidente é Calero, mas — insisto — é geddel. O moralista bastião do impeachment de Janete pode ser Pauderney, mas geddeliza quando se refere ao crime de Geddel como algo “paroquial”.

O Tancredo peemedebista fundador que sobe no palanque das Diretas, mas que, nas brechas da ditadura, trabalha febrilmente pela eleição indireta geddel é. E o neto que, acuado pela delação que ainda não há, contemporiza com traficância — como quem mendiga solidariedade futura — chafurda no geddeísmo.

Não importa se mito ou mitômano, geddéis são. O Legislativo no Brasil tornou-se confraria de despachantes em causa própria — e por isso (mas não só) tanto chorou o governo Temer ao perder Geddel, o mestre da interlocução parlamentar despachada. A geddelização do Congresso extinguiu com o antigo baixo clero simplesmente porque agora tudo baixo é.

O geddel André Moura, líder do governo na Câmara, mais do que encher uma carta com assinaturas de deputados em desagravo ao então ainda ministro, declarou que marcharia ao Planalto para lhe entregar o documento em mãos. Claro. Como todo despachado de escol, Geddel é parça, bom de lábia, considerado excelente articulador, peça fundamental para que aos subterrâneos que ligam Executivo e Legislativo não faltasse oxigênio —sendo o termo oxigênio aqui aplicado segundo a definição do novíssimo “Dicionário Sergio Cabral da Baixa Língua Brasileira”.

Para manter o conforto da engrenagem viciada, corrupção é sempre a dos outros, e sempre é coisa menor. Quem se lembra dos “anões do Orçamento”? Quem se lembra de que Geddel já era citado em 1993? Jaca não cai longe de jaqueira. Geddel não brota na Dinamarca. E a ideia deturpada de governabilidade vigente no Brasil é o paraíso reprodutor do geddeísmo.

O mesmo país despachado que elegeu Dilma Rousseff e o PT elegeu Michel Temer e o PMDB. Geddel Vieira Lima foi ministro de Lula tanto quanto de Temer — e, despachante, foi líder na Câmara do governo de Fernando Henrique Cardoso, o príncipe do mensalão da reeleição, e vice-presidente da Caixa na gestão de Janete. Jaca não cai longe de jaqueira.

O brasileiro que hoje se surpreende com o governo Temer não pode se considerar ingênuo — porque isso significaria ser outra coisa e, assim, poder realmente olhar para fora. O brasileiro que se surpreende com o governo Temer — eis a questão — não se reconhece ou não se quer reconhecer; ponto.

Lançou-se às ruas contra os geddéis petistas como se no lugar desses pudesse vir algo que não o Brasil; que não os geddéis peemedebistas, inclusive o próprio Geddel, também ele geddel, também ele brasileiro e despachado, o despachante. A sociedade pendular do PMDB ora com PT ora com PSDB é destino — ou sina.

A sociedade pendular de Geddel ora com PT ora com PSDB é destino — ou sina. A sociedade pendular do brasileiro ora com PT ora com PSDB é destino — ou sina. Não é prudente, pois, comemorar que Geddel, ex-ministro, se foi; porque ele volta. No próximo governo, volta. No próximo apartamento defronte ao mar, ele volta. Enquanto houver o que despachar, volta.

Carlos Andreazza