segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Charge O Tempo 07/01/2018

Nosso futuro será um chip?

O futuro que me perdoe, mas o passado é fundamental. A cada início de ano nos perguntamos sobre o amanhã sem olhar para trás e ver os erros e acertos de ontem. Às vezes nem percebemos que a pergunta é uma indagação e a tomamos como predição ou vaticínio, como verdade caindo do céu ou do inconsciente.

É o momento do sonho desperto – não o do incontrolável sonho noturno do sono – em que as fantasias se juntam a ilações, observações. Ou aos desejos. Surgem daí as análises com cara e jeito de previsão ou dogma profético.

Em 1918, após o morticínio da Grande Guerra iniciada em 1914, o alemão Oswald Spengler escreveu A Decadência do Ocidente, interpretando o desespero posterior ao primeiro conflito mundial. O armistício (ou rendição da Alemanha) não trouxera a paz. A “gripe espanhola”, com milhões de mortos espalhados pelo Ocidente, nascera dos cadáveres dos caídos nos campos de batalha e valia como condenação do modo de exercer o poder político.

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A crítica de Spengler fez o Ocidente renascer, mesmo com o horror de nova guerra mundial e da bomba nuclear. Além de consubstanciar os direitos humanos, surgiram os avanços da ciência e a implantação da tecnologia, a começar na cozinha, com a revolução do liquidificador e da geladeira. O vaticínio foi semente, não veneno.

Em 1989, o norte-americano Francis Fukuyama escreveu o artigo O Fim da História (o livro foi publicado em 1992), com a tese de que o capitalismo individualista ou corporativo era a forma única de organização social. O fim da União Soviética abriu caminho à especulação. Mas as crises do capitalismo nos Estados Unidos (agravadas na era Bush filho) e na Europa, em especial na Grécia, desmentiram o “novo profeta” e Fukuyama desapareceu.

Em 2018, que grandes teses teremos? Ou haverá consciência de que as grandes teorias não mudaram o mundo por si sós? Ou alguém duvida que a invenção da roda aproveitou mais à vida e ao mundo do que as preleções de Sócrates ou o elitismo de Platão?

As ideias políticas e econômicas, com todos os seus profetas, não mudaram o mundo, só o alteraram. Às vezes, ao alterá-lo, seus intérpretes semearam o horror e o caos. Aí estão Hitler, Stalin, Pol Pot ou os generais ditadores latino-americanos, Brasil incluído. Ou, antes, Napoleão e Gengis Kahn. Ou, agora, a loucura dos talebans ou do Estado Islâmico.

As teorias político-econômicas não mudaram o mundo por uma razão: eram teorias, só isso. Ao contrário das ciências exatas (ou do que hoje chamamos tecnologia), nada tinham de palpável. Nelas não havia materialidade. Eram um blá-blá-blá sério, com base na interpretação da História ou na dedução do desenvolvimento econômico, não na experimentação. Às vezes funcionaram como profética dedução, tal qual no diagnóstico de Marx, mas pela metade, sem ver a outra face. E apenas isso, sem mais nada concreto.

A tecnologia fez um caminho diferente. Não deduziu nem fez previsões. Usou a experimentação. Não usou só a inteligência de prever, usou método mais simples e menos brilhante: descartar o erro, repetir a experiência sem se anteceder à própria experiência, prosseguindo até acertar.

E com um detalhe fundamental: agiu ou trabalhou sempre em laboratório, em ambiente restrito. O casal Curie provou os efeitos da radiação em si próprio. O que aconteceria se saíssem pela França e pelo mundo a verificar o que a radiação provocava?

Quando o ser humano desenvolveu a eletricidade, o mundo e a vida mudaram. Em fins do século 19, a física descobriu os condutores e semicondutores elétricos, e o mundo começou a ser outro e a viver de novas formas. Com eles criamos o horror da bomba atômica, mas também os isótopos da medicina nuclear ou eletrônica, além da comunicação instantânea atual, inseparáveis da vida moderna.

As doutrinas políticas despertaram as consciências, reconheceram e legalizaram direitos, terminaram com diferentes formas de escravidão ou subserviência, algo que as religiões já haviam tentado. Mas quem mudou a vida – ou criou a vida moderna – foi a ciência exata, a partir da física, da química e da matemática.

Chegamos, porém, ao limiar perigoso e perverso criado pela própria tecnologia. A chamada era digital pode nos transformar em bonecos, em robôs de aparência inteligente, mas – de fato – simples bonecos burros e estúpidos, sem iniciativa, sem volição nem inteligência ou capacidade de criar.

A continuar assim, só saberemos apertar botões para viver. Já não vamos raciocinar nem pensar, menos ainda indagar ou saber discernir ou analisar. Os botões ligados a um chip dirão como vamos pensar, discernir, analisar ou saborear.

A seguir assim, talvez até amor se faça apertando botões. Do amor de ternura ao amor de orgasmo, tudo num minúsculo chip...

O desenvolvimento tecnológico criou uma situação de perigo. A noção de humanidade desaparece, levando de roldão a solidariedade, a fraternidade e a visão do transcendente que a vida tem em si. Só a cobiça e a penúria dos políticos donos do poder não veem que caminhamos como servos para o novo despotismo da exacerbação tecnológica, que nos transformará em tolos idiotas e ignorantes.

E, pior ainda, guiados pelo espírito de lucro e cobiça de um grupo ínfimo em número, que – organizado em grandes empresas – fez da ciência um caminho para destruir a iniciativa individual. Assim, vão nos confinar num mundo em que o “chip” irá pensar e agir por todos nós.

Não haverá espaço para a espiritualidade que o jesuíta e teólogo Teilhard de Chardin catalogou como ponto essencial da condição humana, acima das religiões. Esse profeta (que uniu ciência e fé) e todo o pensamento humano darão lugar a um chip...

Justiça às favas

Inconstitucional e impróprio, o pedido feito pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior de proteção das Forças Armadas diante das manifestações previstas para Porto Alegre no dia 24, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) inicia o julgamento do recurso contra a condenação do ex Lula, empolgou o PT.

Deu vida e publicidade a um calendário de atos que ficaria restrito a fiéis e aos movimentos autodenominados populares, permitindo mais eco ao que o partido faz de melhor: construir verdades que contrariam os fatos e fomentar o ódio como se pregasse a paz.

A reação do PT à asneira do alcaide tucano é um dos pontos de destaque de um comunicado oficial, divulgado na quinta-feira. “Se paira alguma ameaça sobre os cidadãos de Porto Alegre, é o autoritarismo do prefeito, evocando fantasmas de um tempo de exceção e de arbítrio”. Um exagero de forma e conteúdo, ainda que o prefeito eleito no ano passado tenha tropeçado feio.

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A interpretação forçada é de pequena monta se comparada com outros trechos do documento, cujo mote é a convocação para as “jornadas” em defesa do ex-presidente Lula. Já na primeira linha o PT expõe sua visão particular de democracia, limitando-a aos apoiadores do ex.

No mesmo parágrafo, o partido desacata o juiz Sérgio Moro, que condenou Lula a nove anos e meio de prisão no caso do triplex do Guarujá, considerando a “sentença injusta e ilegal”. Como parte das repetidas investidas na falácia de que Moro persegue Lula, que a Lava-Jato persegue Lula, que todos conspiram contra o ex.

Mais do que desrespeito a um juiz, trata-se de uma nova demonstração de desapreço à Justiça.

Assim como querem fazer crer que eleição sem Lula seria fraude, a ideia que insistem em emplacar é a de que a Justiça só será usta se livrar Lula. Do contrário é tribunal de exceção, nos moldes da ditadura, etc. e tal.

O trecho mais intrigante do comunicado é o que explica os objetivos das manifestações. Todo o cronograma foi montado “em defesa da democracia e do direito de Lula ser candidato a presidente da República, até porque ele não cometeu nenhum crime e porque sua candidatura expressa a vontade da maioria do povo”. Ora, que democracia é essa que, antes das urnas, diz que um candidato já teria conquistado a vontade da maioria?

Ainda que tenha potencial para barrar a pretensão de Lula, o processo que o TRF-4 julga agora dificilmente o impedirá de disputar as eleições de outubro.

Mesmo que seja confirmada a sentença de Moro – e a intensidade do cronograma montado pelo PT parece indicar que poucos creem em absolvição -, há a fase de embargos. E ainda existe a possibilidade de que o Supremo reverta a sua decisão anterior de que a pena pode ser cumprida a partir da condenação na segunda instância. O tema volta a ser debatido após o Carnaval.

Isso posto, a Justiça, instituição que Lula e o PT demonizam agora, seria a única capaz de salvar a pele do ex. Então, qual o sentido e o porquê da insistência em desmoralizá-la?

Uma lógica destoante da alegada inocência, em especial para quem ainda tem outros cinco processos em curso.

O documento termina com a convocação de uma reunião ampliada da Executiva Nacional do PT para o dia 25, com o intuito de reafirmar a candidatura de Lula à Presidência. Previamente, anuncia-se que o partido não tem intenção de acatar uma eventual sentença dos juizes João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos Santos Laus, membros da 8ª Turma da Corte.

Se for absolvido nesta etapa, Lula continuará disputando votos dependurado em processos criminais. Se confirmada a condenação, vai se somar às tristes estranhezas deste país, único que tem no cargo um presidente duplamente denunciado por corrupção e um candidato a presidente condenado pelo mesmo crime. E que manda a Justiça às favas.

Mary Zaidan

Imagem do Dia

The Flume Gorge Lincoln New Hampshire
Flume Gorge, New Hampshire (EUA)

O menino do réveillon e o futuro da desigualdade

É difícil permanecer indiferente ao instantâneo do fotógrafo Lucas Landau que retrata um menino na praia de Copacabana durante o último réveillon.

“A fotografia abre margens para várias interpretações; todas legítimas”, afirmou o fotógrafo numa rede social. Concordo com ele.

Para mim, a imagem convida a uma ideia de exclusão e desigualdade — também de renda ou cor de pele, mas sobretudo de oportunidades.

(Ivan Pacheco/VEJA.com)
Por que a nação continua tão socialmente injusta e desigual? Pesa ainda sobre o Brasil de hoje a influência de séculos de deturpações socioeconômicas. O país foi o último das Américas a abolir a escravidão.

O modelo de monocultura da exportação foi concentrador de rendas. Nossa industrialização se deu de mãos dadas com protecionismo, inflação galopante, míope apego ao mercado interno e dívida externa.

Nosso aumento populacional foi bastante acentuado. Na Copa do Mundo de futebol de 1970 cantávamos “90 milhões em ação”. Hoje somos mais de 200 milhões de habitantes.

A incontinência macroeconômica dos anos 70 e 80 gerou vírus hiperinflacionários dos quais apenas os mais ricos puderam se proteger, consolidando assim mais desigualdades.

No limite, não fomos capazes em mais de cinco séculos de história de implantar um modelo socioeconômico que gerasse os excedentes de poupança e investimento necessários ao desenho de uma sociedade ao mesmo tempo justa, dinâmica e promotora de oportunidades.

As distâncias sociais nos países mais ricos, como os que fazem parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), são muito menores do que na grande maioria das nações emergentes.

Há no entanto distâncias crescentes em países como os EUA —que concentram mais renda no topo da pirâmide social do que outras economias avançadas.

No entanto, a alta produtividade do trabalhador e do capital americano, além de suas muitas vantagens competitivas em termos de inovação e ambiente de negócios, acabam refletindo num PIB per capita cerca de cinco vezes maior que o brasileiro — proporção que vem se mantendo ao longo das últimas décadas.

Entre os emergentes, o Chile e a China — para não falar da Coreia do Sul, que já emergiu e hoje tem renda per capita superior à média dos países da OCDE — são os casos mais eloquentes de sucesso na melhoria de indicadores sociais. Esses países cresceram e multiplicaram oportunidades.

No Brasil, a legislação trabalhista e a previdência são exemplos da inadequação à mais prosperidade e desenvolvimento de oportunidades.

A primeira não incentiva a formalização, dado o alto custo que implica para quem emprega e também para quem é empregado. Salários poderiam ser mais altos se o desembolso real por parte do empregador não fosse tão elevado em razão dos chamados “encargos sociais”, que nada mais são do que mecanismos de transferência de riqueza da sociedade para o governo.

A “hiperproteção” almejada pela legislação trabalhista acaba por deixar o trabalhador ainda mais vulnerável. O mesmo vale para a previdência, em completo descompasso seja com a ideia de combate a privilégios ou a dinâmicas profissionais e demográficas que hoje operam no mundo.

Ambas são retrato das muitas situações no Brasil em que o caminho para o inferno é pavimentado por boas intenções. O maior beneficiário de uma simplificação ainda mais ambiciosa da legislação trabalhista no Brasil seria o próprio trabalhador. O mesmo vale para a reforma da Previdência.

Fala-se do Bolsa Família como gerador de oportunidades. Contudo, mecanismos de tal tipo não configuram programas de desenvolvimento social, mas de assistência social. Servem para o alívio da pobreza. Não tocam na formação de capacidades ou aumento de produtividade — verdadeiros instrumentos do aumento de renda e do desenvolvimento social ao longo do tempo.

O menino do réveillon olha para o horizonte com fascinação, mas também desalento. É um bom retrato de um novo tipo de desigualdade que vem por aí, e que não tem a ver com questões de raça ou renda.

Há em curso no mundo uma Quarta Revolução Industrial (4RI), cuja principal matéria-prima é o talento. Este, no passado, ganhava sinônimos específicos em diferentes esferas. No plano individual, “vocação”. No empresarial, “nicho” ou “core business”. No da economia internacional, “vantagens comparativas”. Todos relacionados a alguma forma de dom ou aptidão “natural”.

Na 4RI essas “naturalidades” são implodidas. Assistimos a ascensão de indivíduos multifuncionais, empresas transetoriais e países metacompetentes.

Advogados que utilizam métodos quantitativos com a mesma fluência que interpretam leis, companhias do agronegócio que lançam aplicativos de GPS, ou países manufatureiros (como a China) que se tornaram grandes produtores de alimentos.

Toda essa metamorfose passa pela preparação do indivíduo a desempenhar papel produtivo nessa nova economia e sociedade. Torna-se necessário multiplicar dramaticamente o número de pessoas expostas à famosa “Regra das 10 Mil Horas” de foco, treinamento e educação sugerida pelo psicólogo Anders Ericsson e mais tarde popularizada pelo Malcom Gladwell no best-seller “Outliers”.

Qual o problema? Muitos jovens chegam à idade de 25 anos distantes das “10 mil horas”. Muitos ficam abaixo de mil. Decreta-se assim, perversamente, sua “incompatibilidade precoce” com o que se pode realizar em termos laborais e empreendedores na 4RI.

Percebam o agravante. Quando o velho Marx redigiu os primeiros capítulos do “Capital” em meados do século 19, a expectativa média de vida ao nascer do país mais avançado do mundo — a Inglaterra — era de 39 anos. Hoje, mesmo num país de renda média como o Brasil, a expectativa já se aproxima dos 80 anos.

Ou seja, se até os 25 não houve o desenvolvimento de talentos multidimensionais, o que farão com suas vidas produtivas dos 25 aos 80 anos?

Serão pouco úteis às oportunidades da 4RI e, portanto, contingente demográfico à disposição de pirataria, contrabando, comércio ilegal de armas, tráfico de entorpecentes, “gatos” de água, TV a cabo, eletricidade, degradação ambiental, subempregos informais etc.

Em países de desenvolvimento médio, como o Brasil, se nada for feito para quebrar tal inércia, isso implicará:

i) na melhor hipótese: orçamentos e atenção cada vez maiores para fins como segurança pública, seguro-desemprego, alívio da pobreza etc. Enorme pressão fiscal incidirá sobre governos;

ii) na pior hipótese: aumento de conflitos e contingentes populacionais envolvidos em disputas por mercados ilícitos e territórios – de que a guerra na comunidade da Rocinha é triste exemplo.

Ficará portanto evidente a incremental correlação entre 4RI e o recrudescimento de tensões como nas favelas do Rio ou na periferia de São Paulo. Serão acrescidas às mazelas sociais e distributivas do passado o potencial excludente da 4RI.

Neste ano eleitoral, eis o que realmente importa para o médio prazo do Brasil: o país precisa gerar excedentes necessários a maciços investimentos em capacitação e, assim, combater o futuro da desigualdade.

Só assim o menino do Réveillon vislumbrará um horizonte de mais potencial, onde seu país não seja um “injusticeiro” de oportunidades.

O retrovisor e a luneta

Nesta época do ano, não adianta evitar o impacto da dimensão temporal da existência, segundo a qual a vida só pode ser compreendida, olhando-se para trás; mas, só pode ser vivida, olhando-se para frente com atenção plena para momento presente que acende e apaga instantaneamente.

Com efeito, o retrovisor me levou à década de 50, na sabatina sobre religião no preparatório de admissão (espécie de vestibular para ingresso no curso ginasial), do Externato São Luís de Gonzaga, sob a batuta de Dona Francisquinha, exigente professora e doce criatura.

– Zé Maria (nome fictício), pergunta fácil: como morreu Jesus Cristo nosso Salvador? Zé Maria era vítima da crueldade dos colegas, o tal do bullying, pela distração e suposta dificuldade de aprendizado. Nervoso, hesitante, demorou segundos para responder, quando um gaiato da turma soprou: – Na cama, com padre Pita (Pároco da Matriz) dando a extrema-unção – o que foi repetido automaticamente. Uma zorra! Ambiente incompatível com a disciplina rigorosa do tempo da “palmatória pedagógica”. Os olhos marejados de Zé Maria deram de cara com a face crispada de contrariedade da querida professora. Silêncio trovejante de um mudo “tamos lascados”.

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Surpresa! A Mestra, suavemente, deu inesquecível e emocionante lição sobre os valores do respeito, da solidariedade e de amor ao próximo. Antes, o ardor da palmatória nas nossas mãos. Dali, cada um tomou seu rumo, embora, o caminho desejado pelo orgulho familiar fosse a conquista de um canudo de doutor em Direito, Medicina ou Engenharia.

Zé Maria trabalhava na mercearia do pai. Desde cedo, demonstrava pendores para a arte de comerciar, produzir e empreender. Concluiu o curso médio de contabilidade e ganhou o mundo. Embrenhou-se na conquista do centro-oeste e, hoje, é um rico produtor da soja, “inteligente e competitiva”, gestada pela EMBRAPA, a incubadora do agronegócio brasileiro que produziu este ano mais de 240 milhões de toneladas de grãos.

Ora, o complexo conceito de inteligência se manifesta na faculdade de entendimento das ideias e/ou na destreza ou habilidade corporal ou verbal (a primeira dianoia e a segunda sophia para os gregos) sendo a última, a sabedoria, a ação que transforma o mundo real.

Para frente, minha luneta enxerga a esperança de que a educação brasileira, a partir das propostas estruturantes da gestão do Ministro Mendonça Filho (a exemplo da BNCC), ofereça oportunidades de desenvolver as potencialidades dos jovens brasileiros.

Gustavo Krause

É o que temos

A que novos desastres determinasDe levar estes reinos e esta gente?
(…)Que famas lhe prometerás?Que histórias?Que triunfos?Que palmas?Que vitórias?Luís de Camões, Os Lusíadas

O Velho do Restelo, esse homem difícil, pessimista e dado a falar o contrário do que se espera, disparou as perguntas acima a Vasco da Gama e outros peixes graúdos da corte de Portugal no momento em que largavam do cais de Belém, sob as palmas da multidão, para a viagem que os levaria a descobrir o novo Caminho das Índias. Denunciava, nas palavras que Camões tornou imortais em seu poema, a “glória de mandar” e a “vã cobiça” de Gama e de seus parceiros — eles juravam estar indo “além da força humana” pelo bem da pátria, mas só estavam interessados mesmo em sua fama, fortuna e ambições pessoais. Se ainda estivesse circulando hoje por aí, o áspero velho bem que poderia perguntar ao e­­x-presidente Lula: “Que promessas farás em tua campanha eleitoral de 2018?”. Promessa nunca foi problema para Lula, é verdade. Mas, se for candidato a presidente mais uma vez, ele vai ter de arrumar alguma promessa, qualquer promessa — e no seu repertório de hoje não há nada que possa realmente entusiasmar as multidões.

Lula tem prometido, por exemplo, virar o país de cabeça para baixo, mas não parece que há muita gente interessada nisso — o que se quer, pelo que dá para entender, é que o país fique com a cabeça onde está e vá em frente. Ele promete, também, mudar tudo na Petrobras. Mudar para quê? É a primeira vez em quase quinze anos que a Petrobras tem uma diretoria que não rouba a empresa. O que Lula está propondo? Criar de novo a situação de ladroeira alucinada que arruinou a companhia durante seus governos e os de Dilma Rousseff? Outra promessa é recuperar “direitos que foram cortados” do povo brasileiro. Quais? O imposto sindical, por exemplo, abolido na reforma trabalhista? Não dá, ao mesmo tempo, para prometer um novo “trem-bala”, um segundo “pré-­sal” ou a transposição das águas do São Francisco no sentido contrário.


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Até algum tempo atrás, Lula punha muita fé em prometer na campanha uma reforma monumental na economia. Hoje a coisa já parece mais complicada. Fazer o contrário do que está sendo feito pelo governo de Michel Temer significa, por exemplo, aumentar os juros, que chegaram à menor taxa da história. Não dá para prometer um negócio desses. O ex-pr­esidente também não pode prometer que vai aumentar a inflação, que hoje é a mais baixa dos últimos vinte anos. Nem jogar o Brasil de volta à maior recessão jamais vista por aqui — obra-prima de sua criatura, que conseguiu fazer a economia recuar mais de 7% em 2015 e 2016.

Sempre existe à mão, naturalmente, a história da “ascensão social”, um dos maiores contos do vigário jamais aplicados neste país. Ao final de seu governo, Lula anunciou que a pobreza havia sido extinta por ele no Brasil. Acreditaram nisso, na época, de São José dos Ausentes até a Universidade Harvard — e talvez dê para reembalar a mercadoria e passar adiante mais uma vez. Segundo o ex-­presidente, só haviam sobrado aqui e ali uns poucos pobres para ser salvos; segundo ele, não tinha sido possível localizar fisicamente esses coitados, de tão poucos que eram em nosso vasto território. Dilma teria só de fazer o acabamento. Ela foi rápida. Em 2013, proclamou que a miséria tinha sido extinta de uma vez por todas; a partir de então, só havia no Brasil de classe média para cima. O truque aritmético que usaram para fabricar essa nova realidade é conhecido. Um desses órgãos públicos encarregados de fazer estatísticas, que o PT então utilizava como parte do seu departamento de propaganda, decretou que a classe média no Brasil começava em 1 280 reais por mês; com 1 281 o sujeito já não era pobre. Pronto: acabou a pobreza.

O problema com tudo isso é que o IBGE, com dados apurados durante os próprios governos de Lula e Dilma, acaba de divulgar números oficiais em que a verdade aparece. Em 2016, ano em que Dilma foi despachada, em 31 de agosto, 52 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza — o que, pensando um pouco, é gente que não acaba mais. Se Lula e o PT eliminaram a miséria, de onde, então, saiu todo esse povo que sobrevive com 18 reais e alguns centavos por dia? O ex-­presidente e sua corte têm uma explicação: foi Michel Temer, de agosto do ano passado para cá, quem criou sozinho os 52 milhões de pobres que andam por aí. Só mesmo Lula, agora, para salvar a vida deles. É meio duro de engolir. Mas, em matéria de promessa, é o que temos no momento.

Cissie Redgwick

Vertigem civilizacional desumana

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O homem não pode manter-se humano a esta velocidade, se viver como um autômato será aniquilado. A serenidade, uma certa lentidão, é tão inseparável da vida do homem como a sucessão das estações é inseparável das plantas, ou do nascimento das crianças. Estamos no caminho mas não a caminhar, estamos num veículo sobre o qual nos movemos incessantemente, como uma grande jangada ou como essas cidades satélites que dizem que haverá. E ninguém anda a passo de homem, por acaso algum de nós caminha devagar? Mas a vertigem não está só no exterior, assimilá-mo-la na nossa mente que não pára de emitir imagens, como se também fizesse zapping; talvez a aceleração tenha chegado ao coração que já lateja num compasso de urgência para que tudo passe rapidamente e não permaneça. Este destino comum é a grande oportunidade, mas quem se atreve a saltar para fora? Já nem sequer sabemos rezar porque perdemos o silêncio e também o grito. 

Na vertigem tudo é temível e desaparece o diálogo entre as pessoas. O que nos dizemos são mais números do que palavras, contém mais informação do que novidade. A perda do diálogo afoga o compromisso que nasce entre as pessoas e que pode fazer do próprio medo um dinamismo que o vença e que lhes outorgue uma maior liberdade. Mas o grave problema é que nesta civilização doente não há só exploração e miséria, mas também uma correlativa miséria espiritual. A grande maioria não quer a liberdade, teme-a. O medo é um sintoma do nosso tempo. A tal extremo que, se rasparmos um pouco a superfície, poderemos verificar o pânico que está subjacente nas pessoas que vivem sob a exigência do trabalho nas grandes cidades. A exigência é tal que se vive automaticamente sem que um sim ou um não tenha precedido os atos.

Ernesto Sábato, "'Resistir"

Rio de Janeiro ontem e hoje

A primeira vez que vi o Rio de Janeiro foi pela janelinha do avião. Perde-se na memória dos anos quando isso aconteceu. Por ter sido aprovado no exame do vestibular do curso de Direito, em Salvador, recebi como presente do pai uma viagem para conhecer o Rio de Janeiro onde permaneceria durante trinta dias, divertindo-me e conhecendo os lugares pitorescos da cidade cantada como maravilhosa em nosso cancioneiro.

Na minha terra natal, no interior da Bahia, e em Salvador, onde fui estudar o curso clássico, ouvia ser chamada de maravilhosa a cidade que seduzia os brasileiros e gente que vinha do estrangeiro para conhecê-la de perto, com o seu jeito mestiço e alegre. Uma canção dizia que Copacabana era a princesinha do mar, não existia praia mais bela cheia de luz, nas suas areias desfilavam sereias.

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Cinema símbolo do bairro deu lugar a prédio
O Maracanã tinha jogos empolgantes, entre as principais equipes cariocas, era uma festa de bandeiras, erguidas por torcedores vibrantes, a cada lance empolgante da partida jogada no tapete verde. De qualquer lugar você via o Cristo abençoar a cidade, os generosos braços abertos ao abraço imenso. O bondinho do Pão de Açúcar transportava gente brasileira e do estrangeiro para lá em cima do morro percorrer os olhos deslumbrados pela paisagem da cidade embaixo, cercada de morros e favelas, povoada de edifícios como espigões que furavam o céu.

Do Pão de Açúcar você tinha a cidade a seus pés, pressentindo-a com o seu ritmo por dentro, na alegria que irrompia do futebol no Maracanã e nas escolas de samba quando chegava o Carnaval. Havia, nesse tempo bom para ser vivido, sempre um sorriso na passagem da vida, embora as favelas fossem se expandindo por vielas e becos, intimidando lá do morro com as quadrilhas disputando o poder no tráfico de drogas. Gente perigosa descia a ladeira e no asfalto investia contra a cidade, tendo no rosto o espanto do assalto acompanhado da morte.

A cidade ainda não ultrapassava os limites sem fim do seu galope amarelo. Na Rua do Catete, por exemplo, com sua gente nas esquinas, discutia-se futebol e política, as luzes dos postes iluminavam à noite os ônibus e carros que passavam, alguns gatos fugiam dos velhos casarões e vinham caminhar nos passeios. O bairro do Flamengo era povoado de bares, lojas e pensões, o vento trazido do mar despejava o cheiro de maresia nos ares em silêncio.

Durante o dia, no centro, a cidade acontecia com um povo afobado, andando com pressa, a subir nos ônibus, a encher os cafés e as lojas, a entupir os passeios, a zumbir como abelhas nos ruídos de uma colmeia gigantesca. O barulhão dos motores e das buzinas, o fumaceiro dos ônibus, os sacos de lixo nas calçadas, fregueses comprando jornal ou revista nas bancas do passeio e das galerias, tudo isso enchia de prognósticos a vida diária, que a cada dia aumentava com sua gente, entre o alegre e o triste, pressentida do prognóstico que iria extraviar-se por várias direções.

A cidade ainda era cantada em prosa e verso como a que tinha encanto de sobra, chegando a causar arrepio. Naqueles idos de 1968, depois da refeição do jantar, ia com a esposa fazer o percurso entre a Rua Correia Dutra e o Largo do Machado. Era bom caminhar despreocupado. Sentir o movimento da cidade que passava segura, sem muita pressa. Voltávamos de mãos dadas, sem ter medo de nada, pois aquele vento bom, que vinha do mar, dava-nos a certeza de que viver naquela cidade grande valia a pena, chegando a ser um privilégio.

Depois de transcorridos alguns anos na cidade grande, voltei a residir em minha terra natal, no interior baiano. Os três filhos, já criados e casados, deram-me seis netos. Quanta generosidade da vida! Se me perguntassem se gostaria de morar hoje no Rio de Janeiro, seria difícil dizer sim. Nem sempre é fácil um homem do interior acostumar-se a morar numa cidade imensa, com ritmo veloz e intenso nos tempos de hoje, de disputa exacerbada pelo espaço, para não se falar do medo que ultrapassou os limites de seu galope amarelo.

Medo de ir ao supermercado. Medo de andar de ônibus. Medo de sair de casa e não voltar. Medo de ser alcançado pelo tiroteio trocado entre a polícia e os traficantes de droga, em plena luz do dia. Medo de ser atropelado por um ônibus, que subiu desembestado no passeio. Medo de ser morto pela briga das torcidas antes mesmo de o jogo ser iniciado. Medo de ser pisoteado na passeata pela multidão, que de repente confrontou-se com a facção rival. Medo de ser queimado no ônibus. Medo de ser morto por uma bala perdida quando estava rezando na missa.

Meu Rio de Janeiro, apesar de todos os traumas dos tempos atuais, como gosto de você.

Cyro de Mattos

Gente fora do mapa

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Quem quer ser ministro?

Não importa se com “O”, com “A”, o critério para nomear quem comanda as áreas do governo é parecido a ficar lá debaixo de uma goiabeira, esperando as goiabas caírem de maduras. Tanto faz, como tanto fez. Impressionante, parece programa de mau humor.

E as goiabas estão caindo, todas, bichadas. Deus do céu, nem bem o ano começou e a gente já tem de enfrentar essa gastura de ver a pobreza da política nacional na enésima potência. Fica difícil ter esperança, planejar, que dirá então apoiar.


Não dá mais nem para fazer qualquer análise política séria, ter imparcialidade – já é quase provocação substituírem os ruins pelos péssimos, piores ainda, como foi, por exemplo, o caso agora do Ministério do Trabalho, só o caso mais recente. Sai um ministro nada e foi nomeada uma moça, olha que legal! Mulher! Já na primeira declaração pública, Cristiane Brasil, que vem a ser eternamente apenas a filha de Roberto Jefferson entre as vírgulas, correu para se autodeclarar feliz e “empoderada”.

Não passaram algumas horas para aparecerem condenações dela na área trabalhista, e lembranças. Eu imediatamente lembrei que em 2015 essa mesma moça queria fazer lei e proibir as mulheres de andar com minissaias e decotes no interior do Congresso Nacional. Quis criar um dresscode, uma regra de vestimenta.

Escrevi sobre o caso (“Deputada, faça-me o favor”) à época.

Ela foi capaz de defender a ideia assim: “Queremos corrigir um erro histórico. A gente sempre luta por equidade com os homens. O regimento já determina o que os homens devem vestir mas não fala nada em relação às mulheres”. Sim, ela disse isso.

Mas como tudo pode piorar, como a nova ministra era deputada federal, sua saída abriu uma vaga no Congresso que vai ser preenchida pelo deputado Nelson Nahin (PSD-RJ). Você não o conhecia?
Vou apresentá-lo.

Não, ele (ainda) não é acusado de corrupção. É pior, muito pior. Foi preso, acusado de estupro e de participar de uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes, em Campos de Goytacazes (RJ). Para completar, mais familiaridade: é irmão de Anthony Garotinho, ex-governador do Rio, aquele que tem feito voos rasantes e sempre bem escandalosos nas penitenciárias. O adesivo de família feliz dessa turma deve ser uns desenhinhos de todos atados entre si com algemas e tornozeleiras.

Nessa semana houve mais um ministro que aproveitou a leva e pediu demissão, o Marcos Pereira, o Pastor Marcos Pereira, como faz questão, Bispo da Universal, que talvez vocês não tenham se dado conta: era o Ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Cada um desses seres representa um partido que, por sua vez, infelizmente não representa nada para nós, mas para o governo pode dar votos na hora em que eles pretendem aprovar mudanças e reformas; tão boas, mas tão boas, que precisam dessas moedas de troca para passar, como se fossem reféns, apostas, e às vezes nem com isso. Só pagando.

Toda essa roda é comandada pelo tal Carlos Marun, Ministro da Secretaria de Governo faz um mês, responsável pelas negociações políticas entre o Palácio do Planalto e o Congresso. Um troglodita, vamos definir basicamente assim. Você o verá diariamente nos telejornais – todo dia apronta, ameaça, ou fala alguma bobagem – e haverá de concordar comigo. Temeremos os próximos meses desse ano eleitoral. Há possibilidades de trocas lindas como estas em 13 outros ministérios! Barganhas de todos os tipos, cores, tamanhos e valores.

Imagina os substitutos? Um tem de se abaixar e beijar a mão de algum tipo de Sarney, outros terão de se submeter a ser atropelados todos os dias, outro tem de ser mulher, para aumentar a cota feminina além de Luislinda, aquela que se achava escrava com ganhos de mais de 30 mil reais, e agora também a que leva Brasil no nome. Outros, ainda, deverão ser do Nordeste, ou jurar que vão fazer sua turma votar a favor do governo, ou – ao que parece ser um item bem importante – ter um passado com alguma ficha corrida. Nem que seja uma citaçãozinha nas delações, um Caixa 2 aqui, ali, um processo, uma escorregada, algo para explicar melhor.

Como pouco se sabe sobre os atuais, nem sobre os próximos que ocuparão cadeiras e continuarão sem importância alguma e com inação total, indico o endereço: http://www2.planalto.gov.br/presidencia/ministros.

O governo está muito ocupado. Eles não se preocupam nem em atualizar os retratinhos e as fichas. 

Deve ser por causa da alta rotatividade na pensão. 

Nina, a cachorrinha que morreu de susto com os fogos de fim de ano

Nina, a cachorrinha de dois anos que morreu de susto com os fogos de fim de ano estourados por vizinhos de sua dona, em São Paulo, poderá se tornar o símbolo de uma tomada de consciência em favor dos animais, num momento em que levanta uma onda de polêmica nas redes.

A foto da mulher com Nina morta em seus braços reflete a dor que sentem milhões de pessoas quando veem morrer um animal querido. Já os comentários nas redes sobre a dona da cachorra, identificada como Nunes Tha, foram conflitantes. Há quem se tenha solidarizado com ela e os que a recriminam por não ter se prevenido ante a eventualidade do medo de seu animal com os fogos.

Este ano, no Brasil, talvez pela primeira vez, houve prefeituras que eliminaram os fogos ou os promoveram em silêncio como espetáculo somente para a visão. Essa tomada de consciência, alimentada pelos chamados feitos por internautas, ocorreu em vários Estados do país. E as motivações não foram somente o sofrimento que os fogos e rojões causam aos animais domésticos, mas também às crianças pequenas e aos doentes nos hospitais.


É uma tomada de consciência que poderá aumentar e que seria um gol em favor da sensibilidade dos brasileiros, pois, apesar de acusados muitas vezes de se excederem nos maus-tratos aos animais, o país talvez seja o que mais e melhor legislou contra a violência exercida contra eles.

Em um mundo e uma sociedade onde cada vez existe menos respeito em relação aos humanos, alguém poderia considerar estranha essa tomada de consciência em favor dos direitos de uma simples cachorrinha. No entanto, a Humanidade foi crescendo ao longo dos anos, lenta, mas certeiramente na defesa dos direitos das minorias.

Na Roma antiga, os pais, quando um filho nascia, decidiam se era apto ou não para viver. Se não o consideravam apto, jogavam-no contra um penhasco. Em nossa civilização, somente em 1924 foi promulgado em Genebra o primeiro estatuto dos direitos da infância, ratificado em 1959 pelos 77 países que formavam então a Organização das Nações Unidas. Hoje os pais não só não podem decidir sobre a vida ou a morte de seus filhos, como também nem sequer puni-los com castigos corporais. A infância nunca esteve tão protegida.

Mesmo assim, os direitos da mulher são mais recentes do que pensamos. Até não faz muito tempo a mulher estava submetida em tudo ao marido. Não podia em muitos lugares viajar sem sua permissão nem ter uma conta bancária. E é recente em muitos países a liberdade de voto para as mulheres. Somente em 1947 a Comissão de Direitos Humanos da ONU decretou a obrigatoriedade do voto feminino. E ainda hoje não se concede às mulheres em muitos países, começando pelo Brasil, o direito a abortar por opção consciente.

Uma mulher espanhola, casada, maltratada fisicamente pelo marido, ao ser interrogada pela polícia admitiu que, sim, ele lhe batia, mas “só o normal”.

A consciência sobre os direitos das pessoas tem sido uma luta de anos e de sacrifícios que ainda prosseguem hoje com os diferentes, os gays, os negros, os transexuais, os refugiados. O fato de que essa luta se veja muitas vezes ainda dificultada pelos preconceitos atávicos não impede que siga em pé, ainda que cambaleando. Está viva, como revela a luta das mulheres pela conquista de sua autonomia e o combate pelos direitos dos animais.

Por isso, a morte de Nina por causa da selvageria não só dos fogos de artifício artísticos, mas dos simples e inúteis rojões de alguns vizinhos, poderia bem ser um símbolo desse contraste de uma Humanidade que luta por abrir maiores espaços de liberdade para todos, embora seja às vezes com quedas e retrocessos. Em matéria de defesa dos direitos pessoais e coletivos ninguém poderia dizer que “tempos passados foram melhores”, já que nunca houve maior sensibilidade do que hoje.

As pessoas anônimas da Internet que choraram com a mulher que mostrava em seus braços sua Nina morta de susto revelam uma sensibilidade que certamente nenhum de meus avós teve. O mundo melhorou. Não importa que haja quem continue negando isso. A evidência irá se impondo. Tristemente, a luta pelos novos direitos nem sempre se alcança sem vítimas inocentes. Nina foi uma delas.