terça-feira, 22 de outubro de 2019

Estamos em face da ignorância moderna

A sociedade brasileira carece de uma atenção crítica quanto às mudanças no conhecimento de senso comum que mediatiza condutas e deforma a compreensão social da realidade. O senso comum é a necessária, ainda que precária, certeza numa sociedade de incertezas cada vez maiores. Sua compreensão científica esclarece a função que tem na contínua regeneração dos mecanismos de reprodução das relações sociais contra a possibilidade de transformações e inovações.

Há um empobrecimento cultural mais intenso em países subdesenvolvidos, como o Brasil, do que nos países de tradicional valorização do conhecimento na formação das pessoas desde a infância, o que se reflete no senso comum. Com os recursos modernos de difusão da cultura, como o celular e a internet, entre os desprovidos do discernimento apropriado, o senso comum já é outro. Mais informadas estão as pessoas e menos conhecedoras são da diversidade cultural que é própria da sociedade atual.


O fenômeno sugere aos especialistas a inovação de uma sociologia do desconhecimento, um campo aberto à indagação científica. Tanto no que é o conhecimento insuficiente, quanto em suas variantes, como a mentira e a mistificação nos modos sociais de conhecer, desconhecendo, a realidade profunda. O desconhecimento como meio de preservação popular da ordem. Como o é o conhecimento distorcido do mundo por um modo de vida aquém do que é direito e necessário.

Estamos em face de uma crise do senso comum, que expressa mudanças profundas na organização da sociedade. No caso brasileiro, representadas por perdas próprias de um subcapitalismo que tolhe nosso desenvolvimento econômico e social.

Há fatores históricos por trás dessas anomalias do saber. O trabalho fragmentado da produção moderna sonega cada vez mais a íntegra do conhecimento técnico à maior parte dos trabalhadores. O saber está hoje sob o domínio impessoal dos meios institucionais de acumulação do conhecimento, que separaram quem trabalha de quem sabe como e por que o trabalho é daquele jeito.

Essas alterações no âmbito da produção disseminaram uma concepção hierárquica do conhecimento com base no privilegiamento da utilidade e da lucratividade. Minimizaram a relevância social e histórica do saber pelo saber, fundamento do conhecimento erudito, como a ciência e a arte. Na contrapartida geraram as condições culturais e sociais de um novo senso comum, abundante e pobre, que bloqueia o interesse pelos desafios da erudição.

No contrafluxo desses dilemas, e já fora do âmbito da produção industrial e agrícola, o conhecimento pulverizado e as tecnologias de acesso superficial e fácil, colocaram ao alcance do homem simples conhecimentos enciclopédicos. Reduzidos, porém, ao banal. Hoje, qualquer pessoa, mesmo a de insuficiente escolaridade, pode ter acesso à vulgarização do saber para conhecer o supérfluo e desconhecer o essencial.

Quanto à consciência social, de que todos carecemos para viver em sociedade, a informação superficial torna a nossa vaga e imprecisa. Tateamos no que não sabemos, mas julgamos saber sobre nós mesmos. Há um século tínhamos aqui mais clareza quanto ao que éramos. Podíamos, por isso, fazer demandas sociais e políticas mais consequentes, tínhamos consciência de quais eram as privações que nos faziam pobres, não só do essencial à vida. Mas também do conhecimento intuitivo e cotidiano dos nossos enganos. Nosso senso comum era o fundamento de nossa consciência crítica. Hoje é o fundamento do nosso conformismo.

Se hoje nosso senso comum e nossa consciência social tivessem a mesma qualidade de 1917, não estaríamos sujeitos à cultura de manipulação que nos subjuga e engana, nem teríamos aceito com tanta facilidade a pilhagem de nossos direitos sociais em questões como o emprego e a previdência social. Não teríamos aceito a tese de que os idosos que trabalharam a vida inteira por menos do que valia seu trabalho são os causadores dos prejuízos da Previdência.

Estaríamos perguntando quem foi que ganhou com esse prejuízo.

Com os recursos modernos, a grande massa marginalizada pela desinformação e pela subinformação reelabora, nesse novo senso comum, sua alienação social. Estamos em face de uma nova ignorância, a ignorância moderna, insuficiente, a do saber fundamentalista sobre todos os assuntos. Religiões têm sido inventadas em cima dessa precariedade. Crendices anticientíficas competem com a ciência. Política antipolítica ergue e renova o Estado populista e antissocial.

Em outros tempos, o saber dos simples era um indício de consciência social verdadeira, das contradições e suas injustiças. Hoje, a nova ignorância é a grande expressão de uma consciência social falsa e cúmplice.
José de Souza Martins

Governo ligeirinho?

Não há lentidão nenhuma. Tudo foi feito e continua sendo feito rapidamente pelo governo federal
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente

Merdunchos

O escritor João Antônio (1937-1996) andava na rua com o ouvido espichado para a fala do povo. Um hábito adquirido em São Paulo, sua cidade natal, e que trouxe para o Rio, onde se fez carioca de Copacabana. Ao capturar uma gíria, uma expressão, um xingamento, anotava no papel do maço de cigarros Plaza --"qualquer boteco é lugar para escrever quando se carrega a gana de transmitir", costumava dizer-- para depois passar a limpo num caderno de telefones com sua letra miúda. Em vez de números, definições do que foi pescado ao sabor das circunstâncias. Um exemplo do dicionário das calçadas: "Água (aquela): situação ruim".

Na novela "Paulinho Perna Torta", essa coleta vira literatura num chorrilho de sinônimos para dinheiro: "o carvão, o mocó, a gordura, o maldito, o tutu, o poroló, o mango, o vento, a granuncha, a seda, a gaita, o capim, o cobre, a manteiga".

Entre todas, no entanto, João Antônio tinha predileção por determinada palavra, que ele aplicava a seus personagens marginalizados. São os "merdunchos", que vivem naquela água e se viram justamente para conseguir algum dinheiro.


Eles nunca foram tantos como no Brasil atual. A desigualdade no país, que já é um dos mais desiguais do mundo, só faz crescer. Pesquisa recente divulgada pelo IBGE mostra que, por qualquer medida, no último ano os mais ricos ganharam e os mais pobres perderam renda. O efeito da crise econômica no mercado de trabalho conseguiu até que os desempregados mudassem de nome --agora são chamados de empreendedores.

No conto "Três Cunhadas - Natal 1960", um personagem de João Antônio mal consegue andar na rua da Carioca de tanta gente: "A gritaria dos camelôs parece um comando. E os óculos franceses vieram de Cascadura, a seda do Japão saiu de algum muquinfo das beiradas da Central". Experimente passar lá hoje. Não tem ninguém.

Pensamento do Dia


A arte de escrever para não matar e para não morrer

Aos oito anos, Eliane Brum (Ijuí, Rio Grande do Sul, 1966) virou uma assassina. Pelo menos foi o que sentiu no dia em que matou um filhote de barata. A culpa foi tamanha que a menina ficou imaginando a vida que aquela criatura já não teria. Assim nasceu A biografia de uma barata, o primeiro texto da jornalista, escritora e documentarista, escrito em primeira pessoa em um caderno de capa vermelha que ela conserva até hoje. A colunista do EL PAÍS conta, entre gargalhadas, que esse foi o jeito que encontrou para "dar memória e uma vida" ao ser que havia matado. De certo modo, essa continua sendo a motivação da sua escrita. "Sempre digo que eu escrevo para não matar e para não morrer", conta do outro lado do telefone, em Londres, em uma tarde cinzenta e de chuva fina.

Há poucas semanas, uma obra de Eliane entrou em um seletíssimo grupo de um dos mais prestigiosos prêmios literários dos EUA, ao lado do Pulitzer. The Collector of Leftover Souls (Graywolf Press), que reúne crônicas e reportagens produzidas entre 1999 e 2015, foi publicada nos Estados Unidos e no Reino Unido e entrou na lista das dez indicadas para o Prêmio Nacional de Literatura dos EUA (National Book Award) deste ano. A crítica especializada o define como uma coletânea de "vidas comuns tornadas extraordinárias por uma mestra em jornalismo que capta toda a sua perplexidade e rebelião silenciosa" e destaca a habilidade da autora em "habitar a vida de suas fontes enquanto suprime seus próprios preconceitos, julgamentos e visões de mundo". Enquanto isso, no Brasil, Eliane, que é finalista do Prêmio Comunique-se como melhor jornalista de mídia escrita, prepara-se para lançar, no mês que vem, um novo livro. Brasil, construtor de ruínas (Arquipélago), parte de reportagens e artigos de opinião escritos nos últimos anos, especialmente o EL PAÍS.


Filha de professores que trabalhavam de manhã, de tarde e de noite para sustentar a ela e seus dois irmãos mais velhos, Eliane apaixonou-se pela palavra através da escuta. "Antes mesmo de aprender a ler ou escrever, sempre gostei muito de escutar e de ficar ouvindo histórias. Eu botava um banquinho num canto e ficava ouvindo as histórias dos adultos e observando muito as coisas. Sempre gostei muito mais de escutar do que de falar". Ela lembra, no entanto, de uma sensação de "estar presa, um pouco encarcerada em um mundo pequeno", sentimento que só dissipou quando começou a juntar as letras e fazer sentido com elas.

"Ler me deu essa possibilidade de ser muitas coisas, de não ficar presa no meu corpo. Eu podia ser homem, monstro, fada, planta, alienígena, podia ser um monte de coisa. O meu mundo ficou muito maior". Foi assim que começou a trancar-se no quarto, ainda criança, com vários livros, sem querer sair sequer para comer. A escrita veio logo depois.

"Eu tinha nove anos quando acordei um dia, em uma manhã super melancólica. Estava chovendo, e eu me senti tão triste, tão sem saída, um sentimento insuportável... Aí escrevi minha primeira poesia, que era muito ruim", conta e ri. "Aquilo me mostrou que escrever era um ato de vida. Para mim, até hoje, escrever é um ato de vida, um ato de fazer viver, de poder estar viva e de lutar pela vida e por tudo aquilo que é vivo. Essa menina, essa experiência com a palavra, pariu a mulher que eu sou hoje".

Eliane fala com a voz suave e calma. Tem um jeito tranquilo que convive com o ímpeto de uma mulher determinada. Em 2017, mudou-se para Altamira, no Pará, para estar mais perto da pauta que tem motivado a maior parte de sua vida profissional e pessoal: a defesa da floresta e a vida (todo tipo de vida) no planeta. Ela conta que começou a ir para a Amazônia em 1998, quando trabalhava para o jornal gaúcho Zero Hora. Conheceu a floresta em cada Estado brasileiro onde ela nasce, cresce e é desmatada ou incendiada. Em 2011, começou acompanhar as histórias das pessoas que seriam afetadas pela construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, principalmente as populações ribeirinhas. Depois, decidiu instalar-se ali.

"Eu quis ficar mais perto. Coloco-me ao lado das pessoas que defendem que a Amazônia é o centro do mundo, principalmente no momento histórico em que o maior desafio da nossa espécie é a emergência climática. Aí eu pensava: se eu digo que ela é o centro do mundo, por que eu não estou lá? Resolvi ir para o centro do mundo e queria ter também essa experiência de ver o Brasil a partir da Amazônia, olhar de lá para o Sudeste, para Brasília, para o Sul, olhar da Amazônia para o mundo, mudar meu ponto de vista", diz.

Essa determinação já havia nascido com a menina que pariu a mulher. Quando tinha cinco ou seis anos, durante a ditadura militar, seu pai era presidente de uma faculdade comunitária em Ijuí, e um de seus projetos era uma escola "que tinha muito o espírito do Paulo Freire". Naquela época, a prefeitura achou aquela escola subversiva e, em uma reunião, Eliane viu o pai ser humilhado pelo prefeito. A escola foi retirada da administração da faculdade. "Aquela experiência foi tão chocante para mim, que voltei para casa e fiquei pensando em como eu ia responder àquela injustiça. E aí, na minha cabeça de criança, resolvi botar fogo na prefeitura", conta. De madrugada, antes de todos da casa acordarem, Eliane colocou uma caixa de fósforo dentro do bolso do vestido e atravessou a praça que separava sua casa da sede municipal. "Eu fui e acendi o fósforo. Na minha cabeça, era só acendê-lo que conseguiria queimar a prefeitura. É claro que gastei a caixa de fósforos inteira e não consegui. Aí, voltei para casa com uma mistura de humilhação e alívio. Meu primeiro ato revolucionário, rebelde, foi fracassado. Mas serviu para descobrir, aos poucos, que escrever era um jeito de lutar sem botar fogo".

Eliane tem muito "estranhamento", não acha normais as coisas. "Descobri que estranhar era ser repórter. E eu sempre estranhei e sempre me interessei menos pelo que está no palco iluminado e mais pelo que está na coxia, os detalhes ao redor. É o que me interessa. Os detalhes e as subjetividades às vezes contam mais". Para ela, são esses elementos que determinam o que chama de desacontecimentos e que são a principal matéria-prima do seu trabalho. As pessoas cujas histórias não são ouvidas ou contadas, as passagens do cotidiano que, de tão corriqueiras —mas não menos fantásticas, emocionantes ou importantes— não costumam aparecer nos noticiários. Foi com essas histórias que conquistou o prêmio Jabuti em 2007, com A Vida que Ninguém Vê, uma coletânea de textos sobre desacontecimentos diários que vão desde o mendigo que jamais pediu coisa alguma ou um álbum de fotografias encontrado no lixo até o carregador de malas do aeroporto que nunca voou.

"Nos primeiros anos de repórter, as pessoas diziam que eu fazia as pautas humanas. E eu sempre fiquei pensando: mas existem pautas não humanas?", gargalha Eliane. "Sempre foi difícil dizer sobre o que eu escrevo. Acabo dizendo que escrevo sobre direitos humanos, mas não acho que seja isso, até porque eu acho que as gentes não são só humanas. Os animais são gente, as plantas são gente, eu vejo o mundo de um outro jeito".

Autora de outros quatro livros —Coluna Prestes - O Avesso da Lenda (1994), O Olho da Rua (2008), A Menina Quebrada (2013) e Meus desacontecimentos – A história da minha vida com as palavras (2014)—, Eliane também faz ficção. Publicou em 2011 o romance Uma Duas (LeYa), onde transforma em palavra, com a mesma força e sensibilidade de seus textos jornalísticos, a intrincada relação entre mãe e filha.

O romance nasceu em 2010 quando, depois de duas décadas como repórter, ela quis dedicar-se exclusivamente à ficção. Hoje, ainda escreve contos em algumas coletâneas, mas o plano foi adiado porque o Brasil aconteceu. "O país se convulsionou, digamos, e eu fui capturada por essa super realidade. Mas espero voltar para a ficção, porque tem realidades que a gente só consegue contar através dela. Há realidades que precisam ser inventadas para serem contadas", diz.

Para escrever, depois de anos acostumada a trabalhar em meio ao barulho das redações, ela constrói um mundo próprio em qualquer lugar. "Em meu processo, sinto que escrevo primeiro dentro, vou costurando as coisas dentro de mim. Aí, quando sento mesmo para escrever, sou bem rápida". Mantém o hábito da infância e tenta ler ao menos um livro por semana. Atualmente, está entregue ao romance Como ser as duas coisas, de Ali Smith, e Outras Mentes, de Peter Godfrey-Smith, que mistura história natural e filosofia. "Além dos que estou lendo, tenho meus livros de cabeceira. Nos últimos anos, são dois: Sempre a mesma neve e sempre o mesmo tio, da Hertha Müller, que é um livro lindíssimo, que me ajuda a resistir em cotidiano de exceção. O outro é Teoria King Kong, da Virginie Despentes, um livro selvagem, que segue ecoando em mim e para onde volto muitas vezes", conta.

Hoje, Eliane entra na floresta para contar seus acontecimentos e desacontecimentos. "Minhas reportagens são por minha conta e são de longuíssimo prazo, podem durar anos", ri. Ela conta que uma das melhores coisas de entrar na natureza é ficar sem conexão à Internet. "Só deixo uma mensagem no e-mail e aviso às pessoas mais próximas que eu vou sumir e depois volto. Isso é maravilhoso. Ainda bem que não tem Internet ainda por lá, porque aí dá para fazer realmente essa imersão profunda, que muda muito a gente". Eliane ainda prefere ouvir —a si mesma, à floresta, à vida—. Entre matar e morrer no turbilhão do mundo, ela continua a escrever.

Polarizar alimenta ódio

Minha guerra com Bolsonaro será sem sentimentos até o fim. Meu nojo, desprezo e ódio por ele são tão grandes que vale até o Lula solto para criar um clima de radicalismo no Brasil
Alexandre Frota, deputado federal eleito pelo PSL de Sao Paulo que migrou para o PSDB

E assim se passa 1 ano da eleição de Bolsonaro

A uma semana de sua eleição completar um ano, em périplo pela Ásia que começa com uma visita ao Japão, o presidente Jair Bolsonaro haverá de se lembrar (ou alguém fará isso por ele) de uma de suas primeiras declarações feita sob o calor da vitória:

– Quero que ele mofe na cadeia.

Referia-se a Lula, àquela altura encarcerado em Curitiba há quase 7 meses. Lula está com um pé fora da cadeia. Avançará o outro se o Supremo Tribunal Federal, esta semana, restabelecer a prisão só depois que a sentença transitar em julgado.

É o que prevê a Constituição e o que, por aqui, deixou de valer desde que foi permitido à segunda instância da Justiça prender quem ela condenasse. Daqui a mais um mês, caso o Supremo venha a anular sua condenação, Lula deixará de ser ficha suja.

Com a ficha limpa, poderá sair por aí na condição de candidato à sucessão de Bolsonaro, o que para o ex-capitão não será nenhum incômodo. O contrário. Bolsonaro precisa de Lula para se reeleger. E Lula de Bolsonaro para governar o país pela terceira vez.


E tudo isso terá se passado antes mesmo de um ano da posse do presidente eleito em 28 de outubro de 2018. Foi outro dia! Com apenas 10 meses de governo, Bolsonaro perdeu o controle sobre o partido pelo qual foi eleito, o nono de sua carreira.

A Lava Jato está nos seus estertores. Gorou o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro. A reforma da Previdência ainda se arrasta no Congresso. Flávio “Zero Um” Bolsonaro virou refém da Justiça que suspendeu por ora a investigação dos seus rolos fiscais.

Eduardo “Zero Três” Bolsonaro é chamado de “moleque mimado” por antigos parceiros depois de derrotado por um delegado de polícia na disputa pelo cargo de líder do PSL na Câmara dos Deputados. Quanto ao sonho de ser embaixador em Washington…

Os militares apoiaram a eleição de Bolsonaro com a pretensão de tutelá-lo mais tarde. Uma vez que não querem abrir mão dos bons salários que complementam suas aposentadorias, parecem conformados em ser tutelados pelo ex-capitão. Selva!

Havia um vice-presidente da República disposto a ser sensato em contraponto a um presidente insano. Muita gente aqui e lá fora o escutava com admiração.
Foi abatido por Carlos “Zero Dois” Bolsonaro com meia dúzia de mensagens postadas no Twitter.

Onde anda o presidente da maior potência mundial, cortejado pelos Bolsonaros, e que prometera ao chefe do clã uma vaga para o Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), uma espécie de clube dos países mais ricos?

Donald Trump deu a vaga para a Argentina. Depois lembrou que havia uma fila e que o Brasil terá de respeitá-la. Sem poder passar recibo da frustração, o governo brasileiro foi forçado a avalizar a desculpa e a dar razão a Trump. Vexame!

Com o vexame, Bolsonaro deveria aprender que política externa obedece unicamente a interesses econômicos de Estados. Nada a ver com ideologia, religião, muito menos relações pessoais. Se duvida, pergunte aos curdos, largados de mão por Trump.

Sim, Bolsonaro poderá celebrar os sinais de recuperação da Economia e a paralisia da oposição. Se a ele falta um projeto para o país, à oposição também. Mas é Bolsonaro quem governa. E, embora, muito loquaz, o líder da oposição ainda está preso.

Responda rápido se puder: Para que serve o PSL?

A essa altura, diante da insensatez que prolonga a crise no partido de Jair Bolsonaro, cabe formular uma pergunta básica: para que serve o PSL? No momento, a única utilidade visível para o partido é a de servir como exemplo nos debates sobre a falência do sistema partidário no Brasil. No meio de tantas listas para trocar o líder na Câmara, um deputado que apresentasse uma proposta de dissolução do partido, a bem do serviço público, seria aplaudido nas ruas. Um outro deputado que enganchasse nessa proposta uma emenda sugerindo a extinção de todos os partidos seria aclamado nas praças públicas.

Na teoria, os partidos representam segmentos da sociedade. Na prática, tornaram-se representantes dos seus próprios interesses. Partidos pequenos são perspectivas de grandes negócios. No caso do PSL, o negócio fechado com Jair Bolsonaro resultou em milhões de dividendos. E o partido tornou-se mais uma superestrutura pendurada nos cofres públicos.

O PSL tem um grande passado pela frente. Segue o exemplo de legendas como PT, PSDB, MDB e outras logomarcas que migraram da condição de partidos para o estágio de meras cascas, esvaziadas de qualquer tipo de conteúdo. O caso do PSL é ainda mais grave, porque a legenda ficou vazia antes de obter o recheio. No papel, é Partido Social Liberal. Na prática, não é partido, virou uma guerrilha. Não é social. E segue a lógica do patrimonialismo, não do liberalismo.

Quem ainda encontra tempo para desperdiçar com o acompanhamento da política encontra quase tudo no processo de derretimento do PSL, exceto interesse público. A consequência disso é que, a partir de uma crise que teve origem em declarações de Jair Bolsonaro, criou-se uma turbulência política num instante em que o governo do mesmo Jair Bolsonaro precisa de tranquilidade para produzir prosperidade. A maior vítima da insensatez é você.

Relaxe


No rastro da inépcia

Chegou na maré da Lua nova, no 4 de setembro, em Pernambuco. Avisos chegaram às prefeituras, governo estadual e, também, a Brasília, mas o ministro do Meio Ambiente estava ocupado — “gravação do Hino Nacional”, segundo a própria agenda.

Cavalgando correntezas, a goma negra e contaminante invadiu 43 praias do Rio Grande do Norte nas três semanas seguintes. O ministro Ricardo Salles viajava por São Paulo, Bonito (MT), Cartagena, Washington, Nova York, Paris e Berlim. Foi mostrar que o desmatamento da Amazônia é coisa de comunistas.

Declarou guerra na redes sociais a quem “viaja ao exterior para ficar falando mal do seu próprio país”. De Washington, escreveu: “O Brasil está se modernizando”. De Nova York, registrou: “O Brasil é exemplo de sustentabilidade!” Enquanto isso, a mancha negra se espraiava por Sergipe, levando o estado à emergência.


Quando setembro terminou, estava em Berlim. O petróleo cru já vazara em 72 municípios dos nove estados do Nordeste. Oleara dois mil quilômetros de praias, provocando inquietude na região que é um terço do país. Na volta ao Brasil, ele emitiu um autoelogio: “Estamos a serviço das boas causas em benefício dos brasileiros e do meio ambiente!”

Havia um mês de escória enlutando a costa do Maranhão à Bahia, quando anunciou: “O Pres. @jairbolsonaro determinou urgência na apuração de responsabilidades (...) Faremos vistoria in loco.” Era sábado, 5 de outubro. Ao meio-dia da segunda-feira foi a Aracaju. Lá ficou por 125 minutos— com fotos. Às 18h20 desceu em Brasília. Na Câmara, lamentou a “enorme dificuldade” (com o óleo).

Voltou a São Paulo, “com nosso querido Pres. @jairbolsonaro”, quando o petróleo já ondeava na Baía de Todos os Santos e decretava-se emergência em oito municípios.

Quarta-feira passada fez outra “vistoria nas áreas atingidas”. Novas fotos em Salvador, Maceió e Aracaju. Às 19h30, retornou a Brasília.

Passaram-se 50 dias. No rastro da inépcia, a Justiça mandou o governo federal tomar providências. O ministro Salles, agora, tem ordem judicial para trabalhar.
José Casado

Há quem não ficará vivo

O planeta sobreviverá, claro, mas não tenho certeza de que a humanidade conseguirá sobreviver
John Le Carré, romancista de 88 anos, depois de participar de mais uma manifestação contra o Brexit

As receitas dos prêmio Nobel de Economia para reduzir a pobreza

A decisão da academia sueca de conceder a Banerjee, Duflo e Kremer o Nobel de Economia de 2019 é muito significativa, indo além do fato duplamente incomum de premiar Esther Duflo, mulher e jovem (46).

O prêmio reconhece as contribuições desses economistas no campo da pobreza, uma questão que continua sendo um dos principais problemas do mundo.

Embora a pobreza absoluta, medida pela proporção da população que vive com 1,9 dólar (7,81 reais) por dia, tenha diminuído muito nos últimos anos, é importante lembrar que também há pobres nos países desenvolvidos. Neste caso, não vivem abaixo da linha de pobreza de 1,9 dólar/dia proposta pelo Banco Mundial, mas são classificados como “relativamente pobres”, pois possuem uma proporção muito pequena da renda média do país onde vivem.

Portanto, a pobreza continua sendo, infelizmente, um problema de máxima urgência no século XXI. A contribuição de Banerjee, Duflo e Kremer é relevante, pois aborda a pobreza a partir de dimensões muito específicas. Ou seja, eles se baseiam na ideia de pobreza como um problema multidimensional, que vai muito além da falta de recursos.

Segundo Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998, “a pobreza é a privação de capacidades”, incluindo, por exemplo, o acesso à educação, limitações nas condições de saúde, exclusão social e financeira, entre outros.

O trabalho dos premiados é inovador porque foge de grandes soluções e projetos para combater a pobreza e se baseia em agir de forma mais específica em cada uma de suas dimensões.
Economia é, em essência, o estudo da pobreza
O Banco Mundial considera extremamente pobres aqueles que vivem com menos de 1 dólar (4,11 reais) por dia. Mas como é viver com menos que essa quantia? Um dos trabalhos de Banerjee e Duflo, The Economic Lives of the Poor (“a vida econômica dos pobres”) responde a essa pergunta. E também a estas outras: como é a vida econômica dos pobres? Que decisões e, portanto, que renúncias ele têm de enfrentar? Que desafios eles precisam encarar diariamente?

O estudo abrange 13 países, entre eles Índia, México, Nicarágua e Peru, e explica determinados padrões de consumo. Por exemplo, por que os pobres não gastam mais em nutrição, coisa que melhoraria sua produtividade?

Também mostra o gasto desproporcional (em relação à sua renda) em bens de entretenimento (o que parece ser explicado pela necessidade de estar à altura de seus vizinhos) e a falta de reação diante da má qualidade das escolas, muitas vezes pelo analfabetismo dos próprios pais, que os impede de reconhecer que seus filhos não aprendem o suficiente.

É interessante que um de seus artigos, The Miracle of Microfinance? Evidence from a Randomized Evaluation ("O milagre das microfinanças? Evidências de uma avaliação aleatória”) critique abertamente os microcréditos como instrumento de redução da pobreza baseando-se em evidências empíricas. Sua conclusão é que os microcréditos não conseguem aumentar o investimento, nem o consumo, nem as condições de saúde e educação, nem o empoderamento das mulheres.

Então, quais são suas receitas para reduzir a pobreza? Muito concretas. Por exemplo, os ganhadores do Nobel estudam os efeitos de fortalecer e melhorar aspectos específicos relacionados à pobreza, como educação e infraestrutura.

Em Additional Resources versus Organizational Changes in Education: Experimental Evidence from Kenya (“Recursos adicionais versus mudanças organizacionais na educação: evidências experimentais do Quênia”), de 2009, e Remedying Education: Evidence from Two Randomized Experiments in India (“Remediando a educação: evidências de dois experimentos aleatórios na Índia”), de 2007, eles argumentam que mudanças organizacionais e projetos ad hoc são muito mais eficazes do que a disponibilidade de recursos adicionais.

Nessa linha, o último trabalho de Banerjee e Duflo em formato livro foi um sucesso editorial por abordar um tema conhecido por todos, a pobreza, sob uma perspectiva radicalmente diferente: aproximando-se da realidade e complexidade da vida com menos de um dólar por dia.

Um dos artigos dos premiados critica abertamente os microcréditos como instrumento de redução da pobreza baseando-se em evidências empíricas

Poor Economics: A Radical Rethinking of the Way to Fight Global Poverty (“Economias pobres: um repensar radical da forma de combater a pobreza global”) aborda, por exemplo, a forma como os pobres veem a educação: consideram um desperdício gastar com educação para todos os filhos, e preferem concentrar o gasto em apenas um, geralmente do sexo masculino. Explicar aos pais que os benefícios da educação são lineares é muito mais eficaz do que construir mais escolas.

A decisão da academia sueca enfatiza os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que constituem a agenda mais ambiciosa da história para superar os grandes desafios sociais, começando por erradicar a pobreza, o objetivo número um. Os próprios ODS são enunciados de tal forma que se complementam, de modo que o ODS 1 (pobreza) se beneficia com os avanços no ODS 4 (educação de qualidade) ou no ODS 3 (saúde e bem-estar). Portanto, muito em linha com as conclusões de Banerjee, Duflo e Kremer.

Além disso, para alcançar os ODS é necessária a colaboração e o esforço conjunto dos setores público e privado, além de todos os agentes sociais, empresas, ONGs, veículos de comunicação, universidades... Nesse sentido, tenho muito orgulho do impulso que nossa Universidade Pontifícia Comillas, em Madri, vem fazendo nessa direção, incluindo a Agenda 2030 e a conquista dos ODS em seu plano estratégico, a fim de avançar em nossa missão de formar “líderes compassivos”.

Afinal, a economia é, em essência, o estudo da pobreza.
Elisa Aracil 

Bolsonaro precisa escolher um caminho. E tem uma oportunidade

Os principais complicadores potenciais para a presidência de Jair Bolsonaro são três. 1) Uma base congressual apenas programática, 2) a ausência de partido(s) forte(s) para chamar de seu(s) e 3) o ritmo lento de recuperação da economia. Enquanto o povão não se cansa deste terceiro item, dá para ir levando os dois primeiros. Mas a paciência não é eterna.

Falar em crise política no Brasil de Bolsonaro em outubro de 2019 é jornalisticamente sexy, mas talvez algo exagerado. Basta ver as atribulações, por exemplo, de Donald Trump, Boris Johnson, Pedro Sánchez, Lenín Moreno, Sebastian Piñera, Benjamin Netanyahu e Carrie Lam. Shaky governments parece ser o novo normal na era da hiperconectividade e das redes sociais.


Todos esses nomes têm base congressual. Bolsonaro por enquanto não.

Até agora, mesmo sem resultados brilhantes, Bolsonaro vem se sustentando 1) no crédito de confiança do eleitor dele, que numericamente continua com ele, ou pelo menos não está contra. Como mostrou esta semana a pesquisa Veja/FSB. E 2) no fato de o Congresso, majoritariamente pró-mercado, não ter como rejeitar a agenda econômica liberal capitaneada por Paulo Guedes.

Mas a guerra no PSL deveria acender uma luz amarela no Planalto. Presidente sem partido e sem base congressual própria alguma hora acaba sinucado. Pode demorar, mas a conta chega. Enquanto tem um terço de bom/ótimo e meio a meio no aprova/desaprova, dá para manter o stand by. O problema? Não haver nenhuma previsão de retomada brilhante do emprego no curto ou médio prazos.

Esta costuma ser a época em que os políticos estão recolhidos, apenas amolando as facas à espera do momento em que o governante vai perder força e vai depender deles para atravessar o rio cheio de crocodilos. E esta é a hora em que o presidente pode ainda negociar em vantagem com o Congresso. Basta consultar a literatura. Quem fez se deu bem. Quem não...

E o cenário está montado. Há uma avenida aberta. O dito centrão anda com síndrome de abstinência de governo, E agora ele viria algo repaginado, depois de eleito pela imprensa como o salvador das reformas. E afinal o chamado centrão é de direita mesmo. Não à toa Bolsonaro ostenta uma média alta de apoio nas votações congressuais. Seria o casamento da fome e da vontade de comer.
Claro que precisaria ser feito sem macular muito o brand da “nova política”, mas não falta aos próceres do centrão expertise nesse tipo de coisa. Fazer sem parecer que está fazendo. E aliás Bolsonaro foi dessa turma, o dito centrão, durante todo o tempo de deputado federal. Tem muito mais a ver com esse pessoal do que com o jacobinismo do PSL, ainda que os mais jacobinos até ali estejam espremidos.


*

É preciso reconhecer em Bolsonaro um sujeito de sorte. A pipocada nos Estados Unidos no tema “Brasil na OCDE” abriu uma janela de oportunidade para o presidente fazer o que precisa ser feito: atrair os capitais chineses, especialmente em infraestrutura e tecnologia.

Vamos ver se a viagem à China vai ser um sucesso no estabelecimento de parcerias que ajudem a alavancar nosso desenvolvimento ou se as viseiras ideológicas vão impedir o governo de fazer o que é melhor.

Alon Feuerwerker