segunda-feira, 29 de agosto de 2016
Cada um cria, à sua maneira, uma realidade que só existe em sua mente
Gente é bicho complicado. E, ao dizer isso, não me excluo, pois também sou complicado. Só que, modéstia à parte, procuro, tanto quanto possível, manter-me coerente com o que suponho ser a realidade dos fatos.
Digo isso porque, com frequência, conversando com essa ou aquela pessoa, surpreendo-me com a capacidade que elas têm de amoldar a realidade ao que creem –ou lhes convêm– ser a verdade.
Às vezes, tento mostrar-lhes que a coisa não é bem assim, mas de nada adianta, pois, ao que tudo indica, a verdade não lhes importa e, sim, a versão que inventaram.
Já contei aqui a conversa que mantive com uma jovem universitária a propósito de um jornal que seu grupo editava na faculdade.
– O que esse jornal afirma –disse-lhe eu– dá a entender que o comunismo não acabou.
– E não acabou mesmo –respondeu ela. O que acabou não era o comunismo verdadeiro.
Ou seja, como ela necessitava acreditar no sonho marxista, tudo o que ocorreu, desde a revolução soviética de 1917 até hoje, era falso comunismo. Nem Lênin, nem Stalin, nem Mao Tsé-tung, nem Fidel Castro: nenhum deles era comunista de verdade. Só ela e seu pequeno grupo de universitários.
Por isso, digo que gente é bicho complicado. Claro que nem todo mundo chega ao exagero dessa jovem carioca, mas cada qual à sua maneira inventa uma realidade que só existe em sua mente. É claro, porém, que não ocorre só com gente da área política e muito menos da chamada esquerda.
Na área da religião e, sobretudo, das seitas religiosas, a realidade é muitas vezes coisa ignorada. São exceções, mas conseguem adeptos e criam instituições que, de uma maneira ou de outra, atuam na sociedade. Há mesmo os espertos que fundam seitas ou "igrejas" e, depois que conseguem um número considerável de seguidores, as vendem a supostos profetas. Bem, como diz a Maria, minha empregada, neste mundo há de um tudo.
Sim, há, mas nem sempre a coisa chega a esse ponto. Há exemplos mais discretos, embora sejam, de qualquer forma, uma maneira de desconhecer a verdade. E, mesmo admitindo que são exemplos diversos dos mencionados, não deixam de me espantar, por exemplo, a insistência com que algumas pessoas teimam em afirmar que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff é um golpe.
É verdade que quem inventou isso sabe que é mentira e muitas dessas pessoas que o repetem também sabem, mas, apesar de o saberem e, por isso mesmo, fingem que acreditam.
Não estou dizendo nada de novo e, sim, tão somente, manifestando minha surpresa, uma vez que muitas dessas pessoas que o afirmam são plenamente informadas de tudo o que aconteceu: de como surgiu o processo do impeachment e de como se desenvolveu ao longo de mais de nove meses, obedecendo a todas as normas e exigências legais.
Basta dizer que, em certo momento desse processo, 44 testemunhas depuseram em defesa da acusada, e isso sem falar nas infindáveis sessões de debates, em que os seus defensores lançavam mão de sofismas e barganhas para anular o processo.
Todos os recursos foram utilizados para impedir que o impeachment fosse adiante. Na etapa final, o processo foi presidido, nada mais, nada menos, pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, aquelas mesmas pessoas insistem em dizer que se trata de um golpe.
Confesso que tenho dificuldade de entender esse tipo de comportamento. Com facilidade compreendo que uma pessoa desinformada ou inculta deixe-se levar por falsas verdades e demagogias. Mas, quando se trata de alguém que tem pleno conhecimento dos procedimentos legais e das instituições envolvidas no caso, aí não dá para entender.
Ou dá, se assumirmos que o cara engana a si mesmo e, nem à noite, ao deitar a cabeça no travesseiro, admite que está se enganando.
Ferreira Gullar
Digo isso porque, com frequência, conversando com essa ou aquela pessoa, surpreendo-me com a capacidade que elas têm de amoldar a realidade ao que creem –ou lhes convêm– ser a verdade.
Às vezes, tento mostrar-lhes que a coisa não é bem assim, mas de nada adianta, pois, ao que tudo indica, a verdade não lhes importa e, sim, a versão que inventaram.
Já contei aqui a conversa que mantive com uma jovem universitária a propósito de um jornal que seu grupo editava na faculdade.
– O que esse jornal afirma –disse-lhe eu– dá a entender que o comunismo não acabou.
– E não acabou mesmo –respondeu ela. O que acabou não era o comunismo verdadeiro.
Ou seja, como ela necessitava acreditar no sonho marxista, tudo o que ocorreu, desde a revolução soviética de 1917 até hoje, era falso comunismo. Nem Lênin, nem Stalin, nem Mao Tsé-tung, nem Fidel Castro: nenhum deles era comunista de verdade. Só ela e seu pequeno grupo de universitários.
Por isso, digo que gente é bicho complicado. Claro que nem todo mundo chega ao exagero dessa jovem carioca, mas cada qual à sua maneira inventa uma realidade que só existe em sua mente. É claro, porém, que não ocorre só com gente da área política e muito menos da chamada esquerda.
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Sim, há, mas nem sempre a coisa chega a esse ponto. Há exemplos mais discretos, embora sejam, de qualquer forma, uma maneira de desconhecer a verdade. E, mesmo admitindo que são exemplos diversos dos mencionados, não deixam de me espantar, por exemplo, a insistência com que algumas pessoas teimam em afirmar que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff é um golpe.
É verdade que quem inventou isso sabe que é mentira e muitas dessas pessoas que o repetem também sabem, mas, apesar de o saberem e, por isso mesmo, fingem que acreditam.
Não estou dizendo nada de novo e, sim, tão somente, manifestando minha surpresa, uma vez que muitas dessas pessoas que o afirmam são plenamente informadas de tudo o que aconteceu: de como surgiu o processo do impeachment e de como se desenvolveu ao longo de mais de nove meses, obedecendo a todas as normas e exigências legais.
Basta dizer que, em certo momento desse processo, 44 testemunhas depuseram em defesa da acusada, e isso sem falar nas infindáveis sessões de debates, em que os seus defensores lançavam mão de sofismas e barganhas para anular o processo.
Todos os recursos foram utilizados para impedir que o impeachment fosse adiante. Na etapa final, o processo foi presidido, nada mais, nada menos, pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, aquelas mesmas pessoas insistem em dizer que se trata de um golpe.
Confesso que tenho dificuldade de entender esse tipo de comportamento. Com facilidade compreendo que uma pessoa desinformada ou inculta deixe-se levar por falsas verdades e demagogias. Mas, quando se trata de alguém que tem pleno conhecimento dos procedimentos legais e das instituições envolvidas no caso, aí não dá para entender.
Ou dá, se assumirmos que o cara engana a si mesmo e, nem à noite, ao deitar a cabeça no travesseiro, admite que está se enganando.
Ferreira Gullar
Faces perversas do autoritarismo no Brasil
Apesar dos mais de 30 anos de redemocratização, ainda vivemos sob o império do autoritarismo. O chocante é que muitos dos que o praticam não se consideram autoritários. Essa é uma questão complexa que envolve interpretação e comportamento, além das regras existentes. Envolve também a precária educação cívica dos brasileiros, que não têm ideia de seus direitos e deveres.
Nosso autoritarismo tem raízes profundas no Brasil colônia, onde o caráter subalterno de nossa gente era transversal às classes - desde a senzala, passando pela casa-grande, até os paços do reino. Cada um esmagando o menor com o abuso de poder e de autoridade.
Mesmo com as lutas, revoluções e reconstruções das instituições políticas visando ao estabelecimento de regime democrático concreto, o autoritarismo resiste em nossa sociedade de forma bastante pronunciada e se expressa de diversas formas e em vários lugares: no dia a dia das cidades; nas repartições públicas; nas escolas; nas redes sociais; nas relações de consumo; na Justiça e na política; no “neopeleguismo” dos sindicatos de trabalhadores e de patrões, dominados pelo clientelismo.
Nosso autoritarismo está expresso no ônibus que não para no ponto. Na recepção grosseira ao paciente humilde que chega ao hospital público. No comportamento do Estado, que manipula, empreende, financia, regula, coopta, suborna, faz vista grossa para o corporativismo e elege campeões que ganham medalhas no sistema financeiro estatal.
No campo da Justiça, o autoritarismo revela-se no ativismo judicial, que é ir além do que prega o mandamento constitucional, e se expressa, por exemplo, ao se desconsiderarem as novas determinações do Código de Processo Civil de estimular o entendimento entre as partes. A condução coercitiva independente de prévia intimação e mesmo negativa injustificada a comparecer para depor também o são. Para dizer o mínimo.
Existe ainda o ativismo burocrático, que cobra atitudes da cidadania a partir de interpretações largas e ilegais do que seriam as regras e se expressa por meio decisões sem o devido amparo legal. A mesma burocracia que é resistente aos programas de desburocratização e impõe uma cerca de proteção aos seus interesses, senta-se em cima das licenças ambientais por conta de seus interesses políticos ou ideológicos.
O corporativismo que submete o povo a greves intermináveis ou a operações tartaruga no serviço público, sem que haja uma intervenção decisiva da autoridade judicial, também se mostra egoísta e autoritário. A omissão da Justiça nesses casos é imperdoável. Também o é o paternalismo da legislação trabalhista, que impede acordos entre patrões e empregados e impõe uma tutela que nem sempre é adequada aos interesses de quem trabalha.
Mas o autoritarismo não reside apenas no sistema judiciário, um dos mais caros do mundo e um dos menos eficientes, e na burocracia, cuja produtividade é risível quando voltada para o cidadão e admirável quando dedicada à cobrança de tributos. O autoritarismo também propõe e incentiva o patrulhamento ideológico. Quem está fora da curva do pensamento politicamente correto pode ser trucidado.
O império do autoritarismo tem ainda sua face na superficialidade das análises e das opiniões. Não sabemos de nada e por isso sabemos de tudo. Muitos têm apenas palavras vazias para todas as opiniões, que devem ser dadas num mar de mediocridade. Achar que todo político é ladrão e que todas as opiniões que nos aborrecem são vendidas também é autoritário. Assim como parar em fila dupla e avançar o sinal de trânsito.
É autoritário concordar com a injustiça quando o réu nos desagrada. Da mesma forma, é autoritário condenar a justiça quando o réu nos é simpático. O autoritarismo está presente ainda nas interpretações de que tudo o que o Poder Executivo propõe deve ser aceito sem questionamento no Legislativo, como se o “hiperpresidencialismo” que nos escraviza devesse ser a regra. No mínimo, revelamos ignorância do papel dos Poderes da República e de suas autonomias.
Nosso autoritarismo está cristalizado na relação subalterna entre a sociedade e o Estado. Antes, essa relação decorria de um arranjo de oligarquias que controlavam o País. Mais recentemente, decorre do paternalismo de esquerda, que, ao tempo em que aparelha a máquina pública, trata a cidadania como dependente, e não como os devidos patrões da Nação.
Também é lamentável ver a burocracia, sob a complacência da Justiça, ganhar salários acima do teto constitucional, em prova cabal da omissão e do desrespeito aos interesses da cidadania. Assim como usar a corrupção para financiar partidos e campanhas ou usar as verbas do Fundo Partidário para pagar mordomias.
No sistema político, o sistema partidário caótico e sua absurda fragmentação não são uma expressão saudável da democracia. São um produto da submissão do debate de ideias e programas ao interesse rasteiro de muitos caciques e chefes políticos que fazem qualquer negócio pelo poder. Como disse o político britânico Benjamin Disraeli, “danem-se os princípios, o que interessa é o partido”. Prática de muitos que governaram o País nas últimas décadas.
Estamos em lenta evolução, mas ainda na infância da democracia. E engatinhando numa creche de baixíssima qualidade quando se trata de educação cívica voltada para os direitos e os deveres da cidadania. Ainda levará tempo para nos livrarmos desse carma. Em longo prazo, com melhor educação e o trabalho consciente de formadores de opinião talvez possamos vencer esta etapa da nossa construção social cidadã e democrática, derrotando o autoritarismo que nos contamina.
Murillo de Aragão
Nosso autoritarismo tem raízes profundas no Brasil colônia, onde o caráter subalterno de nossa gente era transversal às classes - desde a senzala, passando pela casa-grande, até os paços do reino. Cada um esmagando o menor com o abuso de poder e de autoridade.
Mesmo com as lutas, revoluções e reconstruções das instituições políticas visando ao estabelecimento de regime democrático concreto, o autoritarismo resiste em nossa sociedade de forma bastante pronunciada e se expressa de diversas formas e em vários lugares: no dia a dia das cidades; nas repartições públicas; nas escolas; nas redes sociais; nas relações de consumo; na Justiça e na política; no “neopeleguismo” dos sindicatos de trabalhadores e de patrões, dominados pelo clientelismo.
No campo da Justiça, o autoritarismo revela-se no ativismo judicial, que é ir além do que prega o mandamento constitucional, e se expressa, por exemplo, ao se desconsiderarem as novas determinações do Código de Processo Civil de estimular o entendimento entre as partes. A condução coercitiva independente de prévia intimação e mesmo negativa injustificada a comparecer para depor também o são. Para dizer o mínimo.
Existe ainda o ativismo burocrático, que cobra atitudes da cidadania a partir de interpretações largas e ilegais do que seriam as regras e se expressa por meio decisões sem o devido amparo legal. A mesma burocracia que é resistente aos programas de desburocratização e impõe uma cerca de proteção aos seus interesses, senta-se em cima das licenças ambientais por conta de seus interesses políticos ou ideológicos.
O corporativismo que submete o povo a greves intermináveis ou a operações tartaruga no serviço público, sem que haja uma intervenção decisiva da autoridade judicial, também se mostra egoísta e autoritário. A omissão da Justiça nesses casos é imperdoável. Também o é o paternalismo da legislação trabalhista, que impede acordos entre patrões e empregados e impõe uma tutela que nem sempre é adequada aos interesses de quem trabalha.
Mas o autoritarismo não reside apenas no sistema judiciário, um dos mais caros do mundo e um dos menos eficientes, e na burocracia, cuja produtividade é risível quando voltada para o cidadão e admirável quando dedicada à cobrança de tributos. O autoritarismo também propõe e incentiva o patrulhamento ideológico. Quem está fora da curva do pensamento politicamente correto pode ser trucidado.
O império do autoritarismo tem ainda sua face na superficialidade das análises e das opiniões. Não sabemos de nada e por isso sabemos de tudo. Muitos têm apenas palavras vazias para todas as opiniões, que devem ser dadas num mar de mediocridade. Achar que todo político é ladrão e que todas as opiniões que nos aborrecem são vendidas também é autoritário. Assim como parar em fila dupla e avançar o sinal de trânsito.
É autoritário concordar com a injustiça quando o réu nos desagrada. Da mesma forma, é autoritário condenar a justiça quando o réu nos é simpático. O autoritarismo está presente ainda nas interpretações de que tudo o que o Poder Executivo propõe deve ser aceito sem questionamento no Legislativo, como se o “hiperpresidencialismo” que nos escraviza devesse ser a regra. No mínimo, revelamos ignorância do papel dos Poderes da República e de suas autonomias.
Nosso autoritarismo está cristalizado na relação subalterna entre a sociedade e o Estado. Antes, essa relação decorria de um arranjo de oligarquias que controlavam o País. Mais recentemente, decorre do paternalismo de esquerda, que, ao tempo em que aparelha a máquina pública, trata a cidadania como dependente, e não como os devidos patrões da Nação.
Também é lamentável ver a burocracia, sob a complacência da Justiça, ganhar salários acima do teto constitucional, em prova cabal da omissão e do desrespeito aos interesses da cidadania. Assim como usar a corrupção para financiar partidos e campanhas ou usar as verbas do Fundo Partidário para pagar mordomias.
No sistema político, o sistema partidário caótico e sua absurda fragmentação não são uma expressão saudável da democracia. São um produto da submissão do debate de ideias e programas ao interesse rasteiro de muitos caciques e chefes políticos que fazem qualquer negócio pelo poder. Como disse o político britânico Benjamin Disraeli, “danem-se os princípios, o que interessa é o partido”. Prática de muitos que governaram o País nas últimas décadas.
Estamos em lenta evolução, mas ainda na infância da democracia. E engatinhando numa creche de baixíssima qualidade quando se trata de educação cívica voltada para os direitos e os deveres da cidadania. Ainda levará tempo para nos livrarmos desse carma. Em longo prazo, com melhor educação e o trabalho consciente de formadores de opinião talvez possamos vencer esta etapa da nossa construção social cidadã e democrática, derrotando o autoritarismo que nos contamina.
Murillo de Aragão
E se Dilma ganhar
Um pequeno país declara guerra aos Estados Unidos. E vence. Esse o enredo principal de romance que li, faz muitos anos. Anos demais. O autor já nem lembro, acontece. Tudo se passou num tempo em que éramos mais jovens, mais magros e, provavelmente, mais felizes. O enredo trata do futuro. O que fazer depois de ganhar uma guerra dessas. Vale a pena transpor esse enredo para nosso Brasil de hoje.
Imaginemos que o impeachment não seja aprovado. Que os votos, no Senado, não sejam suficientes para que a Senhora deixe de ser inquilina do Palácio da Alvorada. Nesse caso, o que acontece depois?, eis a questão.
Como vai governar com menos de 30% da Câmara dos Deputados? E menos da metade do Senado? E com quem vai governar? Seu amigos mais próximos estão presos. Ou sendo processados por corrupção. Ou indiciados penalmente. Ela própria vai ter problemas com a Justiça. Será com esses que vai recuperar o Brasil?
A escassa base de apoio social que tem é reacionária - no sentido de ser contra qualquer tipo de mudança. Pensam nas suas corporações, mais que no interesse coletivo. E não aceitarão qualquer ação nesse sentido. Como vai, então, propor alguma reforma estrutural? Na previdência?, nem pensar. Em campo nenhum.
E quem vai cuidar da economia? Volta Mantega? Ou Nelson Barbosa? Nenhum deles deu certo, já se viu. Ou ela acredita que Meireles e os atuais gestores dessa economia atenderão a algum pedido para que fique? Mais provável é que vão embora, na hora. As incertezas vão cobrar um preço duro, na estabilidade econômica e social do país.
É sobre isso que deveria estar falando. Oferecendo, ao indeterminado cidadão comum, segurança sobre o futuro do país sob seu comando. Caso acreditasse, claro, que tem mesmo alguma chance de voltar ao poder. Ato falho, diriam os psicanalistas. Seu silêncio, em relação a esses temas, são a melhor prova de que não acredita verdadeiramente nessa volta.
Ela sabe que o futuro de seu partido depende da sua saída, agora. E de que a gestão da economia, nesse governo que chama hoje de interino, seja desastrosa. Nos dois próximos anos. Só assim o PT teria alguma chance de voltar ao poder. E esse discurso do golpe até ajuda, nos palanques. O que não quer dizer que seja uma discrição factual correta. Longe disso, amigo leitor. Longe disso.
Por isso tudo que diz, ou faz, é pensando em sua biografia. Na posteridade. Em seus netos. Nos amigos. Como ser humano, tem direito de aspirar a um lugar mais digno na história. É legítimo. O que não quer dizer que seu discurso tenha qualquer aderência com a realidade. Ninguém tem prazer em contemplar sua tragédia pessoal, claro. Mas temos pressa. Que o Brasil precisa voltar a ter um chance de dar certo. O que, com ela, não existe. Todos sabem disso. Ela sabe.
Imaginemos que o impeachment não seja aprovado. Que os votos, no Senado, não sejam suficientes para que a Senhora deixe de ser inquilina do Palácio da Alvorada. Nesse caso, o que acontece depois?, eis a questão.
Como vai governar com menos de 30% da Câmara dos Deputados? E menos da metade do Senado? E com quem vai governar? Seu amigos mais próximos estão presos. Ou sendo processados por corrupção. Ou indiciados penalmente. Ela própria vai ter problemas com a Justiça. Será com esses que vai recuperar o Brasil?
E quem vai cuidar da economia? Volta Mantega? Ou Nelson Barbosa? Nenhum deles deu certo, já se viu. Ou ela acredita que Meireles e os atuais gestores dessa economia atenderão a algum pedido para que fique? Mais provável é que vão embora, na hora. As incertezas vão cobrar um preço duro, na estabilidade econômica e social do país.
É sobre isso que deveria estar falando. Oferecendo, ao indeterminado cidadão comum, segurança sobre o futuro do país sob seu comando. Caso acreditasse, claro, que tem mesmo alguma chance de voltar ao poder. Ato falho, diriam os psicanalistas. Seu silêncio, em relação a esses temas, são a melhor prova de que não acredita verdadeiramente nessa volta.
Ela sabe que o futuro de seu partido depende da sua saída, agora. E de que a gestão da economia, nesse governo que chama hoje de interino, seja desastrosa. Nos dois próximos anos. Só assim o PT teria alguma chance de voltar ao poder. E esse discurso do golpe até ajuda, nos palanques. O que não quer dizer que seja uma discrição factual correta. Longe disso, amigo leitor. Longe disso.
Por isso tudo que diz, ou faz, é pensando em sua biografia. Na posteridade. Em seus netos. Nos amigos. Como ser humano, tem direito de aspirar a um lugar mais digno na história. É legítimo. O que não quer dizer que seu discurso tenha qualquer aderência com a realidade. Ninguém tem prazer em contemplar sua tragédia pessoal, claro. Mas temos pressa. Que o Brasil precisa voltar a ter um chance de dar certo. O que, com ela, não existe. Todos sabem disso. Ela sabe.
Cinco razões para darmos adeus a Dilma
O excesso, não a falta, é o que dificulta enumerar os motivos para o afastamento definitivo de Dilma Rousseff da Presidência.
Quem assume tal tarefa se vê diante de duas alternativas: resumi-los numa única sentença, dizendo que ela nunca deveria ter estado lá, ou elaborar um esquema lógico parcimonioso, que permita reduzi-los a um número manejável.
Opto pelo segundo caminho, tentando compactar meu argumento em cinco pontos principais. O primeiro, como não poderia deixar de ser, é a ilegalidade ou, se preferirem, a posição de ilegitimidade formal em que Dilma se colocou.
Refiro-me aqui, naturalmente, aos crimes de responsabilidade que embasam o impeachment. Como Estado constitucional que é, o Brasil não poderia seguir em frente como se nada tivesse acontecido.
Não poderia manter na Presidência um titular que, além de reiteradamente demonstrar desapreço pelas instituições da democracia representativa, não hesitou a atropelar os limites da legalidade no tocante à administração financeira e à legislação orçamentária.
Especificamente, autorizar créditos suplementares sem a aprovação do Congresso equivale a desconsiderar a necessidade de uma lei orçamentária e a ignorar a existência do Legislativo como contrapeso ao Executivo, atingindo dessa forma, em seu âmago, a forma republicana e democrática de governo.
Os quatro pontos que abordarei a seguir têm a ver com o que se pode, apropriadamente, denominar ilegitimidade material, ou substantiva.
Para se eleger e reeleger presidente, Dilma Rousseff participou de uma farsa arquitetada pelo ex-presidente Lula, farsa assentada, como se recorda, sobre três pilares principais: a popularidade de Lula (à época superior a 80%), embustes publicitários levados ao paroxismo e recursos de origem ilícita jorrando em abundância. Aqui, como antecipei, não se trata de ilegitimidade formal, mas material.
Do ponto de vista estritamente jurídico e ex ante, não havia como questionar tal trama. Cabia questioná-la, isso sim, em termos do que o sociólogo Émile Durkheim chamaria de "elementos não contratuais do contrato", ou seja, do ponto de vista da lealdade a regras não escritas da vida política e do regime democrático, que excluem postulações farsescas como as de Dilma Rousseff em 2010.
Com seus próprios recursos, Dilma não se elegeria nem para a Câmara Municipal de Porto Alegre, onde residia, e disso Lula sabia melhor que ninguém. Mas sabia também que sua popularidade pessoal, as mágicas do publicitário da corte e a cornucópia da Petrobras seriam suficientes para alçar sua pupila às alturas do Planalto. Docemente constrangida, Dilma aquiesceu, ou seja, prestou-se a tal farsa.
O terceiro fator que me propus a abordar é a incompetência gerencial de Dilma e sua interface com a corrupção. Para bem expor esse ponto, creio ser útil entrelaçá-lo com a campanha presidencial de 2014. Àquela altura, como sabemos, a derrocada econômica já comia solta.
A questão central era (como é até hoje, dados os desatinos do primeiro mandato de Dilma) o desarranjo das contas públicas. Aqui entra a questão da accountability, anglicismo inevitável quando se trata de discutir a ilegitimidade material de um governo.
Se as palavras ditas durante a campanha fossem levadas a sério, Dilma teria que admitir a inexorabilidade do ajuste fiscal. Não o fez, como bem sabemos. Ao contrário, atribuiu a seu adversário a intenção de fazer o que ela sabia ser inevitável.
Explica-se: no leme, além dela mesma, encontravam-se Lula e João Santana, um trio para o qual malícia e política podem perfeitamente caminhar de braço dado. O resultado aí está à vista de todos: um país economicamente destroçado, com 11,6 milhões de desempregados, forçado a aguardar, pacientemente, o ato final dessa dupla farsa que me vi forçado a relembrar.
Só Deus sabe se Lula, em algum momento, acreditou que Dilma fosse uma tecnocrata da mais alta estirpe. Fato é que, logo no início de 2015, na esteira da impopularidade advinda da crise econômica, a imagem da Dilma-gerente apresentou rachaduras devido à sua interface com a corrupção.
Lá atrás, em 2003, Lula a mandou presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Por que o fez? Acreditava sinceramente em sua competência técnica? Ou, ao contrário, percebia seus limites e a considerava incapaz de desvendar a teia de corrupção lá instalada? Ou ainda por saber que ela, cedo ou tarde, a desvendaria, mas não se furtaria a dançar conforme a música?
Seja qual for a resposta certa, fato é que os "malfeitos" de Pasadena corriam sobre a grande mesa do conselho como uma manada de búfalos, sem que Dilma ouvisse o tropel.
Meu quarto ponto pode ser abordado de maneira concisa. O problema é que o despreparo de Dilma não decorre apenas de sua incompetência gerencial e de sua incultura econômica, mas de algo que, de certa forma, as precede: a pobreza de sua visão do mundo. De sua formação ideológica, se preferem.
"Mas como", pode-se objetar, "ela não é petista? Não governava dentro dos parâmetros ideológicos do petismo?". A objeção seria ponderável, se soubéssemos em quê, exatamente, consiste a nunca assaz louvada "ideologia petista".
Fora de dúvida é que Dilma assumiu o governo acreditando piamente que tinha uma ideologia, quero dizer, uma estratégia válida para a promoção do crescimento. No frigir dos ovos, nos demos conta de que sua estratégia era uma mescla mal ajambrada do velho nacional-desenvolvimentismo com a ilusão de aqui implantar um modelo de feição asiática, inspirado no sucesso indiscutível da Coreia do Sul.
Como ocorria nos anos 1950, também para ela educação, ciência e tecnologia, formação de capital humano, essas coisas "menores", poderiam esperar. Com essa mentalidade Dilma subiu a rampa do Planalto em janeiro de 2011. Em termos políticos, seu "modelo" econômico tinha três requisitos fundamentais.
Primeiro, o popular "quem manda sou eu"; segundo, o Tesouro capta dinheiro caro no mercado e o BNDES se incumbe de repassá-lo pela metade do custo a empresários tão amigos quanto dinâmicos; terceiro, subsídios a rodo, notadamente sob a forma de exonerações fiscais, para incentivar a indústria automobilística e afins a retomarem o crescimento de um jeito ou de outro, além de manter o nível de emprego, cuja importância eleitoral ela não desconhecia.
Em quinto e último lugar, mas não menos importante, a saída de Dilma Rousseff é a limpeza de terreno imprescindível para que o Brasil apresse a recuperação econômica e comece, o quanto antes, a repensar seu futuro.
Para isso, algumas medidas serão necessárias. O ajuste fiscal é a primeira delas. Depois, fortes investimentos em infraestrutura, sem os bloqueios ideológicos que os inviabilizaram durante todo o período lulo-dilmista.
Também são fundamentais propostas sociais enérgicas, notadamente na área educacional, reduzindo programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida à função paliativa que lhes é inerente.
Por fim, aprofundando e concluindo o ataque à corrupção, deve-se encetar uma reforma política séria e abrangente, com o objetivo de recolocar o sistema político num patamar aceitável de legitimidade.
Bolívar Lamounier
Quem assume tal tarefa se vê diante de duas alternativas: resumi-los numa única sentença, dizendo que ela nunca deveria ter estado lá, ou elaborar um esquema lógico parcimonioso, que permita reduzi-los a um número manejável.
Opto pelo segundo caminho, tentando compactar meu argumento em cinco pontos principais. O primeiro, como não poderia deixar de ser, é a ilegalidade ou, se preferirem, a posição de ilegitimidade formal em que Dilma se colocou.
Refiro-me aqui, naturalmente, aos crimes de responsabilidade que embasam o impeachment. Como Estado constitucional que é, o Brasil não poderia seguir em frente como se nada tivesse acontecido.
Não poderia manter na Presidência um titular que, além de reiteradamente demonstrar desapreço pelas instituições da democracia representativa, não hesitou a atropelar os limites da legalidade no tocante à administração financeira e à legislação orçamentária.
Especificamente, autorizar créditos suplementares sem a aprovação do Congresso equivale a desconsiderar a necessidade de uma lei orçamentária e a ignorar a existência do Legislativo como contrapeso ao Executivo, atingindo dessa forma, em seu âmago, a forma republicana e democrática de governo.
Os quatro pontos que abordarei a seguir têm a ver com o que se pode, apropriadamente, denominar ilegitimidade material, ou substantiva.
Para se eleger e reeleger presidente, Dilma Rousseff participou de uma farsa arquitetada pelo ex-presidente Lula, farsa assentada, como se recorda, sobre três pilares principais: a popularidade de Lula (à época superior a 80%), embustes publicitários levados ao paroxismo e recursos de origem ilícita jorrando em abundância. Aqui, como antecipei, não se trata de ilegitimidade formal, mas material.
Do ponto de vista estritamente jurídico e ex ante, não havia como questionar tal trama. Cabia questioná-la, isso sim, em termos do que o sociólogo Émile Durkheim chamaria de "elementos não contratuais do contrato", ou seja, do ponto de vista da lealdade a regras não escritas da vida política e do regime democrático, que excluem postulações farsescas como as de Dilma Rousseff em 2010.
Com seus próprios recursos, Dilma não se elegeria nem para a Câmara Municipal de Porto Alegre, onde residia, e disso Lula sabia melhor que ninguém. Mas sabia também que sua popularidade pessoal, as mágicas do publicitário da corte e a cornucópia da Petrobras seriam suficientes para alçar sua pupila às alturas do Planalto. Docemente constrangida, Dilma aquiesceu, ou seja, prestou-se a tal farsa.
O terceiro fator que me propus a abordar é a incompetência gerencial de Dilma e sua interface com a corrupção. Para bem expor esse ponto, creio ser útil entrelaçá-lo com a campanha presidencial de 2014. Àquela altura, como sabemos, a derrocada econômica já comia solta.
A questão central era (como é até hoje, dados os desatinos do primeiro mandato de Dilma) o desarranjo das contas públicas. Aqui entra a questão da accountability, anglicismo inevitável quando se trata de discutir a ilegitimidade material de um governo.
Se as palavras ditas durante a campanha fossem levadas a sério, Dilma teria que admitir a inexorabilidade do ajuste fiscal. Não o fez, como bem sabemos. Ao contrário, atribuiu a seu adversário a intenção de fazer o que ela sabia ser inevitável.
Explica-se: no leme, além dela mesma, encontravam-se Lula e João Santana, um trio para o qual malícia e política podem perfeitamente caminhar de braço dado. O resultado aí está à vista de todos: um país economicamente destroçado, com 11,6 milhões de desempregados, forçado a aguardar, pacientemente, o ato final dessa dupla farsa que me vi forçado a relembrar.
Só Deus sabe se Lula, em algum momento, acreditou que Dilma fosse uma tecnocrata da mais alta estirpe. Fato é que, logo no início de 2015, na esteira da impopularidade advinda da crise econômica, a imagem da Dilma-gerente apresentou rachaduras devido à sua interface com a corrupção.
Lá atrás, em 2003, Lula a mandou presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Por que o fez? Acreditava sinceramente em sua competência técnica? Ou, ao contrário, percebia seus limites e a considerava incapaz de desvendar a teia de corrupção lá instalada? Ou ainda por saber que ela, cedo ou tarde, a desvendaria, mas não se furtaria a dançar conforme a música?
Seja qual for a resposta certa, fato é que os "malfeitos" de Pasadena corriam sobre a grande mesa do conselho como uma manada de búfalos, sem que Dilma ouvisse o tropel.
Meu quarto ponto pode ser abordado de maneira concisa. O problema é que o despreparo de Dilma não decorre apenas de sua incompetência gerencial e de sua incultura econômica, mas de algo que, de certa forma, as precede: a pobreza de sua visão do mundo. De sua formação ideológica, se preferem.
"Mas como", pode-se objetar, "ela não é petista? Não governava dentro dos parâmetros ideológicos do petismo?". A objeção seria ponderável, se soubéssemos em quê, exatamente, consiste a nunca assaz louvada "ideologia petista".
Fora de dúvida é que Dilma assumiu o governo acreditando piamente que tinha uma ideologia, quero dizer, uma estratégia válida para a promoção do crescimento. No frigir dos ovos, nos demos conta de que sua estratégia era uma mescla mal ajambrada do velho nacional-desenvolvimentismo com a ilusão de aqui implantar um modelo de feição asiática, inspirado no sucesso indiscutível da Coreia do Sul.
Como ocorria nos anos 1950, também para ela educação, ciência e tecnologia, formação de capital humano, essas coisas "menores", poderiam esperar. Com essa mentalidade Dilma subiu a rampa do Planalto em janeiro de 2011. Em termos políticos, seu "modelo" econômico tinha três requisitos fundamentais.
Primeiro, o popular "quem manda sou eu"; segundo, o Tesouro capta dinheiro caro no mercado e o BNDES se incumbe de repassá-lo pela metade do custo a empresários tão amigos quanto dinâmicos; terceiro, subsídios a rodo, notadamente sob a forma de exonerações fiscais, para incentivar a indústria automobilística e afins a retomarem o crescimento de um jeito ou de outro, além de manter o nível de emprego, cuja importância eleitoral ela não desconhecia.
Em quinto e último lugar, mas não menos importante, a saída de Dilma Rousseff é a limpeza de terreno imprescindível para que o Brasil apresse a recuperação econômica e comece, o quanto antes, a repensar seu futuro.
Para isso, algumas medidas serão necessárias. O ajuste fiscal é a primeira delas. Depois, fortes investimentos em infraestrutura, sem os bloqueios ideológicos que os inviabilizaram durante todo o período lulo-dilmista.
Também são fundamentais propostas sociais enérgicas, notadamente na área educacional, reduzindo programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida à função paliativa que lhes é inerente.
Por fim, aprofundando e concluindo o ataque à corrupção, deve-se encetar uma reforma política séria e abrangente, com o objetivo de recolocar o sistema político num patamar aceitável de legitimidade.
Bolívar Lamounier
Réquiem para um sonho
Candidatos do PT às eleições municipais de outubro descartaram o vermelho e diminuíram o tamanho da estrela do partido no seu material de propaganda na tentativa de evitar uma sangria de votos.
Haverá símbolo maior do fim de um sonho que pareceu tão generoso no seu início?
Sem falar da impossibilidade de Lula circular livremente por aí. Em breve, talvez acabe impedido pela Justiça de circular.
Destino igual pode estar reservado para a presidente Dilma Rousseff.
Enclausurada no Palácio da Alvorada há 111 dias, visitada durante esse período apenas por ex-auxiliares e poucos amigos, desprezada pelo PT que foi obrigado a engoli-la, mas que afinal a regurgitou, ela irá, hoje, ao Senado para defender-se dos crimes que lhe imputam. As chances de sair dali absolvida são quase nenhuma.
“Eu não tenho de renunciar, não tenho de me suicidar, não tenho de fugir para o Uruguai”, bradou ela em seu último ato público na quarta-feira passada em uma referência aos ex-presidentes Getúlio Vargas que se matou com um tiro no coração em 1954, e João Goulart que 10 anos depois se exilou para não ser preso.
Com o que disse, Dilma prestou um tributo à democracia que vige no país. Essa, porém, não foi sua intenção. Contrariaria o discurso do golpe, sua última esperança de justificar o próprio fracasso.
Ela quis foi reforçar a imagem de mulher disposta a enfrentar duros desafios desde que abandonou a vida de aluna de uma escola de classe média alta em Belo Horizonte no final dos anos 60 para se tornar uma guerrilheira na luta contra a ditadura militar.
Sente-se credora do país desde aquela época. É como se o Brasil lhe devesse os anos em que foi caçada pela polícia política, os anos em que permaneceu presa e as bárbaras torturas que sofreu.
Foi quando descobriu a mentira como único meio de sobrevivência. E dele valeu-se, inclusive, para governar entre janeiro de 2011 e abril último. Uma decisão do Senado afastou-a do cargo.
Para que pudesse retomá-lo, Dilma precisaria convencer 28 dos 81 senadores de que não violou a Constituição ao gastar mais do que fora autorizada pelo Congresso. Mas como operar tal milagre?
Em maio, somente 22 senadores votaram contra a admissibilidade do processo de impeachment. No último dia 10, somente 21 votaram contra o relatório que recomendou o julgamento de Dilma.
Ela está às vésperas de ter o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por oito anos, menos porque cometeu um crime de responsabilidade previsto na Constituição, e mais porque carece de condições mínimas para governar.
É um caso de falência da autoridade política. Não é matéria de lei, mas da vida real. Dilma perdeu o apoio das ruas, dos partidos e do Congresso. Ponto final.
Por saber disso, ela não desperdiçou os últimos 111 dias com a pretensão vã de reconquistar apoios. Antecipou a volta para Porto Alegre dos seus objetos pessoais e investiu na construção da narrativa que imagina legar à posteridade – a da primeira mulher presidente da República do Brasil deposta por um golpe de direita.
Que diferença fará para Dilma uma mentira a mais ou a menos?
Para o PT, fará diferença, sim, ela sair de cena o mais rápido possível. As eleições estão à porta. A sombra de Dilma só faria mal ao partido. Basta a de Lula, indiciado por corrupção.
Mas dessa sombra, o PT não se livrará tão cedo. Tampouco nós.
Haverá símbolo maior do fim de um sonho que pareceu tão generoso no seu início?
Sem falar da impossibilidade de Lula circular livremente por aí. Em breve, talvez acabe impedido pela Justiça de circular.
Destino igual pode estar reservado para a presidente Dilma Rousseff.
Enclausurada no Palácio da Alvorada há 111 dias, visitada durante esse período apenas por ex-auxiliares e poucos amigos, desprezada pelo PT que foi obrigado a engoli-la, mas que afinal a regurgitou, ela irá, hoje, ao Senado para defender-se dos crimes que lhe imputam. As chances de sair dali absolvida são quase nenhuma.
Com o que disse, Dilma prestou um tributo à democracia que vige no país. Essa, porém, não foi sua intenção. Contrariaria o discurso do golpe, sua última esperança de justificar o próprio fracasso.
Ela quis foi reforçar a imagem de mulher disposta a enfrentar duros desafios desde que abandonou a vida de aluna de uma escola de classe média alta em Belo Horizonte no final dos anos 60 para se tornar uma guerrilheira na luta contra a ditadura militar.
Sente-se credora do país desde aquela época. É como se o Brasil lhe devesse os anos em que foi caçada pela polícia política, os anos em que permaneceu presa e as bárbaras torturas que sofreu.
Foi quando descobriu a mentira como único meio de sobrevivência. E dele valeu-se, inclusive, para governar entre janeiro de 2011 e abril último. Uma decisão do Senado afastou-a do cargo.
Para que pudesse retomá-lo, Dilma precisaria convencer 28 dos 81 senadores de que não violou a Constituição ao gastar mais do que fora autorizada pelo Congresso. Mas como operar tal milagre?
Em maio, somente 22 senadores votaram contra a admissibilidade do processo de impeachment. No último dia 10, somente 21 votaram contra o relatório que recomendou o julgamento de Dilma.
Ela está às vésperas de ter o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por oito anos, menos porque cometeu um crime de responsabilidade previsto na Constituição, e mais porque carece de condições mínimas para governar.
É um caso de falência da autoridade política. Não é matéria de lei, mas da vida real. Dilma perdeu o apoio das ruas, dos partidos e do Congresso. Ponto final.
Por saber disso, ela não desperdiçou os últimos 111 dias com a pretensão vã de reconquistar apoios. Antecipou a volta para Porto Alegre dos seus objetos pessoais e investiu na construção da narrativa que imagina legar à posteridade – a da primeira mulher presidente da República do Brasil deposta por um golpe de direita.
Que diferença fará para Dilma uma mentira a mais ou a menos?
Para o PT, fará diferença, sim, ela sair de cena o mais rápido possível. As eleições estão à porta. A sombra de Dilma só faria mal ao partido. Basta a de Lula, indiciado por corrupção.
Mas dessa sombra, o PT não se livrará tão cedo. Tampouco nós.
E ao pó voltará...
Nas próximas horas, ainda seremos submetidos à grotesca encenação de Dilma Rousseff no Senado, esfregando na nossa cara que rouba até o protagonismo de um sofrimento que é todo do Brasil. Mas, em seguida, com uma pá de lixo de cabo bem comprido, recolheremos essa barata ao lixo e a cada dia, enquanto cerzirmos o país, ela sumirá mais um pouco das nossas falas, do nosso pensamento e das nossas vidasValentina de Botas
A voluntariosa
Passamos dias ouvindo falar maravilhas deles, lembrados e homenageados na abertura e no encerramento, aparecendo sempre felizes, cordatos e sorridentes, mesmo quando obrigados a usar uma roupa horrorosa como aquela dos que entregavam as medalhas. Disseram até que o sucesso do evento se deveu muito a eles, aos milhares de voluntários que participaram da Olimpíada e que ainda ouviremos falar atuando na Paraolimpíadas.
Palavra positiva, ato positivo, merecedor de elogios, tudo o que se faz de oferecimento, de bom grado e boa vontade nesse mundo tão cheio de egoísmo e tristezas é bom motivo para reconhecimento.
Pensei na palavra também como singular, desprovida de bens, desinteressada, perambulando por aí à procura de alguém que precise de alguma ajuda. Os voluntários normalmente são seres quase invisíveis. Foi importante vê-los materializados, brasileiros e estrangeiros, mais de 50 mil inscritos, entrevistados, fichados, vasculhados, que tínhamos medo de ataque, de infiltrados, lembra?
Voluntários são também alguns movimentos, do nosso corpo, por exemplo, quando repetimos instintivamente reflexos, que, contudo, também podem ser involuntários para confundir o cérebro, de onde saem todos os comandos.
Mas pega a palavra daqui, estica ela de lá, puxa para cá, não é que acabei por chegar à política nacional? Nos novos voluntários da pátria? Estamos cheios deles, todos agindo em nosso nome, juntos e misturados. Afinal, não é bolinho ficar ali num grupinho ardiloso e visivelmente minoritário sentado juntinho na primeira fila defendendo há meses um legado fracassado, tentando atrapalhar qualquer bola quicando no gol, e às vezes até esporte virulento, exercício de chatice, lance teatral, bola cantada e ensaiada. Um mini coro, que já integra o folclore. Narizinho, Lindinho, Jardim de Infância, andam cheios de hematomas de tanto apanhar nos plenários da vida.
E tudo isso, para defender quem? Nada menos que A voluntariosa, que fez e aconteceu, ou não fez, não viu e aconteceu. Avisada, deu de ombros. Ignorou aliados e desalinhados. Caprichosa, teimosa, imperial. Assistiu o país indo para o ralo e, se fizermos as contas nos deixou completamente sem governo praticamente desde que assumiu o segundo mandato, em mentirosa eleição.
Não houve dia de sossego, em que não tivesse de se defender de alguma acusação, grande parte das vezes ou vinda de pessoas e do universo ao seu redor ou sobre elas próprias e seu partido. Tem a praga da Casa Civil, a saga da tesouraria do partido, a síndrome da amnésia, a crise de golpe-soluço; tem os momentos de históricos discursos sem-pé-nem-cabeça ao som de caxirolas. O bate o pé, bate aqui o meu pezinho, birrenta, marrentinha.
Não houve dia de sossego, em que não tivesse de se defender de alguma acusação, grande parte das vezes ou vinda de pessoas e do universo ao seu redor ou sobre elas próprias e seu partido. Tem a praga da Casa Civil, a saga da tesouraria do partido, a síndrome da amnésia, a crise de golpe-soluço; tem os momentos de históricos discursos sem-pé-nem-cabeça ao som de caxirolas. O bate o pé, bate aqui o meu pezinho, birrenta, marrentinha.
Sem esquecer, claro, mas isso até é acessório, os momentos regime, momentos pedaladas no meio dos carros para demonstrar tranquilidade, dias de cara virada para o padrinho e ataques de fúria vazados para a imprensa. Fora o lado tinhoso e o jeito de dar chás de cadeira memoráveis a certas pessoas. Virou refém de si mesma se distanciando sem perceber dela própria, da tal coração valente, da mulher ativa que enfrentou um câncer, a ditadura, a prisão, a primeira a chegar à presidência.
Vivemos, involuntariamente, os últimos dias de um doloroso processo que ninguém em sã consciência gostaria de estar vivendo, mas para isso foi levado, e não há como não admitir isso, nem que seja com seus próprios botões, que ainda vejo amigos queridos se debatendo publicamente em estertores. Cada dia é mais claro que o motivo do papel que vai ser julgado para o afastamento é um, pesado, mas um; e que aqui do lado de fora o motivo pelo qual o povo está bem pacato assistindo o desenrolar da novela é o conjunto da obra, visível de forma límpida, sentido na pele de várias formas, diversificadas peles.
Ninguém aguenta mais – essa é a verdade. Voluntários já estão a postos – espero – para logo depois dessa falação toda com direito a choros, fúrias, gafes, e que veremos entre batidas na mesa e palavras duras, começar a empurrar a engrenagem para o dia seguinte em diante.
Botando os olhos bem abertos, de butuca, em cima do homem que se voluntariou para ocupar o espaço e o poder, e que também desde que sentou na tal cadeira faz de tudo para se desvencilhar da trama que também fiou.
Marli Gonçalves
Cena de cinema
A expectativa em torno da presença de Dilma Rousseff no Senado para fazer sua defesa e responder a perguntas dos parlamentares é grande, mas não tem a ver com a possibilidade de virada de votos em favor da volta dela à Presidência da República.
Tal missão é impossível. Por três motivos: a firme consolidação da posição majoritária pró-afastamento, a já proverbial falta de traquejo da presidente afastada no manejo do raciocínio argumentativo e a ausência de empatia entre ela e a plateia do caso. Dilma, então, vai apenas cumprir uma tabela? Sim e não.
Poderia optar por não ir, dada a inutilidade prática da ação. Mas vai – acompanhada de grande elenco, Luiz Inácio da Silva à frente – para fazer jus ao roteiro da mulher de “coração valente” que luta até o fim e assim propiciar um fecho apoteótico ao documentário que está sendo produzido sobre o processo de impeachment no qual terá o papel de vítima injustiçada e injuriada. Na impossibilidade de exibir um final feliz, exibe-se como mártir. Uma cena para o cinema.
Feito isso, Dilma desocupa a ribalta e volta ao ostracismo de onde Luiz Inácio da Silva a resgatou, num ato posto pelos fatos na condição de erro crasso que ficará marcado na história como exemplo das consequências do pecado da soberba. Nunca antes neste País terá sido visto um equívoco de tal magnitude, cometido por considerado mestre na matéria. Ainda que involuntariamente e por mais que acredite na fantasia, na vida real Dilma derrubou o mito do grande articulador, do político sensitivo de instinto infalível.
Com esse passo em falso, Lula se colocou em posição semelhante à de Paulo Maluf na eleição municipal de 1996, em São Paulo. Maluf inventou Celso Pitta convocando os eleitores a nunca mais votar nele caso a criatura desse errado. Deu e ficou mais ou menos por isso mesmo. O inventor nunca mais recuperou condições de competitividade em eleições majoritárias, mas seguiu recebendo da população delegação para representá-la na Câmara dos Deputados, a despeito de seus desacertos com a lei.
Lula garantiu ao eleitor de 2010 que Dilma Rousseff era um gênio da administração, sendo desmentido ao passar do tempo pela realidade da inépcia de sua criatura. Juntando-se a ineficácia da pessoa com a eficácia do PT na infração ao Código Penal, tem-se uma fatura robusta espetada na conta do criador na forma de queda na popularidade e perda da credibilidade.
Não obstante a posição de ponta nas pesquisas para a eleição presidencial de 2018, Lula é campeão no quesito rejeição. Não será candidato, pelo simples fato de que correria o risco de perder e/ou de relegar ao esquecimento os 80% de aprovação popular que ostentava ao fim de seu segundo mandato, patrimônio indispensável à sua biografia.
Por essa e várias outras é que o PT vê chegar a hora tão adiada: vai precisar se reinventar a partir de rigorosa autocrítica, mudança de procedimentos e abertura de espaço para novas lideranças, abandonando a dinâmica de partido de uma só estrela. No caso, cadente. No sentido pessoal e, simbolicamente, partidário.
Há gente decente no PT, capaz de revigorar a legenda. Há base social (e sobre isso falam os três meses decorridos entre o afastamento de Dilma pela Câmara e o epílogo no Senado, processo que no caso de Fernando Collor levou 48 horas) e há eleitores ávidos por serem reconquistados.
Daqui em diante cabe ao partido aproveitar esse capital remanescente para olhar para si sem condescendência e recomeçar. Desta vez compreendendo que outra forma de fazer política é possível. Embora custe esforço, a chance é de que seja consistente. De verdade e para sempre. Desde que os petistas estejam dispostos a trilhar o caminho menos percorrido da dificuldade, aceitando que a vida é difícil. E o bom exercício da política também.
O ibope vai explodir
Segunda-feira sempre foi de ressaca do descanso. Esta será muito diferente. O país se concentrou no fim de semana nas discussões dos bares, nas rodinhas de churrasco na calçada, no papo das praias; Será uma segunda-feira muito além de histórica. Pela primeira vez uma presidente afastada vai se defender no tribunal do Senado com um resultado presumidamente irreversível por sua condenação.
Dilma, recordista de aprovação com mais de 80%, não amealha hoje uns 10% se tanto. Ainda assim vai estourar o ibope. O Brasil estará unido em assistir não a um evento histórico, apenas. A aparição da presidente afastada, depois de 110 dias enclausurada no Alvorada, desperta a curiosidade sobre a defesa que pronunciará.
É justamente o discurso no plenário, diante de milhões pela televisão e seus 35 convidados, que o país espera conhecer com ansiedade. Em português, ou dilmês, pode provocar a ira de muitos ou mesmo as gargalhadas de milhares, reultando numa repercussão pelas redes sociais com memes infinitas.
Dilma, ninguém desconhece, não tem cacoete político nem sequer pigarro oratório. Precisaria incorporar o romano Cícero para ao menos deixar o retiro palaciano com a dignidade de um discurso histórico. É essa despedida melancólica que desperta tanta curiosidade. Vai se entregar como vítima num patíbulo político, por pura encenação, para defender o indefensável? Mentiu mais do que suporta a paciência para assegurar o poder a seus companheiros nacionais e estrangeiros. E antecipadamente mentirá outra vez numa tentativa de comover quem já está convencido, há muito, de que foi apenas um "poste" e não merece nenhuma outra qualificação.
Será sem dúvida a despedida governamental, em vida, mais concorrida da história brasileira. Ao menos, Dilma entrará para história com um saldo positivo: recorde do Guiness para o adeus mais concorrido.
E Viva a Farofa
Náusea nacional
Nada mais enfadonho baixo, reles e vil do que este arrastado processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Chega a dar náuseaJorge Béja
Dilma chega às últimas cenas dirigida pelo caos
A autodefesa de Dilma Rousseff no Senado é cenográfica. Sabendo-se cassada, Dilma tem a pretensão de falar para a história, não para os 81 senadores. Ensaiou suas melhores poses para as lentes dos documentaristas que filmam o último capítulo de sua Presidência. Dilma sobe no palco sob a direção do caos —ou de Lula, que muitos acreditam ser a mesma coisa.
Peterius |
Quando começa o caos?, perguntavam-se os brasileiros em crises passadas. O que é o caos? Onde fica o caos? Dilma matou, finalmente, a curiosidade coletiva. Seu governo apresentou a nação ao caos. De gestora impecável, Dilma virou uma espécie sui generis de totem. Um totem revestido com papel de moscas, que traz grudados todos os indicadores de uma administração ruinosa.
Entre 2013 e 2016, a economia brasileira encolheu 6,8%. O desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua algo como 12 milhões de patrícios. A Lava Jato demonstrou que o único empreendimento que prosperava no Brasil era a corrupção. A força-tarefa de Curitiba já produziu 106 sentenças condenatórias. Juntas, somam 1.148 anos, 11 meses e 11 dias de cadeia. Em Brasília, encontram-se sob investigação no Supremo Tribunal Federal 364 pessoas e empresas.
Diante desse cenário, com a ruína a pino, as causas invocadas para cassar Dilma —o uso de recursos de bancos públicos para pedalar despesas que eram de responsabilidade do Tesouro e a abertura de créditos orçamentários sem a autorização do Congresso— são pretextos para condenar uma administradora precária pelo conjunto de sua obra.
Guiando-se por um script que traz as digitais de Lula, Dilma fala às câmeras dos documentaristas sobre uma crise que é sempre culpa dos outros. Em timbre emocional, recorda seus tempos de prisioneira da ditadura. Lembra da luta contra o câncer. E repete o lero-lero segundo o qual jamais imaginou que teria de pegar em lanças contra outro “golpe”. Diz isso em pleno Legislativo, num julgamento comandado pelo chefe do Judiciário.
No papel de ‘inocenta inútil’, Dilma evoca os 54 milhões de votos que recebeu em 2014 para defender seu retorno à poltrona de presidente. Não para governar, mas para convocar um plebiscito capaz de livrar o país dela própria e de Michel Temer simultaneamente. Cética, a plateia se diverte com as palavras de Dilma como quem brinca de roleta russa, na certeza de que a sinceridade que a oradora manipula está completamente descarregada.
Em poucas horas, Dilma irá embora. Levará com ela as lentes dos documentaristas. Mas deixará a crise, que continuará fervilhando como uma telenovela sem fim. Livres dos desafios da interinidade, Temer e seu exército de brancaleone —liderado por Renans, Jucás e outros xamãs— serão relegados a tarefas menores como, digamos… trabalhar.
Entre 2013 e 2016, a economia brasileira encolheu 6,8%. O desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua algo como 12 milhões de patrícios. A Lava Jato demonstrou que o único empreendimento que prosperava no Brasil era a corrupção. A força-tarefa de Curitiba já produziu 106 sentenças condenatórias. Juntas, somam 1.148 anos, 11 meses e 11 dias de cadeia. Em Brasília, encontram-se sob investigação no Supremo Tribunal Federal 364 pessoas e empresas.
Diante desse cenário, com a ruína a pino, as causas invocadas para cassar Dilma —o uso de recursos de bancos públicos para pedalar despesas que eram de responsabilidade do Tesouro e a abertura de créditos orçamentários sem a autorização do Congresso— são pretextos para condenar uma administradora precária pelo conjunto de sua obra.
Guiando-se por um script que traz as digitais de Lula, Dilma fala às câmeras dos documentaristas sobre uma crise que é sempre culpa dos outros. Em timbre emocional, recorda seus tempos de prisioneira da ditadura. Lembra da luta contra o câncer. E repete o lero-lero segundo o qual jamais imaginou que teria de pegar em lanças contra outro “golpe”. Diz isso em pleno Legislativo, num julgamento comandado pelo chefe do Judiciário.
No papel de ‘inocenta inútil’, Dilma evoca os 54 milhões de votos que recebeu em 2014 para defender seu retorno à poltrona de presidente. Não para governar, mas para convocar um plebiscito capaz de livrar o país dela própria e de Michel Temer simultaneamente. Cética, a plateia se diverte com as palavras de Dilma como quem brinca de roleta russa, na certeza de que a sinceridade que a oradora manipula está completamente descarregada.
Em poucas horas, Dilma irá embora. Levará com ela as lentes dos documentaristas. Mas deixará a crise, que continuará fervilhando como uma telenovela sem fim. Livres dos desafios da interinidade, Temer e seu exército de brancaleone —liderado por Renans, Jucás e outros xamãs— serão relegados a tarefas menores como, digamos… trabalhar.
Colhe-se o que se semeia
Brasileiras e brasileiros que se enojaram com a votação da Câmara dos Deputados na decisão de encaminhamento do processo de impeachment da presidente Dilma Roussef certamente devem ter concluído que não havia se encerrado sua temporada de horrores. As sessões da Comissão do Senado e, posteriormente, de seu plenário, certamente, não aliviaram em nada suas decepções.
Nada mais desestimulante e hilário, para não se admitir como degradante, que as sessões do Senado, ouvindo a grosseira e a burra fala dos senhores senadores, quase em sua maioria, homens aos quais se atribuíram responsabilidades importantes de representação do interesse e preservação da federação. Pouca ou nenhuma voz aproveitável, que acrescentasse luz à discussão sobre se a presidente Dilma cometera ou não crime de responsabilidade que justificasse sua cassação. Um festival de sandices foi organizado para em nada qualificar o debate ou a nação.
A presidente Dilma Rousseff não estará sendo deposta ou ‘impichada’, verbo criado nas cercanias do Congresso Nacional, por improbidade ou crime de igual representatividade. Dilma talvez estará sendo cassada por sua incompetência como gestora pública, por sua equivocada dimensão do interesse nacional como presidente de uma nação até então mergulhada na confiança, bem ou mal induzida, de que caminhávamos em postura olímpica para um momento de afirmação nacional.
Esta foi a realidade vendida pelo governo que a antecedeu, a de que estávamos nos dirigindo para o encontro com um novo momento, de presença em um outro cenário de avaliação da nossa realidade econômica e social. Isso não se deu.
O Brasil deteriorou-se, ampla e horizontalmente. Desemprego em índices quase nunca vistos, a inflação forte e revigorada, um quadro de desestímulo contagiante. Instituições falidas, os Poderes da República – Legislativo, Executivo e Judiciário – contaminados pela suspeição de seus membros. O Brasil faliu. Ledo engano não admitirmos isso.
Nesse quadro de instabilidade, uma realidade de dependência do que sabe, por relato ou delação, um juiz da Justiça Federal de 1ª. Instância do Paraná, cujas decisões, tomadas bem ou mal, com propriedade ou exagero, sempre afetam, e nem o STF ainda as desconstruiu ou reendereçou.
Em síntese, essa é a antessala histórica das próximas eleições. Vamos eleger prefeitos e vereadores à luz dessa incerteza em que nos achamos. É o que semeamos.
Nada mais desestimulante e hilário, para não se admitir como degradante, que as sessões do Senado, ouvindo a grosseira e a burra fala dos senhores senadores, quase em sua maioria, homens aos quais se atribuíram responsabilidades importantes de representação do interesse e preservação da federação. Pouca ou nenhuma voz aproveitável, que acrescentasse luz à discussão sobre se a presidente Dilma cometera ou não crime de responsabilidade que justificasse sua cassação. Um festival de sandices foi organizado para em nada qualificar o debate ou a nação.
Esta foi a realidade vendida pelo governo que a antecedeu, a de que estávamos nos dirigindo para o encontro com um novo momento, de presença em um outro cenário de avaliação da nossa realidade econômica e social. Isso não se deu.
O Brasil deteriorou-se, ampla e horizontalmente. Desemprego em índices quase nunca vistos, a inflação forte e revigorada, um quadro de desestímulo contagiante. Instituições falidas, os Poderes da República – Legislativo, Executivo e Judiciário – contaminados pela suspeição de seus membros. O Brasil faliu. Ledo engano não admitirmos isso.
Nesse quadro de instabilidade, uma realidade de dependência do que sabe, por relato ou delação, um juiz da Justiça Federal de 1ª. Instância do Paraná, cujas decisões, tomadas bem ou mal, com propriedade ou exagero, sempre afetam, e nem o STF ainda as desconstruiu ou reendereçou.
Em síntese, essa é a antessala histórica das próximas eleições. Vamos eleger prefeitos e vereadores à luz dessa incerteza em que nos achamos. É o que semeamos.
Documentários sobre impeachment revelam grande número de canastrões
Além da transmissão da TV Senado ao vivo, a filmagem de quatro documentários sobre o impeachment fez com que os participantes do julgamento no Senado se transformassem em atores e figurantes. A exacerbação dos ânimos e as cenas de chanchadas derivam dessa situação, em meio às mancadas de um dos atores principais, o ministro Ricardo Lewandowski, que saiu do roteiro ao chamar José Eduardo Cardozo de “nosso advogado” e citar o “senador Cristovão Colombo”. Parece comédia, mas vira uma verdadeira novela, quando se perdem horas e horas debatendo detalhes sem a menor importância, como se estivéssemos num reality show.
Um dos documentários está sendo produzido pela cineasta paulista Anna Muylaert, sob direção de Lo Politi, que trabalha em filmes de publicidade. Outras equipes são comandadas pelo diretor carioca Douglas Duarte e pelas cineastas Petra Costa e Maria Augusta Ramos, que passaram a filmar os acontecimentos políticos a partir da votação do impeachment na Câmara, com os deputados votando por suas mães, seus filhos e outros parentes.
Como se trata de documentários, os atores e figurantes interpretam livremente, sem orientação do diretor, sem marcação de cena e sem roteiro fixo. É por isso que o resultado está sendo desastroso e até mesmo patético. Uma das cenas mais concorridas foi a chegada esbaforida do advogado José Eduardo Cardozo para entregar a defesa de Dilma Rousseff à Mesa do Senado. Cercado pelas equipes de filmagem, ele protocolou o documento de 670 páginas faltando apenas três minutos para o encerramento do prazo fatal, num suspense de matar o Hitchcock, como dizia nosso amigo Miguel Gustavo.
Essas cenas combinadas com as equipes transformam os documentários em verdadeiras chanchadas, com senadores e senadoras se exibindo como grandes canastrões, em performances que causam constrangimento, como ocorreu nos três dias iniciais desta maratona cinematográfica, nos debates e xingamentos transmitidos ao vivo e a cores.
Agora, chegamos aos últimos capítulos, com a ansiada e apoteótica entrada em cena da protagonista, em seu papel de vítima de um golpe, cercada de 35 figurantes de altíssimo nível. Na Mesa Diretora do Senado, Dilma Rousseff vai ler dramaticamente o roteiro que escreveram para ela, para enfim desfazer o suspense se irá até o final da película ou se apresentará uma explosiva renúncia, numa reedição da célebre “Carta Testamento” de Getulio Vargas, mas sem cerimônia de corpo presente.
Se renunciar, a atriz estará saindo definitivamente de cena, sob vaias e aplausos ensurdecedores, captados pelos microfones de som ambiente das equipes de filmagem. Nesta hipótese, as cenas seguintes terão de ser canceladas, a não ser que o Senado decida manter a programação, como aconteceu no caso de Collor.
Caso a atriz principal não renuncie, haverá então os acalorados debates, com a protagonista podendo exibir à exaustão os dotes linguísticos personalíssimos, a oratória invulgar e a capacidade histriônica da mulher sapiens, em seu criativo papel de vítima do Dragão da Maldade, em filmes que desprezam o Santo Guerreiro.
Esse “gran finale” cinematográfico traz saudades do nosso amigo Glauber Rocha, que foi embora cedo e jamais poderia ter perdido essas cenas. Mais do que nunca, estamos vivendo numa “Terra em Transe”.
Um dos documentários está sendo produzido pela cineasta paulista Anna Muylaert, sob direção de Lo Politi, que trabalha em filmes de publicidade. Outras equipes são comandadas pelo diretor carioca Douglas Duarte e pelas cineastas Petra Costa e Maria Augusta Ramos, que passaram a filmar os acontecimentos políticos a partir da votação do impeachment na Câmara, com os deputados votando por suas mães, seus filhos e outros parentes.
Essas cenas combinadas com as equipes transformam os documentários em verdadeiras chanchadas, com senadores e senadoras se exibindo como grandes canastrões, em performances que causam constrangimento, como ocorreu nos três dias iniciais desta maratona cinematográfica, nos debates e xingamentos transmitidos ao vivo e a cores.
Agora, chegamos aos últimos capítulos, com a ansiada e apoteótica entrada em cena da protagonista, em seu papel de vítima de um golpe, cercada de 35 figurantes de altíssimo nível. Na Mesa Diretora do Senado, Dilma Rousseff vai ler dramaticamente o roteiro que escreveram para ela, para enfim desfazer o suspense se irá até o final da película ou se apresentará uma explosiva renúncia, numa reedição da célebre “Carta Testamento” de Getulio Vargas, mas sem cerimônia de corpo presente.
Se renunciar, a atriz estará saindo definitivamente de cena, sob vaias e aplausos ensurdecedores, captados pelos microfones de som ambiente das equipes de filmagem. Nesta hipótese, as cenas seguintes terão de ser canceladas, a não ser que o Senado decida manter a programação, como aconteceu no caso de Collor.
Caso a atriz principal não renuncie, haverá então os acalorados debates, com a protagonista podendo exibir à exaustão os dotes linguísticos personalíssimos, a oratória invulgar e a capacidade histriônica da mulher sapiens, em seu criativo papel de vítima do Dragão da Maldade, em filmes que desprezam o Santo Guerreiro.
Esse “gran finale” cinematográfico traz saudades do nosso amigo Glauber Rocha, que foi embora cedo e jamais poderia ter perdido essas cenas. Mais do que nunca, estamos vivendo numa “Terra em Transe”.
Grezuela
A história recente tem dois exemplos de desordem econômica: a Grécia e a Venezuela. Embora os dois casos tenham causas comuns, pode-se identificar que no caso da Grécia a principal causa da crise está na irresponsabilidade fiscal, desequilibrando as finanças públicas; enquanto na Venezuela está sobretudo na intervenção improvisada do Estado, desequilibrando a economia.
No caso do Brasil, tivemos a soma desses dois problemas. O governo Dilma, a partir de 2014, provocou déficit fiscal de proporções gigantescas por causa da irresponsabilidade fiscal, sobretudo pelo governo federal, como pode ser visto na tabela abaixo.
Ao mesmo tempo, nesse período, o governo interferiu de maneira inconsequente na economia, com sucessivos “pacotes” e controlando artificialmente as tarifas de energia elétrica e o preço dos combustíveis.
O Brasil, em graus talvez menores do que naqueles países, cometeu os graves equívocos de irresponsabilidade fiscal e, ao mesmo tempo, de intervencionismo estatal atabalhoado.
A continuar essa confluência de irresponsabilidade fiscal e manipulação econômica, o Brasil caminharia a passos largos para ser uma soma da Grécia com a Venezuela, uma espécie de “Grezuela”.
O Brasil precisa impedir essa marcha de “grezuelização”, com um governo responsável e consequente.
No caso do Brasil, tivemos a soma desses dois problemas. O governo Dilma, a partir de 2014, provocou déficit fiscal de proporções gigantescas por causa da irresponsabilidade fiscal, sobretudo pelo governo federal, como pode ser visto na tabela abaixo.
João Montanaro/FSP |
O Brasil, em graus talvez menores do que naqueles países, cometeu os graves equívocos de irresponsabilidade fiscal e, ao mesmo tempo, de intervencionismo estatal atabalhoado.
A continuar essa confluência de irresponsabilidade fiscal e manipulação econômica, o Brasil caminharia a passos largos para ser uma soma da Grécia com a Venezuela, uma espécie de “Grezuela”.
O Brasil precisa impedir essa marcha de “grezuelização”, com um governo responsável e consequente.
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