domingo, 2 de abril de 2017

Charge O Tempo 28/03/2017

Políticas da vida

No momento em que a agonia da engrenagem político-empresarial ainda depende de uma Justiça lenta e burocrática, minha inspiração vem do trabalho cotidiano. Cobri o surto de zika em Pernambuco, de chikungunha em Aracaju, a febre amarela em Minas, Espírito Santo e Rio. Há dois meses uma superbactéria matou um homem no Rio Grande do Norte.

Ouço falar de casos de malária em Petrópolis e estou cada mais inquieto com as condições das cidades brasileiras.

Dizem os especialistas que temos de conviver com o Aedes aegypti. O mosquito é um terrorista biológico, pois, além das doenças que transmite, pode ser também uma espécie de difusor da febre amarela, se ela chegar ao meio urbano.

Os autores americanos Michael T. Osterholm e Mark Olshaker lembram, em texto no “New York Times”, que as doenças e as epidemias são um caso de segurança nacional. E enfatizam algo que seria meu tema sobre a superbactéria encontrada no Brasil e pesquisada em São Paulo: alguns micróbios estão cada vez mais resistentes aos antibióticos.

Os americanos previram numa pesquisa que, se deixados sem tratamento adequado, micróbios resistentes aos antibióticos podem matar em 2050 mais do que o câncer e a diabete somados.

Num planeta com 7,4 bilhões de habitantes, 20 bilhões de galinhas, 400 milhões de porcos e uma rápida conexão entre os países, uma epidemia é de fato a grande ameaça. 

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Lembram que a gripe espanhola, em 1918-19, matou mais gente do que todas as guerras do século XX. Citam o zika no Brasil e, sobretudo, a recente volta da febre amarela, que tende a matar a metade das pessoas infectadas. Não estamos sozinhos nisso. Os chineses têm o problema da gripe aviária H7N9, e os árabes, a chamada síndrome respiratória do Oriente Médio.

Falar dessas coisas, num passado recente, parecia um pouco coisa de louco. No filme “Dr. Fantástico”, de Stanley Kubrick, há um general obcecado por micróbios, aliás muito bem protagonizado por Sterling Hayden.

Mas agora se fala abertamente em jornais de medicina. O próprio Bill Gates, que doou uma parte de sua fortuna para pesquisas, afirmou: “De todas as coisas que podem matar mais de 10 milhões de pessoas no mundo, a mais provável é uma epidemia emergindo de uma causa natural ou do bioterrorismo”.

Os autores criticam Trump, que não compreende isso e decidiu cortar verbas de US$ 1 bilhão para o setor de prevenção às doenças. Mas os Estados Unidos, por meio de seus milionários e cientistas, estão cada vez mais conscientes de que precisam de um esforço planetário para atenuar essa ameaça. Não conseguiram impedir que o vírus zika chegasse ao seu território. Foi uma prova de limitação e, ao mesmo tempo, um susto.

Nessas longas viagens, penso no papel do Brasil, onde as coisas realmente acontecem: zika, chikungunha e, agora, a volta da febre amarela. Seria interessante de alguma forma considerar o tema como uma questão de segurança nacional? Nos tempos em que se discutia segurança nacional, lembro-me que a maior novidade em foco era a guerra cibernética, o desenvolvimento da criptografia, essas coisas. Hoje, os russos são acusados de intervir na eleição americana, os americanos, por sua vez, revelam que tentam neutralizar a produção nuclear norte-coreana enlouquecendo seus computadores.

Quando digo segurança nacional no caso de epidemias não penso, necessariamente, nas Forças Armadas. Sozinhas, fariam muito pouco. Imagino uma articulação nacional que não só analisasse a nossa situação e vulnerabilidades, mas que visse o mundo como aliado.

Acredito que, no momento, o Brasil teria muito a ganhar ao abrir para pesquisas e doações internacionais voltadas para nossos problemas. Um caso que precisa ser estudado, por exemplo, é a morte de mais de mil macacos no Espírito Santo. Além do mais, por ali, os pesquisadores já trabalham numa tentativa de estabelecer a progressão da febre na mata e, certamente, levantar hipóteses sobre o rumo de seu possível avanço.

Tenho um trabalho específico de documentar, e ele precisa, a cada vez, encontrar o tom exato: informar sem alarmar. O front da comunicação é vital no esforço de entender os cientistas e traduzir seus dados de forma a buscar levar a uma resposta racional das pessoas. No caso da febre amarela, nem sempre é possível alcançar essa racionalidade. É preciso definir prioridades e acalmar as pessoas, mostrar que a vacina fará parte do nosso cotidiano. Segundo um especialista, houve até pessoas que tomaram uma vacina e voltaram ao fim da fila, na expectativa de tomar outra.

Esse novo ciclo da febre amarela é muito forte. Mas não há nenhuma razão para se alarmar. Certamente sairemos dessa. Mas com tantas crises, talvez fosse a hora de nos perguntar o que aprendemos, esboçar uma ideia do que fazer diante desse novo momento. É novo porque doenças sempre existiram, mas o mundo não era tão interligado como antes, e os antibióticos só agora dão sinais de fadiga.

Inteligência que dá medo

Condenado a mais de 15 anos de cadeia, o ex-deputado Eduardo Cunha volta a assustar. Não porque tenha poder de fogo – é carta fora do baralho, teria dificuldades até mesmo para firmar um acordo de delação premiada --, mas pelo teor da sentença que o condenou. A peça confronta a sofisticação dos crimes cometidos com os avançados padrões de inteligência para rastreá-los, com indiscutível vitória da investigação.

A leitura da sentença é didática. Em 536 tópicos, 109 páginas, o juiz Sérgio Moro resume as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, realizadas com apoio da Suíça, indicando cada um dos documentos comprobatórios da acusação. 

A remessa para Cunha de dinheiro originário da compra, pela Petrobras, de um campo de exploração em Benin, na África, feita em parceria com uma empresa sem qualquer expertise no setor e muito menos fundos, e que não produziu uma única gota de óleo. O cruzamento entre contas bancárias oficiais e não declaradas mantidas no exterior com cartões de crédito e de compras, de depoimentos, telefonemas, contas de terceiros citados pela defesa do ex-deputado, dados da Receita Federal. Tudo ali unido, pontos e pontas.

Provas fartas, difíceis de serem rebatidas. Desmoronamento de falsos álibis e das teses de nulidade pretendidas pela defesa, a maior parte delas, como Moro faz questão de citar, negada pelo então relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Teori Zavascki, morto há pouco mais de dois meses.

A sentença mete medo porque não há acusação sem prova. Nem mesmo apoio na tese de domínio de fato, tão contestada na época do mensalão. Não se embasa em relatos de delatores (embora os use para corroborar os delitos), mas em documentos, extratos, assinaturas.

E como os investigadores e a origem dos delitos são os mesmos, fica claro que também será assim no Supremo para aqueles que gozam de privilégio de foro.

Ainda que já tivessem sido alertados para o requinte que as investigações adquiriram, políticos enrolados com a Lava-Jato aparentemente continuavam sem crer nisso. Especialmente os que passaram ao largo do mensalão, processo restrito à instâncias superiores, sem a montagem de uma equipe especial de primeiro grau para as apurações. Na época, também não se viu colaboração internacional do porte da que se tem hoje.

Tanto é assim que a roubalheira não cessou pós-mensalão. Como as penas mais severas recaíram para os operadores do esquema e não para os políticos, imaginava-se que mesmo diante de um escândalo de maiores proporções valeriam as regras da impunidade e da incapacidade de a investigação produzir provas.

“Nem Eduardo Cardozo, quando era ministro da Justiça da Dilma, acreditava que a Polícia Federal fosse capaz de rastrear isso”, diz um agente federal que participou das investigações da Lava-Jato.

Sem falar uma única palavra sobre o teor das apurações – para as quais defende sigilo absoluto --, ele diz que governo algum, nem Lula, nem Dilma, nem Michel Temer, tem como interferir no trabalho da PF. Nem para o bem nem para o mal. Eles “desconhecem o nível do desenvolvimento dos setores de inteligência da PF”, que começou a interagir com o que há de mais sofisticado em matéria de rastreamento de dinheiro no planeta a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, um marco para a cooperação das polícias em todo o mundo.

Em cada novo ato do MPF, da PF e de Moro, o apavoramento se agudiza.

Na mesma quinta-feira em que Moro sentenciou Cunha, parlamentares do PT, Zé Geraldo (PA), Wadih Damous (RJ), e do PSB, Danilo Forte (CE), se revezaram em acusações grosseiras ao juiz, convidado especial para um debate na Câmara dos Deputados sobre o novo Código Penal.

Fora a descortesia, a virulência dos ataques revela o despreparo (e o desespero) dos deputados para lidar com a situação posta: Moro vai julgar fatos a partir de provas apresentadas pelo MPF e pela PF.

Não importa quem é o réu. Na quinta-feira foi Eduardo Cunha, o ex-todo-poderoso do PMDB. Em um futuro próximo, o ex-presidente Lula, hoje sem a regalia do foro de função. E, ainda que apeláveis ao Supremo, as decisões de Moro têm sido na maior parte das vezes referendadas pela Corte superior.

E - justiça seja feita - nada disso seria possível sem a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, sem a inteligência. São elas que propiciam que o martelo da Justiça possa pôr fim à impunidade.

Escola púbica: falência e renascimento

Desculpe o “sincericídio”: escola pública é a cloaca da sociedade e da comunidade que ali deposita suas mazelas. Quais os grandes problemas da humanidade? Drogas, álcool, violência, sexualidade prematura e promíscua? Desordens comportamentais, transgressões, depressão e estresse? Olhem as escolas públicas e terão uma visão do mundo que nos rodeia. O DNA da sociedade é gerado dentro da comunidade escolar. O que fazemos além de fecharmos o nariz frente a realidade tão pútrida e nos afastarmos desse espelho socioeconômico e cultural que nos recusamos a olhar?

O que é público é de todos e de ninguém. Saúde, educação e moradia são elementos básicos para a dignidade da vida, função do município, do Estado e da Federação. Será que merecemos? O que é coletivo deixem que alguém resolva. Quem?

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Acomodados, tomamos um lugar espremido em um meio de transporte, esperamos meses por exames, fazemos de conta que os filhos adoram ir para escola, que os educadores estão superfelizes em seu cotidiano e que os pais estão ligados na escolaridade de seus filhos. Mas, de repente, surge no YouTube o vídeo incômodo de adolescentes se espancando, de professores apanhando e do quase nada que as escolas possuem sendo roubado: computadores primitivos, alimentos da merenda e outras coisinhas mais. A escola é estuprada diariamente diante de nossos olhos, e achamos que é normal. A escola vive em greve ou faltam professores, e achamos isso normal. A escola é invadida por traficantes e usuários de drogas, e trocamos o canal. A escola grita “S.O.S”, e assistimos a mais uma fase da Lava Jato, praguejando contra um bando de corruptos líderes, mas nos ensurdecemos aos sinais de falência terminal das escolas. Filho de político não frequenta escolas públicas, não pega ônibus no fim do expediente nem é operado em hospitais públicos, dizemos nós, cidadãos ilibados e preocupados com o social.

Balela. No mundo real, professores mal remunerados padecem de distúrbios psicológicos, afastam-se ou abandonam a profissão. Alunos alienados por seus celulares perdem a noção básica de limites, de respeito e de civilidade. Pais sem tempo ou ausentes esperam que a escola “eduque” seus filhos. Tempos difíceis se avizinham. Seremos liderados pelo resultante de nosso individualismo, de nossa indiferença e de nossa descrença. Merecemos a escola que temos, o sistema de saúde deprimente e os serviços públicos de quinta categoria. Pagaremos por toda a nossa existência, pelo que não fazemos. Engolimos goela abaixo toda a podridão de que somos cúmplices, por nosso silêncio, nosso egoísmo, nossa cegueira das abissais diferenças socioeconômicas e nossa privação de tecnologia imposta aos cidadãos da base da pirâmide social.

Desemprego por retardo tecnológico. Internet das coisas substitui a mão de obra. O ser humano é descartável. Para que estudar? Ou ensinar? Ou educar? Porque educação é sagrada, professores são heróis anônimos dedicados a uma batalha na qual são a linha de frente, que tomba sacrificada por uma vitória improvável. E, no meio do caos, vemos aqui e ali escolas públicas que conseguem o milagre da multiplicação das migalhas e se tornam modelo e referência com notas impressionantes no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou no Pisa (sigla em inglês para Programa de Avaliação Internacional de Estudantes).

Que morram em paz, escolas públicas! Pois só assim renascerá a alma de cidadãos altruístas e sensíveis. Que nesse ressuscitar voltem a ser belas e atraentes, tornando-se ponto de encontro de uma geração que busca transferir seus conhecimentos para outra geração, que, agradecida e respeitosa, possa aprender e se tornar melhor do que a anterior.

Sonho (por que não? ) com uma comunidade escolar desafiadora, sem quatro paredes, quadro negro, giz e pichação. Imagino uma árvore, um mestre e seus discípulos, algo crístico e natural, ou tomo como exemplo os tempos da Grécia, onde a curiosidade, a observação e a sabedoria nos ensinavam a viver. Sim, amei estudar, sou gratíssimo a todos os meus mestres, e é a eles que dedico esta coluna.

Eduardo Aquino

Gente fora do mapa

Tribos Surma e Mursim, no sul da Etiópia, correm perigo

Marcha sobre Brasília 2

Há, entre os lexicógrafos, algumas divergências sobre a natureza da palavra acoxambração, não reconhecida pelos corretores automáticos de texto dos programas de computador. Algumas pessoas utilizam o termo com ch, o que é condenado pela corrente morfológica que defende derivar de “feitas nas coxas”. Essa expressão, por sua vez, originária do Brasil Colônia, referia-se às telhas irregulares dos telhados das fazendas antigas que seriam moldadas em barro, tanto capas como bicas, nas coxas dos escravos, em contraste com a simetria das telhas produzidas em olarias ou em cerâmicas. Tanto com ch como com x, porém, o fato sociolexicográfico é que acoxambração passou a significar o tal “jeitinho brasileiro” de burlar o correto, o certo e o legal. Fazer “de qualquer maneira” ou adaptar o factual às conveniências para “quebrar um galho”. A Colônia era o urinol dos reinóis. E os brasileiros natos, os mazombos, que se virassem por aqui com as suas (nossas) acoxambrações.

Roberto DaMatta escreveria, com muito mais brilho e graça, claro, talvez um tratado sobre o tema, certamente como um robusto anexo ao seu insubstituível clássico de sociologia jurídica, “A casa e a rua”, onde escancara o perverso conceito brasileiro de não discernir entre o que é público e o que é privado. O que é republicano e o que é antirrepublicano, a partir de uma hipotética constatação em um desembarque mirífico de Alexis de Tocqueville em terras de Vera Cruz. O fato é que o mundo se estarrece até hoje com essas práticas nossas tupiniquins de tudo acoxambrar. E de nada levar a sério, gerando o vaticínio da famosa sentença do general Charles De Gaulle sobre o Brasil: “Ce n'est pas un pays sérieux.”


Pois não é que, diante das profundezas abissais da Lava-Jato, prevíamos um novo pacto, com a falência desta pútrida e decrépita República, ou uma Grande Concertação inovadora com um Congresso Constituinte já em 2018 e o que temos em vista é uma Grande Acoxambração? De um lado, a nação estarrecida, enojada e indignada com a inusitada avalanche de corrupção, materializada pelas propinas e pelos caixas 2 disseminados por quase todos os partidos políticos e empresas públicas, revelados pela atuação de um obstinado juiz, já seguido por outros e das forças-tarefas do Ministério Público e da Polícia Federal. Um ex-governador já encarcerado, um ex-presidente da Câmara idem, um ex-ministro da Fazenda também. Policiais grevistas revoltados invadindo o Congresso, a acuar uma representação pífia e desacreditada. A Federação destroçada e falida. Recessão e desemprego nunca vistos. De outro, as lideranças políticas carcomidas dessa nefanda república em vômitos de agonia, a lutar por certa “anistia” parlamentar retroativa à roubalheira generalizada, com a conivência interpretativa, pasme-se, de juízes das mais altas cortes brasileiras e até de um ex-presidente, ele mesmo um conhecido sociólogo, laureado internacionalmente. O presidente do TSE, em vez de comportamento austero, sai xingando por aí o procurador da República. Isso tudo depois de a atual presidente do STF ter bradado em alto e bom som com todas as letras: “Caixa 2 é crime!” E que dizer da “reforma política” com a introdução do “voto em lista” em que Suas Excrescências denunciadas se escondem do eleitor que não sabe em quem votou? Um anonimato criminoso para continuar com foro privilegiado, outra aberração.

E crime aqui, na terra da acoxambração, por acaso não compensa? Então, o goleiro Bruno combina com seus asseclas confessos e encarcerados de fatiar e esquartejar a amante e entregar seus despojos aos cães para que nunca mais houvesse corpo, vai condenado por júri popular e, no auge da pena, um douto e austero ministro do Supremo — de empolado falar e abotoaduras luzentes por debaixo da toga de morcego — não o liberta? Portanto, vale rasgar os códigos todos onde estão capitulados os crimes de propina e caixas 2 sob os claríssimos termos jurídicos de advocacia administrativa, estelionato, falsidade ideológica, apropriação indébita, contabilidade paralela, enriquecimento ilícito, tráfico de influência, formação de quadrilha etc. A cultura da acoxambração (com x ou com ch) há de prevalecer, e seremos sempre a grande piada internacional. Valhacouto de outros Ronalds Biggs, o ladrão do trem postal inglês que aqui viveu impune até envelhecer, como atração turística do bairro carioca de Santa Teresa, dando entrevistas e rindo de tudo. Que Deus volte os olhos para essa nossa Terra de Santa Cruz. Cruzes! Marchemos, pois, urgente e organizadamente, sobre Brasília. É nosso dever e nossa salvação!

Nelson Paes Leme

Caixa fraudulenta

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O caixa 2 frauda a democracia, porque faz com que quem tem mais dinheiro tenha mais representatividade do que quem tem menos dinheiro. O caixa 2 frauda o sistema democrático, a representação popular

Manter fechadas as portas do inferno

Parece que desse mato não sai cachorro, por mais alarido que se faça no Ministério Público, na Polícia Federal, na mídia e nas ruas. Cada agonia cede lugar a outra, agora é a das salsichas, mas também essa não promete durar.

Os desencontros se atropelam, anseia-se por uma saída, quem sabe uma reforma política, das relações trabalhistas ou da Previdência, um sonho de valsa ou qualquer coisa à toa, o que quer que seja é logo abafado pelo coro dos descontentes, e as propostas não se sedimentam nem se abre um debate racional sobre elas. O outro é um inimigo, não cabe diálogo com ele, e grassa o rancor, acolhido pela mídia, que não disfarça mais sua complacência com o azedume de suas manifestações em seus veículos.

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A política tem horror ao vazio, e na cena pública em escombros já está à espreita a figura nossa arquiconhecida do messias, do personagem providencial, do sebastianismo que temos encravado em nosso DNA, avaliando se chegou a sua hora. Desta vez, por tropelias do destino, sua sombra não se projeta dos quartéis, mas, dentre outros lugares igualmente indesejáveis, também dos tribunais, como novo lugar de criação de heróis de salvação pública.

O juiz se apresenta como um intérprete geral da sociedade, chegando alguns a preconizar que se contorne a instituição do Legislativo, por designação constitucional, o lugar em que se deve expressar a soberania popular. Há pouco, não vimos uma eminente personagem dos nossos tribunais pontificar no sentido de que temas da reforma política, com a inextricável complexidade intrínseca a eles, deveriam ser confiados a uma deliberação popular? Não seria isso exemplar de um populismo institucional, jabuticaba nova no nosso repertório político?

Mas seria injusto julgar o atual protagonismo de alguns juízes e tribunais como uma prática buscada intencionalmente por eles. Chegou-se a esse cenário patológico de judicialização da política pela ação desastrada dos nossos principais partidos, inclusive, e talvez principalmente, por aquele que contava com a preferência do voto popular, o PT, os quais recorreram a métodos antirrepublicanos a fim de assegurar sua permanência no poder. Decerto que tais métodos foram facultados pela nossa mal concebida institucionalidade política, fruto de políticas sem lastro no conhecimento do País e de sua História, como se Assis Brasil, Oliveira Vianna, Vitor Nunes Leal e até a ficção de um Mário Palmério, para ficar apenas com esses nomes clássicos, tivessem refletido sobre uma realidade distante da nossa.

No caso, não se pode omitir o fato de que o legislador atentou, ainda tempestivamente, para o desastre que tal institucionalidade prometia, criando uma cláusula de barreira para que partidos com baixa representação eleitoral não encontrassem acesso no Parlamento. E também não pode ficar sem registro que tal legislação foi posta por terra pela Suprema Corte, por motivos de fundo populista, na crença de que o livre movimento dos interesses e das ideias acabaria, por si só, de secretar uma estrutura partidária capaz de favorecer a organização de uma sociedade que nasceu, como a nossa, sob o signo da fragmentação e de uma marcante heterogeneidade social e regional.

Se o nosso Estado-nação nasceu, como sustentou Euclides da Cunha, genial intérprete do País e de suas mazelas, de uma teoria política que deveria impor-se pela ação pedagógica de elites ilustradas sobre uma sociedade informe – caberia ao Estado moldar a Nação –, os movimentos que nos trouxeram a democracia e a Carta de 88, respondendo à cultura da época, optaram por conceder primazia aos temas sociais. A agenda da institucionalidade política cedeu lugar à da igualdade, confiando-se à ação do tempo o seu aggiornamento às circunstâncias do País.

Nesse sentido, boa parte das inovações de alcance mais fundo da nova Carta foram dirigidas à reformatação do Poder Judiciário, ao qual se confiou o papel estratégico de garantir efetivação dos direitos sociais criados por ela, recriando o Ministério Público sob um figurino inédito aqui e alhures, deslocando-o de suas tradições estatais e pondo-o a serviço da defesa da sociedade e dos seus interesses. Na mesma direção, institucionalizou a Defensoria Pública, que, com o tempo, passou a rivalizar com o Ministério Público em matéria de intervenções em políticas públicas.

Sob essa arquitetura robusta, amparada pelos seus vértices institucionais, como o Supremo Tribunal Federal, logo o Poder Judiciário veio a se contrastar com os Poderes políticos, em particular com um Legislativo que se deixou enredar pelo tipo de prática espúria a que passou a recorrer o nosso presidencialismo de coalizão na produção de leis, que sabemos agora, como no caso das salsichas, de que forma têm sido feitas. Devemos isso à intervenção da chamada Operação Lava Jato, que, a par de vir sanear a esfera pública de práticas atentatórias à vida democrática, traz consigo a denúncia incontornável do nosso sistema político, cujos males não têm como encontrar solução nos artigos do Código Penal.

Fora a interrupção da vida democrática, hipótese de que juízes nem sequer podem cogitar, sob pena de perjúrio – quando definitivamente as portas do inferno se abririam para nós –, a saída desse pandemônio que nos aflige não conhece outro ponto de partida senão o da política que aí está. Se a guerra é muito importante para ficar apenas nas mãos dos generais, igualmente a política não pode ser confiada a magistrados, com as luzes que tenham.

Não há remédio: temos de nos socorrer das salsichas de que dispomos, descartando pelo devido processo legal ou pelo voto, quando chegar a hora, as imprestáveis para o consumo. Como se dizia, o Brasil não se fez em um dia, e as lições que aprendemos agora são dessas que não se esquecem.

Estagiários da vida

Numa segunda-feira, ao final de uma palestra para jovens estagiários com menos de 18 anos, recebi várias perguntas, escritas em papéis tirados de cadernos, algumas sem assinatura, outras informando o contato.

O tema mais recorrente, e angustiante, o “emprego”, ou “o que tenho que fazer para ter uma autonomia financeira, chave para a não dependência ou para a realização de necessidades e sonhos”. Em seguida, o assunto mais citado foi o que se sintetiza “o que podemos fazer para diminuir a violência”, isoladamente e como sociedade. Mas havia outros questionamentos, sobre drogas, sexo, religião, política e a “chave do sucesso”.

Lendo as mensagens que me chegavam da plateia, em certo momento senti uma forte emoção, quase um nó na garganta, não só pela saudade de meus 16 anos, como pelas utopias e sonhos celestiais de adolescente, vencidos em seguida por uma realidade que atropelou quase tudo.

A minha, em comparação com a atual, foi uma época feliz, com poucos carros em circulação, quase sem drogas, sem computadores, sem fome, sem poluição, sem assaltos e homicídios, que só apareciam nos filmes americanos. Os vizinhos de antigamente eram gente conhecida há séculos, o gari que varria a rua era sempre o mesmo, o médico que atendia a família toda em casa era uma figura carismática, respeitada como um portador de soluções. Havia muito mais verde, árvores, frutas menores e mais saborosas, águas transparentes, passarinhos de todas as cores e cigarras no verão. Ao final dos estudos, junto com a formatura, todos encontravam emprego já no primeiro dia, ou até antes dele havia quem prenotasse o diplomado ou o leigo em tudo.
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Jean Jullien

Olhando aquela plateia sentada a minha frente, enxerguei “condenados” a uma vida de incertezas e amarguras, com escasso tempo para o romantismo e atarefados pela exaustiva competitividade, convivendo e se defendendo da banalizada violência, levados a antecipar a vida sexual. Quer dizer, a interromper precocemente a fase infantil.

No mundo de meus 16 anos, a expectativa de emprego sobrava no horizonte, as ruas eram tranquilas e serviam para brincadeiras, sem traficantes e tiroteios. Todos se conheciam e se respeitavam. O coração disparava apenas por joelho bem torneado.

Eram tempos sem engarrafamentos, sem pedágios, sem sequestros, tempos de músicas em radiolas.

Hoje vive-se uma incerteza globalizada, qualquer problema de outro continente afeta o mundo inteiro, o estresse é a regra, a depressão, a consequência da rotina “inatural”, da batata frita, dos transgênicos, das competições malucas. As cidades já problemáticas se apresentam deturpadas por pichações, a juventude perfurando-se de piercings masoquistas, de tatuagens que escondem a beleza de uma pele jovem. O sofrimento domina e se banaliza, manifesta-se com música metálica que espanca os ouvidos e faz tremer as vísceras. O jovem, contemporâneo de Bin Laden e dos homens-bomba, não se dá descanso, encara a vida como uma flagelação. Castiga-se sozinho, além das agressões externas. Pendor para infelicitar a própria vida.

O que dizer a eles? Pensei em “pedir perdão” por não me ter oposto mais a essa degeneração, mesmo sabendo que, sozinho, não teria alterado o rumo da correnteza. E, ainda se o fizesse, não creio que compreenderiam a profundidade do pedido.

Melhor, pensei, é explicar-lhes que o que se toca com as mãos, ou se vê com os olhos, não é tudo. Que em cada ser humano tem bondade, mesmo que adormecida. Que tem razão quem disse “Amai-vos uns aos outros”, pois aí está o caminho mais breve da evolução.

E, ainda, que o corpo não é tudo, mas deve ser respeitado. Que não precisa ter pressa com o sexo, que ele é bom e maravilhoso quando praticado com maturidade, com o parceiro que se ama. Que é ainda possível, apesar de o mundo dos adultos conspirar contra, elevar os sentimentos e encontrar forças invisíveis e o anjo que nos protege.

Este inferno não é capaz de se impor ao amor.

Estrelas também cantam

O Velho Senado

A propósito de algumas litografias de Sisson, tive há dias uma visão do Senado de 1860. Visões valem o mesmo que a retina em que se operam. Um político, tornando a ver aquele corpo, acharia nele a mesma alma dos seus correligionários extintos, e um historiador colheria elementos para a história. Um simples curioso não descobre mais que o pinturesco do tempo e a expressão das linhas com aquele tom geral que dão as coisas mortas e enterradas.

Nesse ano entrara eu para a imprensa. Uma noite, como saíssemos do Teatro Ginásio, Quintino Bocaiúva e eu fomos tomar chá. Bocaiúva era então uma gentil figura de rapaz, delgado, tez macia, fino bigode e olhos serenos. Já então tinha os gestos lentos de hoje, e um pouco daquele ar distant que Taine achou em Mérimée. Disseram coisa análoga de Challemel-Lacour, que alguém ultimamente definia como très républicain de conviction et très aristocrate de tempérament. O nosso Bocaiúva era só a segunda parte, mas já então liberal bastante para dar um republicano convicto. Ao chá, conversamos primeiramente de letras, e pouco depois de política, matéria introduzida por ele, o que me espantou bastante, não era usual nas nossas práticas. Nem é exato dizer que conversamos de política, eu antes respondia às perguntas que Bocaiúva me ia fazendo, como se quisesse conhecer as minhas opiniões. Provavelmente não as teria fixas nem determinadas; mas, quaisquer que fossem, creio que as exprimi na proporção e com a precisão apenas adequadas ao que ele me ia oferecer. De fato, separamo-nos com prazo dado para o dia seguinte, na loja de Paula Brito, que era na antiga Praça da Constituição, lado do Teatro S. Pedro, a meio caminho das Ruas do Cano e dos Ciganos. Relevai esta nomenclatura morta; é vício de memória velha. Na manhã seguinte, achei ali Bocaiúva escrevendo um bilhete. Tratava-se do Diário do Rio de Janeiro, que ia reaparecer, sob a direção política de Saldanha Marinho. Vinha dar-me um lugar na redação com ele e Henrique César Múzio.

Estas minudências, agradáveis de escrever, sê-lo-ão menos de ler. É difícil fugir a elas, quando se recordam coisas idas. Assim, dizendo que no mesmo ano, abertas as câmaras, fui para o Senado, como redator do Diário do Rio, não posso esquecer que nesse ou no outro ali estiveram comigo, Bernardo Guimarães, representante do Jornal do Comércio, e Pedro Luís, por parte do Correio Mercantil, nem as boas horas que vivemos os três. Posto que Bernardo Guimarães fosse mais velho que nós, partíamos irmãmente o pão da intimidade. Descíamos juntos aquela Praça da Aclamação, que não era então o parque de hoje, mas um vasto espaço inculto e vazio como o Campo de S. Cristóvão. Algumas vezes íamos jantar a um restaurant da Rua dos Latoeiros, hoje Gonçalves Dias, nome este que se lhe deu por indicação justamente no Diário do Rio; o poeta morara ali outrora, e foi Múzio, seu amigo, que pela nossa folha o pediu à Câmara Municipal. Pedro Luís não tinha só a paixão que pôs nos belos versos à Polônia e no discurso com que, pouco depois, entrou na Câmara dos Deputados, mas ainda a graça, o sarcasmo, a observação fina e aquele largo riso em que os grandes olhos se faziam maiores. Bernardo Guimarães não falava nem ria tanto, incumbia-se de pontuar o diálogo com um bom dito, um reparo, uma anedota. O Senado não se prestava menos que o resto do mundo à conversação dos três amigos.

Poucos membros restarão da velha casa. Paranaguá e Sinimbu carregam o peso dos anos com muita facilidade e graça, o que ainda mais admira em Sinimbu, que suponho mais idoso. Ouvi falar a este bastantes vezes; não apaixonava o debate, mas era simples, claro, interessante, e, fisicamente, não perdia a linha. Esta geração conhece a firmeza daquele homem político, que mais tarde foi presidente do Conselho e teve de lutar com oposições grandes. Um incidente dos últimos anos mostrará bem a natureza dele. Saindo da Câmara dos Deputados para a Secretaria da Agricultura, com o Visconde de Ouro Preto, colega de gabinete, eram seguidos por enorme multidão de gente em assuada. O carro parou em frente à secretaria; os dois apearam-se e pararam alguns instantes, voltados para a multidão, que continuava a bradar e apupar, e então vi bem a diferença dos dois temperamentos. Ouro Preto fitava-a com a cabeça erguida e certo gesto de repto; Sinimbu parecia apenas mostrar ao colega um trecho de muro, indiferente. Tal era o homem que conheci no Senado.

Para avaliar bem a minha impressão diante daqueles homens que eu via ali juntos, todos os dias, é preciso não esquecer que não poucos eram contemporâneos da maioridade, algum da Regência, do Primeiro Reinado e da Constituinte. Tinham feito ou visto fazer a história dos tempos iniciais do regímen, e eu era um adolescente espantado e curioso. Achava-lhes uma feição particular, metade militante, metade triunfante, um pouco de homens, outro pouco de instituição. Paralelamente, iam-me lembrando os apodos e chufas que a paixão política desferira contra alguns deles, e sentia que as figuras serenas e respeitáveis que ali estavam agora naquelas cadeiras estreitas não tiveram outrora o respeito dos outros, nem provavelmente a serenidade própria. E tirava-lhes as cãs e as rugas, e fazia-os outra vez moços, árdegos e agitados. Comecei a aprender a parte do presente que há no passado, e vice-versa. Trazia comigo a oligarquia, o golpe de Estado de 1848, e outras notas da política em oposição ao domínio conservador, e ao ver os cabos deste partido, risonhos, familiares, gracejando entre si e com os outros, tomando juntos café e rapé, perguntava a mim mesmo se eram eles que podiam fazer, desfazer e refazer os elementos e governar com mão de ferro este país.

Os senadores compareciam regularmente ao trabalho. Era raro não haver sessão por falta de quorum. Uma particularidade do tempo é que muitos vinham em carruagem própria, como Zacarias, Monte Alegre, Abrantes, Caxias e outros, começando pelo mais velho, que era o Marquês de Itanhaém. A idade deste fazia-o menos assíduo, mas ainda assim era-o mais do que cabia esperar dele. Mal se podia apear do carro, e subir as escadas; arrastava os pés até à cadeira, que ficava do lado direito da mesa. Era seco e mirrado, usava cabeleira e trazia óculos fortes. Nas cerimônias de abertura e encerramento agravava o aspecto com a farda de senador. Se usasse barba, poderia disfarçar o chupado e engelhado dos tecidos, a cara rapada acentuava-lhe a decrepitude; mas a cara rapada era o costume de outra quadra, que ainda existia na maioria do Senado. Uns, como Nabuco e Zacarias, traziam a barba toda feita; outros deixavam pequenas suíças, como Abrantes e Paranhos, ou, como Olinda e Eusébio, a barba em forma de colar; raros usavam bigodes, como Caxias e Montezuma, — um Montezuma de segunda maneira.

A figura de Itanhaém era uma razão visível contra a vitaliciedade do Senado, mas é também certo que a vitaliciedade dava àquela casa uma consciência de duração perpétua, que parecia ler-se no rosto e no trato de seus membros. Tinham um ar de família, que se dispersava durante a estação calmosa, para ir às águas e outras diversões, e que se reunia depois, em prazo certo, anos e anos. Alguns não tornavam mais, e outros novos apareciam; mas também nas famílias se morre e nasce. Dissentiam sempre, mas é próprio das famílias numerosas brigarem, fazerem as pazes e tornarem a brigar; parece até que é a melhor prova de estar dentro da humanidade. Já então se evocavam contra a vitaliciedade do Senado os princípios liberais, como se fizera antes. Algumas vozes vibrantes cá fora, calavam-se lá dentro, é certo, mas o gérmen da reforma ia ficando, os programas o acolhiam, e, como em vários outros casos, os sucessos o fizeram lei.

Nenhum tumulto nas sessões. A atenção era grande e constante. Geralmente, as galerias não eram mui freqüentadas, e, para o fim da hora, poucos espectadores ficavam, alguns dormiam. Naturalmente, a discussão do voto de graças e outras chamavam mais gente. Nabuco e algum outro dos principais da casa gozavam do privilégio de atrair grande auditório, quando se sabia que eles rompiam um debate ou respondiam a um discurso. Nessas ocasiões, mui excepcionalmente, eram admitidos ouvintes no próprio salão do Senado, como aliás era comum na Câmara temporária; como nesta, porém, os espectadores não intervinham com aplausos nas discussões. A presidência de Abaeté redobrou a disciplina do regimento, porventura menos apertada no tempo da presidência de Cavalcanti. 
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Poluição gerada pelas fábricas mata mais de 100.000 chineses por ano

Comprar produtos feitos na China sai muito barato para moradores dos países ricos e terrivelmente caro para os chineses. A enorme poluição atmosférica gerada pela indústria chinesa, e deslocada pelo vento, está associada a mais de 3.100 mortes prematuras por ano na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, de acordo com um novo estudo internacional. No entanto, o consumo voraz de produtos chineses na UE e nos EUA está ligado a cerca de quase 110.000 mortes prematuras por ano na China pela poluição do ar causada pela produção. Os moradores dos países ricos têm computadores, celulares e brinquedos baratos, e as multinacionais ganham mais dinheiro, mas em troca de centenas de milhares de mortes prematuras na China.

O novo estudo, liderado pelo economista Dabo Guan, é o primeiro a calcular os impactos na saúde transfronteiriça do comércio internacional e da poluição atmosférica deslocada. O trabalho, publicado na quarta-feira na revista Nature, utiliza dados de poluição por partículas finas (PM2,5), tomados em 2007 em todo o mundo. Essas partículas, com menos de 2,5 milésimos de milímetro, penetram no mais profundo dos pulmões, os alvéolos, e podem atingir a corrente sanguínea, provocando doenças respiratórias e cardiovasculares.
A produção de poluição e agentes tóxicos prejudicam o meio ambiente e a saúde dos seres que habitam no planeta... É necessário haver o balanço no uso desses produtos, para a melhor convivência na Terra. www.eCycle.com.br Sua pegada mais leve.:
Dos 3,45 milhões de mortes prematuras relacionadas com esse tipo de poluição naquele ano, cerca de 12% (411.000) estavam relacionadas com poluentes atmosféricos emitidos em outra região do planeta. E os autores vinculam 22% das mortes (762.400) à produção de bens e serviços em uma região para serem consumidos em outra.

“Algumas regiões consomem enquanto outras produzem e sofrem os efeitos na saúde”, lamentou em uma conferência de imprensa Guan, pesquisador da Universidade de East Anglia, em Norwich (Reino Unido). A cada milhão de consumidores na Europa Ocidental há 416 mortes associadas à poluição PM2,5 em outras regiões do mundo, de acordo com o estudo. O número dessas mortes diminui para 339 por milhão de consumidores nos EUA. No trabalho participaram cerca de vinte cientistas de importantes instituições da China e dos EUA, como o California Institute of Technology e as universidades de Princeton e Pequim.

“Se o preço dos produtos importados é baixo porque nas regiões de produção as leis contra a poluição são menos rigorosas, então a poupança dos consumidores poderia estar sendo gerada às custas de vidas perdidas em outras regiões”, dizem abertamente os autores na revista Nature. Estudos anteriores calculam que, no mundo, 90% das mortes prematuras devido à poluição atmosférica são causadas pela PM2,5.

“Nosso estudo calcula até que ponto a poluição do ar é um problema global em uma economia global”, explica Qiang Zhang, pesquisador especialista em química atmosférica da Universidade Qinghua, em Pequim pesquisador. “Os países desenvolvidos deveriam incentivar o consumo responsável para mitigar os efeitos negativos sobre o meio ambiente. E os países em desenvolvimento deveriam melhorar a eficiência de suas economias para reduzir as emissões locais”, propõe Zhang.

O físico Julio Díaz, autor de numerosos estudos sobre a poluição na Espanha, aplaude o novo estudo, mas alerta sobre suas “limitações próprias de um trabalho global”. A pesquisa conduzida por Guan, como destaca Díaz não calculou a dose de poluição necessária para provocar efeitos sobre a saúde em cada região, por exemplo, dependendo das diferentes pirâmides de população. O estudo de Guan extrapola através de estudos anteriores. “Não deixa de ser um modelo informático aproximado de emissões e de carga de doença”, adverte Diaz.

Flexibilidade nacional

Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei.

Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica
Fernando Sabino

Passar o Brasil a limpo

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O Tribunal de Contas da União nasceu pela iniciativa de Rui Barbosa, maior artífice da Constituição de 1891, que estabeleceu a República. Era para moralizar os costumes políticos dilapidados pelo Império. Nosso segundo presidente da República, Floriano Peixoto, inaugurou a sinecura ao nomear amigos sem qualificação intelectual ou jurídica. Guardadas as proporções, inaugurou-se a queda, com as exceções de sempre. Sucederam-se nomeações vitalícias, com altos vencimentos para as nomeações até que alcançassem o prazo para as aposentadorias.

Virou moda aproveitar políticos, ex-parlamentares ou não, para gozar sem trabalhar os proventos de carreiras que só terminam com a ida para o cemitério. Por que não extinguir os Tribunais de Contas estendidos da União para os Estados e até os municípios? Vasta economia fariam os cofres públicos com a extinção.

Cinco dos sete ministros do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro estão na cadeia. Quantos outros mereceriam a mesma sorte, espalhados pelo país inteiro, além daqueles designados para o ápice da pirâmide, no caso do Tribunal de Contas da União?

Quem julgará os julgadores torna-se a principal questão. O Poder Judiciário, por certo, fechando-se o círculo, porque os ministros dos tribunais superiores e dos tribunais estaduais de Justiça valem-se das mesmas prerrogativas de aposentar-se, agora depois de 75 anos.

Se é para passar o Brasil a limpo, em nome da moralidade pública, melhor que os doutos ministros tivessem mandatos terminativos. Com aposentadorias, é claro, proporcionais ao tempo de serviço.

Paisagem brasileira

https://flic.kr/p/GHqKBs | São Francisco do Sul / SC / Brasil:
São Francisco do Sul (SC)

Tribunais de Contas do Rio e de Alagoas, ninhos de corruptos

Que bom!, enfim, chegamos ao depósito mais antigo da corrupção no Brasil: os Tribunais de Contas. A Polícia Federal prendeu meia dúzia de conselheiros do tribunal do Rio de Janeiro, um celeiro de ex-políticos desqualificados que chegaram ao órgão por apadrinhamento. Enquanto a Justiça tenta interromper a sangria no Rio, encarcerando os senhores engravatados, em Alagoas o escândalo é mais sério: quatro ex-presidentes do Tribunal de Contas roubaram 100 milhões de reais, segundo delação premiada de um gerente do Bradesco que também participou da bandalheira. É isso mesmo que você leu: 100 milhões de reais desviados dos cofres do tribunal!

O Rio de Janeiro amanheceu sorrindo na quarta-feira quando apareceram as primeiras notícias de que a PF conduzia no camburão o presidente do TC, Aloysio Neves, e os conselheiros Domingos Brazão, José Gomes Graciosa, Marco Antonio Alencar (filho do ex-governador Marcelo Alencar) e José Maurício Nolasco. Essa mesma alegria ainda não contaminou os alagoanos. A população espera que nas próximas horas a Justiça também mande engaiolar os ex-presidentes do TC-AL, Otávio Lessa (irmão do governador Ronaldo Lessa, deputado federal), Isnaldo Bulhões (irmão do ex-governador Geraldo Bulhões), Luiz Eustáquio Toledo, (ex-deputado estadual), e Cícero Amélio, também ex-deputado.

A descoberta do desvio milionário do tribunal de Alagoas só foi possível com o depoimento do bancário Sergio Timóteo Gomes de Barros, do Bradesco, que funcionava dentro do órgão. Ele confessou que “Otávio Lessa e outros conselheiros receberam das mãos dele partes dos recursos desviados daquele tribunal”, como consta do mandado judicial expedido pela Segunda Vara da Justiça Federal em Alagoas, a pedido do Ministério Público Federal.

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Desde 2006 que as investigações vão se arrastando. Naquele ano, o bancário confessou o crime que envolveu os presidentes e mais oito pessoas entre servidores do TC e bancários que formaram a quadrilha. De lá pra cá a coisa estava em banho-maria até aparecer um cara peitudo para reabrir as investigações. Trata-se do procurador-geral de Justiça Alfredo Gaspar de Mendonça Neto que decidiu enfrentar as adversidades e apurar o desvio milionário, dinheiro que falta para a saúde e para a educação em um dos estados mais pobres do país.

Esta semana foi quebrado o sigilo bancário e fiscal dos envolvidos e o TC passou por uma varredura da Polícia Federal , por determinação da Justiça, para encontrar mais elementos que possam levar os presidentes para a cadeia. Mas o MP não vacilou. De cara já pediu que os envolvidos devolvam R$ 99,3 milhões aos cofres públicos pelos danos causados ao erário. Outra punição: a indisponibilidade de bens de todos eles.

Essa fantasia chamada Tribunal de Contas é uma excrecência, um ninho de ratos. É o rebotalho de políticos desqualificados que se alojam ali em cargos vitalícios para roubar o dinheiro do contribuinte. Seus conselheiros, com algumas exceções, é claro, vivem de achaque. Aprovam e desaprovam as contas das prefeituras e do governo de acordo com as suas conveniências ($).

Há muito tempo os conselheiros do Rio de Janeiro estão na berlinda. Existem denuncias graves de desvio de dinheiro, de apadrinhamento e de conchavos para aprovação das contas do ex-Governador Sergio Cabral, responsável pela indicação da maioria deles. São normalmente políticos decadentes ou gente submissa, da cozinha do Executivo, que ocupam os cargos de conselheiros para proteger governantes bandidos e corruptos.

Isso demonstra inequivocamente a decadência moral, a falência do sistema político brasileiro. O estado vive numa espécie de presídio, onde os presos dominaram a cadeia e ditam as suas próprias regras. Ou seja: é bandido dando ordem a bandido. A decência, a ordem pública e as leis nesse país parecem que foram extintas por decreto.

É como já dizia sabiamente o humorista e colunista de jornal na década de 1970: Stanislaw Ponte Preta: “Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”

Partidos gastam 10% do Fundo em luxo e jatinhos

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Os políticos recebem cerca de R$ 1 bilhão por ano do Fundo Partidário, retirado do bolso dos contribuintes para a “manutenção” dos partidos, mas gastam esse dinheiro como querem. Principalmente para bancar seus luxos, como alugar e até comprar jatinhos. Em 2014, o presidente do Pros, Eurípedes Júnior, usou R$ 400 mil do Fundo para comprar um avião. Em 2015, ele comprou um helicóptero por R$ 2,4 milhões.

O Fundo Partidário mais que dobrou após a reeleição de Dilma: de R$313,5 milhões em 2014 passou para R$ 811,2 milhões em 2015.

Em fevereiro, um pouso de emergência em São Paulo flagrou a rotina no aluguel de jatinhos para uso do presidente do PSDB, Aécio Neves.

O PSOL, espécie de PT de antigamente, usou em “transporte” R$1,48 milhão dos R$ 14,8 milhões que recebeu do Fundo Partidário.

Em valores absolutos, o PDT do aloprado Carlos Lupi foi o que mais teve gastos com viagens e hospedagens em um ano: R$ 1,73 milhão.

Finlândia conseguiu tirar da rua e reintegrar os sem-teto

Londres, Berlim, Paris e outras grandes cidades dos países mais prósperos da Europa têm algo em comum: tentam, sem sucesso, conter ou reduzir o número de sem-teto em suas ruas.

A cena de pessoas desabrigadas dormindo nas ruas ainda faz parte do cotidiano destas sociedades que, apesar de terem sistemas de bem-estar social robustos, não conseguem tirar das ruas e reintegrar os sem-teto na sociedade.

Sem-teto em Helsinki, em 2010

Mas há uma exceção.

A Finlândia é apontada como o único país da União Europeia (UE) que resolveu de forma substancial a questão dos sem-teto.

A Feantsa, organização que promove o direito à moradia na UE, descobriu que todas as nações do bloco, com exceção da Finlândia, enfrentam uma crise de falta de moradia disponível para pessoas em situação de vulnerabilidade.

Uma investigação parlamentar no Reino Unido identificou, por exemplo, que o número de moradores de rua na Inglaterra aumentou 30% entre 2014 e 2015.

A Feantsa calcula, por sua vez, que a Dinamarca registrou um aumento de 75% no número de jovens sem-teto desde 2009. Em Atenas, capital grega, a organização estima que uma em cada 70 pessoas durma ao relento.

E como a Finlândia conseguiu ser bem sucedida ao buscar uma solução para o problema?

A estratégia de suporte que o país nórdico oferece aos sem-teto é generosa.

Muitos países apresentam soluções de moradia temporárias e condicionais aos moradores de rua.

Já a Finlândia oferece a eles, desde o início, habitações permanentes, sem impor condições. Concede ainda assistência social para ajudá-los a colocar a vida nos eixos, lidando com questões como vício em drogas e desemprego.

"Começamos concedendo a eles um apartamento com um contrato que lhes dá os mesmos direitos que qualquer inquilino. E, se eles precisam de mais apoio, também é oferecido", diz à BBC Juha Kaakinen, gerente da Fundação Y, que oferece 16.300 moradias a sem-teto na Finlândia.
Rentável

A fundação diz que esta abordagem de conceder habitação permanente é mais eficaz do que abrigos temporários, usados ​​em muitos outros países, uma vez que são computados todos os custos sociais que este programa ajuda a evitar.

"Muitos desabrigados não precisam de ajuda extra. Mas é importante que, se for necessário, eles possam obter", acrescenta.

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A possível leveza

A vida devia ser uma carícia leve. O chão não devia ser pesado aos pés. Nem o corpo pesar toneladas de tristeza. “Ter os pés no chão” não devia ser uma abdicação de sonho. Deus não nos deu asas porque nos deu leveza. Um Jardim para as nossas delícias e um Amor para nosso desvelo. Asas deu aos Anjos, porque tombaram, para que não tombassem. A mulher e o homem viviam na leveza da Criação. — Um dia tudo mudou.

Nun. S):
A vida devia ser uma carícia leve. E pode ser. Quantas vezes não sentimos a passagem levíssima do Anjo? Não precisamos de um momento místico. Muitos de nós nem desejam passar por isso, não se interessam. Mas, para os atentos como para os refratários, vem lá um dia em que o Anjo passa. É assim: vai a pessoa distraída, faz calor, há buzinas, gritos e confrontos, a bomba explodiu, os roubos se consumaram, tudo vai mesmo muito mal — e, de repente... De onde vem essa doçura? Esse desvio como se um tempo tão minúsculo que não possui relógio tivesse imobilizado os ponteiros do poder? Como se esgueirou no nosso coração o sorriso sem motivo aparente? Não havia do que sorrir, nenhuma lembrança boa, foi tudo sem corpo, tão rápido! Quase um susto. Depois queremos retê-lo mais um pouco, fica, fica, tão delicado — e já se foi. O Anjo é veloz. Não vem para ficar. Vem para mostrar que nunca deixou de estar aqui. Nós é que esquecemos a graça do sorriso sem sentido. Porque precisamos de sentidos. Somos pesados de causas e consequências. Muito sérios. A seriedade é um peso. O Anjo é leve. — Já um dia, para todos, foi assim. Ou não?

De algum lugar tiramos a memória da leveza. Já foi nossa. Habitou o nosso corpo, fez o chão doce sob os nossos pés. Foi uma flauta tocada de leve para a beleza do sol. E foi de noite, e foi boa. E teve a umidade justa do orvalho da manhãzinha. E o calor suficiente do sol. Tudo leve. Tudo bom. Temos essa memória, não é uma alucinação triste. Já a tivemos um dia. — Mas até parece que não.

Ainda conhecemos pessoas que acolhem, que são cariciosas, abraçam — abraçar é tão amoroso, funde tudo por um breve momento de diferenças mínimas. Há pessoas que abraçam verdadeiramente, trazem para rente de si um corpo às vezes pesado de tristeza. Esse é um momento de sorriso. Depois acaba, foi só um cumprimento, há mais na fila — e passa. — Não passa, não. Um dia abraçar já foi um modo de experimentar a unidade dos corpos e das almas na mesma alegria leve. Pode ser que hoje seja uma convenção, com tapinhas nas costas. — Duvido. Porque um dia já foi diferente.

Diz-se: Deus criou a Terra, e o diabo inventou o arame farpado. Normal. Aquele que une e Aquele que separa estão juntos desde toda a eternidade. São o eclipse um do outro. O problema não é o arame farpado, que exista. É que nós, humanos, gostamos das divisões do arame. E não nos importamos tanto (um pouco, sim, ou o Anjo nunca passaria) com que alguém se fira nas farpas. Ou mesmo fique lá, enredado sem saída, sangrando uma vida que não era para ter esse destino. Inventamos o orgulho de quem vive dentro das cercas e o desprezo diante dos que vagam de cercado em cercado, e não entram nunca. Os limites e fronteiras fizeram a vida pesada, o chão pesado para os pés. O mundo já foi grande e sem porteira. — Ou não.

Provavelmente, não. Talvez o peso da vida seja o que nos fixa na Terra que é a nossa, nossa casa e campo de batalha. Porque não fomos feitos para voar, mas para pôr pé ante pé na secura dos desertos e na alegria súbita dos jardins. Para pesar e ponderar — mas também para deixar partir, para a aventura arrojada. Mas nossos abraços protocolares têm memória. De algum tempo essa memória vem. Andarmos uns nos braços dos outros já foi em algum momento tão natural... Vamos de mãos dadas, escreveu um dia o poeta. Vamos de mãos dadas. Levemo-nos pelas mãos. Ou é isso mesmo que fazemos, mesmo quando nem o notamos? Irmos de mãos dadas é constatação ou esperança? — É esperança. E como podemos esperar o que já não conhecemos alguma vez? Aguardamos um retorno manso, quando o Anjo passa. Encantamo-nos com o súbito sorriso das crianças muito pequenas — tão frágeis! — que nos lembram o tempo em que sorrir era toda a nossa graça. — Ou não era?

Não sabemos. A vida já foi tão leve? Os Anjos já foram tão frequentes? Ou para sempre pariremos com dor e ganharemos o pão com a dor dos nossos músculos pesados? Ainda creio na bondade. Na Bondade. Às vezes é por um fio. Mas um fio segura o mundo. Acredito na leveza da vida para todos. Como se me lembrasse. Se já tivesse um dia sido assim. Não me digam que não. Ninguém sabe. Podemos apostar. Tudo. Ganhamos ou perdemos. Tudo. A vida, a leve e a pesada, não merece menos do que tudo. E desistir não é de verdade uma opção.

Marcio Tavares D’Amaral