domingo, 2 de abril de 2017

Marcha sobre Brasília 2

Há, entre os lexicógrafos, algumas divergências sobre a natureza da palavra acoxambração, não reconhecida pelos corretores automáticos de texto dos programas de computador. Algumas pessoas utilizam o termo com ch, o que é condenado pela corrente morfológica que defende derivar de “feitas nas coxas”. Essa expressão, por sua vez, originária do Brasil Colônia, referia-se às telhas irregulares dos telhados das fazendas antigas que seriam moldadas em barro, tanto capas como bicas, nas coxas dos escravos, em contraste com a simetria das telhas produzidas em olarias ou em cerâmicas. Tanto com ch como com x, porém, o fato sociolexicográfico é que acoxambração passou a significar o tal “jeitinho brasileiro” de burlar o correto, o certo e o legal. Fazer “de qualquer maneira” ou adaptar o factual às conveniências para “quebrar um galho”. A Colônia era o urinol dos reinóis. E os brasileiros natos, os mazombos, que se virassem por aqui com as suas (nossas) acoxambrações.

Roberto DaMatta escreveria, com muito mais brilho e graça, claro, talvez um tratado sobre o tema, certamente como um robusto anexo ao seu insubstituível clássico de sociologia jurídica, “A casa e a rua”, onde escancara o perverso conceito brasileiro de não discernir entre o que é público e o que é privado. O que é republicano e o que é antirrepublicano, a partir de uma hipotética constatação em um desembarque mirífico de Alexis de Tocqueville em terras de Vera Cruz. O fato é que o mundo se estarrece até hoje com essas práticas nossas tupiniquins de tudo acoxambrar. E de nada levar a sério, gerando o vaticínio da famosa sentença do general Charles De Gaulle sobre o Brasil: “Ce n'est pas un pays sérieux.”


Pois não é que, diante das profundezas abissais da Lava-Jato, prevíamos um novo pacto, com a falência desta pútrida e decrépita República, ou uma Grande Concertação inovadora com um Congresso Constituinte já em 2018 e o que temos em vista é uma Grande Acoxambração? De um lado, a nação estarrecida, enojada e indignada com a inusitada avalanche de corrupção, materializada pelas propinas e pelos caixas 2 disseminados por quase todos os partidos políticos e empresas públicas, revelados pela atuação de um obstinado juiz, já seguido por outros e das forças-tarefas do Ministério Público e da Polícia Federal. Um ex-governador já encarcerado, um ex-presidente da Câmara idem, um ex-ministro da Fazenda também. Policiais grevistas revoltados invadindo o Congresso, a acuar uma representação pífia e desacreditada. A Federação destroçada e falida. Recessão e desemprego nunca vistos. De outro, as lideranças políticas carcomidas dessa nefanda república em vômitos de agonia, a lutar por certa “anistia” parlamentar retroativa à roubalheira generalizada, com a conivência interpretativa, pasme-se, de juízes das mais altas cortes brasileiras e até de um ex-presidente, ele mesmo um conhecido sociólogo, laureado internacionalmente. O presidente do TSE, em vez de comportamento austero, sai xingando por aí o procurador da República. Isso tudo depois de a atual presidente do STF ter bradado em alto e bom som com todas as letras: “Caixa 2 é crime!” E que dizer da “reforma política” com a introdução do “voto em lista” em que Suas Excrescências denunciadas se escondem do eleitor que não sabe em quem votou? Um anonimato criminoso para continuar com foro privilegiado, outra aberração.

E crime aqui, na terra da acoxambração, por acaso não compensa? Então, o goleiro Bruno combina com seus asseclas confessos e encarcerados de fatiar e esquartejar a amante e entregar seus despojos aos cães para que nunca mais houvesse corpo, vai condenado por júri popular e, no auge da pena, um douto e austero ministro do Supremo — de empolado falar e abotoaduras luzentes por debaixo da toga de morcego — não o liberta? Portanto, vale rasgar os códigos todos onde estão capitulados os crimes de propina e caixas 2 sob os claríssimos termos jurídicos de advocacia administrativa, estelionato, falsidade ideológica, apropriação indébita, contabilidade paralela, enriquecimento ilícito, tráfico de influência, formação de quadrilha etc. A cultura da acoxambração (com x ou com ch) há de prevalecer, e seremos sempre a grande piada internacional. Valhacouto de outros Ronalds Biggs, o ladrão do trem postal inglês que aqui viveu impune até envelhecer, como atração turística do bairro carioca de Santa Teresa, dando entrevistas e rindo de tudo. Que Deus volte os olhos para essa nossa Terra de Santa Cruz. Cruzes! Marchemos, pois, urgente e organizadamente, sobre Brasília. É nosso dever e nossa salvação!

Nelson Paes Leme

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