quinta-feira, 21 de março de 2019

Brasil e a anorexia presidencial


Problema de Sergio Mora é Bolsonaro, não Maia

Prestes a completar três meses na capital da República, Sergio Moro começa a se dar conta de que Millôr Fernandes é que estava certo: "Em Brasília, o vento que passa, os perfumes que chegam com a primavera, a própria prima Vera, tudo o que se vê, se sente e se respira, conspira." Pouco afeito às mumunhas do Executivo, Moro não consegue farejar a própria execução.

Moro trocou a 13ª Vara Federal de Curitiba pelo Ministério da Justiça porque estava "cansado de tomar bolas nas costas" Achava que seu trabalho na Lava Jato "era relevante, mas tudo aquilo poderia se perder se não impulsionasse reformas maiores, que não poderia fazer como juiz". As bolas continuam pingando no seu costado. E começou a levar caneladas.



No planeta da Lava Jato, Sergio Moro era o magistrado todo-poderoso. E Rodrigo Maia, o "Botafogo" da planilha da Odebrecht. No universo brasiliense, Moro é o patrono de projetos anticrime e anticorrupção. Maia, o dono da pauta da Câmara. Em Curitiba, Moro mandava prender. Em Brasília, ele é aprisionado no labirinto legislativo.

Até outro dia, Moro divulgava conversas alheias para atear fogo no circo. Hoje, libera autogravações para tentar evitar que o façam de palhaço. Na madrugada de quarta-feira, enviou áudio para o celular de Maia pedindo pressa na votação dos seus projetos. Ele está "trocando as bolas", ironizou Maia, antes de chamar o ex-super-juiz de "funcionário do presidente Bolsonaro".

Maia deu de ombros para Moro: "Ele conversa com o presidente Bolsonaro e, se o presidente Bolsonaro quiser, ele conversa comigo. Eu fiz aquilo que eu acho correto. O projeto [de Moro] é importante. Aliás, ele está copiando o projeto direto do ministro Alexandre de Moraes [do STF]. É um copia e cola. Não tem nenhuma novidade, poucas novidades no projeto dele."

Na noite de quarta, Moro levou os lábios ao trombone em novo áudio, dessa vez dirigido às arquibancadas. Nele, insinuou que Maia conspira contra o interesse público e pediu respeito à sua figura e aos seus projetos. Mesmo quem não entende nada de política consegue enxergar as politicagens que escapam à perspicácia de Moro.

O nome do problema de Sergio Moro é Jair Bolsonaro, não Rodrigo Maia. Daí a frase: "Ele conversa com o presidente e, se o presidente quiser, ele conversa comigo". O pacote de Moro migrou da vitrine para os fundões da loja porque Maia e os líderes partidários querem. Mas o movimento não ocorreria com tamanha facilidade sem o aval tácito de Bolsonaro. Tudo em nome da reforma da Previdência.

Os fantasmas só aparecem para quem se apavora com eles. Antes de engrossar a voz no áudio sobre Maia, Moro tremeu duas vezes. Numa, concordou em transferir a criminalização do caixa dois do pacote principal para um projeto anexo, mais fácil de ser esquecido. Noutra, dobrou os joelhos diante da exigência de Bolsonaro para que desnomeasse Ilona Szabó.

Ficou entendido o seguinte: aquele ministro sem forças para nomear uma conselheira gabaritada para um conselho reles da pasta da Justiça não era o velho Moro, mas um ex-Moro. Em política, tem gente que faz, tem gente que manda fazer e tem gente como o ex-Moro, que apenas pergunta: "O que está acontecendo?"

Da felicidade

Sempre que vejo nos noticiários da política e dos negócios alguns daqueles com quem tive 20 anos, pergunto-me se os nossos 20 anos terão sido um sonho ou se, como temo, é a mesquinha, quando não sórdida, actualidade que é um pesadelo dos nossos 20 anos.

Olhando agora alguns deles ninguém diria que tiveram um dia 20 anos. Mas tiveram. Eu vi. Eu estava lá. Cantei com eles as mesmas canções. Jurei com eles pelas mesmas palavras desmesuradas, acreditei com eles nas mesmas coisas essenciais. Que aconteceu para que alguns de nós tivessem desertado tão facilmente e por um preço tão baixo, transformando-se naquilo contra que tiveram 20 anos e falando agora cinicamente de si mesmos como se falassem de estranhos?

Dante colocá-los-ia, como aos anjos que não foram rebeldes nem fiéis a Deus e pensaram só em si próprios, à porta do Inferno. Eu não sou, porém, tão severo. Personagens (como todos, de um modo ou de outro, somos) de uma tragédia medíocre, a da "vidinha", às vezes dói-me vê-los a tanta falta de escrúpulos à venda sem haver quem a compre. E pergunto-me: não serão eles, no fim de contas, os mais sólidos e mais fiéis, não terão sido, afinal, os únicos que compreenderam e aceitaram?
Manuel António Pina

Bolsonaro corteja, Trump recompensa

Será este o início de uma grande amizade masculina entre o presidente americano Donald Trump e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro? É possível que Trump esteja descobrindo seu amor pelo maior país da América do Sul?

Já faz tempo que o presidente brasileiro flerta com o dealmaker na Casa Branca. Mas Bolsonaro não é um latin lover – ele seduz com notícias falsas, não com charme. Depois do encontro com Trump, ficou claro que não houve faíscas reais durante a visita.


Ainda assim, Bolsonaro assinou um acordo para a operação conjunta da base de Alcântara, de lançamento de foguetes e satélites, com os Estados Unidos. O contrato, que prevê lucros de milhões de dólares para o Brasil, ainda precisa ser ratificado pelo Congresso brasileiro. Além disso, Bolsonaro conseguiu fazer com que Trump se pronunciasse publicamente pela inclusão do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Esse balanço não impressiona. Sinceramente: por que Trump deveria se entusiasmar com o admirador brasileiro? Porque ele reproduz as frases vazias do americano, como um papagaio? Porque, como Trump, ele condena as mudanças climáticas e a globalização? Porque ele calunia e tuita também?

Bolsonaro parece ter percebido que suas tentativas de flerte na Casa Branca não causaram mais do que tapas amigáveis nas costas e palavras de estímulo. Por isso, ele aproveitou a oportunidade para um curto encontro com Steve Bannon, o estrategista-chefe afastado do governo Trump.

A gafe diplomática vai ricochetear no casca-grossa político Trump. Faz tempo que o presidente dos EUA se apaixonou por outro sul-americano: há meses, ele se derrete pelo autodeclarado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó.

Bolsonaro fez de tudo para conquistar a afeição de Trump. Desde sua posse em janeiro deste ano, ele anunciou que vai transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Também tinha a intenção de deixar o Pacto Global de Migração das Nações Unidas e o Acordo de Paris pelo clima. E, durante sua visita aos EUA, Bolsonaro anunciou o fim da exigência de vistos para entrada de cidadãos americanos no Brasil.

Com exceção da última medida, os anúncios se revelaram promessas vazias. Bolsonaro e seu chanceler Ernesto Araújo precisaram tomar conhecimento de que uma embaixada brasileira em Jerusalém poderá significar o fim do lucrativo comércio de carne "halal" com o mundo árabe. E que uma saída do Acordo do Clima de Paris poderia levar ao abandono das negociações de um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o mercado comum sul-americano Mercosul.

Olhando mais de perto, é uma demonstração de força verbal que se esconde por trás da aparente afinidade entre Washington e Brasília. A união ideológica exibida por Trump e Bolsonaro não dissimula que os interesses em comum dos dois países são poucos.

Primeiro exemplo: Venezuela. Ainda que Trump e Bolsonaro celebrem seu ódio comum ao "socialismo do século 21" e que queiram se livrar do governante Nicolás Maduro, não conseguem encontrar uma estratégia de ação comum. Para Bolsonaro, o apoio a uma eventual intervenção militar na Venezuela é tabu – são especialmente os numerosos militares no seu governo que nunca permitiriam uma aventura do gênero.

Segundo exemplo: a China. Por que o Brasil deveria atuar na campanha anti-China dos americanos se isso pode prejudicar as relações com seu maior parceiro comercial? Afinal, o Brasil exporta mais do que o dobro de produtos para o chamado Império do Meio do que para os EUA.

Terceiro exemplo: livre-comércio. Os Estados Unidos fecharam acordos de livre-comércio com onze países latino-americanos. O Brasil não faz parte deles. O motivo: as gamas de produtos dos dois países não se complementam. Pelo contrário: no mercado mundial, são concorrentes na produção de carne, soja, milho e automóveis.

"America First" e "Brasil acima de tudo" – os antiglobalistas Trump e Bolsonaro apostam em atuações unilaterais em vez de na cooperação internacional. Sua cegueira ideológica leva para um beco sem saída na política externa. Para a comunidade internacional, esta é uma boa notícia, já que a realidade complexa freia os dois populistas de direita.
Deutsche Welle

Pensamento do Dia


Brasil cai quatro posições no ranking de felicidade da ONU

Finlândia, Noruega, Dinamarca, Islândia e Suíça competem pelo primeiro lugar no ranking mundial dos países mais felizes, que a ONU inclui todos os anos em seu Relatório Anual da Felicidade. A edição de 2019 foi publicada nesta quarta-feira, 20 de março, coincidindo com o Dia da Felicidade, e o vencedor se repete: a Finlândia é, pelo segundo ano consecutivo, o país mais feliz do mundo para as Nações Unidas. Já o Brasil perdeu quatro posições, passando do 28º lugar para o 32º em relação à última edição.


Este relatório leva em conta variáveis como o Produto Interno Bruto, a assistência social, a expectativa de vida, a liberdade, a percepção de generosidade, a corrupção e a qualidade de vida dos imigrantes. É preparado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável – um órgão de pesquisa multidisciplinar ligado à ONU –, com a colaboração de fundações e centros de pesquisa, e inclui dados dos últimos três anos.

A parte superior da tabela deste estudo permanece inalterada: os 10 primeiros países do ranking são os mesmos há anos, embora com algumas mudanças de posição. A Noruega, por exemplo, que havia sido a primeira no relatório de 2017, caiu para o segundo lugar em 2018 e o terceiro em 2019. Este ano, o segundo lugar é para a Dinamarca. O último, para o Sudão do Sul, um país devastado por uma guerra civil que já dura cinco anos e pela fome. No total, o relatório avalia 156 países.
Tecido social e liberdade

A Finlândia, que geralmente está entre os três primeiros deste estudo, lidera a classificação há dois anos. Segundo o relatório, os países que ocupam as primeiras posições "tendem a ter pontuação alta na maioria das variáveis consideradas fundamentais para o bem-estar: renda, expectativa de vida, apoio social, liberdade, confiança e generosidade". A Finlândia, diz o relatório, "continua sua tendência de alta nas pontuações, consolidando o primeiro lugar".

Entre as razões que fazem da Finlândia o país mais feliz do mundo para as Nações Unidas está a qualidade de sua educação, seu sistema de saúde, expectativa de vida (embora a Espanha o supere: 83 anos em comparação com os 82 da Finlândia) e conscientização sobre a desigualdade.

A Finlândia é um dos países com a menor diferença salarial entre homens e mulheres, de acordo com o último relatório do Fórum Econômico Mundial. Além disso, como a maioria dos países nórdicos, tem uma longa licença-paternidade que pode durar até seis meses.

Em termos de treinamento, a Finlândia ainda tem a melhor educação primária, segundo o Fórum Econômico Mundial. Além disso, é o terceiro país do mundo em termos de qualidade do ar e o país com mais florestas na Europa. 

Presunção

O homem julgaque suas deblateraçõessoam como liçõese que seus intestinossoam como violinos.
Raul Drewnick

Vélez, Iolene e a degraça do futuro da nossa educação

"Uma educação baseada em princípios é uma educação baseada na palavra de Deus”, explica a senhora no vídeo. “Onde a geografia, onde a história, a matemática vai ser vista sobre a ótica de Deus, numa cosmovisão cristã. Então o aluno vai aprender que o autor da história é Deus. O realizador da geografia é Deus. Deus fez as planícies, Deus fez os relevos, Deus fez o clima. O maior matemático foi Deus. Ele começa a palavra lá em Gênesis, no primeiro dia, no segundo dia, no terceiro dia... Então para os alunos, por exemplo os menores, de primeiro ano, todo o contato que eles têm com a matemática já é no Livro de Gênesis. Então é toda a disciplina do currículo escolar organizada sobre a ótica das escrituras”.

A senhora que diz essas coisas, com esse português, com essas preposições e com essa concordância, é uma certa Iolene Lima, de quem, até outro dia, e por todos os motivos, ninguém tinha ouvido falar. Há seis dias, porém, Iolene foi indicada à Secretaria Executiva do Ministério da Educação por Ricardo Vélez Rodriguez, e desde então muita gente perdeu o sono — a começar pelo próprio ministro, que com certeza já não dorme bem há umas duas semanas, e que, segundo o noticiário, corre agora o risco adicional de ver a sua nomeada rejeitada pela Casa Civil.


Não encontro palavras publicáveis para descrever minha reação ao vídeo da senhora Iolene. Talvez porque eu venha de um tempo em que o Ministério da Educação era tido como um ente superlativo, habitado por pessoas que tinham intimidade com o idioma e com a educação; ou talvez porque venha de um tempo em que o estado pelo menos se pretendia laico.

Também pode ser que o meu assombro venha do fato de estarmos em 2019, e de eu ainda acreditar que 2019 vem depois de 2018, 2017, 2016... ou 1950, 1837 ou 1340.

As declarações de Iolene seriam pitorescas se não fossem catastróficas, e se não representassem tão vivamente o fundamentalismo religioso e a abissal ignorância que se vê em tantos setores e níveis do governo. A confirmação ou não da sua nomeação é indiferente, até porque as eventuais objeções feitas ao seu nome não foram motivadas pelo seu discurso, mas sim por ser protegida do já defenestrado Ricardo Roquetti.

O verdadeiro escândalo não é que Iolene seja guindada à Secretaria Executiva do Ministério da Educação. O verdadeiro escândalo é que trabalhe lá, e isso ela já faz desde janeiro, como diretora de capacitação técnica, pedagógica e de gestão de profissionais na Secretaria de Educação Básica. O verdadeiro escândalo é ter um ministro que comunga das suas ideias, e que a considera apta a orientar educadores.

A essa altura, e há quantos anos, quantas Iolenes já não ocupam cargos por toda a parte, por todos os ministérios, voando nas asas da bancada evangélica? Quantas Iolenes já não estão espalhadas pelo país, a começar pelo Rio de Marcello Crivella?

Pessoas não acontecem ao lado das outras por acaso, não aparecem do nada em cargos importantes. Iolenes se cercam de outras Iolenes (ou de Damares, ou de Ernestos Araújos).

Vélez é Iolene: essa é a desgraça do nosso futuro.

Gente, isso não é normal

Não é normal que um presidente da República do Brasil se desmanche em elogios escancarados ao presidente da República de outro país, ou ao Chefe de Estado que acaba de visitar. Os elogios devem ser protocolares, discretos, quando nada para que não fique a impressão de que foi subserviente, ou de que se comportou simplesmente como um jeca.

Não é normal que um presidente da República do Brasil, ao cabo de uma viagem ao exterior, seja apontado pela imprensa estrangeira como um bajulador do anfitrião. Presidentes da República do Brasil já foram criticados pela imprensa internacional por outros motivos – uns por chefiarem governos ditatoriais, outros por se revelarem incompetentes, mas não por isso.

Não é normal que um presidente da República do Brasil interfira em assuntos internos do país que visita desejando a quem o recepciona que se reeleja, ou dizendo com todas as letras que acredita em sua reeleição. E se ela não acontecer? Como poderá contar no futuro com a boa vontade do novo governo que ele mesmo desejou que fosse derrotado?

Não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, faça declarações tão repulsivas contra seus compatriotas forçados um dia a deixarem o local onde nasceram à procura de melhores condições de vida. E que chegue ao ponto de afirmar que apoia a construção de um muro para separar o país que visita dos seus vizinhos.

Não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, deixe seu ministro das Relações Exteriores em posição subalterna para valorizar a presença de um dos seus filhos, parlamentar reeleito, cada vez mais influente nas decisões de política externa tomadas por seu pai, e fã de carteirinha do presidente do país visitado a ponto de merecer suas deferências.

Por fim, não é normal que um presidente da República do Brasil, em visita a outro país, peça para conhecer a sede de uma das maiores agências de espionagem do mundo, famosa ao longo de sua história por financiar golpes contra presidentes legitimamente eleitos, e manter bases secretas no exterior onde tortura presos políticos. Definitivamente, não é normal.

Se nenhuma dessas coisas é normal, seria possível engoli-las caso o resultado da visita configurasse um retumbante êxito – mas não. Por tudo conhecido até aqui, o visitante concedeu muito mais do que obteve. Dizem seus devotos que a boa química estabelecida entre ele e seu anfitrião dará preciosos frutos. O futuro a Deus pertence. O Deus do visitante sequer é o mesmo Deus do visitado.