quinta-feira, 21 de março de 2019

Bolsonaro corteja, Trump recompensa

Será este o início de uma grande amizade masculina entre o presidente americano Donald Trump e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro? É possível que Trump esteja descobrindo seu amor pelo maior país da América do Sul?

Já faz tempo que o presidente brasileiro flerta com o dealmaker na Casa Branca. Mas Bolsonaro não é um latin lover – ele seduz com notícias falsas, não com charme. Depois do encontro com Trump, ficou claro que não houve faíscas reais durante a visita.


Ainda assim, Bolsonaro assinou um acordo para a operação conjunta da base de Alcântara, de lançamento de foguetes e satélites, com os Estados Unidos. O contrato, que prevê lucros de milhões de dólares para o Brasil, ainda precisa ser ratificado pelo Congresso brasileiro. Além disso, Bolsonaro conseguiu fazer com que Trump se pronunciasse publicamente pela inclusão do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Esse balanço não impressiona. Sinceramente: por que Trump deveria se entusiasmar com o admirador brasileiro? Porque ele reproduz as frases vazias do americano, como um papagaio? Porque, como Trump, ele condena as mudanças climáticas e a globalização? Porque ele calunia e tuita também?

Bolsonaro parece ter percebido que suas tentativas de flerte na Casa Branca não causaram mais do que tapas amigáveis nas costas e palavras de estímulo. Por isso, ele aproveitou a oportunidade para um curto encontro com Steve Bannon, o estrategista-chefe afastado do governo Trump.

A gafe diplomática vai ricochetear no casca-grossa político Trump. Faz tempo que o presidente dos EUA se apaixonou por outro sul-americano: há meses, ele se derrete pelo autodeclarado presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó.

Bolsonaro fez de tudo para conquistar a afeição de Trump. Desde sua posse em janeiro deste ano, ele anunciou que vai transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Também tinha a intenção de deixar o Pacto Global de Migração das Nações Unidas e o Acordo de Paris pelo clima. E, durante sua visita aos EUA, Bolsonaro anunciou o fim da exigência de vistos para entrada de cidadãos americanos no Brasil.

Com exceção da última medida, os anúncios se revelaram promessas vazias. Bolsonaro e seu chanceler Ernesto Araújo precisaram tomar conhecimento de que uma embaixada brasileira em Jerusalém poderá significar o fim do lucrativo comércio de carne "halal" com o mundo árabe. E que uma saída do Acordo do Clima de Paris poderia levar ao abandono das negociações de um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o mercado comum sul-americano Mercosul.

Olhando mais de perto, é uma demonstração de força verbal que se esconde por trás da aparente afinidade entre Washington e Brasília. A união ideológica exibida por Trump e Bolsonaro não dissimula que os interesses em comum dos dois países são poucos.

Primeiro exemplo: Venezuela. Ainda que Trump e Bolsonaro celebrem seu ódio comum ao "socialismo do século 21" e que queiram se livrar do governante Nicolás Maduro, não conseguem encontrar uma estratégia de ação comum. Para Bolsonaro, o apoio a uma eventual intervenção militar na Venezuela é tabu – são especialmente os numerosos militares no seu governo que nunca permitiriam uma aventura do gênero.

Segundo exemplo: a China. Por que o Brasil deveria atuar na campanha anti-China dos americanos se isso pode prejudicar as relações com seu maior parceiro comercial? Afinal, o Brasil exporta mais do que o dobro de produtos para o chamado Império do Meio do que para os EUA.

Terceiro exemplo: livre-comércio. Os Estados Unidos fecharam acordos de livre-comércio com onze países latino-americanos. O Brasil não faz parte deles. O motivo: as gamas de produtos dos dois países não se complementam. Pelo contrário: no mercado mundial, são concorrentes na produção de carne, soja, milho e automóveis.

"America First" e "Brasil acima de tudo" – os antiglobalistas Trump e Bolsonaro apostam em atuações unilaterais em vez de na cooperação internacional. Sua cegueira ideológica leva para um beco sem saída na política externa. Para a comunidade internacional, esta é uma boa notícia, já que a realidade complexa freia os dois populistas de direita.
Deutsche Welle

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