domingo, 4 de novembro de 2018

O mesmo erro

A última vez que isso aconteceu foi em 2003, quando houve uma troca de guarda na política brasileira, saindo o PSDB que governara o país por 8 anos, chegando o PT.

Os que saiam cometeram o mesmo erro que os perdedores de agora, jogavam no fracasso dos entrantes. Era voz corrente entre tucanos que Lula e seus sindicalistas, por falta de experiencia, não conseguiriam governar sozinhos e procurariam os primos da social-democracia para uma ampla aliança política. O mesmo Aloisio Mercadante que levou o PT a não apoiar o Plano Real, chamando-o de estelionato eleitoral, agora comanda a estratégia de acusar Moro por ter aceitado ser ministro de Bolsonaro.

Deu no que deu. O PT ficou 13 anos no poder, e enraizou-se de tal maneira na máquina administrativa brasileira que, das tarefas principais do novo governo, está a de desaparelhar o Estado. E ainda esnobou os companheiros de esquerda política, empurrando-os para a direita do campo partidário, acusando-os de terem legado uma “herança maldita”.

Roubou ideias originais dos governos tucanos e melhorou-as, acabando por ter o Bolsa-Família como carro chefe de seu programa de governo, que o salvou da derrota política quando a classe média e o eleitorado das cidades grandes começaram a abandoná-lo devido às denúncias de corrupção.
O PT foi para o Nordeste e lá fincou raízes que o permitiram manter um naco ponderável do eleitorado, o que levou Fernando Haddad para o segundo turno em 2018. Um mérito inegável do governo de Lula foi trazer para o centro do debate político a desigualdade social, graças ao faro político desse que ainda é, mesmo da cadeia, o maior líder popular do país.

A desordem econômica instaurada no governo Dilma, poste que Lula pensava comandar, e a corrupção que financiava o projeto de poder permanente do PT desde os primeiros momentos do primeiro governo Lula, provocaram a maior crise econômica que o país já viveu, e levaram pelo ralo os avanços sociais conseguidos.

Paradoxalmente, foi a classe média baixa e os emergentes sociais que deram o sinal de alarme contra os governos petistas. Tendo perdido muito, e com medo de perder mais ainda, retrocedendo na escala social, sentiram-se ameaçados pelos desmandos petistas. Ao lado da agenda social que ele mesmo conseguiu desmontar, o PT ampliou agendas de costumes conectadas com as das mais avançadas democracias do ocidente, o que foi um ganho civilizatório, mas ofendeu essa mesma classe média, que viu crescentemente afetados seus valores.

É esse eleitor que, desde 2005 quando estourou o mensalão, vem fazendo lento retorno à direita, que explodiu em 2013 nas manifestações contra os péssimos serviços públicos oferecidos, em contraposição à roubalheira generalizada. O movimento foi concluído agora em 2018 com a eleição de Bolsonaro, que se beneficiou da falência do esquema partidário montado de comum acordo entre PT, PSDB e MDB.

Se não houvesse contemporizado com seus corruptos, e se se negasse a participar do governo Temer quando a gravação com o empresário Joesley Batista explicitou o que todos sabiam, mas estava acobertado por um governo que ia na direção correta na recuperação da economia devastada pelo petismo, o PSDB poderia ter sido o grande beneficiário da crise política, e Bolsonaro talvez estivesse disputando votos com o Cabo Daciolo.

Merval Pereira

Gente fora do mapa

"Bus school" (Índia)

Os meninos que matam

Os meninos nascem puros. Depois, crescem depressa, e são já mais velhos do que o mundo, no momento em que matam.

Mesmo esses meninos nascem puros.

Os meninos que nasceram puros, os de ontem, aprenderam o culto à morte; é a ideologia que conhecem, livremente difundida pela música, pelos jogos, pelos cinema que consomem, os livros que lêem, quando leem. Querem eliminar os que se não lhes igualarem. Tudo o que não suportariam ser. Os meninos que nasceram puros e matam, querem matar-se, mas não sabem.


Houve um tempo em que foi possível chegar aos meninos e ser deles, e eles nossos. Éramos puros. Todos.

Ms os meninos puros sujaram-se pelo desamor, que nasceu do desamor, que nasceu do desamor. E o que é isso, o amor? Serve para quê, esse empecilho, o amor! Os meninos que nasceram puros não viram o amor.

"O que fazes se encontrares uma carteira na rua com dinheiro?" "Tiro o dinheiro e deixo-a lá ficar." "E não entregas à polícia?" "Até posso entregar, mas sem o dinheiro." "Mas não achas que devias entregar a carteira com o dinheiro?" "Não, se não tirar eu o dinheiro, tiram os polícias."

Os meninos que nasceram puros atiram pedras aos negros, aos ciganos. Os meninos que nasceram puros esmagam a cara do colega bichona, porque é bichona, e formam gangs para roubar o que possa ser vendido.

Em Madrid, adolescentes imolaram pelo fogo uma sem-abrigo que se protegia do frio na entrada de um banco, onde se encontravam as caixas atm. Esses meninos também nasceram puros.

São puros estes meninos, e idealmente, talvez ainda pudessem recuperar-se, numa escola qualquer, as carências profundas de uma inexistente educação familiar; mas não nas escolas como existem, não em turmas de 30 alunos, com aulas de 90 minutos, não nos moldes em que vigora. E o mesmo Estado que custeia a prisão e as casas de correcção onde vão parar, não custeia vagas para professores-tutores. Não são necessários.

Por isso é que os meninos, que nascem puros, podem tão livre, tão fácil e impunemente criar, com as suas mãos, o horror, a vileza, a degradação máxima. A mesma a que estão condenados enquanto o sistema educativo depende exclusivamente da política económica.

A escola de hoje chama-se demagogia. Hipocrisia.

O ser consumidor

Introduziu-se nas nossas mentes essa ideia nova de que se não consomes não és nada. Se não consomes, tu não serás ninguém. E serás tanto mais quanto mais fores capaz de consumir. A partir do momento em que o ser humano se vê a si mesmo como um consumidor, todas as suas capacidades diminuem, porque todas vão ser postas ao serviço de uma maior possibilidade de consumir
José Saramago

Que Lula fique onde está

Uma coisa é Sérgio Moro, que jamais admitiu trocar a toga pela política, dar o dito pelo não dito e passar a serviçal do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro. Outra, bem diferente, é o ex-presidente Lula merecer por causa disso a graça, o perdão ou a anistia pelos crimes que cometeu.

O PT faz seu papel quando diz ou sugere que Moro condenou Lula para beneficiar Bolsonaro. Mas o juiz de Curitiba não foi o único a condenar Lula. Quatro juízes de Porto Alegre, e por duas vezes, também o condenaram e aumentaram sua pena.

A defesa de Lula recorreu aos tribunais superiores para anular a sentença de 12 anos 1 um mês de cadeia pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Todos os recursos foram negados pelo Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal.

Nem mesmo o Comitê de Direitos Humanos da ONU, em decisão tomada apenas por dois dos seus 11 membros, pediu a anulação da sentença. Pediu apenas ao Estado brasileiro que permitisse a Lula concorrer às eleições. O pedido não foi levado em conta porque Lula virou um “ficha suja”.

Por mais que os devotos de Lula insistam em tratá-lo como um preso político, preso político ele não é. Foi condenado por crimes comuns. É um preso comum. E, como tal, obrigado a pagar pelos crimes que cometeu de acordo com a lei. Por que se abriria uma exceção? Por Lula ser Lula?

Lula já foi a esperança que derrotou o medo. Acabou derrotado pela ambição de ficar rico e de querer mandar no país até dizer basta.
Ricardo Noblat

Os desesperados

Uma oposição “propositiva” ao governo de Jair Bolsonaro é o que prometem alguns partidos de esquerda que já começam a se organizar com vista à próxima legislatura. Não por acaso, esse bloco excluirá o PT. Segundo explicou o deputado André Figueiredo (CE), líder do PDT na Câmara, o partido do ex-presidente e hoje presidiário Lula da Silva “tem um modus operandi próprio dele”, enquanto o bloco formado por PDT, PSB e PCdoB “tem um outro modelo de oposição”, isto é, “um modelo construtivo para o País”.

Ainda será preciso esperar que esses partidos passem das belas palavras aos atos concretos, mas é significativo que agremiações que tão fortemente antagonizaram com Bolsonaro durante a campanha agora se digam dispostas a fazer oposição responsável ao próximo governo.

Também é significativo que o grupo tenha dispensado o PT e sua linha auxiliar, o PSOL, das conversas para a formação de um bloco de oposição. O pedetista André Figueiredo explicou que não é mais possível aceitar “o hegemonismo que o PT quer impor aos demais partidos” e que nenhuma dessas legendas de esquerda aceita ser “um puxadinho do PT”.


O isolamento do PT no campo da oposição é a consequência natural do comportamento autoritário do partido, incapaz de uma convivência democrática mesmo com aqueles com os quais nutre alguma afinidade ideológica. Para os petistas, nada que não tenha sido ditado pelo PT tem legitimidade.

À medida que foi sendo desossado pelas urnas e pela Justiça, o partido de Lula da Silva recrudesceu seu autoritarismo, expondo cada vez mais seu desespero. Depois de passar a campanha inteira a denunciar como “golpe” o impeachment constitucional de Dilma Rousseff, a exigir a libertação de Lula, como se este não tivesse que cumprir pena pelos crimes que cometeu, e a exigir apoio a seu candidato como única forma de “salvar a democracia” ante o perigo do “fascismo” supostamente representado pela candidatura de Bolsonaro, o PT agora trata de dizer que a vitória do oponente resultou de um processo “eivado de vícios e fraudes”, conforme declarou a presidente do partido, Gleisi Hoffmann.

Os petistas, assim, fazem exatamente aquilo que deles se esperava – isto é, em vez de aceitar o resultado das urnas e se organizar para fazer oposição decente e leal ao futuro governo, preferem deflagrar campanha para deslegitimar a vitória de Bolsonaro. Do alto de sua prepotência, os petistas dizem que Bolsonaro foi eleito depois de “uma campanha de ódio e de mentiras, que nos últimos anos manipulou o desespero e a insegurança da população”, como diz uma resolução da Executiva Nacional do PT aprovada logo após a eleição. Ou seja, para o PT, se não houvesse “manipulação” e “mentiras” o candidato petista seria eleito com folga.

Um partido que em documento oficial chama um presidente democraticamente eleito de “aventureiro fascista”, como faz o PT, não tem a menor intenção de fazer oposição. Para esta atitude verdadeiramente golpista já chamávamos a atenção no editorial Desespero, de 19 de outubro. Sua intenção é inviabilizar o governo e, por tabela, impedir que o País saia da crise que os próprios petistas criaram em sua desastrosa passagem pela Presidência. Os desesperados petistas prometem “construir uma frente de resistência pelas liberdades democráticas”, como se o País estivesse às portas da ditadura, e essa “resistência” se estende a tudo o que interessa à maioria da população, a começar pela reforma da Previdência.

Enquanto isso, os grupelhos a serviço do lulopetismo mostram do que é feita a “democracia” que defendem: uma manifestação convocada pelo notório Guilherme Boulos para exigir que Bolsonaro “respeite a oposição” e “as liberdades democráticas” acabou em tumulto e depredação na terça-feira passada em São Paulo.

Não surpreende, assim, que a tal “frente de oposição” que o PT pretende liderar não tenha apoio. O grave momento do País exige um esforço de todos para a superação da crise, o que implica a existência de uma oposição dura, porém prudente. Os sabotadores – aqueles que não se importam com o interesse público – devem ser isolados, para que fique patente de vez sua profunda irresponsabilidade.