domingo, 19 de abril de 2015

Brasil tem ministério de sobra e faltam hospitais, casas e escolas

Em contraste os EUA têm só 15, a Alemanha 14, a França 16 e a Argentina, 13 cada

Cinquenta e um por cento dos brasileiros sofrem de sobrepeso. Curiosamente, também o Governo da presidenta Dilma Rousseff sofre do mesmo problema: metade dos ministros está sobrando, enquanto o país ainda precisa de mais e melhores hospitais e escolas. E oito milhões de moradias.

Hoje, só três países importantes têm dois ou três ministros a mais que o Brasil. Todos outros têm menos da metade.

Uma das reivindicações apresentadas pelos diferentes grupos que organizaram as manifestações no Brasil é a diminuição pela metade do atual número de ministros.


O Brasil tem, de fato, 39 ministros, contra, por exemplo, os 14 da Alemanha, o país mais rico da União Europeia. Ou contra os 15 dos EUA, a maior potência mundial, que conta com 24 ministros a menos que o Brasil. Ou contra os 16 da França ou os 18 da Itália. Até a Venezuela com seus 32 ministros fica abaixo, assim como o México com 19, o Chile com 18, a Colômbia com 16 ou a Argentina com 13.

Entre os poucos países que têm dois ou três ministros a mais que o Brasil figuram a Índia, o Canadá e a China, enquanto a Itália e a França juntas contam com cinco a menos que o Brasil.

O que à primeira vista poderia ser visto como algo positivo, revela-se um impedimento não só em relação ao gasto público que isso representa, mas também à eficiência da gestão.

Segundo o austríaco Meter Drucker, um dos maiores especialistas mundiais do ramo, o número ideal de ministros para a gestão eficaz de um governo seria pouco mais de dez, no máximo 20. Isso significa que o Brasil tem 29 ministros a mais que o ideal e 19 a mais que o máximo de 20, cifra considerada o limite para assegurar tanto a efetividade da gestão, como a possibilidade de o presidente ou o primeiro-ministro manter com eles um diálogo permanente.

De fato, a grande maioria dos países mais importantes e prósperos do mundo e inclusive da América Latina não chega aos 20 ministros. Usando uma expressão de Lula se poderia dizer que “nunca este país” teve tantos ministros. E, no entanto, esse recorde acaba se revelando negativo já que, além de ser difícil, quase impossível, que esses 39 ministros possam manter uma relação pessoal e constante com o presidente, impede que possam ser grandes personalidades como exigiriam desses responsáveis os campos estratégicos da administração pública nacional.

Uma reforma longe do povo


Em democracias que se prezam, o voto é um direito e não uma obrigação
Ofuscada pelos escândalos que se sucedem sem pausa para respiro, a reforma política tramita em ritmo acelerado na Câmara dos Deputados, com previsão de votação até o final de maio. Lotada de esquisitices, ela vai se tornando um monstro capaz de devorar a democracia, piorando - e muito - o sistema eleitoral em vigor.

De tão desconectadas com o eleitor, algumas propostas - coisas como o Distritão, prorrogação de mandato de prefeitos e mandato tampão para juntar vereador, prefeito, deputados, governadores e presidente em uma única eleição, só para dar alguns exemplos - parecem feitas por quem tem medo do povo. Por quem não quer só a habitual distância, mas erguer uma muralha entre o eleitor e o eleito.

Com o que o PMDB apelidou de Distritão, método em que cada Estado é um distrito eleitoral e vence ali aquele que tiver mais votos, independentemente do partido, a sigla do vice-presidente da República e dos presidentes da Câmara e do Senado, consegue de uma só tacada acabar com as representações partidárias e abrir o Parlamento para todo o tipo de aventureiro, desde que ele seja popular. Um sistema de encomenda para multiplicar a presença de celebridades.

O voto distrital puro ou misto trafega tanto no PT quando na oposição, com mais força entre o PSDB e o DEM. Mas o PT insiste na votação em lista fechada, algo que confere poderes em demasia aos donos do partido. Também é um defensor ferrenho do fim do financiamento privado das campanhas eleitorais que, segundo a ordem unida petista, é o indutor maior da corrupção.

Diz isso agora, três eleições depois de arrecadar milhões de reais de empresas privadas, parte dos recursos - como a operação Lava Jato vem provando e o mensalão comprovou - dinheiro público travestido em doações legais.

Os tucanos não ficam atrás nas maluquices. Depois de criar e fazer aprovar, em 1997, a reeleição, quer acabar com ela.

Coube a Aécio Neves, que se beneficiou da reeleição ao governar Minas Gerais por dois mandatos consecutivos, atacá-la. E com argumentos meramente conjunturais. “Se alguém tinha alguma dúvida sobre o efeito nefasto da reeleição, essa última eleição presidencial mostrou que ela não pode continuar. A atual presidente da República desmoralizou o instituto da reeleição.”

Se assim fosse, o que dizer de Geraldo Alckmin, que também acabou de ser reeleito? Mais: na contramão do dito “quanto mais eleição melhor”, é do PSDB a ideia de juntar todos os pleitos em uma única eleição.

Nada, absolutamente nada disso corrobora para aprimorar o sistema político, nem mesmo o eleitoral.

Autor da PEC 586 de 2006, primeira a propor o voto distrital, o ex-deputado Arnaldo Madeira, pregador incansável do modelo, inicia suas palestras sobre o tema com uma pergunta singela: “Para que serve uma reforma política?” E responde: “Para aproximar o eleitor do eleito, criar elos entre representados e representantes.”

Isso se alcança com o voto distrital, que em suas regras embute a possibilidade de “deseleger”.

Restaria ainda a tarefa de banir algumas anomalias. Impedir que partidos políticos se proliferem como ratos, acabar com o senador suplente que exerce mandato sem receber um voto sequer e com as coligações para eleições proporcionais, matéria já aprovada no Senado. Mas se o Parlamento quiser buscar alguma sintonia com as ruas, teria de aprovar o voto facultativo. Aí sim, ele daria crédito ao povo. Em democracias que se prezam, o voto é um direito e não uma obrigação.

Tudo é permitido mesmo o proibido

Corrupção  (Foto: Arquivo Google) 
O sentimento de que tudo acabará em pizza se dissipa. Se alguns mensaleiros cumprem penas leves, os “lavadores” estarão sujeitos a penas pesadas
Entre os diversos títulos que formam a identidade do Brasil, um dos mais conhecidos é: o país da permissividade. Pinço, mais uma vez, o dito jocoso sobre os quatro grandes modelos de sociedade no mundo: o primeiro é o inglês, onde tudo é permitido, com exceção do que é proibido; o segundo é a alemão, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; o terceiro é o totalitário, onde tudo é proibido mesmo o que for permitido. E o quarto é a brasileiro, onde tudo é permitido mesmo o que for proibido."

Não é de estranhar que o país seja considerado o território do descumprimento da lei. Coisa que vem de longe. Desde os idos da colônia e do Império, fomos afeitos ao regime de permissividade, apesar da rigidez dos códigos. Tomé de Souza, primeiro governador-geral, chegou botando banca. Os crimes proliferavam. Avocou a si a imposição da lei, tirando o poder das capitanias. Um índio que assassinara um colono foi amarrado na boca de um canhão. Ordenou o tiro para tupinambás e colonos entrarem nos eixos. Mas em 1553 uma borracha foi passada na criminalidade, com exceção dos crimes de heresia, sodomia, traição e moeda falsa. Depois chegaram as Ordenações do Reino (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), que vigoraram até 1830. De tão severas, a ponto de estabelecerem a pena de morte para a maioria das infrações, espantaram até Frederico, o Grande, da Prússia, que ao ler Livro das Ordenações, chegou a indagar: “Há ainda gente viva em Portugal?”

Mas os castigos eram frequentemente perdoados. A regra era impor uma dialética do terror e do perdão para fazer do rei um homem justiceiro e bondoso. E assim, entre sustos e panos quentes, o Brasil passou a semear a cultura do faz-de-conta na aplicação das leis. Entramos no terceiro milênio com 3% da população terrestre, 9% dos homicídios cometidos no mundo, 300 mil presos encarcerados, que ocupam 200 mil vagas (defasagem de 100 mil) e 200 mil mandados de prisão a serem cumpridos (faltam vagas). Sob esse tecido costurado com os fios da ilegalidade nasce o poder invisível, cancro das democracias contemporâneas. Esse poder da criminalidade, no que diz respeito ao habitat dos “colarinhos brancos”, começa a ser atacado de frente, pelos flancos e pela retaguarda.

Olhemos para as operações policiais e de investigação em curso. Por todos os lados, mais fatos surgem na paisagem da corrupção. Nada mais surpreende. O desfile de figurões algemados empresários, políticos, tesoureiros de partidos -, se soma ao batismo de operações policiais, com seus simbolismos e nomes que chamam a atenção, como as mais recentes (Lava Jato Zelotes, Origem) ou as mais antigas( Cara de Platão, Terra Prometida, Ressurreição dos Mortos, Cara de Platão, Éfebo).

A administração pública, a política e empresas privadas constituem os polos da tríade que efetiva­mente tem o comando dos empreendimentos necessários ao País, alguns deles desvirtuados para ingressarem no balcão de negócios. Por sua abrangência e, mais que isso, pela imbricação de seus eixos, a triangulação perigosa passou a ser o foco de investigações da Polícia Federal, deixando à mostra o paradoxo: o Produto Nacional Bruto da Corrupção (PNBC) tem se expandido na esteira dos controles pelos órgãos do Estado.

Qual a razão? A resposta aponta para algumas variáveis: a fluidez do Estado, a imbricação de fronteiras entre os Poderes constitucionais, a transformação da política em profissão rentável, a fragili­dade dos mecanismos de punição, a morosidade da Justiça, a rotação de dirigentes e a cultura regada com a semente do fisiologismo, her­dada dos nossos colonizadores. Esses são os lubrificantes da engrenagem do novo ajuntamento de forças, que passa a reorganizar o corpus da administração pública, subordinando o in­teresse geral à salvaguarda de grupos. O salto do patrimônio de alguns políticos entre uma campanha tem sido muito exposto nestes dias de investigação pela Lava Jato.

Pior é constatar que a corrupção ganha força sob a lupa de instrumentos de controle, entre os quais a Controladoria-Geral da União, a Polícia Federal, o Ministério Público e as instâncias do Judiciário. A cada semana, novos fatos engordam o acervo da corrupção. Veja-se a prisão do tesoureiro João Vaccari, do PT, que aproxima este partido do precipício, enquanto o Governo tenta capitalizar o ciclo de apuração com o slogan: “nunca se combateu tanto a corrupção quanto agora”. Até pode ser. Mas não dá para esconder a evidência: há mais criminosos porque a teia do crime se estendeu.

Sob os holofotes da mídia e o selo da eficiência, as operações policiais se sucedem, chamando a atenção, também, pelo espalhafato. A tinta do marketing da espetacularização contamina a efetividade das operações. Mesmo assim, uma luz começa a brilhar. As coisas parecem diferentes do passado. As ações ganham uma agenda e os indiciados acabam dando depoimentos esclarecedores. O sentimento de que tudo acabará em pizza se dissipa. Se alguns mensaleiros cumprem penas leves, os “lavadores” estarão sujeitos a penas pesadas. A Justiça parece correr mais célere.

As prisões se encaixam na modelagem: “colarinhos-brancos” e anônimos são iguais no tratamento. Como lembra o Procurador Janot, as investigações ainda estão no começo. Mas a impressão é a de que os operadores do direito e da justiça pretendem efetivamente “passar o Brasil a limpo”.

Povo e ralé

Karl Marx podia ter todos os defeitos do mundo, desde a vigarice intelectual até as hemorróidas, mas ele sabia que a palavra “proletário” significa “gente que trabalha” e não qualquer Zé-Mané. Ele combatia o capitalismo porque achava que os ricos enriqueciam tomando o dinheiro dos pobres, o que é talvez a maior extravagância matemática que já passou por um cérebro humano, mas, reconheça-se o mérito, ele nunca confundiu trabalhador com vagabundo, povo com ralé.

Alguns discípulos bastardos do autor de “O Capital”, uns riquinhos muito frescos e pedantes, fundaram um instituto em Frankfurt com o dinheiro de um milionário argentino e resolveram que valorizar antes o trabalho honesto do que os vícios e o crime era uma deplorável concessão de Marx ao espírito burguês. Usando dos mais requintados instrumentos da dialética, começaram ponderando que o problema não era bem o capitalismo e sim a civilização, e terminaram tirando daí a conclusão lógica de que para destruir a civilização o negócio era dar força aos incivilizados contra os civilizados.


Os frankfurtianos não apostavam muito no paraíso socialista, mas acreditavam que a História era movida pela força do “negativo” (uma sugestão de Hegel que eles tomaram ao pé da letra), e que portanto o mais belo progresso consiste em destruir, destruir e depois destruir mais um pouco. Tentar ser razoável era apenas “razão instrumental”, artifício ideológico burguês. Séria mesmo, só a “lógica negativa”.

A destruição era feita em dois planos.

Intelectualmente, consistia em pegar um a um todos os valores, símbolos, crenças e bens culturais milenares e dar um jeito de provar que no fundo era tudo trapaça e sacanagem, que só a Escola de Frankfurt era honesta precisamente porque só acreditava em porcaria – coisa que seu presidente, Max Horkheimer, ilustrou didaticamente pagando salários de fome aos empregados que o ajudavam a denunciar a exploração burguesa dos pobres. Isso levou o nome hegeliano de “trabalho do negativo”. A premissa subjacente era:
- Se alguma coisa sobrar depois que a gente destruir tudo, talvez seja até um pouco boa. Não temos a menor idéia do que será e não temos tempo para pensar em tamanha bobagem. Estamos ocupados fazendo cocô no mundo.

No plano da atividade militante, tudo o que é bom deveria ser substituído pelo ruim, porque nada no mundo presta e só a ruindade é boa. A norma foi seguida à risca pela indústria de artes e espetáculos. A música não podia ser melodiosa e harmônica, tinha de ser no mínimo dissonante, mas de preferência fazer um barulho dos diabos. No cinema, as cenas românticas foram substituídas pelo sexo explícito. Quando todo mundo enjoou de sexo, vieram doses mastodônticas de sangue, feridas supuradas, pernas arrancadas, olhos furados, deformidades físicas de toda sorte – fruição estética digna de uma platéia high brow. Nos filmes para crianças, os bichinhos foram substituídos por monstrengos disformes, para protegê-las da idéia perigosa de que existem coisas belas e pessoas boas. Na indumentária, mais elegante que uma barba de três dias, só mesmo vestir um smoking com sandálias havaianas -- com as unhas dos pés bem compridas e sujas, é claro. A maquiagem das mulheres deveria sugerir que estavam mortas ou pelo menos com Aids. Quem, na nossa geração, não assistiu a essa radical inversão das aparências? Ela está por toda parte.

Logo esse princípio estético passou a ser também sociológico. O trabalhador honesto é uma fraude, só bandidos, drogados e doentes mentais têm dignidade. Abaixo o proletariado, viva a ralé. De todos os empreendimentos humanos, os mais dignos de respeito eram o sexo grupal e o consumo de drogas. De Gyorgy Lukacs a Herbert Marcuse, a Escola de Frankfurt ilustrou seus próprios ensinamentos, descendo da mera revolta genérica contra a civilização à bajulação ostensiva da barbárie, da delinqüência e da loucura.

Vocês podem imaginar o sucesso que essas idéias tiveram no meio universitário. Desde a revelação dos crimes de Stálin, em 1956, o marxismo ortodoxo estava em baixa, era considerado coisa de gente velha e careta. A proposta de jogar às urtigas a disciplina proletária e fazer a revolução por meio da gostosa rendição aos instintos mais baixos, mesmo que para isso fosse preciso a imersão preliminar em algumas páginas indecifráveis de Theodor Adorno e Walter Benjamin, era praticamente irresistível às massas estudantis que assim podiam realizar acoincidentia oppositorum do sofisticado com o animalesco. Com toda a certeza, a influência da Escola de Frankfurt, a partir dos anos 60 do século passado, foi muito maior sobre a esquerda nacional que a do marxismo-leninismo clássico.

Sem isso seria impossível entender o fenômeno de um partido governante que, acuado pela revolta de uma população inteira, e não tendo já o apoio senão da ralé lumpenproletária remunerada a pão com mortadela e 35 reais, ainda se fecha obstinadamente na ilusão de ser o heróico porta-voz do povão em luta contra a “elite”.

Dois anos atrás, já expliquei neste mesmo jornal (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/140209dc.html) que uma falha estrutural de percepção levava a esquerda nacional a confundir sistematicamente o povo com o lumpenproletariado, de tal modo que, favorecendo o banditismo e praticando-o ela própria em doses continentais, ela acreditava estar fazendo o bem às massas trabalhadoras, as quais, em justa retribuição de tamanha ofensa, hoje mostram detestá-la como à peste. 
 
O Caderno de Teses do V Congresso do PT é um dos documentos mais reveladores que já li sobre o estado subgalináceo a que os ensinamentos de Frankfurt podem reduzir os cérebros humanos.

Doação e gastos limitados dispensariam financiamento público


Pesquisadores propõem redução dos custos e mais fiscalização no combate à corrupção
Um escândalo de corrupção entre empresas e políticos abala a República e mobiliza a sociedade brasileira: é preciso alterar o sistema de financiamento eleitoral. O ano é 1993 e, após o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, o Congresso Nacional afrouxa as regras para permitir doações de pessoas jurídicas a candidaturas, numa tentativa de controlar o ‘caixa dois’. Vinte anos depois, um escândalo de corrupção entre empresas e políticos abala a República e mobiliza a sociedade brasileira: é preciso alterar o sistema de financiamento eleitoral. Desta vez, para proibir as doações de pessoas jurídicas, autorizadas há duas décadas para combater a corrupção.

Num esforço para reagir aos indícios de promiscuidade entre empreiteiras e os governos que as contratam para obras públicas, revelados pela Operação Lava Jato, o Partido dos Trabalhadores (PT) encampa, com o apoio de mais de 100 entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a instituição do financiamento público exclusivo de campanha. O objetivo básico é combater a corrupção, já que o poder financeiro de construtoras como Camargo Corrêa e Galvão Engenharia, investigadas no Caso Petrobras, estaria distorcendo o processo eleitoral, como indicam levantamentos sobre os contratos públicos de empresas que doaram a candidatos eleitos.

O possível sucesso do financiamento público no combate à promiscuidade entre público e privado não garantiria, contudo, o fim do 'caixa dois' identificado na época de Collor e, segundo estudiosos do assunto, traria outros potenciais efeitos nocivos ao processo eleitoral. “O maior problema do financiamento público exclusivo é o afastamento que ele gera dos partidos em relação à sociedade. Ele não gera equalização, igualdade. Pelo contrário: congela a desigualdade”, diz o professor do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná Emerson Cervi.

Lógica do golpe

Na lógica de todos os golpes, novos atos foram necessários para manter o poder
No parlamentarismo, o poder muda de partido e de líder sem mudar de presidente ou rei; basta nova eleição ou nova aglutinação partidária no Parlamento. No presidencialismo, mudar a composição do poder entre pessoas ou partidos pode ser considerado golpe, mesmo que dentro das normas constitucionais, se os que estão no poder fogem das promessas de candidato e das expectativas dos eleitores.

Entre os dias 2 de fevereiro e 7 de abril, o poder mudou de mãos, como um pacífico e constitucional golpe de Estado.

O golpe que nessa semana tirou o poder da presidente Dilma e do PT começou quando o presidente Lula relegou promessas de campanha e dividiu o poder com adversários, sem que esses mudassem suas posições na forma de fazer política, nem nas propostas da política que o PT se elegeu prometendo mudar.

Como acontece depois dos golpes, o governo adquiriu estabilidade nas votações dentro do Congresso, mas em troca abriu mão do vigor transformador que caracterizava o discurso e as expectativas de seu eleitor. O governo não caiu, mas mudou. Para continuar no poder, adaptou-se aos poderosos, realizando ajustes de positivo caráter social e distributivo, mas sem as prometidas reformas estruturais na economia, na sociedade e na maneira de fazer política.

Mas foi a partir da decisão de ganhar a eleição de 2014 a qualquer custo que o golpe se consolidou, usando técnicas de manipulação da opinião. Marqueteiros usaram a publicidade como um tanque de guerra mental capaz de destruir as mensagens e imagens dos opositores e de mostrar o Brasil como um paraíso construído nos 12 anos anteriores.

Na lógica de todos os golpes, novos atos foram necessários para manter o poder. Diante dos escondidos desacertos na política econômica, foi necessário trazer um ministro da Fazenda que age contrariamente ao que foi prometido em campanha, como um interventor necessário para corrigir os erros do mandato anterior, escondidos durante a campanha, mas desfazendo as promessas dos candidatos e as esperanças dos eleitores, como em um golpe.

O golpe se aprofunda no dia 2 de fevereiro, quando o PT não consegue impedir a eleição de Eduardo Cunha na Câmara e, por determinação do Planalto, reelege Renan Calheiros presidente do Senado. Mas os golpes exigem novos atos que o consolidem e foi com esse propósito que, no dia 7 de abril, a presidente abriu mão do seu poder, ao dar ao vice-presidente o papel de coordenador do governo, sem nem mesmo ele ser ministro, cargo do qual poderia um dia ser demitido.

Resta esperar para ver se o ministro da Fazenda, os presidentes do Congresso e o vice-presidente da República, com a força adquirida, vão estar combinando seus passos e sintonizado-os com a presidente, ou se algum deles se transformará no líder do grupo; e ela, para sobreviver no poder, terá de se anular, usando diferentes cenografias possíveis, mas com a mesma lógica de golpe: as propostas e comportamentos eleitos não tomam posse.

Cristovam Buarque