Governar um país não é comandar um programa humorístico. As palavras bizarro e tosco têm sido usadas com frequência, mas talvez devamos pensar mais na palavra perigo. Enquanto renova o estoque da “última de Bolsonaro”, a Presidência contrata o desastre em inúmeras áreas.
Os ataques ao meio ambiente são diários, a educação perdeu um semestre, o Brasil se aproximou na ONU de países párias nos direitos da mulher, o governo naturalizou a intolerância, suspendeu a fabricação de remédios essenciais, escalou a liberação de agrotóxicos, estimulou o preconceito, encurralou a cultura e esteve nas ruas com quem pediu fechamento do Congresso e do Supremo.
Enquanto tudo isso acontecia, a economia continuou em crise, a queda da atividade se aprofundou, o desemprego permaneceu alto, a confiança caiu. Há relação entre uma coisa e outra. Até agora o que se tem é um governo sem rumo em todas as áreas, inclusive na economia. Alguns integrantes da equipe econômica se dedicam ao extremo a determinadas ações, mas o governo tem apresentado miragens como se fossem projetos em andamento. A lista de não eventos está cheia. De concreto, houve dois avanços em seis meses. A aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara e o anúncio do acordo Mercosul-União Europeia. Na Previdência, o parlamento avançou a despeito da balbúrdia do governo. No acordo comercial há ainda uma longa estrada até virar realidade. Não se pode contar ainda como conquista consolidada. A falta de fatos concretos na administração Bolsonaro mantém nos agentes econômicos a desconfiança em relação à retomada do crescimento. Os investidores da economia real precisam de sinais mais sólidos.
Há perigos agudos. O ministro Ricardo Salles visitou madeireiros, foi aplaudido por eles e os elogiou no mesmo local onde duas semanas antes madeireiros haviam queimado um caminhão tanque do Ibama. Foi em Espigão D'Oeste, Rondônia. O combustível abasteceria três helicópteros que seriam usados para fiscalizar a retirada ilegal de madeira na Terra Indígena Zoró. Não houve a operação. Criminosos queimaram patrimônio público, retiraram madeira de terra protegida, ameaçaram um órgão do governo, abortaram uma ação de fiscalização. A extração ilegal de madeira é a principal suspeita. O ministro do Meio Ambiente deveria ter sido mais cauteloso ao ir ao local se solidarizar com os madeireiros.
A lista dos perigos é tão extensa quanto a das tosquices. É importante ficar atento. O governo Bolsonaro tem um padrão. Ele vai encurralando e desmoralizando os órgãos públicos. O que há de comum entre defensoria pública, Ibama, ICMbio, Itamaraty, Inpe, IBGE, Inep, Fiocruz, tantos outros, é que o governo tem tentado impedir que eles façam o seu trabalho. De forma sutil ou ostensiva funcionários são neutralizados. Os contribuintes pagam os salários dos servidores para que eles exerçam funções específicas, e o governo tenta paralisar as atividades. É desperdício de um recurso público valioso e caro: o capital humano. Isso enfraquece o Estado nas funções que precisam ser fortalecidas.
Há áreas mais vulneráveis porque viraram os primeiros alvos, mas outros órgãos estão na mira. Para legitimar seus atos, o governo dirá que a reação de funcionários é corporativismo, quando é a saudável defesa da sua missão dentro do Estado. Depois de 200 dias não há mais como se enganar. O governo não é apenas incompetente. Ele está criando perigos reais para o país.