Ruínas de Patu |
Além do Patu, outros seis campos foram instalados no Ceará durante a grande estiagem de 1932. Dois ficavam em Fortaleza. Esses sete campos, no entanto, também não foram pioneiros. Seu surgimento remonta aos abarracamentos (acampamentos improvisados) instalados pelo Estado para abrigar os retirantes nas secas de 1877 a 1880, quando Fortaleza foi ocupada por cerca de 100 mil flagelados, mais do triplo de sua população na época.
Após novas estiagens, a ideia de "concentrar" os retirantes foi se consolidando, como também o projeto de modernização e embelezamento das cidades, acompanhado ainda da popularização da ideia do darwinismo social, que à época ajudava a justificar ideologicamente o domínio de uma "raça" sobre outra.
No Ceará, isso fez com que os flagelados que procuravam abrigo na capital do Estado passassem a ser aglomerados no Campo de Concentração do Alagadiço, em 1915. Assim, era mais fácil escondê-los da população urbana.
A designação "campo de concentração" acabou oficialmente por substituir os antigos abarracamentos na mesma época, sendo usada tanto pela imprensa da época quanto pelo governo. Na década de 1930, seria a vez de o governo local criar sete novos campos desse tipo, entre eles o do Patu.
Dessa forma, o governo local trilhava um caminho já percorrido por outros países. Décadas antes, os EUA criaram campos desse tipo para internar indígenas Cherokee. E o antigo governo colonial de Cuba chegou a decretar que moradores que não quisessem ser tratados como rebeldes fossem internados em "campos de reconcentración" durante as guerras de independência da ilha (1868-1898). O mesmo ocorreu na África do Sul e nas Filipinas no final do século 19.
Campo de concentração em Fortaleza serviu de entreposto para exportação de mão de obra para outros estados |
Em entrevista à DW, o procurador do Ministério Público em Senador Pompeu, Geraldo Laprovitera, afirmou que o Estado brasileiro não teve interesse em preservar a memória do campo que está localizado dentro de uma área de uma autarquia federal chamada Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs). "Então nós do MP estadual partimos para uma proteção local, um tombamento", disse Laprovitera.
"No Campo de Concentração do Patu, tivemos lá uma população de aproximadamente 20 mil pessoas. O que são 20 mil pessoas em 1932? É algo gigantesco. E desses 20 mil, embora não haja registros oficiais, pois não se lavravam certidões de óbitos, a estimativa é que entre 8 mil e 12 mil pessoas morreram e foram enterradas em valas coletivas."
Na época da construção do Patu, a população de Fortaleza tinha cerca de 120 mil habitantes. Além de Senador Pompeu e da capital, em 1932, outros campos de concentração foram instalados nos municípios de Ipu, Quixeramobim, Crato e Cariús, disse o promotor. "No entanto, pelo que me consta, a maioria desses campos não resistiu à ação do tempo."
O Patu, único campo de concentração que restou dos dez instalados no Ceará entre 1915 e 1932 engloba 12 construções de estilo neocolonial, a chamada Vila dos Ingleses.
"Essas instalações são anteriores aos campos de concentração nazistas e não tinham obviamente a mesma finalidade dos campos da Segunda Guerra, mas tinham também algumas semelhanças sórdidas", explicitou o promotor.
"A estrutura dos prédios; a população distribuída em barracões; grande parte dessa população sendo atraída ao local com falsas promessas de que teria acesso a trabalho, à comida, a medicamentos e atendimento médico, o que não era realidade", apontou Laprovitera.
"Mas, enquanto nos campos de concentração nazistas a mortandade se deu por uma ação estatal, nos campos de concentração cearenses a mortandade se deu por causa de uma omissão. Não havia comida, não havia água e as condições de higiene eram muito precárias."
Frederico de Castro Neves, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta as diferenças entre os campos cearenses e os nazistas. "Senador Pompeu não é igual a Auschwitz. Aqui, a pessoa recebia uma assistência, que era precária, discutível, mas era uma assistência médica. As pessoas não eram carregadas para o campo, debaixo de violência, embora houvesse uma tentativa de manter aquelas pessoas ali no isolamento", afirmou ao jornal El País.
Natural de Senador Pompeu, o advogado e ativista dos direitos humanos Valdecy Alves vem promovendo há mais de duas décadas a divulgação da existência do Campo de Concentração do Patu. Ele conta que, na sua infância, o local despertava medo. "Ninguém ia lá, porque diziam que havia tido uma tragédia muito grande, que o lugar era cheio de assombração", disse.
"Muita gente também dizia: 'não use esse nome campo de concentração porque isso só se usou na Alemanha'. Não, eu tenho um relatório de um médico da época em que ele critica o governador por usar esse nome. E o governador justificou que assim era mais fácil atrair recursos", informou Valdecy Alves.
Segundo Alves, além dos prédios da administração, havia no Patu 160 barracas de taipa onde dormiam os flagelados. Ele afirma que as principais causas das mortes foram "tifo; paratifo com febre, que é altamente contagiosa nos adultos; sarampo nas crianças".
Muitas dessas doenças também foram registradas nos campos de concentração alemães. "Estive na Polônia, em Auschwitz, para ver se eu detectava similaridades entre os campos de lá e daqui", narrou Alves.
De acordo com o ativista, o darwinismo social, a ideia da superioridade de uma raça sobre a outra, também marcou o Brasil no início do século 20. Segundo ele, Getúlio Vargas era também seguidor do darwinismo social. "Para se ter uma ideia, na Constituição de 1937, há um artigo [Art. 138] que diz que o Estado teria que 'estimular a educação eugênica'."
"Então tem esse aspecto do darwinismo social que justifica moralmente a implantação dos campos. Há também a mão de obra, que foi usada como escrava, porque os grandes açudes e as estradas foram feitas por eles em troca de comida", explica Alves.
Do campo cercado por arame farpado, os flagelados só podiam sair para trabalhar. A segurança era feita por guardas cujo pagamento era realizado em espécie, não havendo documentos comprobatórios, explicou o advogado. "Todos os campos de concentração e os abarracamentos, quando terminavam, eles tocavam fogo em tudo. Para não deixar pista, não havia atestado de óbitos, não tinha nada."
O número de flagelados em campos de concentração cearenses entre 1932 e 1933 ainda é objeto de discussões, assim como o número de mortes. De acordo com jornais da época, 73.918 mil flagelados foram abrigados nos campos, sendo 16.221 deles no do Patu.
Segundo Castro Neves, em janeiro de 1933, apenas quatro dos sete campos continuavam em operação, com 90 mil pessoas ainda espalhadas por eles. "O maior de todos foi o de Buriti, no sul do estado, na região do Crato. Ali chegou a ter 60 mil pessoas", disse o professor ao jornal El País.
A historiadora Kênia Sousa Rios, também da UFC, relata que somente no campo de Ipu, a oeste do Estado, houve registros de mais de mil mortos entre 1932 e 1933. De acordo com informações da época, o campo chegou a abrigar 6.507 flagelados.
No entanto, com base em um discurso que Getúlio Vargas fez na capital cearense em setembro de 1933, quando os campos já tinham sido desmantelados e o governo passou a priorizar frentes de trabalho, o advogado Valdecy Alves estima que o número total de flagelados nos campos tenha sido muito maior.
"No período mais agudo da estiagem, em Dezembro do ano findo [1932], elevou-se a 260 mil o número de operários diretamente empregados nas obras contra as secas, sendo 236 mil, na Inspetoria, e 24 mil, na Rede de Viação Cearense [...] Organizaram-se, além disso, neste Estado, campos de concentração, por onde transitou mais de um milhão de pessoas, atendidas com serviços profícuos de higiene e assistência", disse Vargas em seu discurso.
Segundo o historiador Frederico Castro Neves, foi o horror provocado pelos campos de concentração alemães, construídos a partir de 1933 e cuja existência foi divulgada após o fim da guerra, que desencorajou a construção de novas instalações desse tipo no Ceará após a Segunda Guerra mundial.
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