sexta-feira, 14 de novembro de 2014
Antipetismo, imposição da racionalidade
Na recente campanha presidencial, o lado em que 51 milhões
de brasileiros se arregimentaram foi apresentado por Lula como síntese de todas
as perversões e maldades. Dando continuidade a isso, na última terça-feira, o
Diretório Nacional do PT divulgou uma Resolução que reduz a pó a busca de
entendimento sugerida pela presidente no dia 6.
A referida Resolução diz como deve ser a luta pela
hegemonia, que é a supremacia do pensamento partidário sobre a sociedade. Para
viabilizar isso, o partido insiste na sua reforma política, na imposição do
controle social da mídia (agora com o nome bem bolivariano de “Lei da Mídia
Democrática”), e na retomada da criação dos conselhos populares recentemente
barrados pela Câmara dos Deputados. Assim é o petismo.
Sob vários aspectos, o documento é uma resoluta declaração
de guerra. Lá pelas tantas diz assim, referindo-se à campanha recém finda: “A
oposição, encabeçada por Aécio Neves, além de representar o retrocesso
neoliberal, incorreu nas piores práticas políticas: o machismo, o racismo, o
preconceito, o ódio, a intolerância, a nostalgia da ditadura militar”. Não
importa que nada disso tenha acontecido. É da mera afirmação que os resultados
são colhidos. Também assim é o petismo. E, mais adiante: “A oposição,
ressentida, insiste na divisão do país”.
Claro que a nação resulta dividida! É uma divisão feia,
fruto de retórica maligna, como a do vociferante Lula e como a que explodiu na
Resolução mencionada acima. No entanto, se a divisão entre grupos sociais é
indesejável, a divisão para o jogo político se faz necessária. A superação dos
conflitos fantasiosos produzidos pelo marketing da tal hegemonia exige que se
estruture e consolide o antipetismo.
Havendo o petismo, o antipetismo torna-se uma imposição da
racionalidade política. As redes sociais servem à construção de uma oposição,
mas não dispensam a oposição parlamentar, com representatividade, mandato,
tribuna e voto. Por isso, a defesa da democracia clama por unidade
suprapartidária oposicionista, compondo, nos parlamentos, frentes que
restabeleçam o democrático e indispensável papel da oposição.
O fracionamento dos partidos pelo poder de compra do governo
da República precisa ser vencido por uma força política organizada e coesa que
expresse o que metade dos brasileiros manifestou com seus votos e prossegue
reafirmando em sua mobilização nas redes sociais e nas ruas. Que haja, enfim,
governo e oposição atuantes no país. E que nunca mais tenhamos que votar num
sistema no qual poucos ainda insistem em confiar cegamente.
O Diabo veio para ficar
Parece que o diabo resolveu prolongar indefinidamente a sua
estadia, saindo da campanha para instalar-se no mundo real.
Numa campanha eleitoral “a gente faz o diabo”, mas o que não
contaram é que, depois da campanha, já eleitos, o diabo continuaria sendo
feito.
Dois dias depois da apuração o Banco Central aumentou a taxa
Selic, o que tiraria o pão da boca das crianças, segundo a propaganda
eleitoral, os combustíveis aumentaram, a presidente reconheceu que a inflação
que estava “sob controle” na campanha virou um problema no dia seguinte, e
várias outras surpresas que podem ser resumidas assim: todo o saco de maldades
que a oposição executaria se eleita foi aberta pela presidente reeleita.
Ou seja: se reeleito, faça tudo aquilo que você dizia que a
oposição ia fazer. Não descansarei na luta contra a corrupção, dizia a
candidata, mas a base governista da reeleita no parlamento opera os velhos
truques regimentais para que a CPI da Petrobrás morra de senilidade precoce.
Da cartola do mágico saltaram notícias que estavam
represadas para não sobressaltar as urnas: o desmatamento da Amazônia avançou
122% (na campanha a candidata insinuou que estava caindo), a miséria parou de
cair, o desequilíbrio fiscal passou das medidas, as montadoras demitem mil por
mês, e o crescimento do PIB de 2014 aproxima-se vertiginosamente do zero e o
paradoxo do pleno emprego enquanto os gastos com seguro desemprego não param de
crescer indica claramente que falta um parafuso estatístico para dar sentido a
essa equação.
O truque dos truques, porém, estava reservado para alguns
dias mais tarde: se a bola que você chuta contra o gol não entra de jeito
nenhum, trate de aumentar o tamanho das traves, até a bola entrar, o governo
mandou para o Congresso um projeto de lei que o autoriza a descumprir a Lei de
Diretrizes Orçamentárias - LDO - e as metas de superávit primário que ele
mesmo, governo, tinha fixado.
O Ocupe Estelita e a 'nova política'
Na última sexta, uma ação suspendeu a audiência na qual seria apresentado o novo projeto de ocupação do terreno em disputa
Nas últimas eleições, Pernambuco ganhou destaque depois
da morte do ex-governador Eduardo Campos, candidato à presidência substituído
por Marina Silva, ambos supostamente representantes de uma “nova
política”. O Ocupe Estelita, movimento em defesa da ocupação pública de
uma área nas margens do Rio Capibaribe, em Recife, arranhou a imagem de uma
“nova política” associada ao grupo até então liderado por Campos. Como é de
praxe no Brasil de hoje, também no caso Estelita, o poder público pavimenta o
caminho para o privilégio de poucos em vez de defender o direito coletivo à
cidade.
Passadas as eleições, a disputa entre o movimento Ocupe
Estelita e o Consórcio Novo Recife parece se encaminhar para um desfecho.
O caso começou quando uma grande área às margens do Rio Capibaribe foi
arrematada em leilão pelo Consórcio a um preço muito camarada e destinada à
construção de 12 torres de cerca de 40 andares de costas para o bairro de São
José, um dos mais antigos do Recife. O projeto é um caso típico da arquitetura
do medo que vemos se implantar em tantas cidades do Brasil, impermeável em
relação ao entorno e privatista em sua concepção mais profunda.
Desde o início, a aprovação do projeto contou com inúmeras
ilegalidades sustentadas pela Prefeitura, quer através de ação direta, quer
pela simples omissão. Na sexta-feira dia 07 de novembro, uma ação do movimento
Ocupe Estelita conseguiu suspender uma audiência prevista para acontecer no
mesmo dia, na qual seria apresentado o dito novo projeto para ocupação do
terreno em disputa, supostamente redesenhado em função das reivindicações. A
convocação da audiência pela Prefeitura vinha dar um ar de participação
democrática a um processo claramente corrompido pela cumplicidade entre poder
público e o Consórcio Novo Recife, mas desrespeitava os prazos legais e as
exigências mínimas de transparência, como a divulgação antecipada do projeto a
ser discutido.
O caso do Ocupe Estelita diz muito do Brasil de hoje. Em
primeiro lugar, como outros movimentos que lutam pela cidade, ele também está
na vanguarda de uma mobilização social de esquerda, uma vez que canalizou uma
parte daquela insatisfação difusa que alimentou as jornadas de junho para uma
luta muito concreta pela cidade. No Cais José Estelita, o desejo de mudança
encontrou um objeto palpável. Em torno dele, atores sociais antes dispersos se
juntaram. Gente que lutava por moradia popular, pelos direitos LGBT, pelos
trabalhadores do comércio informal, pelos direitos dos animais, mas sobretudo
estudantes com coragem suficiente para permanecerem acampados no local e
profissionais com muito conhecimento especializado em suas áreas de atuação:
urbanistas, jornalistas, designers, advogados...
Indignados com a forma de condução do processo pelo poder
público, plena de ilegalidades, tais atores criaram o grupo Direitos Urbanos
que começou a promover jornadas de atividades culturais no Cais. Até que a
demolição de um dos antigos armazéns de açúcar na calada da noite foi o estopim
para a ocupação do espaço, sobretudo por estudantes que resistiram mais de um
mês antes de serem expulsos violentamente pela polícia.
Enquanto durou a ocupação, o movimento alcançou uma
visibilidade impressionante, muito pela atuação daqueles profissionais e pela
presença de equipes da imprensa estrangeira na cidade durante a Copa. Matérias
foram veiculadas neste mesmo El País, e em jornais e TVs da França, da
Alemanha, da Inglaterra e da Itália. Até a Al Jazeera abriu espaço para o
Estelita, o que virou piada diante do silêncio da mídia local, com raríssimas
exceções.
A barreira foi quebrada de dentro
para fora, a partir da mídia internacional, passando por jornais de São Paulo,
até chegar à mídia local que, impossibilitada de fazer de conta que nada estava
acontecendo, adotou um viés claramente desfavorável ao movimento. Exemplar,
neste sentido, foi a matéria do jornal local da TV Globo sobre a expulsão dos
ocupantes, em que uns poucos cavadores e uma enxada usados para o plantio da
horta comunitária foram apresentados como “armas” em poder dos manifestantes.
Vale lembrar que o Consórcio Novo
Recife comprou amplo espaço publicitário em horário nobre nesta TV e nos principais
veículos locais, de modo que a determinação econômica do conteúdo midiático se
pôs a nu, o que pode ser instrutivo na discussão atual sobre a necessidade de
regular a mídia brasileira de modo a evitar este tipo de censura que já existe
entre nós.
Estará sendo gestada uma oposição pós-moderna?
O Brasil contém hoje muitos Brasis ao mesmo tempo. Nele convivem o atraso e a novidade
No mundo da pós-modernidade, é fundamental saber intuir as
tendências, tão presentes, por exemplo, na moda, no sexo e na arte. E na
política? Poderia parecer um paradoxo, mas o Brasil talvez esteja intuindo um
tipo de oposição inovadora, pós-moderna, diferente das oposições clássicas do
passado.
Não digo que seja melhor ou pior, apenas diferente, e por
isso difícil de entender, como qualquer outra tendência que aflora na
superfície sem que se saiba bem como se estabilizará. E não será uma batalha
fácil.
Mas alguns flashes dessa oposição,
mais pós-moderna que tradicional, já começam a aparecer em comentários na
imprensa e nas redes sociais. O que parece caracterizar esse novo tipo de
oposição é, por exemplo, certo caráter lúdico, plural e festivo.
Como explicar então que o derrotado Aécio Neves, terminadas
as eleições (que foram as mais duras dos últimos tempos e dividiram o país em
dois, com dor e até com rompimentos entre pessoas), pudesse ser recebido em
Brasília, coração do poder político, às portas do Congresso, como um vitorioso
em meio a uma festa popular?
Em sua longa entrevista ao jornal O Globo, Neves,
derrotado nas urnas, declarava-se “de bem com a vida” e demonstrava um tipo de
oposição política diferente do que se via no passado.
Desenhou uma oposição que inclui uma
novidade: será firme, sem adjetivos, mas não raivosa, nem se limitará só aos
políticos no Congresso. Aécio deseja criar um “movimento” que “abrace a
sociedade”
Desenhou uma oposição que inclui uma novidade: será firme,
sem adjetivos, mas não raivosa, nem se limitará só aos políticos no Congresso.
Aécio deseja criar um “movimento” que “abrace a sociedade”. E isso seria novo,
pós-moderno.
Até agora a sociedade (que não deve ser confundida com os
movimentos sociais institucionais) não era chamada pela oposição para opinar.
Se por acaso tal chamado ocorria, era para a ira e a guerra. Era uma oposição
só do contra. Desta vez, o líder do maior partido oposicionista quer que as
pessoas participem da oposição e se sintam suas donas. Não se trata do “quanto
pior, melhor”, nem que tenha como lema, como costuma acontecer nas oposições
tradicionais, “estar contra tudo o que o Governo propuser”.
A oposição que está se formando parece anunciar alguns
traços típicos da pós-modernidade, como o de poder ser plural e, ao mesmo
tempo, real e pontual.
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