sábado, 30 de março de 2019

O sr. Cogito lê o jornal

A primeira página diz
120 soldados mortos

a guerra foi longa
você se acostuma

bem ao lado a notícia
de um crime incrível
e a foto do assassino

o olhar do sr. Cogito
se move indiferente
pela hecatombe de soldados
e mergulha com deleite
no macabro quotidiano

camponês de trinta anos
então maníaco depressivo
matou a própria esposa
e mais duas criancinhas

contam o modo exato
com que foram mortos
a posição dos corpos
e outros detalhes

é inútil tentar achar
120 perdidos num mapa
a distância tão remota
esconde como floresta

não falam à imaginação
há demasiados deles
o zero no fim os transforma
em mera abstração

um tema para refletir:
a aritmética da compaixão.
Zbigniew Herbert

Ditadura, nunca mais"

Digamos que não foi golpe o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart no final de março de 1964. Nem foi ditadura a ditadura que se estabeleceu no país durante os 21 anos seguintes.

Então por que durante esse período foram mortos ou desapareceram pelo menos 423 opositores do regime? Por que 6 mil militares foram punidos? Por que milhares de pessoas foram torturadas?

Por que crianças foram seviciadas na frente dos seus pais para que eles confessassem supostos crimes? Por que algumas delas foram entregues para ser criadas por famílias de militares sem filhos?

Por que censores, designados pelo governo para dar expediente nas redações de jornais e de revistas, proibiram a publicação de notícias que desagradassem o governo?


Por que letras de músicas, filmes, peças de teatro e até novelas de televisão não puderam ser cantadas nem exibidas?

Por que as autoridades proibiram passeatas de protesto, prenderam e espancaram seus líderes? Por que padres católicos estrangeiros foram presos e devolvidos aos seus países de origem?

Por que o Congresso foi cercado por tropas armadas e fechado mais de uma vez? Por que mandatos de parlamentares foram cassados?

Por que foram suspensos os direitos da magistratura, e aposentados os juízes considerados incômodos ao regime?

Por que os direitos civis foram castrados? Por que o governo pôde perseguir e prender quem quisesse independente de ordem judicial? Por que o habeas corpus deixou de valer?

Por que os brasileiros não puderam votar para eleger o presidente da República? Por que cinco generais se sucederam na presidência da República?
Por fim, por que o governo editou uma lei de anistia que beneficiou os políticos cassados, os exilados, os banidos, mas também os militares autores de crimes de sangue?

Se nada disso caracteriza o que universalmente é conhecido como ditadura, o que mais precisaria ter acontecido para que pudéssemos chamar de ditadura a ditadura que existiu no país de 1964 a 1985?

Em parte alguma do mundo os governos celebram aniversários de tempos tenebrosos que se deseja esquecer. Os aniversários só são lembrados – e com justa razão – pelas vítimas da ignomínia.

Por aqui, um aliado dos carrascos, desta vez por meio do voto, chegou ao poder. Ao invés de se ajustar às regras de uma democracia ainda em construção, prefere atentar contra elas.

Com qual objetivo?

No relógio do desempregado, os ponteiros que Bolsonaro atrasa são espadas

Muita gente se pergunta: o que está havendo com Jair Bolsonaro? Ele acaba de ser eleito como solução por 57 milhões de brasileiros. E seu governo virou uma usina de problemas em três meses. Enquanto o presidente desperdiça a sua hora magnificando as crises que ele mesmo cria, cresce o desemprego no país. No final do ano passado, havia 12,2 milhões de brasileiros no olho da rua. Agora, há 13,1 milhões desempregados. Isso é mais do que toda a população de Portugal.


Numa conta que inclui, além dos desempregados, as pessoas que trabalham menos do que gostariam ou simplesmente desistiram de procurar uma ocupação, o flagelo da falta de trabalho atinge 27,9 milhões de pessoas —ou quase três vezes a população de Portugal. Bolsonaro, evidentemente, não é responsável pelo desemprego. Mas ele é culpado pela perda de tempo. Se não sair do lugar, Bolsonaro logo será a cara da crise.

Na economia, a cara do governo deveria ser não o desemprego, mas a prosperidade que o liberalismo do Posto Ipiranga Paulo Guedes seria capaz de prover. A estratégia parecia clara: engolir todos os sapos e aproveitar o impulso das urnas para aprovar rapidamente a reforma da Previdência, que traria um surto de crescimento. A reforma não saiu do lugar. E começou a soar o alarme da impopularidade. A aprovação à gestão Bolsonaro caiu 15 pontos, diz o Ibope.

O principal atributo da ascensão de Bolsonaro, impulsionada pelo antipetismo, foi a ideia de que seria possível romper as expectativas anteriores. Num país traumatizado pela corrupção e pela ruína econômica, vendeu-se a ilusão de que nada seria como antes. Mas o novo governo, já com aparência de pão dormido, não consegue transmitir uma simbologia positiva. Sua marca, por ora, é a confusão. A boa notícia é que Bolsonaro dispõe de tempo. A má notícia é que, para os brasileiros que não conseguem encher a geladeira, o tempo dói. No relógio do desempregado, os ponteiros que Bolsonaro atrasa são espadas.

Brasil, pobreza ludibriada


Bolsonaro já cometeu crimes de responsabilidade; agora, falará a política

Sim, o presidente Jair Bolsonaro já cometeu crimes, no plural, de responsabilidade. Vai cair? Depende dele.

Bolsonaro encerra o seu terceiro mês de mandato, e a pergunta mais frequente que me fazem —e isto nunca aconteceu em tempo tão curto— é a seguinte: "Você acha que ele vai até o fim?" Dado que o presidente e seus valentes escolheram a imprensa como inimiga, as pessoas imaginam que temos a resposta porque esconderíamos uma arma letal contra o "Mito". As coisas mais perigosas que guardo contra Bolsonaro são a Constituição e a lei 1.079.

Há um desânimo evidente em setores da elite que apostaram literalmente num milagre, que é o acontecimento sem causa. Por que diabos, afinal de contas, ele faria um bom governo ou encaminharia soluções institucionais? Em que momento de sua trajetória política ele se mostrou reverente à lei e à ordem? Nem quando era militar, ora bolas! Vejam lá: o fiscal que o multou porque pescava em área ilegal foi exonerado do cargo de confiança que ocupava no Ibama. Ainda volto a ele.

Para responder se Bolsonaro conclui ou não o seu mandato, terei de voltar a Dilma Rousseff. Sim, ela pedalou, cometeu crime de responsabilidade, segundo os termos da lei 1.079. Sempre cabe a pergunta: "Mas ela pedalou muito?" Não, gente! Seu governo destruiu as contas públicas em razão de obtusidades várias, que não vêm ao caso agora, mas a pedalada propriamente foi coisa pouca, nada que a sociedade brasileira não pudesse ignorar se a economia estivesse em crescimento, os juros e a inflação em níveis civilizados, as contas públicas em ordem —hipótese, então, em que a presidente não teria passeado imprudentemente de bicicleta...

O impeachment por crime de responsabilidade tem como condição necessária uma agressão à ordem legal —uma motivação, pois, de feição jurídica—, mas só se realiza se estiver dada a condição suficiente, que é a política. Não por acaso, seu primeiro passo é a admissão da denúncia, em decisão monocrática, pelo presidente da Câmara. E toda a tramitação segue sendo de natureza... política! Os senadores, que atuam excepcionalmente como juízes, também são políticos.

Um presidente não é apeado por crime de responsabilidade, no Brasil, se contar com pelo menos um terço dos deputados ou dos senadores. Nota: a reforma da Previdência era seu grande ativo, e ele está se encarregando de implodi-la.


É claro que Bolsonaro brinca com fogo. Cometeu crime de responsabilidade, diz a lei, quando agrediu o decoro e propagou um filminho pornô. Vá lá. A coisa ganhou um tom até meio apalhaçado como consequência da estupefação geral. Mas ele se mostra insaciável nos seus três meses. A ordem para "comemorar" o golpe militar de 1964 —e o verbo foi empregado pelo porta-voz— e sua visita à CIA, onde, confessadamente, tratou da crise na Venezuela, agridem, respectivamente, os valores contidos nos Artigos 1º e 4º da Constituição.

A mesma lei 1.079 que depôs Dilma Rousseff considera, no item 3 do artigo 5º, ser "crime de responsabilidade contra a existência da União cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade". O artigo 7º aponta como "crimes de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais" as seguintes práticas: "7 - incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina" e "8 - provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis". O mesmo artigo, no item 5, dispõe a respeito da destituição do fiscal do Ibama, ato do ministro Ricardo Salles: é crime de responsabilidade "servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua".

"Não exagere, Reinaldo!" Bem, digam isso a Bolsonaro. Os crimes estão cometidos, e não seria difícil prová-los. Ou alguém manda comemorar golpe de Estado para enviar um recado aos próceres de 1964? Obviamente, a agressão se dá à ordem constitucional de 2019.

"Então ele vai cair?" Depende dele. Se continuar a fazer bobagem e se perder as condições políticas de governar, hoje precárias, cai, sim! Os crimes de responsabilidade já foram cometidos. Por si, não derrubam ninguém. Associados à crise política aguda, tem-se a combinação letal.

As pedaladas institucionais de Bolsonaro já são maiores do que as pedaladas fiscais de Dilma. O que ele fizer na política, agora, vai determinar o resto.
Reinaldo Azevedo

Acreditar

Então, de repente, depois de mais de semana de estupidez, de agressões à democracia representativa, de afrontas ao interesse nacional: temos a paz.

Como não pensar em milagre?

Depois de dias e dias em que o presidente da República e o presidente da Câmara, numa peleja de rara irresponsabilidade, trocaram investimentos na miséria institucional, no desequilíbrio entre poderes da República, na crispação de uma agenda reformista, então, de súbito: temos a paz.

Oh!

Depois de o chefe do Executivo haver dado vazão à sua profunda incompreensão acerca do que seja atividade política, desqualificando mesmo o Parlamento de que fez parte longamente, apregoado – com larga repercussão nas milícias digitais do bolsonarismo – o Congresso como lugar de chantagistas, e de o comandante de uma das casas do Legislativo ter simplesmente respondido que o presidente da República deveria parar de brincar, sair de rede social e enfim trabalhar, ora, ora, eis o que temos, de um dia para o outro: a paz.

Quem acredita nisso?

Quem acredita no armistício – no encaixe no trilho virtuoso das relações institucionais – a partir de um governo em cuja essência está a guerra, o conflito, a beligerância, a necessidade fundamental (a que mantém mobilizada a tropa) de ter sempre inimigos?

Quem acredita na capacidade de pacificação – aquela duradoura, com corpo para liderar, para mitigar crises, para convencer e conquistar, aquela que planta condições para voos que não de galinha – de um governo cuja mentalidade revolucionária o faz operar como oposição?

Quem acredita na durabilidade dessa paz se a fé que governa é a do confronto?

Essa é natureza de uma variável que – para além da pobreza política do Planalto e do que poderá ainda armar o ativismo corporativo de quem acusa e condena – precisa ser considerada por quem calcula a linha de chegada da reforma da Previdência.

Porque a questão não é se será ou não aprovada. Alguma será. Há consenso para tanto ainda que governo não houvesse. Alguma será. Mas qual? E a ser recebida como? Não nos surpreendamos se for festejada qualquer que seja. A incompetência, com seu caráter rebaixador, não raro cria condições para que se celebre o pouco como dádiva. Nós nos ajustamos. Para quem viu a zorra e vislumbrou o nada, dois ou três anos de fôlego é tanto voo de galinha quanto… voo. Ganha-se dinheiro. Empurra-se adiante.

Nós nos ajustamos porque cínicos. Se o voo for esse mesmo, reforma deformada mas com autonomia para alguns aninhos (aquilo desejado por Bolsonaro), reelege-se o presidente ou se unge um escolhido. Que seja. Teremos poupado para que os governantes nos gastem. No Brasil: é assim.

A pergunta que deve ser feita, porém, é anterior – com sorte projetada para o final deste ano: qual a agenda para depois de aprovada a Previdência? Qual o projeto?

Qual a ideia? Ou não precisa de ideia? Somos cínicos assim – admitamos: aprovado o voo de galinha, de repente alguma tração na economia, não reclamaremos de a molecada se encher de pirulitos para brincar no parquinho ideológico.

Velhos e conhecidos chavões

Gostaria muito que toda a sociedade tivesse a disponibilidade e o patriotismo de prostrar-se diante da bandeira ao menos uma vez por semana para caracterizar, por meio desse gesto, o seu apreço à soberania que essa bandeira representa e a importância de nós termos uma sociedade democrática e livre
General Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência da República

Estatais que Guedes sonha priatizar tiveram lucro recorde em 2018: R$ 71,3 bilhões

A grande imprensa não dá destaque a esse tipo de matéria, porque a mídia está hoje a serviço do mercado financeiro, que tem total interesse em uma nova leva de privatizações. Combinadas, as três maiores estatais de capital aberto do Brasil – Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil – registraram lucro líquido de R$ 51,9 bilhões em 2018.

Esse total, segundo levantamento feito pela Economatica com base em dados da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), é o maior já anotado pelo grupo de estatais. Com os resultados da Caixa Econômica (R$ 12,7 bilhões) e do BNDES (R$ 6,7 bilhões), o lucro do grupo em 2018 chega a R$ 71,3 bilhões.


Reportagem do jornal “Brasil Econômico” destaca a importância se de as três estatais terem obtidos resultados positivos no ano passado. “A última vez que Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil terminaram o ano no azul foi em 2011, quando o lucro líquido das empresas somou R$ 49,1 bilhões. O pior: de 2014 a 2017, o balanço consolidado do grupo resultou em prejuízo”, diz a matéria.

“No ano passado, a petroleira registrou lucro de quase R$ 25,8 bilhões, o maior entre todas as empresas de capital aberto da América Latina. Só as receitas da Petrobras somaram R$ 349,8 bilhões no período, uma alta de 23% ante 2017. Foi o primeiro resultado positivo da estatal após quatro anos seguidos de perdas”, diz a importante matéria.

Outro detalhe importante: a Eletrobras – que o ministro Paulo Guedes quer vender de qualquer maneira, mas a cúpula militar está resistindo – terminou 2018 com um saldo positivo de R$ 13,3 bilhões, uma recuperação impressionante, porque em 2017 dera prejuízo de R$ 1,73 bilhões. Só no quarto trimestre, segundo a empresa, o resultado foi positivo em R$ 12 bilhões. O desempenho foi o melhor dos últimos 20 anos.

“Bem próximo à Eletrobras, o Banco do Brasil fechou o ano passado com lucro de R$ 12,8 bilhões, de acordo com a CVM. Entre os quatro bancos brasileiros que registraram os melhores resultados da América Latina, a instituição financeira está em terceiro lugar, à frente de Santander Brasil e atrás de Itaú e Bradesco”, diz o Brasil Econômico.

Na última quarta-feira, dia 27, o valor de mercado de Petrobras, Eletrobras e Banco do Brasil somava R$ 554,9 bilhões, um recorde histórico. A petroleira, responsável por 68,4% desse montante, fechou o dia valendo R$ 379,8 bilhões. As outras duas, por sua vez, estavam em R$ 45,9 bilhões (8,3%) e R$ 129,2 bilhões (23,3%), respectivamente.

“Entre todas as estatais , o valor de mercado da Petrobras impressiona por superar até mesmo os números de grandes empresas privadas. O valor da mineradora Vale, por exemplo, avaliada em R$ 259 bilhões antes da tragédia de Brumadinho, corresponde a pouco mais de dois terços do valor da petroleira”, assinala a impressionante reportagem.