sábado, 30 de março de 2019

Acreditar

Então, de repente, depois de mais de semana de estupidez, de agressões à democracia representativa, de afrontas ao interesse nacional: temos a paz.

Como não pensar em milagre?

Depois de dias e dias em que o presidente da República e o presidente da Câmara, numa peleja de rara irresponsabilidade, trocaram investimentos na miséria institucional, no desequilíbrio entre poderes da República, na crispação de uma agenda reformista, então, de súbito: temos a paz.

Oh!

Depois de o chefe do Executivo haver dado vazão à sua profunda incompreensão acerca do que seja atividade política, desqualificando mesmo o Parlamento de que fez parte longamente, apregoado – com larga repercussão nas milícias digitais do bolsonarismo – o Congresso como lugar de chantagistas, e de o comandante de uma das casas do Legislativo ter simplesmente respondido que o presidente da República deveria parar de brincar, sair de rede social e enfim trabalhar, ora, ora, eis o que temos, de um dia para o outro: a paz.

Quem acredita nisso?

Quem acredita no armistício – no encaixe no trilho virtuoso das relações institucionais – a partir de um governo em cuja essência está a guerra, o conflito, a beligerância, a necessidade fundamental (a que mantém mobilizada a tropa) de ter sempre inimigos?

Quem acredita na capacidade de pacificação – aquela duradoura, com corpo para liderar, para mitigar crises, para convencer e conquistar, aquela que planta condições para voos que não de galinha – de um governo cuja mentalidade revolucionária o faz operar como oposição?

Quem acredita na durabilidade dessa paz se a fé que governa é a do confronto?

Essa é natureza de uma variável que – para além da pobreza política do Planalto e do que poderá ainda armar o ativismo corporativo de quem acusa e condena – precisa ser considerada por quem calcula a linha de chegada da reforma da Previdência.

Porque a questão não é se será ou não aprovada. Alguma será. Há consenso para tanto ainda que governo não houvesse. Alguma será. Mas qual? E a ser recebida como? Não nos surpreendamos se for festejada qualquer que seja. A incompetência, com seu caráter rebaixador, não raro cria condições para que se celebre o pouco como dádiva. Nós nos ajustamos. Para quem viu a zorra e vislumbrou o nada, dois ou três anos de fôlego é tanto voo de galinha quanto… voo. Ganha-se dinheiro. Empurra-se adiante.

Nós nos ajustamos porque cínicos. Se o voo for esse mesmo, reforma deformada mas com autonomia para alguns aninhos (aquilo desejado por Bolsonaro), reelege-se o presidente ou se unge um escolhido. Que seja. Teremos poupado para que os governantes nos gastem. No Brasil: é assim.

A pergunta que deve ser feita, porém, é anterior – com sorte projetada para o final deste ano: qual a agenda para depois de aprovada a Previdência? Qual o projeto?

Qual a ideia? Ou não precisa de ideia? Somos cínicos assim – admitamos: aprovado o voo de galinha, de repente alguma tração na economia, não reclamaremos de a molecada se encher de pirulitos para brincar no parquinho ideológico.

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