segunda-feira, 24 de junho de 2019

Paisagem brasileira

Ouro Preto (MG), Rodolfo Weigel

Evolução

Se você não quiser que se construa uma casa, esconda os pregos e a madeira. Se não quiser um homem politicamente infeliz, não lhe dê os dois lados de uma questão para resolver; dê-lhe apenas um. Melhor ainda, não lhe dê nenhum. Deixe que ele se esqueça de que há uma coisa como a guerra. Se o governo é ineficiente, despótico e ávido por impostos, melhor que ele seja tudo isso do que as pessoas se preocuparem com isso. Paz, Montag. Promova concursos em que vençam as pessoas que se lembrarem da letra das canções mais populares ou dos nomes das capitais dos estados ou de quanto foi a safra de milho do ano anterior. Encha as pessoas com dados incombustíveis, entupa-as tanto com "fatos" que elas se sintam empanzinadas, mas absolutamente "brilhantes" quanto a informações. Assim, elas imaginarão que estão pensando, terão uma sensação de movimento sem sair do lugar. E ficarão felizes, porque fatos dessa ordem não mudam. Não as coloque em terreno movediço, como filosofia ou sociologia, com que comparar suas experiências. Aí reside a melancolia. Todo homem capaz de desmontar um telão de tevê e montá-lo novamente, e a maioria consegue, hoje em dia, está mais feliz do que qualquer homem que tenta usar a régua de cálculo, medir e comparar o universo, que simplesmente não será medido ou comparado sem que o homem se sinta bestial e solitário.
Ray Bradbury "Fahrenheit 451"

O verdadeiro conflito do Brasil

No Salão Tiradentes lotado, em Araxá, no Festival Literário, o escritor angolano José Eduardo Agualusa, numa mesa sobre democracia e literatura, falou que no exterior se tem uma noção mais clara do que acontece no Brasil. “Não acho que aqui seja uma questão entre esquerda e direita, não acho mesmo. Aqui é uma luta entre inteligência e estupidez, entre civilização e barbárie”. Há momentos decisivos na vida de qualquer povo, em que é isso que se coloca, como lembrou a historiadora Heloisa Starling logo depois, citando Hannah Arendt, leitura indicada para esse tempo do Brasil.

Há valores que são universais e a eles é que devemos deferência e não à cada vez mais enganosa fronteira entre direita e esquerda. O esforço é para manter conquistas, que dávamos como garantidas, como a autonomia da mulher, o respeito à orientação sexual, o combate ao racismo, a proteção do meio ambiente, a defesa dos povos indígenas. Por sobre esse pacto básico civilizatório, podem ser explicitadas diferenças sobre questões em que grupos políticos tenham visões diferentes. O problema no Brasil atual é que a clivagem começa a ser sobre os valores universais.


Entregar a demarcação de terras indígenas ao Ministério da Agricultura é acirrar um conflito de terras, fortalecendo o lado mais forte. Entre os próprios produtores há os que discordam da mudança. O avanço sobre terras indígenas se dá através de grileiros que invadem, derrubam, colocam gado, vendem a terra e o comprador a passa adiante. Em determinado momento, o suposto proprietário da terra pública dirá que aquela área estava já consolidada quando a comprou e que o erro está no limite da demarcação. E de pedaço em pedaço vão sendo reduzidos os territórios protegidos, seja terra indígena, seja outro tipo de área de conservação. O Estado só pode entrar aí se for com o olhar mais neutro possível. Não pode armar e fortalecer o grupo agressor. Quem conhece o agronegócio sabe que nenhuma generalização é possível, porque os que realmente estão produzindo e exportando entendem que esse e outros sinais dados atualmente no Brasil, de desprezo aos direitos humanos e à biodiversidade, colocam seus negócios em risco.

A defesa dos direitos da mulher está exatamente nessa clivagem entre inteligência e estupidez, entre civilização e barbárie. Desde a primeira onda feminista, as sufragistas no começo do século XX, até a quarta onda comandada pelas jovens mulheres de hoje, o mundo vem avançando neste tema espinhoso, como me explicou em entrevista esta semana a escritora Heloisa Buarque de Hollanda. No Brasil atual, o poder retrocedeu ao ponto em que uma ministra defende a “submissão da mulher” com argumentos religiosos, e os diplomatas brasileiros se recusam a apoiar um documento da ONU porque em determinado trecho ele defende o direito à “saúde reprodutiva da mulher”. Esse retrocesso fundamentalista no Brasil é a estupidez. A inteligência está do lado em que sempre esteve: em considerar que é preciso continuar a longa luta por igualdade entre homens e mulheres em todas as áreas, seja no mercado de trabalho, seja dentro das famílias. A igualdade sempre será um norte civilizatório. A defesa de uma hierarquia entre pessoas, determinada pelo gênero, é a barbárie da qual temos nos distanciado ao longo de toda a luta feminista.

O Supremo acaba de dar um passo civilizatório ao criminalizar a homofobia. Algumas vozes se levantaram contra isso com ideias esdrúxulas de que isso ameaça a liberdade religiosa ou que vai ser prejudicial aos próprios homoafetivos no mercado de trabalho. De novo aqui se aplica a definição de Agualusa. Não é o conflito entre direita e esquerda que se coloca nesta questão. É simplesmente estúpido e bárbaro aceitar o ódio contra pessoas por não serem heterossexuais.

Heloisa Starling trouxe para Araxá um ônibus que abre e se transforma num centro de exposição com a mostra “Conflitos”. Nos primeiros dois dias, mil e duzentas crianças e adolescentes já haviam ido para ver a coleção de fotos e filmes que exibe a violência de alguns conflitos brasileiros, como Canudos ou a Guerra do Contestado. Esse é o momento de entender o que nos une, nos separa, nos identifica e nos trouxe até aqui. Antes que nos acostumemos à banalidade do mal.

Pensamento do Dia


O ambientalista simplório

O ambientalista simplório quer acabar com os combustíveis fósseis. Quer energia limpa, sem emissões de gases com efeito de estufa. Mas não quer barragens, porque as barragens destroem ecossistemas. Não quer eólicas, porque as "ventoinhas" estragam paisagens e perturbam os animais. Não quer energia nuclear, porque produz lixo radioativo.

O ambientalista simplório quer florestas, porque precisamos de árvores para absorver dióxido de carbono da atmosfera. Mas quer escolher as árvores. Não quer eucaliptos, não quer floresta de produção. Quer a floresta do Capuchinho Vermelho, porque sempre viveu na cidade e julga que as florestas são assim. Quer dizer a cada proprietário o que pode plantar e ainda obrigá-lo a tratar do terreno, num serviço gratuito, abnegado, para benefício da "sociedade".


O ambientalista simplório grita "oiçam os cientistas", quando os cientistas lhe dizem o que ele quer ouvir. "Oiçam os cientistas: estamos a destruir o planeta com as alterações climáticas." Mas, quando os mesmos cientistas dizem que "os transgénicos não fazem mal nenhum e podem ser uma mais-valia para o ambiente e para a humanidade", o ambientalista simplório berra: "Os cientistas estão a soldo das multinacionais.”

O ambientalista simplório quer agricultura biológica, porque não gosta de "químicos". Mas esquece-se de que tudo são químicos, do oxigénio que respira ao sulfato de cobre usado, tal como centenas de outros produtos "naturais", na agricultura biológica. Esquece-se de que a agricultura biológica precisa de mais espaço, valioso espaço, para produzir a mesma quantidade que a agricultura convencional, e que esse espaço terá de ser ganho à custa da desflorestação.

O ambientalista simplório quer que toda a gente se torne vegetariana, ou vegan, e acabar com a produção animal. Mas ignora que sem produção animal todo o fertilizante usado para cultivar os seus vegetais terá de ser artificial, e "ai, Deus nos livre dos químicos".

O ambientalista simplório quer acabar com os jardins zoológicos, porque, não, os animais não podem estar em cativeiro, fechados a vida toda num espaço limitado. Mas abre uma exceção para gatos e cães (e coelhos, vá), menos animais do que os outros. Esses podem viver quase desde que nascem até ao dia em que morrem trancados num apartamento de 50 metros quadrados, que é para o bem deles.

O ambientalista simplório é contra o desperdício alimentar. Mas não quer conservantes na comida nem delícias do mar nem nada que seja feito com restos de comida.

O ambientalista simplório só cozinha com azeite, essa oitava maravilha para a saúde. Mas vocifera contra os olivais intensivos no Alentejo. Produzir azeite em grande quantidade é a única forma de lhe baixar o preço e torná-lo acessível a todos? Os pobres que comam bolos.

O ambientalista simplório chora a morte de cada rinoceronte e tigre. Mas defende com unhas e dentes a medicina tradicional chinesa que está por trás da perseguição a rinocerontes e tigres, para fazer pós milagrosos com os seus cornos e ossos - porque as medicinas alternativas são naturais e, lá está, o que é natural é bom (desde que não seja sal, cogumelos venenosos, arsénio, amianto, mercúrio, antraz, urtigas, malária, raios ultravioletas, etc, etc, etc).

O ambientalista simplório faz campanhas para que se coma "fruta feia", julgando que os agricultores mandam para o lixo tomates e maçãs que não interessam aos supermercados. Mas ignora que esses tomates e essas maçãs disformes se transformam em ketchup, sumos e outros produtos, que obviamente não são feitos com vegetais e fruta topo de gama.

O ambientalista simplório quer comer peixe. Mas não pode ser capturado no mar, porque a pesca não é sustentável, e não pode ser de aquacultura, porque tem antibióticos, e garantidamente não pode ser geneticamente modificado, porque viu um desconhecido no YouTube que dizia não sabe o quê, já não se lembra bem.

O ambientalista simplório quer que haja mais carros elétricos nas estradas. Mas é contra a prospeção de lítio, essa insustentável fonte de poluição do ar, dos solos, das águas, e escreve-o nas redes sociais, teclando furiosamente no seu telemóvel com bateria de lítio.

Contra o ódio

Que pena que o Brasil tenha entrado na máquina do tempo e caído na Idade Média. Azar nosso ou nossa culpa. O mundo não acaba em Brasília. Há vida inteligente no planeta.


A onda conservadora que se espalha pelo mundo foi barrada pelo inesperado avanço dos Verdes nas eleições para o Parlamento Europeu. O que já se anunciava na revolta dos jovens que mundo afora entraram em greve atendendo ao chamado de Greta Thunberg. Esses jovens que desprezavam os partidos e as eleições foram às urnas defender o Acordo de Paris e denunciar a inércia dos governos em enfrentar a mudança climática, aquela que, segundo Bolsonaro, não existe. Por aqui pouco se deu atenção a esse acontecimento, mergulhados que estamos em uma cultura do ódio mútuo e do insulto como argumento.

Há dias uma greve de mulheres paralisou e ao mesmo tempo pôs em movimento a Suíça, esse país onde supostamente não acontece nada mas que evolui sempre na direção do que é civilizado. Multidões desfilaram em grandes e pequenas cidades pedindo a concretização da igualdade. Nos jornais, as colunas assinadas por mulheres ficaram em branco. As parlamentares de todos os partidos, exceto da extrema direita, se levantaram de suas cadeiras e caíram na passeata. Meninos, eu vi!

O que esses movimentos têm a ver um com o outro? Tudo. Essas passeatas floridas, pacíficas, pedem uma mudança profunda de sociedade. Denominador comum, longe de partidos políticos e, sobretudo, longe da clivagem esquerda/direita, as sociedades europeias se movem em torno das questões ambientais e dos direitos das mulheres, temas que aqui são declarados malditos, como convém ao obscurantismo que se abate sobre nós.

No centro das causas contemporâneas está a preocupação com o cotidiano, a qualidade de vida que afeta a todos e as relações humanas que não são de direita ou de esquerda, são de respeito ou de violência.

Vale a pena pensar sobre isso em um país em que o feminicídio e o estupro são banais. Se houver espaço nos espíritos sobrecarregados pelo ódio.
Rosiska Darcy de Oliveira

Gente fora do mapa

Processamento de café em  Sierra Nevada de
Santa Marta (Colômbia), Sebastião Salgado 

Retrofit presidencial

No dia da posse de Donald Trump como 45º presidente dos Estados Unidos um fato passou despercebido até mesmo de seus seguidores. Enquanto o inflamado discurso inaugural do novo mandatário ainda ecoava pelo mundo, e sua teatral assinatura alfa-macho disparava decretos em série para a TV, Trump encaminhara um documento burocrático à Comissão Eleitoral dos Estados Unidos — sua inscrição formal como candidato à reeleição em 2020. Ou seja, iniciou a campanha poucas horas após desfazer as malas na Casa Branca naquela sexta-feira 20 de janeiro de 2017.

Como os tempos ainda eram de choque global, poucos conseguiram olhar para além daquele dia. Como pensar em reeleição num início de mandato delirante, em que o Salão Oval fora transformado em reality show e em que a capacidade do presidente para se manter no poder era constantemente submetida a solavancos autocriados?

Só Trump manteve o foco fechado em 2020. Nunca parou de ser candidato. À alta rotatividade de demissões e crises de governança, sua máquina reeleitoral jamais emperrou: aos comícios da campanha de 2016 sucedeu-se um retrofit batizado de “turnê da vitória”.

Desde a posse, Trump compareceu a mais de 60 megaeventos em estados-chave para turbinar seu eleitorado de raiz.

O primeiro deles foi na Flórida, 29 dias após a posse. O da última terça-feira, para o lançamento “oficial” da candidatura, também. Nada acidental. É o sétimo comício de Trump no estado que em 2016 lhe deu 29 dos 270 votos necessários para ser eleito pelo colégio eleitoral, mas com vantagem de apenas 1% sobre a adversária Hillary Clinton .

Trump não foi o único presidente a dar rasante no sempre escorregadio terreno da reeleição. Também esta semana, aproveitando o desarmamento noticioso do feriadão de Corpus Christi e talvez animado pela arrancada do seu ídolo, Jair Bolsonaro achou que era hora de sair do casulo. Estava no seu 170º dia no poder. “Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar”, declarara dois meses atrás. O mandato de presidente do Brasil deve proibir a reeleição, prometera em discurso de campanha antes do segundo turno.

Saudado na capital paulista como Mito pela multidão evangélica da Marcha para Jesus, os 3 anos e 194 dias que lhe restam à frente do poder podem ter parecido pouco. “Se tiver uma boa reforma política, eu posso até jogar fora a possibilidade de reeleição. Agora, se não tiver e se o povo quiser, estamos aí para continuar por mais quatro anos”, anunciou. É muito “se” para um mesmo parágrafo. Horas antes, em discurso de improviso durante visita à mãe no interior paulista, já havia saudado os moradores com um “Lá na frente todos votarão em mim”.

Tudo isso são conjeturas em terreno mais do que movediço e minado. Nos Estados Unidos, Trump não tem concorrentes, sequer tem pretendentes a concorrente dentro do Partido Republicano. Em 2016 ele dizimara o elenco dos 16 colegas republicanos de partido que disputavam com ele a nomeação. Hoje ele só tem um adversário potencialmente forte: ele mesmo. Do lado Democrata, a disputa pela chance de derrotá-lo está tão pulverizada que a rede NBC teve de dividir os contendores em duas noitadas para o primeiro debate televisivo, agendado para a próxima semana: 10 candidatos no dia 26, os outros 10 na noite seguinte.

Para Bolsonaro, que ainda se beneficia do choque de realidade a imobilizar a oposição de esquerda, o momento já é de competição intestina ou próxima. Por enquanto o presidente e João Doria medem forças amigavelmente em flexões de braço, com o governador de São Paulo saltitante, e Bolsonaro arfante. Neste quesito adolescente outros já se exercitam em privado para poder brilhar em público em 2022, como o governador Wilson Witzel e, numa categoria à parte, o juiz marombado Marcelo Bretas, da Lava-Jato do Rio.

Uma mesma pergunta sobre Trump e Bolsonaro intriga analistas políticos e exigirá tempo até ser desvendada por historiadores: independente da (des)qualificação para o cargo e das crises acumuladas até agora, são eles presidentes calculistas nos erros e acertos, ou improvisadores no poder? Difícil dizer qual seria a resposta mais inquietante.

Mudanças climáticas ameaçam turismo na Espanha

O economista britânico Nicholas Stern afirmou no início deste ano que não há dúvida de que, se a temperatura subir além dos limites estabelecidos no Acordo de Paris, a Espanha corre o risco de se transformar num deserto semelhante ao Saara.

Enquanto a ativista climática Greta Thunberg consegue mobilizar a juventude da Espanha, muitos se perguntam se os políticos espanhóis realmente perceberam a importância da proteção ambiental e das energias renováveis para a nação do sul da Europa.

Na recente reunião do EuroMed-7, grupo que reúne sete países mediterrâneos membros da União Europeia (UE), o chefe do governo espanhol Pedro Sánchez disse que sua nação deve tomar a liderança da proteção climática na Europa, indicando que a elevação das temperaturas e ventos fortes já estariam causando impacto na mais estável fonte de renda da Espanha – o turismo.

O turismo ainda garante a maior parte dos empregos na Espanha, um país que sofre tradicionalmente com o alto desemprego estrutural. Para o governo, está claro que o setor de turismo deve ser apoiado de qualquer maneira.

Isso explica a presença de Sánchez na conferência de proteção climática Change the Change (Mude a mudança), em San Sebastián, no início deste ano, para apoiar a reivindicação de acelerar as medidas de proteção do clima. "Temos que levar a sério nossas metas climáticas", disse Sánchez, que aspira liderar a campanha europeia.

O premiê espanhol planeja apresentar o nome de Teresa Ribera, sua ministra do Meio Ambiente e Energia, para o cargo de vice-presidente da Comissão Europeia. Luis Merino, do periódico Energias Renovables, a elogiou recentemente por revogar um imposto sobre painéis solares, afirmando que ela preparou o terreno para uma nova política energética no país.

Atualmente, a Espanha ainda precisa importar 40 bilhões de euros (cerca de 174 bilhões de reais) em gás e petróleo anualmente, principalmente da Argélia e da Arábia Saudita. O país poderia economizar pelo menos parte desse dinheiro, ampliando o uso de energia solar.

A Espanha possui 3 mil horas de sol por ano e dispõe de muitas áreas não utilizadas onde fazendas solares podem ser construídas, apontou José Carlos Díez, da Universidade de Alcala, perto de Madri.

"Produzimos 1 megawatt de eletricidade solar por 30 euros – na Alemanha e na França, pagam-se 40 euros pelo mesma quantidade; no Reino Unido, até 60 euros", disse Díez.

Os custos energéticos também são cruciais para o setor de turismo, que é um dos maiores consumidores de energia e responde por 15% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Nesse contexto, a aviação comercial e o setor de cruzeiros se tornaram alvo de críticas de grupos ambientalistas.

Tais grupos também criticaram o alto consumo de água nos hotéis e nos campos de golfe. O tratamento da água também foi identificado como um grande problema. Em locais turísticos como a ilha de Maiorca, Ilhas Canárias ou Benidorm, ela precisa passar por um complexo tratamento até chegar às torneiras.

Muita energia é consumida nas aproximadamente 750 usinas de dessalinização, que bombeiam o sal de volta ao oceano, mudando assim a paisagem subaquática perto das costas.

O processo de retirada do excesso de sal, que vem sendo aplicado na Espanha desde 1964, abriu o caminho para o turismo de massa. Hoje, o país do sul europeu só está atrás da Arábia Saudita, EUA e os Emirados Árabes Unidos em termos de quantidade de água dessalinizada, de acordo com o grupo industrial espanhol Aedyr.

Essa água é usada na agricultura e em muitos campos de golfe, que podem ser vistos em partes secas do sul do país.

A Espanha não é apenas um polo turístico, mas um dos maiores exportadores mundiais de produtos agrícolas. Os agricultores também atraíram a ira dos ambientalistas, que os criticam por desperdiçarem muita água, usarem pesticidas e danificarem o solo por meio de sistemas de cultivo duvidosos, segundo explicou o engenheiro industrial madrileno Rafael Alvarez.

Alvarez também afirmou que o aumento do nível do mar é um grande problema para a Espanha. Ele disse estar convencido de que nos próximos anos muitas praias e campos serão inundados. Em todo o país, há uma crescente erosão do solo ao longo de milhares de quilômetros de costa.

Iñigo Losada, diretor de pesquisa do Instituto de Hidráulica Ambiental da Cantábria, advertiu que os proprietários de casas de veraneio e cadeias de hotéis vão sentir o aperto. O mergulho ficará menos atraente para os turistas, se os recifes de coral desaparecerem, argumentou Losada, e o perigo de áreas costeiras serem inundadas também não ajuda o turismo.

Os principais grupos turísticos espanhóis, como Meliá, Barceló, Iberostar e Riu estão se preparando para o pior. Meliá já questionou sobre como os hotéis nas regiões afetadas podem obter pacotes de seguro adequados.

Losada explicou que os proprietários de casas de veraneio na Espanha deveriam fazer o mesmo. "Não tenho como saber se vamos conseguir impedir a mudança climática", advertiu, apontando que, em sua opinião, algumas pessoas já deveriam se deslocar para um local seguro.

"Mas ninguém quer falar sobre essas coisas", disse Tim Wirth, um advogado imobiliário, que também trabalha em Maiorca. "Porque eles temem que isso possa levar as pessoas a entrarem em pânico."
Deutsche Welle

Bolsonaro testa os limites da lei e ajuda quem os viola

Jair Bolsonaro se queixou, no sábado 22, de que “o Legislativo, cada vez mais, passa a ter superpoderes” e que, assim, o presidente da República vira uma rainha da Inglaterra – ou seja, tem o trono, mas não manda no país. Durante 28 anos (1991 a 2018), Bolsonaro integrou o Legislativo como deputado federal.

A reclamação nasceu de um caso em que, por não ter entendido a decisão ou não ter desejado entender, ele se enganou. Parlamentares não passarão a nomear pessoas para as agências reguladoras, e sim preparar uma lista tríplice, que será submetida ao presidente.


Arroubos contra o Congresso e contra o Judiciário têm sido frequentes nestes seis meses de governo Bolsonaro. A manifestação em seu apoio – e com o seu incentivo – que aconteceu nas ruas em 26 de maio teve em deputados e ministros do Supremo Tribunal Federal os alvos principais.

Limites legais, inerentes a uma democracia, incomodam Bolsonaro, um entusiasta da ditadura que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. Em janeiro, ele assinou Medida Provisória transferindo da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Agricultura a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas. Em maio, a Câmara dos Deputados derrubou a decisão e devolveu a missão à Funai. Na quarta 19, o presidente editou nova medida determinando a transferência para a Agricultura. A manobra é inconstitucional, pois não é permitido reeditar MP numa mesma legislatura (a atual já decidiu sobre a questão).

“Quem demarca terra indígena sou eu, não é ministro. Quem manda sou eu nessa questão”, irritou-se ele na quinta 20. Ele estaria certo se vivêssemos sob um regime que despreza regras democráticas, como, por exemplo, o da Venezuela.

Valendo-se apenas da própria caneta, Bolsonaro facilitou a posse e o porte de armas de fogo. Juristas e parlamentares apontaram inconstitucionalidades nas decisões, pois decretos não podem alterar leis – no caso, o Estatuto do Desarmamento. Na terça 18, o Senado derrubou os decretos. A pauta agora segue para a Câmara. Mas Bolsonaro já disse que vai determinar à Polícia Federal que não dificulte o acesso às armas para quem pedir. Não aceita regras que não sejam as desejadas por ele.

O “pacote anticrime” do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, prevê o “excludente de ilicitude”. Na prática, agentes teriam respaldo jurídico para matar durante supostos confrontos. Como o pacote não avança no Congresso e esse item dificilmente passará, Bolsonaro pretende enviar projeto de lei tratando apenas do “excludente de ilicitude”. Separando-o do pacotão, pode ficar mais fácil animar a bancada da bala e a militância belicista para pressionar deputados e senadores.

Em 10 de maio, Bolsonaro afirmou sobre os decretos das armas: “Estamos dentro do limite da lei. Se for inconstitucional, tem que deixar de existir”. A frase mostra o seu jeito de governar: desafia os limites da lei e adota a tática do “se colar, colou”.

A tática é ardilosa porque pode dar numa falsa derrota – ou seja, numa vitória, ainda que parcial. Testam-se as fronteiras inconstitucionais, o Legislativo e o Judiciário reagem (embora nem sempre), joga-se para a militância que os outros dois Poderes não ouvem o “povo” e tenta-se, na base do abafa, obter algum ganho.

Os planos de afrouxar a segurança no trânsito, impulsionar o desmatamento (tarefa do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles), desmantelar as universidades (diversão do ministro da Educação, Abraham Weintraub), reduzir terras de indígenas e quilombolas, liberar as armas... Nada disso é civilizatório e, provavelmente, não é constitucional. Mas qualquer ganho legal que se conseguir, em meio ao barulho das fake news e da truculência digital, já será útil.

E há os ganhos fora da lei. Desde a vitória de Bolsonaro em outubro de 2018, suas ideias passaram a ser aplicadas por quem se sentiu autorizado. Em novembro passado, como já se noticiou, o desmatamento na Amazônia aumentou 406%, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia. Ruralistas, grileiros, violadores de parques ecológicos, inconformados com limites de velocidade, policiais assassinos e outras categorias podem ainda não ter o respaldo da lei, mas contam com o apoio entusiasmado do presidente que ajudaram a eleger.