sábado, 18 de junho de 2016

A palavra 'idiota'

Por duas vezes a palavra “idiota” me deixou em maus lençóis. A primeira delas se deu nas eleições de 2014. Saí do PT, tardiamente – penso hoje ––, em 2010, depois do escândalo do mensalão. Fiquei abobalhada um bocado de tempo vendo ruírem-se meus mais caros sonhos.

Não aguentei mais quando Lula atropelou todo mundo e impôs goela abaixo dos petistas o nome de Dilma Rousseff para sua sucessora. De quebra – filiada que sou em Minas Gerais –, eu teria de votar em Hélio Costa para governador. Assim, se consumaria lá também a união PT mais PMDB que agora aparece em toda a sua desfaçatez. (Nas últimas delações premiadas Lula diz-se arrependido dessa indicação. Tarde piaste.) Votei em Marina Silva daquela vez.

Em 2014, no segundo turno, aí a coisa ficou complicada. Ou votava nulo, ou não comparecia para votar (eu já fizera 70 anos de idade).

Acontece que, estudiosa que fui da democracia ateniense em seu auge, lembrei-me de lições de filosofia política e fiz, iradamente, como é meu primeiro impulso, um voto crítico, por escrito, em Aécio Neves e, por meio de um amigo, arrisquei-me a torná-lo público por veículo da chamada “grande imprensa”. Santo Deus! No mesmo dia, do Oiapoque ao Chuí, essa praga chamada “redes sociais” – que eu desconhecia por completo – divulgou minha foto (tinha até foto minha com mais ou menos 13 anos de idade) com os seguintes dizeres: “Sandra Starling, fundadora do PT, afirma que quem vota no PT é idiota”. Burra!

Primeiro, eu não pensava que ainda pudesse ser lembrada. Afinal, já deixara a vida pública desde 1998. Pensei que ninguém mais se lembrasse de mim, senão jornalistas da velha guarda. Em segundo lugar, esqueci-me de que minha frase escrita mencionava a palavra grega, na acepção que tinha na época da democracia ateniense, quando o cidadão que deixava de participar politicamente praticava a “idiotia”. Foi um deus nos acuda. Quase apanhei em casa e na rua. Não fui votar. Pratiquei a idiotia grega.

Oswaldo Goeldi
Recentemente, olha eu de novo caindo na peça que a palavra “idiota” sempre me prega! Sabedora de que alguém havia se referido a mim como “idiota”, pedi que essa pessoa me devolvesse escritos que eu já tinha publicado ou iria publicar em seu blog. E fui ao Dicionário Houaiss, já com a nova ortografia, em sua primeira edição, publicada em 2009. Leio lá, confirmando minha raiva, o verbete: “Idiota – Diz-se de ou pessoa que carece de inteligência, de discernimento, tolo, ignorante, estúpido (...)”, e por aí afora, o sentido vulgar e usual do termo.

Alertada, leio em Gramsci: “Pesemos as palavras. ‘Idiota’: palavra nobilíssima, de origem grega. Idiota significa, antes de mais nada, soldado simples, soldado que não tem nenhum galão. Significa, em seguida, quem pensa com a própria cabeça, quem é peculiar, quem ainda não se submeteu à disciplina social vigente” (p. 55 de “O Jovem Gramsci”, de Leonardo Japone).

Nos dias que correm no Brasil, sábio é quem sabe o que é idiota. E idiota é quem ousa pensar de maneira diferente...

Que país será este?

Se as eleições presidenciais fossem este ano (e a hipótese não pode ser descartada, como, aliás, nenhuma outra), quais seriam os candidatos? Certamente, Lula, pelo PT (se estiver solto); Serra, Aécio ou Alckmin, pelo PSDB; e Marina Silva, pela Rede.

Outros, seguramente, haveria. Mas fiquemos com estes para um breve exame da nova realidade que a crise vem estabelecendo.

O prestígio e popularidade desses nomes, que os incluem em todas as listas de presidenciáveis, estabeleceram-se em outro país, aquele que precedeu a Lava Jato. Esse país, porém, já não existe.

O que irá sucedê-lo não se conhece ainda. Emergirá (está emergindo) do caos, decorrente da crise – política, econômica, social e moral -, que, como um tsunami, engole toda a classe política e põe sob suspeita o conjunto das instituições do Estado.


Algo, porém, desse novo país pode ser vislumbrado nos números de recente pesquisa, do Instituto Paraná, encomendada por este Blog do Noblat, em relação aos nomes supracitados.

São impressionantes: 73,4% dos eleitores não votariam “de jeito nenhum” em Lula; 62% não votariam em Geraldo Alckmin; 61,9% em Aécio Neves; 58,2% em José Serra; e 57,5% em Marina.

“De jeito nenhum”, frisam os entrevistados. Nenhum deles, portanto, será o próximo presidente da República.

Com tal grau de rejeição – e aí se trata de questão aritmética -, é impossível eleger-se. E com um detalhe: o fator de desgaste – o processo da Lava Jato – ainda está longe do fim, em pleno curso, prometendo novas revelações e convulsões.

O protagonismo do PT é indiscutível: conferiu à corrupção padrão sistêmico, elevando-a a níveis sem precedentes, aqui e em toda parte. A ladroagem saiu da esfera do milhão para a do bilhão – bilhões -, comprometendo a economia do país e a própria governabilidade. Nunca antes.

Mas o PT não agiu só: teve parceiros, colaboradores e companheiros eventuais de viagem, alguns da própria oposição, o que fez estender o descrédito a toda a classe política, a pecadores e eventuais justos – e a pesquisa espelha esse estrago.

Não apenas as dimensões da roubalheira a distinguem das convencionais, que marcaram a história do Brasil. Havia um propósito diferenciado: sustentar um projeto de poder que se pretendia eterno e que incluía aliança com países vizinhos, na construção da Pátria Grande, de teor socialista-bolivariano.

Quando se abrir a caixa preta do BNDES, a real dimensão financeira dessa aliança, jamais posta em debate com a população, e jamais a ela revelada em cifras, será enfim conhecida. A boa notícia é que esse projeto morreu e não há chances de ressurreição.

Sabe-se, portanto, do que o país se livrou. Mas não se sabe o que o aguarda. O declínio dos cardeais políticos não ensejou ainda o surgimento de novas lideranças, o que, em regra, exige tempo.

Nesse sentido, a continuidade de Temer favorece essa transição até 2018, tempo necessário para que o país se acostume com novas fisionomias (que se espera apareçam) e absorva novas propostas que ainda não vieram à tona.

Mas nem o próprio Temer consegue prever o que lhe ocorrerá amanhã. Em um mês, menos três ministros, inclusos na Lava Jato. O país adapta-se ao dito bíblico segundo o qual cada dia tem sua própria agonia. Um dia de cada vez, portanto.

Nesse ambiente de imprevisibilidade, a economia procura se equilibrar, com avanços modestos, o que já é uma façanha, visto que lidava até há pouco com solavancos e retrocessos. Nesse segmento, o econômico, Temer acertou. Fez opções técnicas.

Se não tivesse cedido ao assédio político-partidário de seus aliados – alguns dos quais já estavam no radar de Sérgio Moro -, teria se poupado (e ao país) dos contratempos e desgastes que o incluem no rol dos enjeitados pela opinião pública.

Não, porém, no nível de rejeição dos que postulam sua sucessão. A pesquisa do Instituto Paraná revela que 53,5% dos brasileiros ainda acreditam que cumprirá todo o mandato, embora, até aqui, apenas 36,2% aprovem sua administração.

É o que temos. Ninguém imaginou que o pós-Dilma oferecesse um céu de brigadeiro. As previsões meteorológicas ainda são ruins.

Machado e delatores não podem ser instrumentos de um golpe, agora de verdade

Sérgio Machado e os delatores premiados todos não podem se transformar em personagens de um golpe contra o regime democrático e as instituições. E não! Eu não estou recorrendo a nenhum dos malabarismos a que habitualmente se dedicam as esquerdas para negar o óbvio. Afinal, elas inventaram a pilantragem de que impeachment é golpe. Não é.

A Constituição estabelece os critérios para a deposição de um presidente da República, e estes estão regulamentos pela Lei 1.079. Ponto final. Restaria provar que Dilma não atentou contra a lei fiscal. Está demonstrado que sim. E não apenas em 2014. Também em 2015. Aliás, ela pagou pedalada com mais pedalada. Adiante.

Mas volto à essência deste post. O impeachment e a consequente posse do vice-presidente estão na Constituição, fruto de uma Constituinte democrática. A antecipação de eleições não! Aliás, a Carta Magna veta explicitamente o expediente, em seu Artigo 60, quando estabelece os temas que não poderão ser alterados nem por emenda constitucional. E a periodicidade das eleições é um deles.

A menos que titular e vice — ou, em termos atuais, afastada e interino — sejam impedidos, não há chance de haver novo pleito, nem direto nem indireto. E é bom pôr um ponto final nessa bobagem.

Infelizmente, hoje, alguns setores insistem nessa tese — e eles se estendem também ao Ministério Público, que tem demonstrado um crescente interesse em não apenas investigar os crimes, mas também em governar o Brasil. Tanto isso é verdade que, outro dia, Rodrigo Janot veio a público para dizer que não pensava em se candidatar à Presidência da República. Eu, de minha parte, jamais imaginei que ele precisasse negar isso.

Analisei aqui ontem algumas passagens do depoimento de Machado aos procuradores. No documento da delação e no vídeo, ele não diz com todas as letras que Michel Temer lhe pediu dinheiro ilegal. Na verdade, no vídeo, revela ter sido ele próprio a oferecer ajuda, usando a palavra “doação”. Assim, vive-se uma situação um tanto surreal, não é? Temer acaba sendo acusado de ter pedido recursos ilegais para a campanha de Chalita, mas, em nenhum momento, a gente encontra essa acusação na boca de Machado. Mais: nota-se claramente, na conversa com os procuradores, que os doutores auxiliam o depoente em sua narrativa, emprestando-lhe, inclusive, algumas palavras.

Machado só não denunciou a progenitora em sua delação. Não deve ter sido por acaso que fez o mais vantajoso acordo de delação premiada de quem se tem notícia. Se acusasse mais uns dois ou três, talvez ganhasse uma estátua em praça pública. Não vai ficar na cadeia um único dia; cumprirá uma pena de três anos em casa, com piscina e quadra poliesportiva. Terá direito até a um padre — vai ver está em fase de purificação espiritual. Seus três filhos — dois metidos na bandalheira e um terceiro que diz ter sido enganado por um irmão; parece fazer sentido — não arcarão com peso nenhum. Está tudo certo.

"Penitenciária" para Machado ficar 3 anos: a própria mansão 
Então ficamos assim: o cara passa mais de uma década roubando o Brasil, diz-se arrependido, anuncia que pretende corrigir a sua vida de erros e que deseja voltar a sonhar… E poderá aproveitar ainda uns bons anos gozando da boa vida — depois de pagar uma multa de R$ 75 milhões. E isso é um sinal de que roubou também para si.

Tanta generosidade vem na esteira de uma delação que parece talhada para demonstrar que, na política brasileira, ninguém presta desde sempre, que isso tudo por aqui é mesmo uma esculhambação e que não há saída a não ser, a não ser, a não ser… exatamente o quê?

Não há dúvida de que a Lava-Jato está revelando o Brasil dos porões, das entranhas, do submundo. Não há dúvida de precisávamos nos defrontar com essas verdades. Não há dúvida de que a operação ajudou a provar a ousadia dos bandidos. Mas é preciso ter um pouco de prudência para que os brasileiros não acabem se convencendo de que, no fim das contas, o que não funciona mesmo é a democracia.

E essa advertência vale também para a imprensa. Temer diz que não participou daquele encontro com Machado; Machado insiste em que sim. Que se apure. O que me pergunto é por que o então vice precisaria dele para falar com empresários. De resto, a delação por si não aponta o ato criminoso do agora interino, embora esteja merecendo esse tratamento.

Infelizmente, o depoimento de Machado me parece especialmente talhado para justificar a tese doidivanas das novas eleições — além, claro, de alimentar os saudosistas do PT. Uma coisa é certa: dado o que lhe poderia acontecer, o ex-presidente da Transpetro está sendo regiamente recompensado por isso. Como escrevi nesta manhã, todo bandido sonharia ser Machado um dia: criminoso, patriota e bem-sucedido.

Revoga-se a podridão

Verdade, mentira ou exagero, tanto faz como classificar as delações premiadas do ex-senador Sérgio Machado. Melhor será marcar um “X” nos três quadradinhos. Mais importante será verificar que o sistema político brasileiro apodreceu. A corrupção generalizou-se e atinge a prática eleitoral. Inviabiliza os partidos, os candidatos, o voto e as leis.

Fazer o quê? De início, revogar tudo, mas quem exercerá essa função? O povo, isto é, o eleitor, mas como? Por meio de uma nova lei elaborada pelos políticos, através do voto barganhado por candidatos selecionados pelos partidos?

De uns dias para cá recrudesce a proposta da antecipação das eleições gerais, acoplada à convocação de uma assembleia constituinte exclusiva, destinada a redigir a reforma política. Não vai dar certo, pois os candidatos a exclusivos serão os mesmos políticos de sempre.

Entregar o poder ao Judiciário teve sucesso no passado, em 1945. Mesmo assim, garantia não há da repetição da experiência.

Fala-se do parlamentarismo, mas o entusiasmo arrefece quando se lembra de que esse sistema amplia ao máximo os poderes do Legislativo. Lembra-se da ditadura militar, de memória mais triste ainda.

Em suma, não passamos da constatação de que o país está podre. Que tal um decreto dispondo: “Revoga-se a podridão!”

Os guizos falsos da alegria

Toda sociedade é continuamente corroída por conflitos individuais e coletivos. É por isso que o Estado, tendo como uma de suas missões fundamentais a manutenção da ordem, não se pode apoiar exclusivamente na força. Entre a estrutura social e o poder público sempre há uma “ponte”, quero dizer, um conjunto de ideias e símbolos mediante o qual a sociedade se vê e diz como quer ser num futuro não muito distante.

O conjunto de ideias a que acima me referi é o que os discípulos de Max Weber designam como “princípios de legitimidade” e os marxistas, como “ideologia”. A expressão “projeto nacional”, muito difundida no Brasil, sugere algo intelectualmente “trabalhado”, subestimando a contribuição anônima do povo para a formação de tais ideias – daí me agradar mais a expressão “filosofia pública”, cunhada pelo jornalista americano Walter Lippmann.



Neste momento em que o Brasil começa a se livrar de uma tralha ideológica acumulada ao longo de três décadas, penso ser útil pôr em relevo algumas etapas e aspectos de nossa “filosofia pública”, remontando aos anos 40.

Valendo-se de contribuições de vários escritores e artistas (que não necessariamente a apoiavam, ça va sans dire), a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) estimulou a difusão de uma imagem idílica de um país pacífico, que não fazia a menor questão de ser governado democraticamente. O que assegurava nosso aconchego tropical não era a igualdade de oportunidades, conceito próprio do liberalismo vigente nos países capitalistas avançados, sempre sujeitos a conflitos “artificiais”, mas a própria estrutura de oportunidades, notadamente nosso enorme estoque de terras, ou seja, o fato de que entre nós, “em se plantando, tudo dá”.

“Corrigindo” a figura do “homem cordial” proposta por Sérgio Buarque de Holanda, o poeta Cassiano Ricardo, diretor da Folha da Manhã, órgão oficial do regime estado-novista, escreveu que não se tratava propriamente de cordialidade, mas de “uma bondade por temor de Deus, por ausência de atritos econômicos, por mestiçamento conciliador de arestas psicológicas e raciais, por índole herdada do português, pela soma de tendências contrárias mas coincidentes na direção de certos objetivos, por euforia espacial, por sentimento de hospitalidade provindo do aborígine, por nenhuma filosofia sobre o destino”.

Nos anos 50, uma nova “filosofia pública” se delineia. Com a industrialização e a urbanização, nossa sociedade tornava-se conflituosa; as “arestas” começavam a machucar, mas não havia motivo para desesperança. Bem ao contrário, as dificuldades aumentavam porque havíamos de fato embarcado no milagroso trem do desenvolvimento econômico. Luís Costa Pinto, um dos principais sociólogos da época, escreveu: “O desenvolvimento cria problemas que só mais desenvolvimento pode resolver”. E não há que esquecer: vivíamos a democracia sorridente de Juscelino Kubitschek e de um sentimento nacional que se adensava graças à quantidade de talento que despontava na música, nas artes, no futebol...

Interrompida pela crise de 1961-1964, a democracia sorridente desembocou no golpe de 1964. Em seus estágios iniciais, o regime militar tratou de se legitimar invocando o combate “ao comunismo e à corrupção”, mas já a partir de 1967 a “filosofia” voltou a ser desenvolvimentista. A legitimidade do poder e a integração da sociedade passaram a depender estreitamente do crescimento econômico e de um nacionalismo vagamente redefinido como aspiração ao status de potência (o “Brasil Grande”). Como filosofia pública, era pouco, até porque o poder militar passou a ser questionado por violações dos direitos humanos e, de um modo geral, por seu caráter autoritário.

Uma terceira etapa se configura nos anos 80. A partir desse ponto, que ganhou corpo na Constituinte de 1987-1988, a nota dominante passou a ser redistributiva. Urgia reduzir a pobreza e as desigualdades. A nova imagem era a de uma sociedade profundamente desigual e, por isso, tensa e crescentemente violenta. Era, pois, imperativo promover uma enérgica ampliação de direitos, adequadamente lastreados em garantias constitucionais e judiciais.

O problema foi, por um lado, que as demandas sociais subjacentes na sociedade haviam se intensificado enormemente e passado a contar com uma elite política, cultural, clerical, etc. capaz de as vocalizar com veemência; e, por outro, que, ao mesmo tempo, o precedente modelo de crescimento econômico, iniciado nos anos 50, entrara em colapso. Desde a virada dos anos 80 para os anos 90, o País vivia a crise da dívida externa e um quadro interno de estagflação e crescente desemprego.

Na primeira metade dos anos 90, o Plano Real estabilizou a economia, interrompendo a descomunal perversidade das inflações altas que se embutira no modelo de crescimento econômico desde o início dos anos 60. Abria-se, assim, a possibilidade do efetivo abandono de tal modelo, mantendo a ênfase redistributiva insculpida na Constituição de 1988, sem dúvida, mas em bases modernas e sustentáveis, devidamente ancorada em reformas estruturais.

Desgraçadamente, o que os treze anos e meio de Lula e Dilma Rousseff nos brindaram foi justamente com o oposto. A busca irrealista do crescimento acelerado resultou numa recessão sem precedentes. A redução da pobreza (mais de 50% da sociedade se alçara à classe média, lembram-se) hoje colide com o trágico quadro de 11 milhões de desempregados. A Petrobrás de joelhos e uma onda de corrupção quiçá sem paralelo no planeta vieram de lambuja. Como o morango da torta.

Bolívar Lamounier

Você vai ajudar financeiramente seus candidatos?

Chega a ser simplória a ideia de que, no modelo político brasileiro, campanhas eleitorais possam ser adequadamente viabilizadas apenas por contribuições individuais. Estamos nos encaminhando para ver, no dia 2 de outubro, em que vai dar essa decisão do STF, mas antecipo algumas observações. E a primeira diz respeito à pergunta que dá título a este artigo. Você, leitor, está disposto a meter a mão no bolso e doar dinheiro para a campanha de seus candidatos à prefeitura e à vereança?

Pois é. Imagino que não seja significativo o número de pessoas que responderão afirmativamente. O dinheiro está tão ou mais curto do que a confiança do eleitorado naquilo a que chamamos "classe política". Aqui no Rio Grande do Sul, e não será diferente, por certo, em todo o país, o poder público está quebrado e o ânimo alquebrado, exceto para o pedido de reposições, planos de carreira, quando não, direitos e vantagens para membros dos poderes e categorias funcionais mais bem aquinhoadas! Ponto de exclamação? Escândalo? Não, tudo perfeitamente habitual. Enquanto o setor privado nacional se constrange a fechar milhões de postos de trabalho, os três níveis da Federação mantêm seus contingentes funcionais, e seus parlamentos vão aprovando elevação de suas despesas com pessoal.

E aí? Nesse contexto, vamos ajudar candidatos? A família vai concordar com isso? Pela lei, você pode doar até 10% de sua renda no ano passado. Vejo muita dificuldade para todos que se disponham a concorrer. Uma das formas encontradas para tornar as campanhas menos onerosas financeiramente foi a redução dos prazos para o trabalho explícito de busca de votos. No entanto, quanto mais curto o tempo de campanha, maior a vantagem de quem já tem mandato porque, salvo desistência, há quatro anos trabalha pela reeleição. Isso reduzirá a renovação e preservará o onipresente corporativismo. Adicionalmente, o uso de recursos próprios favorecerá candidatos com alta renda. Para estes, 10% dos ganhos do ano anterior representa valor expressivo. Por tudo isso, se você identificar em sua comunidade candidato a prefeito e a vereador que mereça ser apoiado em virtude de sua história de vida, valores, convicções, compromisso com responsabilidade fiscal e redução do gasto público, sugiro enfaticamente que o faça.

No entanto, é bom visualizar o cenário mais amplo. Nosso sistema de governo e nosso sistema eleitoral são incompatíveis com eleições de baixo custo. Temos partidos em excesso e, neles, candidatos em excesso disputando no mesmo espaço geográfico. Se fizéssemos o que a quase totalidade dos países com democracias estáveis fazem, elegendo o governante indiretamente através da maioria parlamentar, só isso representaria um enorme ganho financeiro e aumentaria muito a responsabilidade da maioria parlamentar. Se, essas democracias elegem indiretamente seus governantes, de onde tiramos a ideia de que a eleição indireta não é democrática ou é menos democrática do que a eleição direta? Estamos podendo observar nestes dias o quanto nosso sistema age contra o interesse público ao dificultar sobremodo a substituição do mau governo. Num sistema racional, o governo cai no momento em que perde a maioria parlamentar, sem choro nem vela, sem passeata nem quebra-quebra. Normal e pacificamente.

Eleições com baixo custo, adequadamente fiscalizadas, só as teremos com parlamentarismo e voto distrital (um candidato por partido em circunscrições eleitorais pequenas). Há poucos dias passei, na Itália, pela cidade de Trieste, onde se disputavam eleições municipais. Os partidos ocupavam pequenas tendas nas praças, lado a lado, com alguém atendendo os eleitores e fornecendo volantes dos candidatos. Nenhum carnaval publicitário. Quem pode dizer que isso não é democrático? Quem dirá que o saco sem fundo das arrecadações para campanhas de grande visibilidade serve melhor ao interesse público do que o processo eleitoral simples, travado num espaço geográfico reduzido, onde quem trabalha é o candidato e não o dinheiro que ele arrecada?

Percival Puggina

Depois das eleições

Depois de uma campanha eleitoral animada, a grande vantagem de qualquer eleição democrática é a de o povo sair, finalmente, da sala de estar dos políticos. É uma sensação de alívio que alguns eleitos descrevem como semelhante ao momento em que uma dor intensa, por qualquer razão obscura, termina.

(...) Depois de qualquer eleição a sensação dos políticos - quer tenham perdido quer tenham ganho - é a de que o povo mais profundo acaba de entrar todo num comboio, dirigindo-se, compactamente, para uma terra distante. Esse povo voltará apenas, no mesmo comboio, nas semanas que antecedem a eleição seguinte.

Esse intervalo temporal é indispensável para que o político tenha tempo para transformar, delicadamente, o ódio ou a indiferença em nova paixão genuína

Gonçalo M. Tavares

A regra deve valer para todos

O governo Temer é conservador? É. Talvez muito mais do que seria desejável que fosse. Muito bem: e o de Dilma que legou recessão econômica, desemprego e o maior escândalo de corrupção da história do país? Foi o quê? Avançado? Socialmente justo?

Este, pelo menos, é um governo que demite ou aceita demissão de ministro suspeito de corrupção. O do Turismo foi o terceiro a sair num período de apenas 35 dias. No primeiro ano do seu primeiro governo, Dilma despachou seis ministros suspeitos.

Depois... Manteve ministros suspeitos. Por esquecer-se de demiti-los. Ou por não querer. O atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, ameaçado de perder o mandato, foi um deles. Ministros antes afastados acabaram voltando a convite de Dilma.

É recomendável que a regra do atual governo de demitir ou de aceitar a demissão de ministros suspeitos valha também para quem ocupe outros cargos da administração. Todos os cargos. Não lhe parece, Temer?

Ex-país do jeitinho vira o país que não tem jeito

A decretação do ‘estado de calamidade’ nas finanças do Rio de Janeiro às vésperas das Olimpíadas colocam o Brasil novamente de ponta-cabeça nas manchetes da imprensa internacional. O mergulho do país no insondável parece não ter limites.

Um amigo que vive há duas décadas nos EUA disse que não tem mais paciência para se apresentar como brasileiro. Orgulha-se de sua nacionalidade. O problema é que voltou a pegar mal. Cansou de ouvir a mesma pergunta —“O que houve com o Brasil?”— e de não ter uma resposta para dar.

É realmente difícil explicar no estrangeiro a vocação bíblica dos corruptos brasileiros. Nunca se contentaram com as pequenas negociatas. Mas não se imaginava que ambicionassem o dilúvio de lama.

E se perguntarem lá fora de quem é a culpa por tanta incompetência e roubalheira? A julgar pelos desmentidos, só há uma resposta possível: não há culpados no Brasil, apenas cúmplices. Culpa mesmo teve Noé, que permitiu a entrada do casal de ratos na famosa Arca.

Por sorte sobraram as praias. O Brasil pode reivindicar a volta àquela época em que, no cinema americano, era o país para onde voavam os bandidos à procura de refúgio depois de um grande golpe. Devagarinho, o país do jeitinho vai virando o país que não tem jeito.

Tentar parar Lava Jato 'seria suicídio político'

Essa avaliação é do presidente do grupo de trabalho sobre corrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), Drago Kos.

"Muitos políticos no Brasil estão com medo das investigações, e para eles a situação vai ficar ainda pior. Se eles tentarem parar ou limitar a Lava Jato, será um suicídio político porque haverá uma tremenda reação popular. A pressão agora é muito grande", disse ele à BBC Brasil durante um encontro internacional de autoridades anticorrupção promovido pelo Ministério da Justiça francês

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Kos é presidente do grupo que trabalha para monitorar o cumprimento de um acordo chamado "Convenção da OCDE de Combate ao Suborno de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais", ratificado pelo Brasil em 2000. Além disso, também elabora recomendações para os 41 países signatários.

"Tenho certeza de que os brasileiros não vão tolerar qualquer interferência irregular nas ações em andamento. Infelizmente o país precisou levar esse choque para começar a lutar de forma séria contra os casos de corrupção. Mas é o preço que o Brasil precisa pagar", disse.

Para Kos, o impacto do escândalo da Petrobras ultrapassou as fronteiras nacionais - o caso se tornou de interesse global, o que aumenta a visibilidade e a vigília sobre a continuidade da operação.

"É o público em todo o mundo que está esperando para ver as decisões da Justiça em relação ao caso", disse.

Segundo ele, o fato de três ministros do governo interino supostamente envolvidos nos escândalos já terem deixado o cargo acusados de tentar interferir nas investigações pode ser interpretado de maneira positiva.

"Isso é bom porque obviamente agora os padrões são mais elevados. Se os ministros não correspondem a esse padrão, então eles têm de deixar o cargo", afirma.

Kos diz acreditar ainda que o combate à corrupção no Brasil está se desenvolvendo de forma positiva.

"Resta ver quais serão os resultados na Justiça, mas até o momento parece que a reação das autoridades brasileiras tem sido boa", avalia.