domingo, 17 de julho de 2016


Psicanálise do Brasil

A palavra crise assombra o Brasil. Está em todas as bocas, nos sentimentos de fracasso e de falta de alternativa que nos afligem. Está em tantos fatos e sentimentos diversos e confusos que não encontra uma definição clara.

Os consultórios de psicanálise são frequentemente solicitados por situações de crise individual. Crise, nos indivíduos, é aquele momento em que alguém não pode mais ser quem era, ainda não pode ser outra pessoa e não pode, salvo morto ou delirante, deixar de ser. Habita então uma terra de ninguém em que não se tem outra escolha senão dar à luz a um novo eu, construído com o que nos é dado viver naquele momento. Quem não conheceu em sua própria trajetória um momento assim? Celebra-se depois de uma dura travessia o encontro com um eu melhor, mais verdadeiro, mais sólido, erguido sobre os escombros de falsas ilusões.

A matriz da crise que atinge a sociedade brasileira, no plano coletivo, se assemelha à matriz da crise individual. Perda de identidade, esfarelamento das ilusões e esperanças nutridas ao longo de anos em projetos, partidos, ideologias, na vaga certeza de sermos uma grande economia emergente, enfim o país do futuro que estaria chegando ao seu destino.

Nossos mitos estão sendo duramente confrontados à verdade: uma nação que nos últimos anos viveu uma farsa política, em que heróis eram bandidos e os bandidos os grandes heróis, invadido por uma corrupção metastática, à beira da falência moral e econômica, sustentado a duras penas por uma democracia que se eviscera para sobreviver.

O encontro com a verdade não pode ser senão doloroso e, no entanto, tudo isso é bom, é saudável, é promissor, único caminho possível para dar à luz um país verdadeiro. Mas, hoje ainda habitamos uma terra de ninguém.

O desnudamento da casta política pela Lava-Jato tem nos custado a reputação de um país de corruptos. O que somos e não somos. É quando vem à tona a evidência de um mundo político em decomposição que o sentimento de vergonha que invade os brasileiros revela-se ser o avesso dessa decomposição. É quando emergem as reservas de decência que são enormes no país onde a imensa maioria ganha a vida honestamente.

Vergonha, depressão são estados negativos que contêm em si mesmos os germens de uma mudança positiva, já em curso. São passagens estreitas, incontornáveis na travessia da impostura para a realidade.

Estamos no momento mais agudo da crise. Uma população triste, pessimista, desencantada. Cair na real cobra o preço da angústia pelo que está por vir. E, no entanto, estamos mudando para melhor, enfrentando a devastação do passado e o desmoronamento das vãs promessas sobre o futuro embutidas no estelionato eleitoral, confrontados à justa medida de nossas possibilidades presentes. Um novo país, redimensionado, está nascendo de sua própria crise.

É esse país em crise, confrontado às suas insuficiências, que vai receber os Jogos. A imprensa internacional tem nos pintado com as cores do inferno, talvez espelhando nossos próprios policiais que assim se apresentaram no aeroporto para receber os turistas. A voz da nossa depressão ecoa esse coral de Cassandras. O jornal “The New York Times” anunciou uma “catástrofe olímpica” e ilustrou a matéria com a foto de uma menina miserável que dorme na rua. Poderia ter sido fotografada em Nova York ou em qualquer outra grande cidade, o que em nada atenua o horror de sua miséria. A menina ilustra o desvalimento, nossa vergonhosa dívida social, não prenuncia uma catástrofe olímpica. Nos Estados Unidos, durante as Olimpíadas de Atlanta, os homeless também não encontraram um teto.

É preciso cuidado para que a voz da depressão não comece a nos autodescrever como um inferno que não somos. Tampouco somos um paraíso, já que o paraíso há muito desertou as grandes metrópoles do mundo. E não só elas.

Não se improvisa uma cidade e um país inexistentes. Assim como em crises individuais mobilizamos recursos que não pensávamos ter, no plano coletivo também dispomos de recursos insuspeitados que saberemos mobilizar. A voz da depressão joga contra, não colabora. Melhor que se cale.

Findos os Jogos, que chegam como uma festa surreal em que os convidados desembarcam em uma casa semidemolida por um imprevisto terremoto, mais do que antes seremos confrontados ao que é o nosso verdadeiro desafio: renascer de nossa própria crise, pôr de pé um país que faça sentido. Fazer sentido é de fato um fazer, o sentido não é dado. Esse fazer será a tocha que, depois dos Jogos, continuaremos a passar de mão em mão.

Rosiska Darcy de Oliveira

Datafolha indica que 2018 flertr com a surpresa

Além de engordar o bloco do voto de protesto (branco ou nulo), o saco cheio do eleitorado com a podridão conspira a favor do surgimento de um nome novo, capaz de empolgar. Por ora, o eleitor exala desalento. Melhor abrir bem os olhos. Nas últimas vezes em que teve esperança, o brasileiro trombou com o caso Collor, o mensalão e o petrolão

Corrupção desenfreada fez desabar a economia brasileira

No momento em que a Odebrecht admite a hipótese de devolver 6 bilhões de reais aos cofres públicos e, ao mesmo tempo, Emílio Odebrecht, presidente do Conselho de Administração da empresa anuncia um documento que classifica com os 10 mandamentos para combater a corrupção e os desvios da empresa – reportagem de Mário César Carvalho, edição de sábado da Folha de São Paulo – é que se pode começar a se ter uma ideia do verdadeiro peso do processo de corrupção na derrubada da economia nacional.

É só comparar 6 bilhões de reais com o volume de recursos adicionais que o governo Michel Temer prevê em 9,5 bilhões com aumento de impostos a partir de 2017, conforme reportagem de Machado da Costa e Mariana Haubert, na mesma edição do jornal.

Parece incrível o resultado de tal comparação, mas passa a refletir a dimensão do que representam os roubos praticados ao longo, pelo menos dos últimos treze anos.
O faturamento anual da Odebrecht é calculado em 132 bilhões de reais, porém não é só ela, embora sendo a maior que se destaca entre outras grandes empresas, como Andrade Gutierrez, OAS, Mendes Junior, Camargo Correa, Carioca Engenharia, UTC para ficarmos apenas nestas, embora pudéssemos incluir no elenco a Delta acusada de superfaturar as obras do Maracanã.


A reforma da Previdência pela qual se empenha o governo está longe de representar uma economia igual ao volume gerado para alguns pela corrupção, que atinge a todos, e assinala sua presença indireta na caótica situação financeira do Brasil, por sua vez vinculada ao índice de desemprego que atinge 11% da mão de obra efetiva brasileira.

A limitação de gastos públicos anuais compatível com a taxa inflacionária registrada no exercício sempre anterior representa sem dúvida uma medida bastante lógica, a começar deste ano, para repor o índice inflacionário de 10,6% registrado em 2015 pelo IBGE. O que não possui a menos lógica é o fato de a corrupção ter se tornado um sistema de operação, cujos índices a cada 12 meses superam de várias vezes os aumentos de custo de vida. Daí decorre, além do roubo quase generalizado, um processo extremamente negativo que é o da cada vez maior concentração de renda.

Sobretudo porque os organismos categorizados internacionais, como é o caso do BIRD (Banco Mundial), condenam a concentração de renda por representar ela um freio ao índice de desenvolvimento social dos países considerados emergentes, entre os quais se alinha o Brasil.

 A corrupção, comprovada pela devolução de recursos possui um efeito arrasador muito maior do que aquele que se podia supor.

Inclusive, multiplicando-se a TCA pelo número de anos em que ela se agigantou vamos verificara que ela retirou do mapa da economia brasileira algo em torno de 20% do PIB.

Neste caso estamos falando de um valor em torno de 1 trilhão e 400 bilhões de reais, já que o PIB , nela incluída a corrupção, alcança uma escala de 5 trilhões e 600 bilhões. Por aí se vê que 20% da economia brasileira evaporaram-se e foram transportados em flocos de nuvens, cujo destino o vento levou para contas em bancos internacionais.

As filas e a hipocrisia

Dia desses, contemplando algumas filas, fiquei a pensar no quão são maravilhosas! Vejo nelas o retrato supremo da igualdade e do respeito ao próximo: cada um esperando, pacientemente, a sua vez.

Lá estão, em um mesmo e democrático espaço, ricos e pobres, fracos e poderosos - todos ordeiramente alinhados. Até no trânsito a majestade das filas se faz presente. Contemple, com o espírito um pouco mais aguçado, a beleza implícita de uma longa fila de carros, alcançando o efeito único de igualar o mais dispendioso e potente modelo esportivo a alguma sucata ambulante - todos ali, enfileirados, aguardando a vez de prosseguir.

Filas podem ter até um efeito estético ruim - mas quem haverá de questionar sua aura de igualdade e de espiritualidade? Talvez por conta disso a raça humana é especialmente cuidadosa ao tratar do respeito às filas. É verdade: você já viu alguém, de uma celebridade a um miserável, declarar publicamente que não respeita filas?

E lá estava, na Itália, uma impaciente autoridade a contemplar um engarrafamento e consultar o relógio. Eis que a dita cuja, atrasada para uma entrevista, teve a ideia de convocar os bons préstimos de uma ambulância! E lá foi ela, atropelando a bela espiritualidade de uma fila!

Inspirada neste exemplo, uma empresa russa teve a curiosa iniciativa de oferecer aos ricos lá de Moscou ambulâncias de aluguel. Por fora os veículos até enganam bem, com sirene, pintura e adesivos característicos. O diferencial está na parte de dentro, contemplada com amplos assentos revestidos de couro e o conforto de uma luxuosa limusine. E lá se vão pelas avenidas afora todos aqueles respeitáveis senhores abrindo passagem e transformando os cidadãos comuns em gente de segunda classe. Segundo li, alugar uma dessas ambulâncias custa em torno de R$ 400 por hora - eis aí o preço da dignidade humana.

Mas talvez o exemplo mais chocante venha lá dos Estados Unidos. Transcrevo, a seguir, trechos de uma reportagem do sério jornal britânico “The Times”: “O segredo veio a público através de uma conversa entre duas mães em Manhattan, que iriam passar férias em parques temáticos na Florida (EUA). “Você irá desejar um daqueles guias portadores de necessidades especiais do mercado negro”. Contratando um deles, famílias distintas estariam habilitadas a percorrer todas as atrações dos parques sem a incoveniência de uma fila”.

A reportagem esclarece que o parque “permite a visitantes em cadeiras de rodas o acesso às suas atrações através de uma “entrada mais conveniente”, juntamente com mais seis convidados”. Assim, “como os magos de Harry Potter que desaparecem através de um muro ... as crianças [ricas] podem evitar duas horas de fila acompanhando seus guias paraplégicos por uma entrada lateral”.

Em Londres, o parque Alton Towers decidiu ser mais transparente: basta pagar uns R$ 320 e passar na frente dos mortais - simples assim. Este caso não é isolado: o ingresso para a torre panorâmica daquela cidade custa uns R$ 70 - ou R$ 100 para evitar as longas filas formadas pela patuleia.

Ainda nos EUA, recentemente anunciou-se uma peça de teatro estrelada por Al Pacino. As filas, evidentemente, eram imensas e para todos. Aliás, para quase todos - quem tivesse R$ 250 disponíveis ficava isento.

Diante destes exemplos, oriundos das mais ricas e civilizadas sociedades deste planeta, fico a pensar na deliciosa exclamação de Machado de Assis: “a exceção só é odiosa para os outros”.

Pedro Valls Feu Rosa

Uma outra esquerda é possível

Não se tem muita noção, por ora, do que restará do sistema partidário após o fulminante conjunto de ações que se originaram em Curitiba há pouco mais de dois anos e lançaram luz inédita sobre o financiamento da atividade política, tema crucial para as relações entre governantes e governados e para a própria qualidade da democracia. Constatamos, assustados, que tal sistema andava funcionando em bases praticamente autorreferenciais. Entre outras coisas, pouco se conhecia sobre financiadores, lobbies, interesses legítimos ou escusos que contribuíam para dar forma à representação.

Como ninguém é ingênuo, sabia-se que os controles estavam falhando. Impossível ignorar o caráter espetacular das campanhas ou os abusos de marketing, com seus magos capazes de explorar cinicamente medos irracionais e suscitar expectativas ainda menos razoáveis. Agora, no entanto, a exposição dos males tem sido impiedosa e parece não poupar nenhuma força ou personalidade relevante. O celebrado artigo do juiz Sergio Moro sobre a Operação Mãos Limpas, convém lembrar, foi publicado em 2004, no começo da era petista, quando a percepção de haver algo podre no reino da Dinamarca ainda não havia sido imensamente ampliada com os fatos que levaram à Ação Penal 470 e às investigações atuais sobre a ocupação da Petrobrás e outras empresas públicas, com fins de reprodução de mandatos e manutenção de máquinas partidárias – para não falar das situações de enriquecimento pessoal que daí derivam por gravidade.


O impacto de investigações dessa natureza não pode ser subestimado. Na Itália, de um modo ou de outro, foi simplesmente a pique a sensação de imobilidade que rodeava um “sistema de poder” congelado durante décadas. Em tal contexto “eterno”, seria quase absurdo prever o fim da Democracia Cristã, um partido que não era simplesmente “de direita”, para usar o jargão de que hoje se abusa, mas também canalizava para a vida pública os tradicionais valores solidaristas do mundo católico; e também difícil acreditar que o centenário Partido Socialista, de um “animal político” voraz como Bettino Craxi, morto no exílio, iria ser tragado no turbilhão.

Interessa-nos pouco aqui saber se o PT e o ex-aliado subalterno, o PMDB, com toda a marca que já deixaram na vida brasileira, o primeiro por mostrar ser plenamente plausível a “via pacífica” ao governo, o segundo por encarnar a resistência democrática ao autoritarismo, vão seguir o caminho do redimensionamento ou o da dissolução no rastro das investigações. Nesta altura, pouca gente pode prever quem serão os mortos e os sobreviventes, bem como o tamanho da tarefa de reconstrução do sistema partidário antes que se dissemine o vírus letal da antipolítica ou se agrave a sensação de que “ninguém nos representa” e “o voto não conta, todos são iguais”.

Exercícios inúteis de futurologia à parte, mais concreto já deveria estar sendo o trabalho autocrítico por parte da esquerda, dentro ou fora dos partidos. Diferentemente da situação italiana, e talvez para surpresa de muitos hoje seduzidos por um anticomunismo primário, o que nos faz falta são grupos políticos capazes de se reorientar à maneira do antigo PCI, que antes mesmo das Mãos Limpas, e não por motivos judiciais, mas culturais e políticos, havia tomado o caminho do reformismo, requalificando-se como “partido democrático” e acolhendo outras vertentes reformistas, inclusive de inspiração católica, para começar uma história diversa.

Entre nós, o principal partido de esquerda parece não ter percebido, mesmo no plano retórico, as características estruturais da sociedade brasileira, que traz em si, “morfologicamente”, a pluralidade de classes e grupos sociais e suas respectivas representações políticas. Para dar-se conta desse dado teria sido necessário preparar-se culturalmente para uma visão institucional sofisticada, cujo horizonte não se deixasse contaminar por um diagnóstico catastrófico da crise – grave – do nosso tempo e, por isso, não reiterasse contraposições caducas, como, para dar um exemplo que vale por todos, aquela que renitentemente opõe avanços “substantivos” e mecanismos “formais” do voto, dos partidos, das instituições.

Numa palavra, mais uma vez o aparato conceitual de tantos políticos e intelectuais “altermundistas”, brasileiros ou não, opôs democracia social e democracia política, como se a segunda fosse um obstáculo à primeira – e obstáculo a ser removido por mecanismos plebiscitários, apelos à mitologia de “assembleias constituintes originárias” e a concepções de “contra-hegemonia” alheias ao Estado Democrático de Direito, horizonte ineliminável de nossa época.

A nosso ver, por se inserir de modo acrítico em tal rede conceitual e virar as costas para a complexidade do País é que o petismo no poder se moveu tão desastradamente no plano institucional e no social. Se defino o Parlamento como assembleia de “picaretas”, disponho-me, ato contínuo, a cooptá-los, dispensando os processos de persuasão e aliança e tornando-me assim agente de degradação ainda mais acentuada. E se me autodefino, autoritariamente, como a irrupção dos pobres na vida social e na história do Estado, divido grosseiramente a sociedade em casa grande e senzala, pobres e ricos, amigos e inimigos – simulacro de luta de classes que, no entanto, mal arranha a desigualdade, afasta a esquerda de qualquer possibilidade dirigente e termina por preparar seu estatuto minoritário por muitas décadas.

Nas instituições e na sociedade, o resultado só podia ser desastroso. Ter feito esse tipo de aposta terá sido o pior dos males causados pelo petismo à esquerda e, sobretudo, ao País. Seja qual for o destino do partido e de seu máximo – e solitário – chefe, resta começar de novo: uma outra esquerda há de ser possível. E dela, certamente, o Brasil não pode abrir mão.

Inércia que dói

Sem olhos para enxergar o óbvio, demonstram que os governos são montados para desfrute do poder, e não para apoiar a sociedade.
A Lava Jato se transformou num compêndio de criminalidade e de baixezas, que, somadas à incompetência, deixam um quadro sombrio a nossa frente. Nem o prato feito e temperado os governos sabem aproveitar.
Nem uma simples assinatura são capazes de dar para ajudar a salvar a pátria. O Brasil afunda, assim, com timoneiros que vivem de festa perdendo-se na navegação
Vittorio Medioli

Como Lula e Dilma minaram as joias da Coroa

No comando da administração federal desde 2003, o PT deixou vários legados danosos às estatais. Dos escândalos bilionários de corrupção ao aparelhamento político, quase nada escapou das garras do fisiologismo. Fruto da barganha política, a máquina pública inchou e ficou ainda mais ineficiente, inclusive nas companhias com capital aberto. Apesar de a quantidade de estatais praticamente não ter aumentado – passou de 131 ao término do governo FHC para 135 no fim de 2014, último dado disponível –, o número de funcionários cresceu 49%.

Significa que, durante os oito anos de mandato do presidente Luiz Inacio Lula da Silva e os cinco anos da gestão Dilma Rousseff, as empresas públicas incorporaram 182 mil pessoas aos seus quadros. No total, há quase 553 mil trabalhadores, segundo dados levantados pela DINHEIRO no site do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), órgão ligado ao Ministério do Planejamento. “Esse inchaço nas estatais não tem nenhuma lógica econômica”, afirma Gilberto Guimarães, especialista em liderança e gestão de pessoas e professor do Grupo Laureate. “A máquina pública vai na contramão dos ganhos de produtividade”.


Se a quantidade excessiva de funcionários é um peso para o caixa das estatais, a presença de apadrinhados políticos no topo hierárquico dessas companhias torna-se um problema ainda maior para a sua sustentabilidade. Na linguagem dos funcionários concursados, os diretores, vice-presidentes e CEOs que assumem o cargo sem um currículo compatível são chamados de “paraquedistas”. “É o aparelhamento pelo qual uma pessoa é indicada por algum político sem entender nada do assunto”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, que trabalhou vários anos nos Estados Unidos.

No presidencialismo americano, salienta Vieira, a ingerência política é muito menor. “Se os ocupantes de cargos públicos cumprem as metas, eles podem permanecer mesmo quando troca-se um presidente democrata por um republicano”, diz o economista. “Aqui, no Brasil, a utilização do Estado como instrumento político leva à derrocada das estatais.” É imperioso notar que todas as cifras negativas envolvendo as estatais administradas pelo PT e seus partidos aliados giram na casa dos bilhões de reais, incluindo os desvios investigados pela Polícia Federal, que já prendeu caciques do partido como o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.

Alguns exemplos: Prejuízo dos Correios em 2015: R$ 2,1 bilhões; Necessidade atual de aporte na Caixa: R$ 40 bilhões; Prejuízo da Petrobras em 2015: R$ 34,8 bilhões; Rombo dos quatro maiores fundos de pensão estatais em 2015: R$ 60 bilhões; Custo das operações do BNDES aos cofres públicos em 2015: R$ 30,5 bilhões; Prejuízo da Eletrobras nos últimos quatro anos: R$ 31 bilhões; e pedaladas no Banco do Brasil: R$ 14,8 bilhões. Sem falar na corrupção que, apenas na Petrobras, gerou desvios de R$ 42 bilhões, segundo estimativa da Polícia Federal.

A bolsa-banqueiro

Sabia-se que as centenas de bilhões de reais que, entre 2009 e 2015, o Tesouro repassou ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar investimentos não estimularam o crescimento, mas beneficiaram muitas empresas escolhidas pelo governo do PT, daí o programa ter sido chamado de bolsa-empresário, uma ajuda financeira do poder público para grupos empresariais preferidos do Palácio do Planalto. O que pesquisas recentes demonstram é que não foram apenas as empresas selecionadas pela administração petista que ganharam com esse imenso desperdício de dinheiro público. Mesmo dispondo de condições bastante favoráveis para administrar os recursos do Tesouro (que assumiu os subsídios implícitos nas operações), o BNDES ficou com uma parcela reduzida dos resultados desses financiamentos. Os bancos comerciais que realizaram as operações em seu nome se apropriaram de mais de 80% dos rendimentos. O programa transformou-se, também, numa espécie de bolsa-banqueiro.

O Programa de Sustentação do Investimento (PSI), como essas operações eram chamadas oficialmente, simboliza o imenso fracasso da política econômica do PT. Não produziu os efeitos anunciados, que era a reativação da economia após o impacto negativo da crise internacional iniciada em 2008, e está na origem da profunda crise fiscal que hoje o governo interino de Michel Temer tenta conter.

Como mostrou reportagem do Estado, o Tesouro emitiu títulos de dívida pública para transferir R$ 520 bilhões ao BNDES. Esses recursos deveriam ser utilizados no financiamento de máquinas e equipamentos, de modo a estimular a produção e, assim, reativar a economia. O PSI deveria durar um ano, mas foi sendo renovado seguidamente até o fim do ano passado, quando o governo petista resolveu enterrá-lo.

Foi de grande valia para um grupo de empresas, mas, apesar de sua longa duração, de sete anos, e, sobretudo, do montante que envolveu, não teve resultados expressivos para o País. A economia não se recuperou e, desde meados de 2014, está em recessão. As contas públicas, cujo equilíbrio era mantido não por meio de política fiscal prudente, mas pelo crescimento antes impulsionado pelo bom desempenho da economia global, entraram em colapso já na segunda metade do primeiro mandato da presidente afastada Dilma Rousseff, forçando, afinal, o sepultamento do PSI.

Levantamento feito pelo economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, mostra que os bancos comerciais, responsáveis pelo repasse de R$ 327 bilhões de recursos do Tesouro para empresas privadas, se apropriaram de mais de R$ 8 bilhões dos R$ 10 bilhões de spreads que as operações geraram. O BNDES, assim, ficou com menos de R$ 2 bilhões. “De certa forma, o PSI também foi uma bolsa-banqueiro”, diz o autor do estudo. A lista dos bancos comerciais credenciados para realizar as operações em nome do BNDES inclui cerca de 70 instituições de grande e médio portes.

O BNDES respondeu por cerca de 9% dos financiamentos totais do PSI em valor. Além de realizar diretamente pequena parcela das operações, o banco estatal cobrava juros de 1% em média, e de zero na linha destinada à inovação. Já os bancos comerciais cobravam taxas de 1,5% a 3%. Além disso, como o PSI oferecia taxas mais atraentes, o BNDES perdeu clientes de linhas tradicionais, que optaram pelas operações de menor custo.

Em nota, o banco estatal afirmou que as condições das operações indiretas obedecem a normas expedidas por ele, mas ressalvou que as instituições credenciadas têm autonomia para avaliar o cliente e as garantias. As distorções que agora vão sendo constatadas, porém, sugerem que não se tratou de um programa público de estímulo aos investimentos, mas “de banco privado negociando empréstimo com seu cliente privado”, como disse ao jornal a economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional.