quarta-feira, 24 de março de 2021

Sem nação, pandemia é mais devastadora

É de um cinismo atroz a crítica feita, principalmente por alguns setores da esquerda, ao contundente manifesto, assinado por 500 economistas e lançado no fim de semana passado, que cobra do governo Bolsonaro mudança radical no enfrentamento da pandemia. Subscrito por economistas de orientação ideológica distinta, o manifesto, intitulado “O País Exige Respeito; a Vida Necessita da Ciência e do Bom Governo”, é uma forma de sensibilizar a opinião pública para a tragédia que assola o país devido ao inacreditável negacionismo do presidente da República diante da maior crise sanitária vivida pela humanidade em cem anos.

O movimento é tardio? Sim, não se tenha dúvida disso. Mas, o que explica o imobilismo da elite intelectual brasileira, assim como de todos os outros setores da vida nacional, é o fato de, infelizmente, não sermos uma nação. Esta só existe quando cada cidadão se reconhece no outro, quando compartilha valores e aspirações, quando todos são rigorosamente iguais perante as leis, quando não existe discriminação de qualquer espécie, quando o Estado assegura a todos oportunidades iguais de formação educacional e acesso a serviços, como a saúde e segurança pública.

Na Ilha de Vera Cruz, regimes ditatoriais procuraram forjar simulacros de identidade nacional, como a paixão pelo futebol. Pelé, o melhor jogador de futebol de todos os tempos (do passado e do que ainda virá), carregou nos ombros, talvez inconscientemente, o peso da responsabilidade de ajudar a Seleção Brasileira a vencer a qualquer custo a Copa do Mundo de 1970, no México.

Em documentário produzido pela Netflix, aos 80 anos, envelhecido pelos problemas de saúde que vem enfrentando nos últimos anos, Pelé relata, de uma maneira que nunca se viu antes, a carga sobre-humana que a falsa nação exigiu dele, em meio aos anos de chumbo da longa ditadura militar instaurada no país (1964-1985).

Em outubro do ano passado, o governador de São Paulo, João Doria, fechou acordo com o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para a compra de vacina da China, primeiro passo para a produção de imunizante em larga escala, no Instituto Butantan (estadual) e na Fiocruz (federal). Doria começou a negociar com os chineses em abril. O acerto envolvia outros Estados, uma vez que, com exceção da União e do governo paulista, as unidades da Federação não possuem dinheiro nem tecnologia para produzir vacinas.

Num sinal claro de que está ali para atrapalhar e não para ajudar, no tema gravíssimo da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou o acordo. A pergunta que fica no ar é uma só e não se dirige apenas aos 500 economistas do manifesto lançado há poucos dias: onde estávamos todos, os cidadãos instruídos deste imenso país, os sindicatos patronais e de trabalhadores, os artistas, todos aqueles sabedores de que o presidente negacionista estava usando a tragédia para fazer política, jogando governadores e prefeitos, diante da ausência de vacina, na armadilha da necessidade de adotar medidas de isolamento social?

Sem nação, seremos sempre uma democracia manca porque nunca teremos institucionalizado para defender a sociedade de maus governantes.

Pensamento do Dia

 


O flerte de Bolsonaro

Bolsonaro está perdido, não sabe o que fazer diante de tanta contrariedade. Sua popularidade está em queda, enquanto a disparada do vírus continua batendo recordes. A gripezinha não dá trégua. Mesmo antes de terminar, março já é o mês mais letal da pandemia.

Até mesmo membros importantes do governo criticam o combate à Covid-19. O ministro Paulo Guedes admite que o número de imunizados é “muito pouco”. Ele é hoje um defensor da vacinação em massa para a retomada da economia, tese oposta à que seu presidente defendia — pelo menos quando ainda não usava máscara.

Dizem que Bolsonaro acuado, como está agora, é um perigo, fica muito agressivo, mais do que normalmente é. E imprevisível, sujeito a surtos, como o de que “só Deus”, de quem se considera íntimo, o tira da Presidência.


Não custa lembrar que, etimologicamente, “acuado” tem a ver com o lugar do corpo humano onde o presidente mandou enfiar, quando um repórter tocou no assunto, “os R$ 15 milhões de leite condensado” que o Palácio gastou na compra do produto em que o presidente gosta de molhar o pão no café da manhã. Já o filho, um dos Zeros à esquerda, mandou enfiar no mesmo lugar inadequado as máscaras contra a Covid-19.

Mesmo assim, ainda é preferível — a que ponto chegamos — esse Bolsonaro escatológico àquele que gosta de recorrer à Lei de Segurança Nacional contra quem o critica. Ao golpe militar de 64, ele só tem uma crítica explícita: “Torturou em vez de matar”.

O golpe é seu permanente flerte. Uma de suas recentes manifestações é um aviso, em tom de ameaça, sobre o que pode acontecer com o país. Pode piorar, ele adverte: “O terreno fértil para a ditadura é a miséria, a fome, a pobreza, onde o homem com necessidade perde a razão. Estão esperando o quê? Chegar o momento? Gostaria que não chegasse, mas vai acabar chegando esse momento”. É uma mensagem enigmática, mas não difícil de decifrar. Pelo menos um recado é claro: ele poderá dizer: “Eu avisei”.

O que mais preocupa é o silêncio dos militares, principalmente dos oficiais superiores que fazem parte da cúpula do governo, diante do uso que o ex-capitão faz da marca. Olha o que ele já disse: “O meu Exército não vai para a rua cumprir decreto dos governadores. Não vai. Se o povo começar a sair de casa, entrar na desobediência civil, não adianta pedir o Exército, porque o meu Exército não vai, nem por ordem do Papa”. Acho que nem Caxias, o patrono, jamais encheu tantas vezes o peito com essa declaração de posse: “O meu Exército”.

Gostaria de ouvir o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que tem como tarefa botar panos quentes, ou seja, consertar para os jornalistas os malfeitos vocabulares do presidente: “não foi bem isso o que ele quis dizer”, “vocês não estão dando uma interpretação correta” etc.

O que o general tem a comentar sobre o flerte e sobre essa indevida apropriação do subalterno que, quando vestia farda, nunca fez por merecê-la?

'O Brasil enfrenta hoje um morticínio estatal'

A catástrofe médica e sanitária do Covid-19 habita hoje a casa de cada brasileiro, como uma dor impossível de ser removida. E que parece não ter fim. Mais de um ano depois do início da megatragédia, que já ceifou a vida de quase 300 mil brasileiros, marca ainda longe de encerrar a pandemia, cada lar tem hoje terríveis dias para contar, com as perdas de parentes, amigos, conhecidos. E se no início tínhamos como referência a pandemia do influenza, cem anos atrás, com o combate ao vírus num mundo totalmente diferente, hoje repetimos erros que são inadmissíveis. Que se convertem em um genocídio assistido.

No início, muitos países erraram em seus diagnósticos, subestimando a pandemia e acreditando que deixar a contaminação solta, buscando a tal imunidade de rebanho natural, poderia ser uma boa saída. Mas se, com o avanço da ciência, esses países corrigiram suas rotas, aqui em terras brasileiras, por incompetência, negacionismo, vaidade e covardia eleitoral, continuamos persistindo nos mesmos erros.


O Brasil enfrenta hoje um morticínio estatal, que foi construído pouco a pouco. Começando por se esquivar do uso obrigatório de máscaras, como se isso fosse entregar super poderes, ou incentivar um coquetel médico que beirava a pajelança. Vivemos, durante um bom tempo, um processo de boicote da aquisição de vacinas, o que fez com que o Brasil, que tem vocação para programas de vacinação, se tornasse tão atrasado no processo de imunização da população, virando um pária mundial. Ao mesmo tempo, o governo apostou em forçar o cidadão brasileiro a ir para as ruas, fugindo do isolamento social apregoado em todo o mundo. Uma população empobrecida e há três meses sem o auxílio emergencial por decisão política do governo.

A prioridade do Senado nesse momento é fazer com que se tenha insumos médicos, leitos de UTI e vacinas. A semana em que me contaminei, e o Major Olímpio e outros senadores e assessores, foi a semana em que o Senado votou a legislação que permitiu a aquisição de vacinas da Pfizer e da Jansen. Mas o Senado precisa fazer mais. Precisa passar esse governo a limpo. Por isso fui um dos primeiros subscritores de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que precisa ser instalada para identificar responsabilidades e, com urgência, corrigir erros inaceitáveis cometidos nas esferas federal, estadual e municipal.

A gente já entendeu que esse governo só se move por pressão. A pressão inicial da CPI, sabemos, gerou essa expectativa de mudança no Ministério da Saúde, que não consegue sequer informar o estoque de oxigênio no Brasil. Assim como não existe uma previsibilidade na vacinação.

A mentira tornou-se método de governo. Isso é inaceitável e tem que ser combatido. Acreditar nesse governo se tornou uma esperança vazia. A CPI é inevitável. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegará a hora, compreenderá que, ao não cumprir essa obrigação que o cargo lhe impõe, se coloca no limite da cumplicidade com a má gestão de um governo que usa a mentira e a desinformação como método. Não vamos deixar a mentira prosperar. Isso é criminoso. O Brasil só vai se curar dessa doença com vacina e verdade. Com mais mentiras, seguiremos enterrando muita gente.
Alessandro Vieira, Líder do Cidadania no Senado

É nóis


O Brasil se transformou em um covidário. Nós somos o ápice da pandemia do mundo
Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado

Tempos de desgovernos

A dimensão da tragédia que atravessamos decorre da simultaneidade do coronavírus com o desgoverno. Outros países passam por dificuldades, mas nenhum enfrenta ao mesmo tempo o alto número de mortes, a falta de leitos em UTI, de oxigênio e de vacinas. Nenhum tem um desgoverno incapaz de organizar a logística de atendimento hospitalar, nenhum tem o desgoverno de um presidente incentivando pessoas a se aglomerarem, sem máscaras, a acreditarem em remédios sem comprovação científica. Há um vírus aliado ao desgoverno.

Em plena pandemia, o Ministério da Saúde teve à frente um militar seguindo ordens de seu comandante, independentemente de bases científicas. A administração profissional do Ministério foi tomada de assalto e dominada pelo caos. Porque não basta dar ordem, é preciso identificar propósitos e seguir uma lógica. Agora, já há um novo ministro, sem que o anterior tenha saído, o que é mais uma prova de desgoverno.

Há também o desgoverno na política externa, que relegou o Brasil ao posto de pária internacional. Nosso desgoverno pratica a antidiplomacia ao nos confrontar com a China, Venezuela, Estados Unidos, Argentina, França. O Ministério das Relações Exteriores faz o oposto do que sempre caracterizou nossa política externa, que já ocupou papel de destaque.


O Ministério da Educação tem passado a maior parte destes dois últimos anos desgovernando nossa, já pobre, educação. Nada trouxe de novo no plano federal, nem tenta coordenar os sistemas municipais e estaduais. As universidades estão abandonadas ou sendo confrontadas. Num momento em que o ensino à distância tem sido a única solução para manter as aulas em escolas públicas e particulares, respeitando o distanciamento social, não há ações coordenadas para investir em modernização do ensino.

O ministério que deveria zelar por nossos recursos naturais insufla ocupações de florestas por madeireiros e garimpeiros, ignora ou tolera incêndios. Nossos indígenas estão desprotegidos sob ações ou omissões do desgoverno genocida.

A pandemia trouxe desafios inesperados para a economia. Mesmo assim, sentimos o desgoverno também nesta área. Não se vê estratégia em execução, salvo os auxílios emergenciais que têm sido promovidos sobretudo pelo esforço do Congresso. Podemos dizer que, apesar do desgoverno, o parlamento tem feito seu papel.

Com a aproximação das eleições presidenciais, sentimos também que há um desgoverno nas oposições. O momento seria para a construção de uma base sólida que oferecesse alternativa viável para enfrentar e vencer o atual desgoverno. Em vez disso, vemos candidatos disputando entre si a chance de estar no segundo turno, em 2022, com o desgoverno.

O desgoverno da oposição não permite aos líderes e aos partidos entenderem que, depois dos conflitos, discordâncias e acusações no primeiro turno, dificilmente o vencedor contará com o apoio seguro de candidatos e eleitores que perderão. A chance é grande de repetirmos o que ocorreu em 2018, quando o acirramento do antagonismo no primeiro turno provocou grande número de votos em branco, nulos ou abstenções.

A única forma de evitar esse resultado, mais uma vez, seria construir uma base eleitoral unida já no primeiro turno, reunindo todos os partidos e líderes que se opõem ao desgoverno atual. As discordâncias entre as propostas desses partidos devem ser discutidas a partir de 2023, olhando para 2026. Além de todos os partidos, como nos tempos decisivos nas lutas pela democracia, o candidato escolhido deverá ter apoio também de entidades representativas da sociedade. Para vencer e barrar tentações golpistas.

Esta unidade pode ser construída desde já, sobre cinco compromissos: a) enfrentar o coronavírus e as sequelas sociais, econômicas e educacionais nos próximos anos; b) recuperar as conquistas democráticas praticadas desde 1985; c) barrar a destruição de nossas reservas naturais, especialmente da Amazônia; d) recuperar nossa presença internacional; e) assumir que o presidente eleito não disputará reeleição em 2026.

Com estes cinco compromissos, deve-se aceitar o debate para escolher o candidato com maior chance de vencer as eleições, acima de qualquer preconceito, levando adiante um governo de transição, pós-desgoverno atual.

Em momentos extremos, é preciso gestos extremos. E em um tempo de tanta desunião, o gesto extremo seria a união de todos os líderes divergentes em relação ao futuro, mas com um mínimo de identidade e sentimento para salvar o Brasil neste momento.

Morte e vida

O Brasil, este pequeno grande país, no canto do mundo, está vivendo seu momento especial, épico, na medida em que se revela o caráter especialmente cruel de seu líder, que despreza a vida e caminha ao lado da morte.

É uma liderança indiferente ao sofrimento do povo, que ao mesmo tempo busca votos nos segmentos mais pobres da sociedade. Trata-se de um populismo diferente, com o líder bufão, que fala apenas para seu público, com palavras chulas, de baixo calão e sem conexão com a realidade.

Ele opera ao lado de algumas religiões neopentecostais e distribui esmolas para os necessitados de tempos em tempos. E mantém o gabinete do ódio especializado em fazer e desfazer reputações.

Experimento diferente em matéria de política no Brasil. Os militares integram o governo, mas não constituem o centro das decisões. São assessores qualificados, porque o presidente não é filiado a nenhum partido, não tem assessoria, nem consultores profissionais.

O centro do poder é concentrado no conjunto Bolsonaro & filhos. Trata-se de um escritório, que recebe, às vezes, contribuições da primeira-dama usualmente preocupada com deficientes físicos. Este é o núcleo. O resto é periferia.


O presidente dorme pouco. Gosta de trabalhar dentro do enorme closet nos aposentos presidenciais no Palácio da Alvorada. Literalmente, ele atua dentro do armário.

Não fez um único gesto de apreço, de sentimento ou solidariedade para doentes e seus familiares. Nem enviou pêsames à família do senador Major Olímpio, que foi seu correligionário. Ele mantém os olhos fixos em 2022 e faz questão de não enxergar nada do que ocorre a seu redor.

Indiferença notável, jamais vista por aqui. As mortes não distinguem situação financeira, cor, raça ou credo. Elas se espalham pela sociedade. As filas de ambulâncias nas portas de hospitais são horripilantes.

Até as funerárias estão em colapso. Hospitais estão superlotados. Mas, o ex-Ministro da Saúde chegou a dizer, tempos atrás, no microfone e em voz alta: ‘não sei por que tanta pressa’.

Há uma cegueira deliberada na ação do presidente. Ele não enxerga a doença. Acredita em remédios condenados por entidades científicas. Todo o resto é frescura, gripezinha, mimmi e outras interjeições menos publicáveis.

A pandemia entrou na categoria de assunto pessoal. Um jogo do presidente brasileiro, junto com filhos, versus o desfile de mortos nas unidades de tratamento intensivo e desafortunados que não conseguiram chegar aos hospitais. Cenário pavoroso.

A história do Brasil está repleta de episódios violentos no Império e na República. Mas, eles decorrem de tentativas revolucionárias. Nunca por decisão pessoal do chefe do governo que resolve ignorar a realidade.

Agora ele pretende trilhar o caminho perigoso de buscar no Supremo Tribunal Federal argumentos constitucionais para submeter estados e municípios à sua competência originária.

Aventura jurídica complexa, demorada e destinada a ter sérias repercussões políticas. Não é bom brincar com estado de sítio. João Goulart, o Jango, tentou manobra semelhante pouco antes de ser derrubado. É a confissão da impossibilidade de o governante atingir seus objetivos pelos meios legais disponíveis.

Os senadores não estão satisfeitos com a postura do governo. Os principais expoentes do Centrão também não. Eles indicaram a doutora Ludmila Hajjas para o cargo de Ministro da Saúde. Mas o conjunto Bolsonaro & filhos escolheu Marcelo Queiroga. E, de imediato, organizou o ataque contra a médica goiana nas redes sociais.

O objetivo foi destruir a reputação da indicada pelo Congresso. Ou seja, o presidente, no seu armário, ignorou o conselho de correligionários. É bom lembrar que o mesmo grupo de parlamentares, chamado Centrão, apoiou Dilma Rousseff somente até a véspera do impeachment.

O deputado de fundo de plenário, por obra de uma série de coincidências, transformou-se em Presidente da República, sem equipe, sem assessores e sem programa. Desenvolveu paranoia profunda. Teme golpe contra ele. Decidiu sacrificar seu povo em nome de salvar a economia. Mas o país já foi tragado pela crise. Jogo jogado. Acabou.

Paulo Guedes está na contramão do mundo. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou programa de auxílio de quase dois trilhões de dólares. Está chovendo dinheiro sobre o cidadão norte-americano. A força do mercado se dissolveu na crise sanitária.

O único remédio para a economia agora é simples: vacinar, vacinar e vacinar. Além disso, resta apenas a estranha compulsão de cortejar a morte.

Carta aberta de deputados denuncia 'atitudes inconsequentes'

O bolsonarismo asfixia o Brasil. Tenta nos sufocar com sua agenda negacionista e atitudes inconsequentes. Tudo o que estamos vivendo hoje já era uma crônica de muitas mortes anunciadas. Se você ainda tem alguma dúvida, recomendo o documentário Timeline Covid-19 Brasil, disponível no YouTube, para lembrar o que vivemos no ano passado. Está lá, para todos verem.

Nós, autores deste artigo, fomos testemunhas do método bolsonarista de “gestão”, um “método” baseado no quanto pior, melhor. O resultado está estampado nos números da pandemia. Se alguém ainda quer bancar a Poliana e acreditar que o bolsonarismo vai se enquadrar na racionalidade, vai cair do cavalo de novo. A conversa não é mais sobre o futuro, é sobre a dor de agora. Aqueles que tapam o sol com a peneira e fingem não entender o que acontece ao nosso redor carregarão a culpa da tragédia que se instalou no país.

Se, por um lado, o bolsonarismo nos trouxe até aqui, ele também provocou a mexida de placas tectônicas da política que estavam adormecidas. Centro, direita ou esquerda já não fazem mais nenhum sentido quando temos 300 mil mortos, crise de desabastecimento, inflação, 14% de desempregados, milhões de alunos fora da escola, um plano de imunização fantasma, interferências nas estatais, ataques constantes à ciência, às instituições, aos direitos humanos, uma polícia política dentro do governo perseguindo adversários e tantas outras aberrações.

O bolsonarismo não entende a política como meio de resolução de conflitos. As palavras consenso e adversário não existem no dicionário da seita. A política é só um meio de aniquilar seus inimigos. Eles inauguraram uma outra corrente de “pensamento” que está fora de qualquer eixo ideológico e que não cabe dentro de um estado democrático. E é por essa razão que esquerda, centro e a direita têm agora uma oportunidade única de se sentar à mesa e pensar o país, construir um projeto de Brasil e uma oposição unida contra este método perverso de se fazer política.

Dentro deste contexto de desilusão e falta de perspectiva nasce um grupo de parlamentares independentes, de diferentes partidos, ideologias e pensamentos para somar forças contra a tragédia que estamos vivendo. Não é sobre o que virá, é sobre o que está ocorrendo agora. Nós, que assinamos esta carta, e vários deputados e deputadas que representamos, temos enormes diferenças sobre gestão pública, mas para se falar de gestão pública é preciso garantir que a democracia esteja viva e que as instituições funcionem livremente.

Nosso objetivo é fortalecer essa corrente onde todos os parlamentares que desejam discutir o Brasil a fundo, sem distinção de credo, religião ou ideologia, possam se sentar à mesma mesa. O brasileiro que depende do auxílio emergencial, e que está sem capacidade de planejar seu futuro, não está nem aí se o auxílio é de direita ou de esquerda. O brasileiro que perdeu um familiar para a Covid não tem tempo pra teorias da conspiração. Quando a miséria e a falta de perspectiva dominam, esqueçam o debate ideológico do Twitter.

A seita que nos governa adotou a lógica de casta para exercer o poder. Só serão servidos aqueles que compartilharem da sua visão de mundo. O restante, ou se converte ou ‘que se dane’, como diria o presidente. Por mais que muitos achem que Bolsonaro é um bufão e que suas ameaças são apenas palavras ao vento, seu péssimo exemplo influencia muita gente. Conter esse desastre é nossa missão dentro do Parlamento.

Este grupo nasce para combater a política de castas e restabelecer a ordem legal e democrática no país, começando por: 1) exigir que o governo garanta os insumos básicos para o funcionamento dos hospitais, como respiradores e anestésicos e 2) e apresente um cronograma real de vacinação do país.

Hoje, quando publicamos esta carta, mais de 300 mil brasileiros perderam a vida e milhares estão intubados tentando respirar. Bolsonaro e seu séquito vão seguir asfixiando o país com o método que lhes é peculiar. Cabe a nós, do centro, da esquerda e da direita civilizada, agir para evitar que o país perca o ar por completo.

Tabata Amaral (PDT), Orlando Silva (PCdoB), Fabio Trad (PSD), Prof. Israel Batista (PV), Mario Heringer (PDT), Paulinho da Força (Solidariedade), Raul Henry (MDB), Kim Kataguiri (DEM), Rodrigo Maia (DEM), Júnior Bozzella (PSL), Tadeu Alencar (PSB), José Guimarães (PT), Joenia Wapichana (Rede), Marcelo Freixo (PSOL), Wolney Queiroz (PDT), Gastão Vieira (PROS).