quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Escolhas de risco

Outro dia sonhei que, em visita à aldeia tupinambá, fui convidado a almoçar pelo cacique Cunhambebe, sem perceber que, numa fase antropofágica, ele planejava me incluir no cardápio. Já sonhei também que fui jantar no restaurante do encouraçado Potemkin. Quem viu o filme de Eisenstein, de 1925, sabe que a comida do Potemkin era tão incomível e cheia de bichos que provocou uma revolta popular na Rússia de 1905.

E imagine-se com sua namorada no Motel Bates. O dito motel é aquele de “Psicose”, o filme de Hitchcock, de 1960, em que o gerente, um tarado vestido de mulher, assassina quem se hospeda nele. Outro pesadelo: suponha-se na Vila Rica (MG) de 1792 com uma súbita dor de dentes. O único dentista à mão é um rapaz simpático e prestativo, mas que só sabe fazer extrações, o Joaquim José.


E por aí vai. Essas situações se referem a riscos que podemos correr por desinformação ou erro de cálculo. Tome alguns dos atuais candidatos à Presidência. Conhecendo-os como políticos, como seria se os contratássemos nas profissões que originalmente exerceram?

Ciro Gomes, por exemplo, era advogado. Sempre fez tudo para perder suas causas — e conseguiu. Henrique Meirelles formou-se em engenharia, mas o único setor que o interessava nos edifícios em que trabalhou era o cofre. E Geraldo Alckmin já foi médico. Sua especialidade era a anestesiologia. Continua a praticá-la, só que como político —seus discursos são sedações quase fatais.

O pitoresco Cabo Daciolo foi bombeiro até outro dia, mas não o chame em caso de incêndio —seu negócio era liderar greves da categoria. Já Jair Bolsonaro é político há 29 anos, mas diz-se, até hoje, membro das Forças Armadas, das quais quase foi expulso. E Lula, igualmente, ainda se apresenta como torneiro mecânico, embora não veja uma chave de rosca há quase 50 anos. Pensando bem, a eles só resta mesmo tentar a Presidência.

O podre não olha estrelas

(…) O céu estava tão cheio de estrelas, tão luminoso, que quem erguesse os olhos para ele se veria forçado a perguntar a si mesmo: será possível que sob um céu assim possam viver homens irritados e caprichosos?
Fiódor Dostoiévski, "Noites Brancas"

A farra dos sindicatos

A julgar pela grave denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o grupo político que passou a atuar no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a partir de 2016 - “sob influência do PTB e do SD” -, o órgão foi tomado por uma “organização criminosa” disposta a “fazer negociações ilícitas de registros sindicais”. O grupo é acusado de “vender” registros sindicais para entidades dispostas a pagar propina para escapar da “burocracia existente” na Secretaria de Relações do Trabalho.

“Os elementos probatórios reunidos no inquérito indicaram que representantes das entidades sindicais ingressam no esquema criminoso em razão da burocracia existente na Secretaria de Relações do Trabalho, que dificulta - e muitas vezes impede - a obtenção de registro àqueles que se recusam a ofertar a contrapartida ilícita que lhes era exigida”, destacou a PGR.

Na denúncia de 91 páginas, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, detalha o funcionamento da suposta “organização criminosa”, dividida por ela em cinco “núcleos”, quatro dos quais são objeto da peça acusatória: “administrativo”, “sindical”, “político” e “captador”. No total, foram denunciadas 26 pessoas, incluindo o ex-ministro Helton Yomura, o presidente do PTB, Roberto Jefferson, os deputados federais Jovair Arantes (PTB-GO), Cristiane Brasil (PTB-RJ), Paulinho da Força (SD-SP), Wilson Santiago Filho (PTB-PB) e Nelson Marquezelli (PTB-SP) e outros. São acusados de integrar o chamado “núcleo político”, que seria o núcleo responsável por “indicar e manter os integrantes do núcleo administrativo (que aceleravam a tramitação dos processos de registro) em suas funções comissionadas” no MTE.

A denúncia foi oferecida ao Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Edson Fachin, e baseou-se em provas colhidas no âmbito da Operação Registro Espúrio, além de informações e outras provas oferecidas por um ex-funcionário do MTE que celebrou um acordo de colaboração premiada com a PGR.

Hoje, o Brasil tem cerca de 17,2 mil sindicatos registrados, 70% representando interesses dos trabalhadores e os outros 30%, dos empregadores. São sindicatos demais, em número que desafia o bom senso. Só em 2006, durante o governo do ex-presidente Lula da Silva, o MTE autorizou o registro de 9.382 entidades sindicais, mais da metade do atual número. Ou seja, a farra dos sindicatos é um problema antigo e revela uma “cultura sindicalista” que, entre outras razões, parece destinada a absorver tantos recursos quanto possível, seja da União, seja dos trabalhadores.

Em 2016, antes, portanto, do início da vigência da Lei n.º 13.467/2017, que instituiu a chamada reforma trabalhista, os sindicatos de empregados e empregadores movimentaram, no total, cerca de R$ 3,5 bilhões. Desde novembro de 2017, quando a lei entrou em vigor, a arrecadação dos sindicatos vem caindo substancialmente com o fim do chamado imposto sindical, obrigando os sindicatos a adotar duros ajustes fiscais e a rever suas formas de atuação, antes amparadas por uma fonte inesgotável de recursos financeiros.

Foi esta torrente de dinheiro fácil que alimentou ao longo dos anos a proliferação dos sindicatos no País, muitos deles bem distantes da proteção dos interesses dos trabalhadores. Alguns foram transformados em apêndices de partidos políticos. Não foi por outra razão que o fim da contribuição sindical obrigatória - uma excrescência já no nome -, foi uma das inovações benfazejas trazidas pela Lei n.º 13.467/2017.

Em países como os Estados Unidos, França e Reino Unido, com grande tradição de lutas sindicais, há pouco mais do que uma centena de sindicatos. Na Argentina, são cerca de 90. Não é razoável supor que os números de categorias profissionais e interesses laborais a serem resguardados naqueles países são tão menores do que os que existem aqui. Caso seja recebida pelo STF, a denúncia oferecida pela PGR contra o grupo político acusado de delinquir no MTE poderá ajudar o País a entender a brutal discrepância.

Um Chirac, rápido

Na eleição presidencial de 2002, pela primeira vez na história recente do país, um candidato da extrema direita chegou perto do poder na França. Com a esquerda dividida, como sempre, e com a reação crescente à invasão de imigrantes, como agora, só Jacques Chirac, disputando sua reeleição, teve mais votos do que Jean-Marie Le Pen, líder da Frente Nacional. Poucos votos mais. E foram os dois para um segundo turno em que uma vitória de Le Pen não parecia fora de propósito. Seu eleitorado – a França “profunda”, racista, antissemita, xenófoba, marginalizada pela globalização – continuava o mesmo e não mudaria seus conceitos e preconceitos – ou seu voto.

Mas aí a França acordou. Olhou em volta, esfregou os olhos, e disse a frase fatídica: “Pera aí um pouquinho”. Como se sabe, “pera aí um pouquinho” é a frase que tradicionalmente precede tomadas de consciência e epifanias. Nosso francês exemplar – digamos que se chame Pierre, para facilitar – talvez um eleitor do Jospin, socialista, terceiro mais votado no primeiro turno, se deu conta que antes de mais nada era preciso evitar que Le Pen se elegesse. Pierre poderia ser comunista, anarquista, zen-budista, odiar o Chirac, não importava. Só um Chirac vencedor impediria que a França fosse governada por um fascista declarado.


Chirac cumpriu sua função histórica. Derrotou Le Pen de goleada no segundo turno e lavou a alma da França – ou, vá lá, deu uma esfregada até a eleição seguinte, do Sarkozy. Venceu porque, como o nosso Pierre, muita gente se uniu, não a favor dele, mas contra o Le Pen. Simpatizei com Chirac depois que me contaram que ele teve um caso com a Claudia Cardinale. Ter um caso com a Claudia Cardinale me parece recompensa justa pelo que Chirac fez pela França. Ele mereceu.

Pensando em votar em branco, votar no Ratinho ou anular o voto? Pera aí um pouquinho. Escolha o mais Chirac dos candidatos e vote nele. O Le Pen nós já temos.

Sessão Nostalgia

Dá para explicar a crise do Brasil em duas frases?

O e-mail veio de um amigo, um conhecido jornalista americano: “O que está acontecendo com o Brasil? É o apocalipse? Você consegue esclarecer e explicar em duas frases?”.

Eu olhei, mudo, para meu computador. Duas páginas, tudo bem. Mas duas frases? Lembrei uma velha citação, algumas vezes atribuída ao filósofo do século XVII Blaise Pascal: “Se eu tivesse mais tempo, eu teria escrito uma carta mais curta”.


Talvez de forma previsível, pensei primeiro em corrupção. Se meu amigo — com uma consciência global, mas não um cara que acompanha a América do Sul — se preocupou com o Brasil, foi por causa do horror único da crise atual: a pior recessão de sua história moderna — sem recuperação real e significativa até agora —, um presidente com percentual de 3% de aprovação, metade da classe política na cadeia ou sob acusação e por aí vai. O escândalo da Operação Lava Jato tem os superlativos exigidos para explicar essa bagunça: o maior caso de corrupção já detectado não apenas no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo, de acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Bilhões de dólares em multa, grandes projetos de construção abandonados. O caso surgiu em 2014, no mesmo período em que a economia começou a ruir. Certamente eu poderia começar minha resposta aqui.

Mas, espera aí. A corrupção poderia realmente ser usada em um resumo de duas frases sobre o que aflige o Brasil? Porque, embora a corrupção seja inquestionavelmente ruim, a maioria das evidências — empíricas ou não — sugere que ela esteja dentro da média pelos padrões globais. O índice anual de percepção da corrupção da Transparência Internacional põe o Brasil em 96º lugar entre 180 países, nível comparável aos da Índia, da China e do Kuwait. Esses países não continuam a crescer apesar dos bilhões de dólares que estão sendo desviados?

Talvez o problema seja mais amplo, pensei. Lembrei a frase que eu ouvi 10 mil vezes durante meus anos de São Paulo. “Ah, este país seria muito bom se tivéssemos políticos melhores.” Nenhuma dúvida: Fernando Collor, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral — para tirar três nomes da cartola — não eram com certeza as melhores pessoas que o Brasil tinha a oferecer. Mas a Lava Jato também não nos mostrou que parcelas do setor privado eram tão podres quanto os larápios de Brasília? E, me perdoem, amigos brasileiros, a criminalidade não é claramente um enorme problema em toda a sociedade? Em um país com 60 mil homicídios por ano? Só São Paulo tem pelo menos 530 furtos por dia. Um estudo sugeriu que o país perde sete vezes mais recursos com sonegação de impostos do que com a corrupção. Culpar os políticos, como se eles fossem alienígenas em relação ao restante da sociedade, sempre me pareceu uma desculpa — você ouve esse refrão não apenas no Brasil, mas na Argentina, no México e, sim, nos Estados Unidos. Sempre soa oco.

Talvez esse seja o ponto — não se espera que posições de liderança se destinem a pessoas comuns. Eu conheci muitos brasileiros incríveis ao longo dos anos — honestos, compassivos, educados, modernos. Com algumas notáveis exceções, eles não buscam as posições que podem ter os impactos mais positivos — no governo ou no setor privado. Eu poderia citar uma variedade de razões para isso: a sensação generalizada de que tanto os políticos quanto os grandes negócios são um “jogo sujo”, regras eleitorais e financiamento de campanha que protegem os titulares dos cargos — o que fica evidente nestas eleições — e, talvez, uma falta de coesão e responsabilidade cívica em um país com um abismo tão grande entre ricos e pobres.

Veja como Joaquim Barbosa e Luciano Huck recusaram boas chances de se tornar presidente neste ano ao decidirem que o esforço não valia a pena. Eu conheço meia dúzia de brasileiros de minha idade — tenho 40 anos — que preferiram não aproveitar a oportunidade de concorrer a uma cadeira no Congresso, balbuciando alguma coisa sobre 2022 ser um momento melhor. Em contraste, alguns outros países que conheço bem na América Latina — Colômbia vem à mente, assim como o Chile e a atual geração na Argentina — tiveram sucesso em atrair muitos dos melhores e mais brilhantes para posições reais de poder. Sua evidente ausência no Brasil — essa falta de alinhamento entre os melhores da sociedade e os papéis mais importantes de liderança — é realmente incomum. Não apenas na política, mas em outras áreas.

OK. Isso parecia satisfatório — pelo menos para uma das minhas frases.

Para a segunda, eu fui para os livros de história. Qualquer discussão profunda dos problemas do Brasil tem de começar com a desigualdade — as injustiças colossais que começaram com a colonização, que foram pioradas pela escravidão e continuaram nos anos seguintes. A maioria dos rankings coloca o Brasil em algum lugar entre os 15 ou 20 países mais desiguais do mundo, e essa não é definitivamente uma lista em que você queira estar — inclui a África do Sul, o Haiti, a República Centro-Africana e outras. A desigualdade tem sido apontada como um combustível da criminalidade e um empecilho ao crescimento econômico, entre muitos outros males. Também desestabiliza as democracias, já que a maioria está perpetuamente insatisfeita com sua posição relativa na sociedade e tende a hostilizar as urnas.

Mas, novamente, vamos ser honestos — o mundo está cheio de países que superaram suas cargas históricas, seja de guerra, pobreza, ódio étnico ou alguma outra coisa. Países malsucedidos ficam presos a seu passado; os bons resolvem seus problemas. Nós sabemos basicamente o que perpetua a desigualdade no Brasil: não somente a educação, mas uma rede de privilégios e proteções que assegura que os ricos permaneçam ricos e que transforma num inferno a vida dos que tentam competir com eles. O Brasil continua a ser um dos lugares mais difíceis para criar empresas — classificado em 176º entre 190 países nessa categoria pelo Banco Mundial. Continua a ser a economia importante mais fechada das Américas, graças às tarifas e aos subsídios que protegem os magnatas da competição estrangeira — e obrigam os brasileiros a comprar seus produtos ou a voar para a Flórida para comprar coisas melhores. É um país que cobra alguns dos mais elevados impostos da América Latina, para que políticos, generais e alguns juízes possam desfrutar de privilégios inéditos até mesmo na Europa, e onde funcionários públicos podem se aposentar confortavelmente no alto de seus 55 anos.

De fato, existem mil truques que tornam o empreendedorismo difícil e garantem que o pobre permaneça pobre. Nenhum deles é, do ponto de vista técnico, tão difícil de mudar. O que falta é vontade política para isso.

Uma eleição presidencial seria, normalmente, uma oportunidade para sair da crise e entrar em um caminho novo e promissor. Mas, sentado aqui hoje, acredito que dificilmente algum dos candidatos que estão concorrendo em outubro tenha condições de enfrentar os problemas reais do país — seja por não ter as ideias certas, seja porque parece incapaz de conseguir apoio no Congresso e na sociedade para fazê-lo. E isso, creio eu, é o que torna o momento atual no Brasil tão asfixiante — e tão único do ponto de vista global.

Assim, esta foi a resposta para meu amigo: “Muitos privilégios idiotas para a elite. Falta de bons líderes”.
Brian Winter 

Mudanças climáticas ameaçam valor nutricional de alimentos

Centenas de milhões de pessoas podem vir a desenvolver deficiências nutricionais devido ao aumento dos níveis de CO2 na atmosfera, aponta um estudo publicado nesta semana pela revista Nature Climate Change.

Pesquisadores da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, de Harvard, estimam que, a menos que as emissões de carbono sejam drasticamente reduzidas nas próximas décadas, 175 milhões de pessoas podem adquirir deficiência de zinco e 122 milhões de proteína até 2050.

Além disso, 1,4 bilhão de mulheres em idade fértil e crianças menores de cinco anos podem perder 4% de sua ingestão de ferro, o que eleva o risco de anemia.


O estudo soma-se a um crescente número de artigos que mostram que mudanças ambientais, como a escassez de água e o aumento de temperaturas e de níveis de dióxido de carbono, estão afetando a qualidade nutricional e a produção de legumes, verduras e arroz.

Pesquisas mostraram que as concentrações de proteína, ferro e zinco são significativamente mais baixas em culturas mantidas em ambientes onde os níveis de CO2 são maiores que os de culturas cultivadas sob as condições atmosféricas atuais. Cientistas do clima preveem que, se não restringirmos nossas emissões, a concentração de CO2 pode mais que dobrar até 2100.

Com base em um banco de dados GENuS (Global Expanded Nutrient Supply), que estima o impacto de uma menor ingestão de nutrientes na saúde de habitantes de 151 países diferentes, os autores do estudo divulgado nesta semana examinaram quais regiões do mundo sofrerão o impacto da perda de nutrientes em culturas básicas, como arroz, trigo e batatas.

Os mais prejudicados, assim como na maioria dos aspectos das mudanças climáticas, são os países de baixa renda, diz Samuel Myers, coautor do estudo e diretor da Planetary Health Alliance, em Harvard.

"A descoberta é mais importante para quem está próximo de um limiar de deficiência nutricional e conta com tais culturas alimentares para obter uma parte significativa de um nutriente específico de sua dieta", afirma Myers.

Culturas como arroz e trigo são a principal fonte de alimento para mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo. Muitos que não têm condições de pagar por uma dieta diversificada dependem desses grãos básicos para a maioria de suas calorias.

São essas pessoas, com "baixa diversidade alimentar" e "pouca comida de origem animal" – muitas vezes ricas em zinco, ferro e proteína – que sofrerão mais com o declínio da nutrição das safras, completa Myers.

O país que deverá arcar com o maior fardo é a Índia, que, segundo os pesquisadores, terá um adicional de 50 milhões de pessoas com deficiência de zinco; 38 milhões, de proteínas, e 502 milhões de mulheres e crianças vulneráveis a doenças associadas à deficiência de ferro até meados do século.

O dióxido de carbono é essencial para o crescimento das plantas, mas, em excesso, pode ser problemático. Embora a ciência por trás da fisiologia vegetal seja "complexa", segundo Myers, acredita-se que concentrações mais altas de dióxido de carbono possam fazer com que grãos como trigo e arroz produzam mais carboidratos, como amidos e glicose, à custa de nutrientes como proteína, zinco e ferro.

"Ainda não entendemos realmente por que isso está acontecendo, mas achamos que é muito mais complicado do que um simples 'efeito de diluição de carboidratos'. O que sabemos é que, em condições de concentrações mais altas de CO2, as safras se tornam menos nutritivas", diz Myers.

Atualmente, cerca de 2 bilhões de pessoas já vivem com deficiências nutricionais no mundo todo. Isso, além dos aproximadamente 815 milhões que não têm acesso a alimentos nutritivos o suficiente e das 1,5 milhão de mortes a cada ano ligadas à baixa ingestão de vegetais.

Se nada for feito, uma redução nos nutrientes devido à mudança climática pode intensificar um "problema já grave" de desnutrição, afirma Kristie Ebi, professora de saúde global da Universidade de Washington.

A falta de ferro pode resultar em anemia por deficiência de ferro, o que, segundo Ebi, "pode levar a complicações graves, como insuficiência cardíaca e atrasos no desenvolvimento de crianças". Já a deficiência de zinco pode levar a "uma perda de apetite e do olfato, problemas de cicatrização e danos ao sistema imunológico".

"O zinco também ajuda no crescimento e no desenvolvimento, e é por isso que a ingestão suficiente de alimentos é importante para mulheres grávidas e crianças em fase de crescimento", aponta Ebi.

Segundo cientistas, não é apenas o mundo em desenvolvimento que sofrerá as consequências de uma redução no valor nutricional dos alimentos básicos. Os resultados do estudo divulgado nesta semana trazem implicações alarmantes para a saúde pública e a segurança alimentar em todo o mundo. De acordo com Ebi, as mudanças têm o "potencial de afetar a todos".

Uma dieta diversificada, que inclua carne, grãos, frutas e verduras, geralmente é suficiente para fornecer vitaminas, micronutrientes e proteínas. Mas, como Ebi aponta, "tal dieta pode estar fora do alcance das populações pobres em todos os países".

Decisões diárias, enfatiza Myers, como a forma como aquecemos nossas casas, o que comemos, como nos movimentamos, o que escolhemos comprar, estão, na verdade, tornando nossos alimentos menos nutritivos e tendo um impacto sobre a saúde de outras populações e de gerações futuras.

"Precisamos entender que nossas ações estão colocando as pessoas mais vulneráveis do mundo em perigo", conclui.
Deutsche Welle

A eleição totêmica

O pai morto tornou-se mais forte do que o fora vivo
Sigmund Freud, em Totem e Tabu
Imaginemos a condenação de um adorado líder nacional que sofreu um processo administrado com celeridade atípica, a toque de caixa. Imaginemos que esse homem forje uma oportunidade espetacular para discursar em público, momentos antes de se entregar aos que farão cumprir a sentença. De posse da palavra, diz que seu crime não está no mal que causou, pois não causou nenhum. Sua eloquência comove os presentes. Se sofrerá punição, assegura, só a sofrerá por ter feito o bem ao povo. Ele se vê como um revolucionário. Está seguro de que a História reconhecerá seu valor. Acusa os juízes de estarem a serviço de ordens espúrias e inconfessáveis. Adverte que a imprensa deixou de cumprir o seu papel de relatar os fatos, pois foi silenciada pelo poder. Avisa a seus carrascos que podem tentar, mas não conseguirão apagá-lo da vida nacional, pois ele não é mais um homem comum. Diz que suplantou a condição humana e atingiu outra dimensão.

Estamos falando, como o improvável leitor já há de ter notado, do francês Georges Jacques Danton (1759-1794). Em termos menos vagos, falamos aqui do personagem Danton tal como foi retratado no filme que leva seu nome, Danton, o Processo da Revolução, uma produção de 1983 que envolveu três países, França, Polônia e Alemanha, sob a direção do polonês Andrzej Wajda. Baseado em fatos e pronunciamentos registrados pelos historiadores, o filme reconstitui os dias em que o tribunal revolucionário em Paris condenou à guilhotina o exuberante orador e expoente maior da Revolução Francesa. Numa cena especialmente dramática, Danton se encontra no tribunal. Sabe que não terá escapatória. A farsa judicial é flagrante. Ele protesta e ganha a palavra. No grito. Reclama dos policiais que impediram um jornalista de tomar notas. Começa a falar.

“Por que é preciso me matar? Só eu posso responder. Devo morrer porque sou sincero. Devo morrer porque digo a verdade. Devo morrer porque assusto. Eis as razões que levam ao assassinato de um homem honesto”.

Como não adianta mais recorrer aos fatos, apela para o sobrenatural, como alguém que se visse transfigurado em mito: “Eu não desaparecerei. Não! Eu falo! E falarei até o fim! Pois sou imortal! Sou imortal, porque sou o povo! O povo está comigo!”.

À beira de perder o pescoço, Georges Danton inventou a própria imortalidade. Era o que lhe restava. Apesar da retórica triunfalista, faleceu no dia 5 de abril de 1794, aos 34 anos de idade. Não consta que depois de morto se tenha manifestado magicamente para conduzir os cidadãos franceses. Mesmo assim, naqueles dias, e por muitos anos, o Danton morto teve quase o mesmo encanto que o Danton vivo.

Palavras semelhantes se ouviram de Sócrates, no ano 399 antes de Cristo, quando, aos 70 anos de idade, foi condenado pela assembleia em Atenas a tomar cicuta. Prenunciou que a História reconheceria a injustiça que a Justiça da pólis armou contra ele. Talvez tivesse razão.

Muitos tentaram enveredar pela mesma oratória, às vezes com êxito e outras vezes, não. “A História me absolverá”, declarou um jovem Fidel Castro, em 1953, ao ser julgado e condenado pelo ataque contra os quartéis de La Moncada e Carlos Manuel de Cespedes, em Santiago de Cuba. Passados mais de 60 anos, a dúvida se agrava: absolverá mesmo?

Passemos agora ao Brasil. Há poucos meses Luiz Inácio Lula da Silva, prestes a se entregar às autoridades que o levariam ao cárcere, discursou às portas do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Declarou que se tinha transformado numa “ideia”. Traduzindo: não era mais um ser humano comum. Naqueles dias, suas palavras foram comparadas à carta-testamento de Getúlio Vargas - outro que proclamou estar prestes a entrar para a História -, mas, aí, a analogia talvez não dê conta do que se passa. Por intuição ou aconselhamento, Lula filiou-se menos à tradição populista, embora não a dispense, e mais à tradição da política que almeja elevar-se à ordem das representações míticas.

O buraco, portanto, é mais acima. A exemplo de Danton, o ex-presidente falou como quem se sente maior do que a pena que lhe deram. Danton imaginava que sobreviveria à guilhotina. Lula profetizou que seu corpo político não caberia dentro de uma cela de cadeia e que, mesmo preso, subsistiria atuante.

Muito já se disse - e muito ainda se vai dizer - acerca dos mitos em geral. Seria ocioso e despropositado dissecar esse conceito aqui. Mas um dos traços desse conceito merece ser lembrado: trata-se da desconexão entre a inexistência material do mito e os efeitos reais, incontestáveis, que ele gera no mundo das pessoas de carne e osso. O mito inexiste e, não obstante, atua sobre a realidade. Vemos isso todos os dias nas religiões, na cultura, nas crenças populares e, para o bem e para o mal, vemos isso também na política.

Logo após a prisão de Lula, escrevi um pequeno artigo para o jornal O Globo (A Justiça obscura e sua tragédia, 25 de janeiro, pág. 10) em que afirmei: “Agora, o Lula condenado vai brilhar mais que o Lula candidato”. Acho que eu não estava de todo errado. Um político encarcerado, condenado em segunda instância, impedido de ser candidato segundo a legislação vigente, poderá receber os votos por meio de um símbolo que se ponha em seu lugar. Temos aí um candidato que não existe juridicamente - e que será votado por meio de outro que encarne a “ideia” Lula.

Bem sei que a palavra mito é meio arroz de festa, qualquer um a invoca, sem a menor cerimônia, até mesmo nas eleições em curso. Mas que diferença isso faz? Na nossa mitologia meio mequetrefe, meio rastaquera, o candidato que lidera as pesquisas, posto para fora do pleito por força da legalidade eleitoral (as bases legais da democracia se afunilam como o buraco de uma agulha), receberá votos mesmo assim. Teremos uma eleição totêmica.

Brasil precavido


Dinheiro, tem. Mas tudo comprometido

O próximo presidente vai gastar muito dinheiro – algo em torno de R$ 1,4 trilhão. Essa espantosa despesa consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias, já aprovada pelo Congresso, e que será a base do projeto de orçamento federal para 2019 – o qual, aliás, será encaminhado amanhã ao Legislativo.

Olhando o dinheiro, muitos candidatos se encantam. E os candidatos liberais se encantam mais ainda quando verificam que a União dispõe de estatais e imóveis. Já pensaram? Vendem-se ativos, paga-se dívida e tome gastos sociais e investimentos.

Pura ilusão. O presidente vai mesmo gastar aquele trilhão e tanto, mas não vai decidir onde e como.

Começando pelo orçamento, conforme os parâmetros da LDO. A maior parcela vai obrigatoriamente para benefícios do INSS, nada menos que R$ 635 bilhões. Depois, vem a folha de salários e encargos do funcionalismo, com R$ 322 bilhões. Em seguida, a conta de despesas sociais, como o benefício de prestação continuada. Mais R$ 225 bilhões. Somando essas três rubricas, já se foi a parcela de 83,5% do gasto total.

Há ainda despesas que podem ser remanejadas aqui e ali, mas têm que ser feitas, por determinação constitucional, em educação e saúde. Isso leva mais R$ 135 bilhões.

Tudo somado e subtraído, daquela espantosa cifra inicial sobra para o próximo presidente decidir onde gastar a mixaria de R$ 98 bilhões, algo como 7% da despesa total. E para todo o funcionamento da máquina e investimentos.

É verdade, que na parte das receitas, tem um dinheiro bom – R$ 303 bilhões – que são renúncias fiscais, ou dispensa do pagamento de impostos para diversos setores e empresas. É tentador: cancelem-se algumas isenções e aparecem mais alguns bilhões.

Verdade, mas as isenções não caíram do céu. Foram colocadas no orçamento por lobbies políticos e econômicos bastante poderosos, que continuam todos por aí. Não será fácil eliminá-las, tudo dependendo de negociações no Congresso. Dirão: o presidente recém-eleito vem com muita força. Mas os deputados e senadores também estarão carregados de votos novos.

Deve-se notar ainda que todas as despesas previstas para 2019 na LDO registram aumentos em relação a este ano. Há, por exemplo, reajustes salariais para diversas categorias, inclusive para juízes. A conta de aposentadorias continua subindo.

Há candidatos falando em introduzir o orçamento de base zero. Significa eliminar todas as vinculações e regras obrigatórias. Bacana, mas depende de um amplo conjunto de emendas constitucionais e centenas de leis.

E o dinheiro das privatizações e imóveis? De fato, há estatais que valem dinheiro, como a Petrobras e o Banco do Brasil, não por acaso aquelas cuja venda tem mais restrição política, ideológica e de poderosas corporações.

E os imóveis? No balanço patrimonial da União aparece uma fortuna, pouco mais de R$ 1 trilhão, com a observação de que muitos imóveis podem estar subavaliados.

Todo governante novo – por novo entendendo-se aquele que nunca esteve no poder federal – começa com essa expectativa, de fazer caixa com a alienação de imóveis.

Mas quando se olha a coisa no detalhe, o quadro muda bastante. Nesse trilhão e tanto, encontram-se: parques, reservas, quarteis das Forças Armadas, prédios de repartições e escolas, os tais palácios, residências, como o Alvorada ou o Jaburu, e até estradas. É verdade que se poderia vender a luxuosa residência do vice-presidente, o Jaburu, já que o vice não faz nada, a não ser política ou politicagem. Mas quem o compraria? Daria um hotel? Sem condição.

Cita-se muito como um bom ativo o velho prédio do Ministério da Fazenda, no centro do Rio. De novo, quem compraria um edifício deteriorado, precisando de reformas, num momento em que sobram prédios comerciais?

Todos admitem que há problemas nas contas públicas. Já é um avanço. O próximo passo é admitir que a crise fiscal é muito grave, urgente e, pois, sem soluções simples. Há dois pontos aqui: primeiro, o candidato entender o tamanho da encrenca; segundo, mostrar isso ao eleitorado e convencê-lo que não há solução fácil.

Não se respeita sem-vergonha

Quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito
Georg Lichtenberg

Temer abre cofres e aperta o botão de 'dane-se'

Ao assumir o trono, Temer prometia tirar as contas públicas do vermelho. Falava em “recolocar o país nos trilhos”. A quatro meses do fim do mandato, comanda um trem fantasma. Entregará ao sucessor, entre outras almas penadas, uma cratera fiscal de R$ 139 bilhões para 2019.

Com os cofres no osso, Temer desistiu de congelar os reajustes salariais do funcionalismo. Pior: aceitou incluir no Orçamento do ano que vem o aumento dos contracheques do Judiciário.


Caótico, o governo Temer promoveu, nas pegadas do impeachment de Dilma Rousseff, uma farra salarial. Numa madrugada de junho de 2016, sob aplausos do Planalto, a Câmara aprovou 14 projetos com aumentos para 38 carreiras de Estado. Dizia-se na época que os mimos —mais de R$ 50 bilhões até 2019— tinham sido negociados por Dilma e já estavam computados no rombo fiscal.

A equipe econômica tentava agora levar ao freezer o pedaço do reajuste dos servidores previsto para o ano que vem. Coisa de R$ 6,9 bilhões. Temer parecia concordar. Mas decidiu tratar uma verba pública inexistente como se fosse dinheiro grátis. Liberou os reajustes sob o argumento de que cabe ao sucessor evitar o descarrilamento do trem fantasma. Michel Temer apertou o botão de “dane-se”.

A crise por que passa o país está provocando medo aos brasileiros

Jamais perderei a esperança em nosso país. Hoje, porém, como jornalista ou como advogado (ou cultor respeitoso do direito nas horas vagas) e, mais que tudo, como admirador, desde muito jovem, da ciência (e da atividade) política, tenho medo só de pensar no que possa acontecer a todos nós depois das eleições gerais no próximo mês de outubro. Corremos o risco de perder uma oportunidade de ouro para mudanças profundas em nossa máquina estatal. A crise é grave e angustiante. Após a conquista do real e do respiro que lhe deu parte do primeiro governo Lula, o país piorou muito. Sinto que a bomba – política, econômica e social –, que vem sendo armada e está prestes a explodir sobre nós, se o país não for socorrido com desprendimento e competência (um milagre?), poderá nos levar a uma situação ainda pior.

Nossos políticos, em sua maioria, esqueceram-se de que política, além de arte, é ciência. É meio ou ponte indispensável à consolidação do regime democrático. A polarização irracional entre duas correntes radicais – uma à esquerda, outra à direta –, já admitida por alguns analistas, submete o país, que é muito maior do que qualquer ideologia, a terrível humilhação. O messianismo que envolve a candidatura do ex-presidente Lula, que, no final, fatalmente, será substituído pelo ex-prefeito Fernando Haddad, e o evidente voluntarismo que caracteriza a candidatura do ex-capitão e deputado Jair Bolsonaro, cujo eleitorado, em grande parte, talvez seja mais perigoso do que o próprio candidato, servirão, apenas, para aprofundar nosso caos político.

As sabatinas a que foram submetidos os candidatos a presidente, já tarde da noite, no programa “Eleições”, da TV Globo, pelo menos aos que as assistiram, nos encheram de dúvidas e mais dúvidas.

Entre curioso, ansioso e atento, assisti, também, no mesmo programa (ambos, aliás, coordenados pela jornalista Míriam Leitão), às sabatinas feitas aos assessores econômicos Guilherme Melo (o mais jovem), do PT; Mauro Benevides, do PDT; Pérsio Arida, do PSDB; Paulo Guedes, do PSL; e Eduardo Giannetti da Fonseca, da Rede. Todos eles são profissionais competentes e muito bem-formados.

Todos eles conhecem nossa incerteza fiscal. O Orçamento de 2019, que estará no Congresso nesta semana, prevê um déficit de R$ 139 bilhões com despesas de pessoal e da Previdência. O representante de Bolsonaro não tem medo disso e fala em liquidá-lo em um ano; os de Alckmin, Ciro e Marina, em dois; o do PT, pelo que entendi, deseja voltar à “nova matriz econômica” de Dilma Rousseff, que quebrou o país. Nenhum deles, todavia, sabe como alcançar tal proeza.

Uma coisa é certa, leitor: a democracia está em perigo, e as eleições deste ano serão diferentes de todas as outras. O Supremo Tribunal Federal (STF), outrora guardião e esperança da nação brasileira, enfrenta críticas severas, algumas procedentes. Sobre os Poderes Executivos e Legislativos (estaduais e municipais), só há o que lamentar. A desmoralização é maior ainda. E o Poder Judiciário, hein?!

Eis, então, uma ideia doida, mas talvez salvadora: por que os assessores dos candidatos, que divergem pouco acerca da crise, não se unem para definir um só projeto para ser posto em prática pelo próximo presidente, seja ele quem for? Não seria um bom caminho? Não estaria na hora de se pensar, até mesmo como legítima defesa, no país como um todo? Por onde andam, afinal, os construtores de pontes? Ou estarei doido?
Acílio Lara Resende