Eu olhei, mudo, para meu computador. Duas páginas, tudo bem. Mas duas frases? Lembrei uma velha citação, algumas vezes atribuída ao filósofo do século XVII Blaise Pascal: “Se eu tivesse mais tempo, eu teria escrito uma carta mais curta”.
Talvez de forma previsível, pensei primeiro em corrupção. Se meu amigo — com uma consciência global, mas não um cara que acompanha a América do Sul — se preocupou com o Brasil, foi por causa do horror único da crise atual: a pior recessão de sua história moderna — sem recuperação real e significativa até agora —, um presidente com percentual de 3% de aprovação, metade da classe política na cadeia ou sob acusação e por aí vai. O escândalo da Operação Lava Jato tem os superlativos exigidos para explicar essa bagunça: o maior caso de corrupção já detectado não apenas no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo, de acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Bilhões de dólares em multa, grandes projetos de construção abandonados. O caso surgiu em 2014, no mesmo período em que a economia começou a ruir. Certamente eu poderia começar minha resposta aqui.
Mas, espera aí. A corrupção poderia realmente ser usada em um resumo de duas frases sobre o que aflige o Brasil? Porque, embora a corrupção seja inquestionavelmente ruim, a maioria das evidências — empíricas ou não — sugere que ela esteja dentro da média pelos padrões globais. O índice anual de percepção da corrupção da Transparência Internacional põe o Brasil em 96º lugar entre 180 países, nível comparável aos da Índia, da China e do Kuwait. Esses países não continuam a crescer apesar dos bilhões de dólares que estão sendo desviados?
Talvez o problema seja mais amplo, pensei. Lembrei a frase que eu ouvi 10 mil vezes durante meus anos de São Paulo. “Ah, este país seria muito bom se tivéssemos políticos melhores.” Nenhuma dúvida: Fernando Collor, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral — para tirar três nomes da cartola — não eram com certeza as melhores pessoas que o Brasil tinha a oferecer. Mas a Lava Jato também não nos mostrou que parcelas do setor privado eram tão podres quanto os larápios de Brasília? E, me perdoem, amigos brasileiros, a criminalidade não é claramente um enorme problema em toda a sociedade? Em um país com 60 mil homicídios por ano? Só São Paulo tem pelo menos 530 furtos por dia. Um estudo sugeriu que o país perde sete vezes mais recursos com sonegação de impostos do que com a corrupção. Culpar os políticos, como se eles fossem alienígenas em relação ao restante da sociedade, sempre me pareceu uma desculpa — você ouve esse refrão não apenas no Brasil, mas na Argentina, no México e, sim, nos Estados Unidos. Sempre soa oco.
Talvez esse seja o ponto — não se espera que posições de liderança se destinem a pessoas comuns. Eu conheci muitos brasileiros incríveis ao longo dos anos — honestos, compassivos, educados, modernos. Com algumas notáveis exceções, eles não buscam as posições que podem ter os impactos mais positivos — no governo ou no setor privado. Eu poderia citar uma variedade de razões para isso: a sensação generalizada de que tanto os políticos quanto os grandes negócios são um “jogo sujo”, regras eleitorais e financiamento de campanha que protegem os titulares dos cargos — o que fica evidente nestas eleições — e, talvez, uma falta de coesão e responsabilidade cívica em um país com um abismo tão grande entre ricos e pobres.
Veja como Joaquim Barbosa e Luciano Huck recusaram boas chances de se tornar presidente neste ano ao decidirem que o esforço não valia a pena. Eu conheço meia dúzia de brasileiros de minha idade — tenho 40 anos — que preferiram não aproveitar a oportunidade de concorrer a uma cadeira no Congresso, balbuciando alguma coisa sobre 2022 ser um momento melhor. Em contraste, alguns outros países que conheço bem na América Latina — Colômbia vem à mente, assim como o Chile e a atual geração na Argentina — tiveram sucesso em atrair muitos dos melhores e mais brilhantes para posições reais de poder. Sua evidente ausência no Brasil — essa falta de alinhamento entre os melhores da sociedade e os papéis mais importantes de liderança — é realmente incomum. Não apenas na política, mas em outras áreas.
OK. Isso parecia satisfatório — pelo menos para uma das minhas frases.
Para a segunda, eu fui para os livros de história. Qualquer discussão profunda dos problemas do Brasil tem de começar com a desigualdade — as injustiças colossais que começaram com a colonização, que foram pioradas pela escravidão e continuaram nos anos seguintes. A maioria dos rankings coloca o Brasil em algum lugar entre os 15 ou 20 países mais desiguais do mundo, e essa não é definitivamente uma lista em que você queira estar — inclui a África do Sul, o Haiti, a República Centro-Africana e outras. A desigualdade tem sido apontada como um combustível da criminalidade e um empecilho ao crescimento econômico, entre muitos outros males. Também desestabiliza as democracias, já que a maioria está perpetuamente insatisfeita com sua posição relativa na sociedade e tende a hostilizar as urnas.
Mas, novamente, vamos ser honestos — o mundo está cheio de países que superaram suas cargas históricas, seja de guerra, pobreza, ódio étnico ou alguma outra coisa. Países malsucedidos ficam presos a seu passado; os bons resolvem seus problemas. Nós sabemos basicamente o que perpetua a desigualdade no Brasil: não somente a educação, mas uma rede de privilégios e proteções que assegura que os ricos permaneçam ricos e que transforma num inferno a vida dos que tentam competir com eles. O Brasil continua a ser um dos lugares mais difíceis para criar empresas — classificado em 176º entre 190 países nessa categoria pelo Banco Mundial. Continua a ser a economia importante mais fechada das Américas, graças às tarifas e aos subsídios que protegem os magnatas da competição estrangeira — e obrigam os brasileiros a comprar seus produtos ou a voar para a Flórida para comprar coisas melhores. É um país que cobra alguns dos mais elevados impostos da América Latina, para que políticos, generais e alguns juízes possam desfrutar de privilégios inéditos até mesmo na Europa, e onde funcionários públicos podem se aposentar confortavelmente no alto de seus 55 anos.
De fato, existem mil truques que tornam o empreendedorismo difícil e garantem que o pobre permaneça pobre. Nenhum deles é, do ponto de vista técnico, tão difícil de mudar. O que falta é vontade política para isso.
Uma eleição presidencial seria, normalmente, uma oportunidade para sair da crise e entrar em um caminho novo e promissor. Mas, sentado aqui hoje, acredito que dificilmente algum dos candidatos que estão concorrendo em outubro tenha condições de enfrentar os problemas reais do país — seja por não ter as ideias certas, seja porque parece incapaz de conseguir apoio no Congresso e na sociedade para fazê-lo. E isso, creio eu, é o que torna o momento atual no Brasil tão asfixiante — e tão único do ponto de vista global.
Assim, esta foi a resposta para meu amigo: “Muitos privilégios idiotas para a elite. Falta de bons líderes”.
Brian Winter
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