quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Dá para explicar a crise do Brasil em duas frases?

O e-mail veio de um amigo, um conhecido jornalista americano: “O que está acontecendo com o Brasil? É o apocalipse? Você consegue esclarecer e explicar em duas frases?”.

Eu olhei, mudo, para meu computador. Duas páginas, tudo bem. Mas duas frases? Lembrei uma velha citação, algumas vezes atribuída ao filósofo do século XVII Blaise Pascal: “Se eu tivesse mais tempo, eu teria escrito uma carta mais curta”.


Talvez de forma previsível, pensei primeiro em corrupção. Se meu amigo — com uma consciência global, mas não um cara que acompanha a América do Sul — se preocupou com o Brasil, foi por causa do horror único da crise atual: a pior recessão de sua história moderna — sem recuperação real e significativa até agora —, um presidente com percentual de 3% de aprovação, metade da classe política na cadeia ou sob acusação e por aí vai. O escândalo da Operação Lava Jato tem os superlativos exigidos para explicar essa bagunça: o maior caso de corrupção já detectado não apenas no Brasil, mas em qualquer lugar do mundo, de acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Bilhões de dólares em multa, grandes projetos de construção abandonados. O caso surgiu em 2014, no mesmo período em que a economia começou a ruir. Certamente eu poderia começar minha resposta aqui.

Mas, espera aí. A corrupção poderia realmente ser usada em um resumo de duas frases sobre o que aflige o Brasil? Porque, embora a corrupção seja inquestionavelmente ruim, a maioria das evidências — empíricas ou não — sugere que ela esteja dentro da média pelos padrões globais. O índice anual de percepção da corrupção da Transparência Internacional põe o Brasil em 96º lugar entre 180 países, nível comparável aos da Índia, da China e do Kuwait. Esses países não continuam a crescer apesar dos bilhões de dólares que estão sendo desviados?

Talvez o problema seja mais amplo, pensei. Lembrei a frase que eu ouvi 10 mil vezes durante meus anos de São Paulo. “Ah, este país seria muito bom se tivéssemos políticos melhores.” Nenhuma dúvida: Fernando Collor, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral — para tirar três nomes da cartola — não eram com certeza as melhores pessoas que o Brasil tinha a oferecer. Mas a Lava Jato também não nos mostrou que parcelas do setor privado eram tão podres quanto os larápios de Brasília? E, me perdoem, amigos brasileiros, a criminalidade não é claramente um enorme problema em toda a sociedade? Em um país com 60 mil homicídios por ano? Só São Paulo tem pelo menos 530 furtos por dia. Um estudo sugeriu que o país perde sete vezes mais recursos com sonegação de impostos do que com a corrupção. Culpar os políticos, como se eles fossem alienígenas em relação ao restante da sociedade, sempre me pareceu uma desculpa — você ouve esse refrão não apenas no Brasil, mas na Argentina, no México e, sim, nos Estados Unidos. Sempre soa oco.

Talvez esse seja o ponto — não se espera que posições de liderança se destinem a pessoas comuns. Eu conheci muitos brasileiros incríveis ao longo dos anos — honestos, compassivos, educados, modernos. Com algumas notáveis exceções, eles não buscam as posições que podem ter os impactos mais positivos — no governo ou no setor privado. Eu poderia citar uma variedade de razões para isso: a sensação generalizada de que tanto os políticos quanto os grandes negócios são um “jogo sujo”, regras eleitorais e financiamento de campanha que protegem os titulares dos cargos — o que fica evidente nestas eleições — e, talvez, uma falta de coesão e responsabilidade cívica em um país com um abismo tão grande entre ricos e pobres.

Veja como Joaquim Barbosa e Luciano Huck recusaram boas chances de se tornar presidente neste ano ao decidirem que o esforço não valia a pena. Eu conheço meia dúzia de brasileiros de minha idade — tenho 40 anos — que preferiram não aproveitar a oportunidade de concorrer a uma cadeira no Congresso, balbuciando alguma coisa sobre 2022 ser um momento melhor. Em contraste, alguns outros países que conheço bem na América Latina — Colômbia vem à mente, assim como o Chile e a atual geração na Argentina — tiveram sucesso em atrair muitos dos melhores e mais brilhantes para posições reais de poder. Sua evidente ausência no Brasil — essa falta de alinhamento entre os melhores da sociedade e os papéis mais importantes de liderança — é realmente incomum. Não apenas na política, mas em outras áreas.

OK. Isso parecia satisfatório — pelo menos para uma das minhas frases.

Para a segunda, eu fui para os livros de história. Qualquer discussão profunda dos problemas do Brasil tem de começar com a desigualdade — as injustiças colossais que começaram com a colonização, que foram pioradas pela escravidão e continuaram nos anos seguintes. A maioria dos rankings coloca o Brasil em algum lugar entre os 15 ou 20 países mais desiguais do mundo, e essa não é definitivamente uma lista em que você queira estar — inclui a África do Sul, o Haiti, a República Centro-Africana e outras. A desigualdade tem sido apontada como um combustível da criminalidade e um empecilho ao crescimento econômico, entre muitos outros males. Também desestabiliza as democracias, já que a maioria está perpetuamente insatisfeita com sua posição relativa na sociedade e tende a hostilizar as urnas.

Mas, novamente, vamos ser honestos — o mundo está cheio de países que superaram suas cargas históricas, seja de guerra, pobreza, ódio étnico ou alguma outra coisa. Países malsucedidos ficam presos a seu passado; os bons resolvem seus problemas. Nós sabemos basicamente o que perpetua a desigualdade no Brasil: não somente a educação, mas uma rede de privilégios e proteções que assegura que os ricos permaneçam ricos e que transforma num inferno a vida dos que tentam competir com eles. O Brasil continua a ser um dos lugares mais difíceis para criar empresas — classificado em 176º entre 190 países nessa categoria pelo Banco Mundial. Continua a ser a economia importante mais fechada das Américas, graças às tarifas e aos subsídios que protegem os magnatas da competição estrangeira — e obrigam os brasileiros a comprar seus produtos ou a voar para a Flórida para comprar coisas melhores. É um país que cobra alguns dos mais elevados impostos da América Latina, para que políticos, generais e alguns juízes possam desfrutar de privilégios inéditos até mesmo na Europa, e onde funcionários públicos podem se aposentar confortavelmente no alto de seus 55 anos.

De fato, existem mil truques que tornam o empreendedorismo difícil e garantem que o pobre permaneça pobre. Nenhum deles é, do ponto de vista técnico, tão difícil de mudar. O que falta é vontade política para isso.

Uma eleição presidencial seria, normalmente, uma oportunidade para sair da crise e entrar em um caminho novo e promissor. Mas, sentado aqui hoje, acredito que dificilmente algum dos candidatos que estão concorrendo em outubro tenha condições de enfrentar os problemas reais do país — seja por não ter as ideias certas, seja porque parece incapaz de conseguir apoio no Congresso e na sociedade para fazê-lo. E isso, creio eu, é o que torna o momento atual no Brasil tão asfixiante — e tão único do ponto de vista global.

Assim, esta foi a resposta para meu amigo: “Muitos privilégios idiotas para a elite. Falta de bons líderes”.
Brian Winter 

Nenhum comentário:

Postar um comentário