terça-feira, 3 de abril de 2018

Supremo espetáculo

De fato, nunca houve mesmo razão para esperar o melhor. A gente é que foi persistente. E, ao longo de séculos, foi se acostumando a abraçar qualquer fiapo de esperança. Talvez existisse alguma redenção depois de tanto sacrifício. A gente sempre quis. Ou melhor, torceu.

Era luz fraca, mas a vontade de acreditar era grande. E ajudou muito ver algemas decorando os pulsos inesperados de gente que, embora conhecida, caminhava em direção a cadeia sempre tentando, inutilmente, cobrir o rosto.

As mudanças, a muito desejadas, vinham aplaudidas e apoiadas por uma população sedenta de mudança. Sob o abano de folhas de palmeira, a esperança de controlar o caos e combater a corrupção entrava triunfante, saudada que foi pelo povo, no ex país do futebol.


Foi bonita a festa. Mas não durou. Logo presos e condenados, antigos e futuros, reais ou potenciais, reagiram. Sequestraram as expectativas. E encarceraram a ideia de que tudo poderia mudar. Ou pelo menos melhorar um pouco. e assim foi.

Não houve arrependimento. Somente pagamentos em moeda, de prata, ouro, ou em nossos tempos, em todo tipo de transação, eletrônica ou não. Foi época de vários Judas. Alguns ajudaram a justiça traindo companheiros. A maioria, simplesmente traiu a nação. E a todos seus cidadãos.

O Brasil tem Judas de todas as espécies. Nenhum arrependido. O remorso não os aflige. Em pais que nunca fez questão de fazer sentido, é quase obrigatório que Judas não se arrependa ou não seja malhado. Nem passe muito tempo na cadeia.

O calvário da esperança tropical tem de tudo. Na busca da mudança, a gente esta conhecendo o rosto feio que emerge da degradação das instituições, que, com toda franqueza, nunca funcionaram lá muito bem. Alguns juízes lavam as mãos. Outros as sujam. Nenhum julga.

A esperança chegou em gloria, viveu efêmera, passou pelo calvário de um sistema judicial farsesco, e talvez, brevemente, alcance a gloria da crucificação em mais um supremo e deprimente espetáculo.

Talvez não houvessem mesmo razões para esperar mais. O erro talvez tenha sido acreditar. Em nação sem justiça, bons juízes estão sempre faltam.

Elton Simões

Ao libertar Lula, o STF matará a crença na democracia

Nenhum texto alternativo automático disponível.
Quando o STF derrubar amanhã a prisão de condenados em segunda instância, para subjetivamente salvar Lula e todos os outros poderosos corruptos pegos pela Lava Jato, a democracia também será derrubada no plano subjetivo.

A derrubada subjetiva da democracia significa que os cidadãos deixarão de acreditar nela como o melhor sistema político — ou o pior, salvo todos os outros já tentados na história humana. Porque é preciso entender que a maior parte das pessoas não tem convicções democráticas irremovíveis, mas certa crença na democracia.

Como qualquer crença, ela se baseia numa relação de custo e benefício existencial e material. Há tempos, infelizmente, essa relação no Brasil vem se mostrando muito desvantajosa tanto no cotidiano como no terreno das instituições — e, depois que a farsa no STF chegar ao seu final, com a libertação do chefão condenado, é fácil presumir que milhōes de cidadãos abandonarão o que lhes resta da crença no sistema representativo que resultou em tanta calhordice, pobreza e falta de perspectivas.

Indignação

Na próxima quarta-feira será retomado o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula relativo à sua condenação em segunda instância e à sua provável prisão pelo TRF-4. Não se trata de um evento qualquer, não apenas por dizer respeito a um ex-presidente já condenado, mas por ser nele decidido se a lei e a Constituição valem para todos ou não.

Com muita propriedade, um ministro disse que, para ele, não fazia a menor diferença o ex-presidente ou outro cidadão qualquer, pois ou vigora a universalidade da lei ou vale apenas a dos que têm mais dinheiro para recursos ou mais prestígio para impor a sua vontade. Em todo caso, seria a coisa pública, a República, que estaria desmoronando.

A questão torna-se ainda mais premente por estar a sociedade brasileira em luta ferrenha contra a corrupção e os mais diferentes tipos de privilégios. É tanto o sucesso da Lava Jato quanto os benefícios e penduricalhos de juízes e promotores, cujo caso mais emblemático atualmente é a imoralidade do auxílio-moradia.

Dentre outras consequências, nesse dia se decidirá se o Brasil voltará a ser o país da impunidade ou não. Se nele só os mais desfavorecidos vão para a cadeia ou se maiores criminosos, sobretudo os craques no desvio de recursos públicos, sofrerão ou não o mesmo destino. O Brasil já fez um longo percurso no combate à corrupção. Seria uma verdadeira lástima se o sufocamento da Lava Jato fosse a sua conclusão.


É imperioso que, neste contexto, a sociedade reaja e não caia na apatia. Esta pode ser o prelúdio da anomia, podendo abrir caminho para as mais diferentes violações da liberdade. De nada adiantam discursos empolados sobre a doutrina brasileira do habeas corpus enquanto doutrina da liberdade se sua conclusão for a mera liberdade para praticar atos criminosos, assegurando a seus agentes a impunidade. A liberdade não é o arbítrio do delinquir.

Nenhum engano é aqui possível. Se passar o habeas corpus de Lula, livrando-o da prisão após a condenação definitiva em segunda instância, o próximo passo será a tentativa do petista de conseguir um artifício jurídico do mesmo tipo habilitando-o à candidatura presidencial.

No caso em questão, o Judiciário em primeira e segunda instâncias cumpriu a sua função. O mesmo fez o Ministério Público Federal.

O Superior Tribunal de Justiça seguiu a mesma linha. O País parecia estar se dirigindo para um governo de leis, valendo para todos os cidadãos. Mas eis que a Suprema Corte, num movimento brusco, adota outro procedimento, em grande controvérsia entre seus membros. A mensagem foi clara: a Lava Jato encontrou aqui o seu limite, em que pese o seu amparo em todas as outras instâncias jurídicas. Essa operação estaria caindo por suas virtudes, e não por seus vícios.

Acontece que o STF veiculou também outra mensagem, a de ser um Poder que se desacredita cada vez mais perante a sociedade. Ele está pavimentando o caminho para uma espécie de desmoronamento institucional de consequências imprevisíveis, causando graves danos à democracia.

Faça-se aqui menção, que deveria ser meramente anedótica, se não fosse da maior gravidade, ao comportamento de alguns ministros. Um chegou a dizer que uma decisão anterior do mesmo tribunal, de repercussão geral, seria “provisória”, por sua vitória ter sido apertada. Não importa, na verdade, o escore, mas o resultado, que passa a valer para todos os casos do mesmo tipo. Se assim não fosse, decisões do Supremo tenderiam, em sua maioria, a ser provisórias e relativas, instalando a insegurança jurídica. A Corte encarregada de dirimir conflitos em última instância estaria perpetuamente submetida às idiossincrasias de seus membros.

Outros fatos foram estonteantes. Num país onde a maioria da população ganha de um a cinco salários mínimos, trabalhando arduamente, os ministros dão-se ao luxo de não prolongar uma sessão da maior importância para o País, conferindo ainda salvo-conduto a um condenado. Não poderiam trabalhar mais duas ou três horas, ou o tempo que fosse necessário? Seria o País secundário? Ou seriam mais importantes viagens previamente agendadas? O exemplo para a Nação foi péssimo!

Enquanto isto, o condenado segue em campanha eleitoral por todo o País, nos últimos dias na Região Sul, como se sua candidatura fosse perfeitamente justificável. A lei para ele não vale, aproveitando-se de todos os espaços para se apresentar ao “julgamento” do povo, como se fosse deste a função de julgar atos criminosos. Na verdade, o que Lula, o PT e seu grupo almejam é tornar a

Constituição uma peça de ficção, mero instrumento de seus objetivos não democráticos. Pretendem que o Brasil se torne uma Venezuela. Aqui como lá, o povo seria apenas a ferramenta para impor ao País um regime “socialista”. Eles seriam “O Povo”.

Reclamar agora de um episódio de violência mal explicada de tiros que não produziram nenhum efeito não deixa de ser vulgar encenação. Quantos tiros o MST não deu pelo País afora com o total apoio de Lula e do PT? E os sequestros de trabalhadores e empreendedores rurais? E a destruição de propriedades? E a morte e mutilação de animais, com os tendões cortados? Quem semeia violência colhe os seus frutos.

Ora, não deixa de ser risível que esse mesmo MST, considerado por Lula o seu “exército”, esteja encarregado de sua proteção. Dizem eles procurar a paz, quando não cessam de produzir conflitos. Grupos acostumados a violar a lei têm agora a “missão” de se apresentar como seus defensores.

A sociedade não pode ficar apática. Deve manifestar-se publicamente antes da decisão final do Supremo, indo às ruas, com a mensagem de que a impunidade e o arbítrio não devem prevalecer. Se não o fizer, estará, por omissão, contribuindo para uma séria crise institucional. Uma sociedade indignada não se deixa dominar.

Os riscos da recaída

Em sua acepção mais comum, o verbo latino rebellare é traduzido como rebelar-se, revoltar-se, sublevar-se. Foi nos albores do mundo moderno, nos séculos 16 e 17, que ele se enriqueceu de maneira notável, ganhando na teoria política uma conotação totalmente diferente, a de “voltar ao estado de guerra”.

Tal mudança ocorreu em íntima conexão com o surgimento da doutrina do contrato social, pilar inicial do Estado constitucional e da democracia representativa. Desde Thomas Hobbes, autor de O Leviatã (1650), numerosos pensadores adotaram como ponto de partida o contraste entre uma sociedade fictícia – o “estado de natureza” – e a sociedade real, na qual vivemos, a “sociedade civil”. No “estado de natureza”, a vida humana beira o inimaginável. Fraco e isolado, não podendo contar com a colaboração de seus semelhantes, cada indivíduo se sente constantemente ameaçado pelos demais. Nas expressões clássicas de Hobbes, “o homem é o lobo do homem” e a sociedade, uma perpétua “guerra de todos contra todos”.


Foi para superar tal condição que os homens instituíram a sociedade civil, um contrato ou pacto mediante o qual todos se poriam ao abrigo de instituições e leis estabelecidas por eles mesmos, às quais deveriam estrita obediência, pois elas é que haveriam de os proteger contra a morte violenta, garantir suas propriedades e assegurar a cooperação sem a qual não conseguiriam produzir os bens de que necessitavam para sobreviver.

Assim, a noção de “sociedade civil” abria caminho para a ideia de que a sociedade humana surge e evolui graças à razão, ou seja, à capacidade humana de imaginar futuros alternativos, de escolher entre eles e de cooperar em sua construção. A visão “naturalista” era assim substituída pelo contratualismo, base como antes assinalei, do Estado constitucional e representativo.

Implícita no contratualismo encontra-se, portanto, a ideia de que o indivíduo é portador de direitos que a sociedade é obrigada a respeitar e tutelar. Mais para o final do século 17, em seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, John Locke levou o argumento contratualista à sua conclusão lógica. Quem violasse as premissas da sociedade civil estaria se “rebelando”, ou seja, reinstituindo um “estado de natureza”. A recaída no estado de guerra poderia ser causada por qualquer um dos principais grupos ou instituições que compõem a sociedade, em especial por um governo tirânico, ou por súditos que se recusassem a reconhecer a legitimidade de um governo que fizesse por merecê-la.

À primeira vista, os apontamentos acima podem parecer puramente abstratos e irrelevantes, mas a História registra numerosos breakdowns, ou seja, crises ou rupturas que desembocam em violência generalizada. E não custa lembrar que até hoje é comum nos depararmos com a expressão “pacto social vigente” quando nos referimos à Constituição ou, mais amplamente, à situação prevalecente em determinada sociedade em certo momento.

Observadas tais ressalvas e fazendo referência ao Brasil atual, parece-me plausível caracterizar certos comportamentos das instituições públicas e certas atitudes disseminadas na sociedade e na política como indícios de um processo de desagregação análogo a uma regressão ao estado de guerra. Claro, a recaída não se dá da noite para o dia e raramente é causada por uma parte apenas da sociedade, mas o primeiro ponto a frisar é o discurso das agremiações de esquerda – e do PT, a mais importante delas. Em todas as suas variantes, a ideologia de esquerda orienta-se pela utopia de uma sociedade sem classes e perfeitamente harmoniosa. Arroga-se uma capacidade de antever as etapas do futuro histórico, sendo, pois, de seu dever liderar a marcha que conduzirá a humanidade a esse paraíso terrestre. Essa suposta superioridade alimenta uma ambiguidade em relação às instituições da democracia, às condutas prescritas pela ordem constitucional, e, especificamente, uma perceptível leviandade na ponderação entre fins e meios, da qual decorre um frequente recurso a ameaças de violência.

O caso do PT é ilustrativo. Em 1985 recusou-se a apoiar o restabelecimento do regime civil quando da eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral. Recusou-se a assinar a Constituição de 1988. Não mediu esforços para recolher dividendos eleitorais advindos do impeachment de Fernando Collor, mas recusou-se a assumir sua cota de responsabilidade no governo de transição de Itamar Franco. Quando a hiperinflação bateu às nossas portas, o partido assumiu uma posição de frontal combate ao plano de estabilização. Lula, eleito em 2002, beneficiou-se da estabilidade e de uma transição de governo excepcionalmente cordial e transparente, mas não hesitou em pespegar o slogan “herança maldita” no governo que o precedera, sem dúvida a mais dura agressão de um presidente contra seu antecessor na História republicana brasileira.

Outro indício da desagregação ou recaída a que me referi é a extensão atingida em nosso país pela corrupção. O número e o volume das ocorrências que vieram a público no passado recente sugerem tratar-se de um caso sem paralelo entre as democracias contemporâneas.

Por fim, mas não menos importante, algo precisa ser dito a respeito do Judiciário e especificamente do Supremo Tribunal Federal. É inegável que os governos Lula e Dilma, valendo-se com má-fé de seu poder de nomeação, instalaram no Supremo uma maioria facciosa que não hesita em contrariar a jurisprudência (que em parte ela mesma criou) e não faz segredo de sua intenção de criar obstáculos ao combate à corrupção. Vale lembrar a lição de Locke: “Perde a confiança da comunidade uma instituição que manifestamente negligencia ou se opõe ao fim que lhe foi atribuído”.

Não há salvação para quem vê em Lula um salvador da pátria

O que faz tanta gente capaz de caminhar e chupar sorvete ao mesmo tempo acreditar, anos a fio, que algum ser humano nasceu para salvar uma nação, um continente ou o mundo? O que deu na cabeça dos milhões de alemães que se juntaram no rebanho que percorreu, primeiro com entusiasmo e depois sem queixumes, o caminho da perdição traçado por um patético Adolf Hitler? O que levou uma imensidão de italianos a enxergar no bufão Benito Mussolini o restaurador do Império Romano?

Resultado de imagem para lula salvador da pátria charge

A falácia do homem providencial transforma em seita o que deveria ser um partido, mistura empatia com devoção e pode promover a salvador da pátria qualquer vigarista bom de bico. Veja-se o caso de Lula. Ele se tornou muito mais que o líder do PT. É o deus do bando ─ e deuses não pecam, não erram, não se enganam, jamais estacionam em dúvidas. “Quando Lula fala, o mundo se ilumina”, resumiu a mente escura da professora Marilena Chauí.

A catarata de bandalheiras descobertas pela Lava-Jato vai reduzindo a partido nanico o que foi até recentemente um ajuntamento hegemônico. Mas os xiitas remanescentes ignoram a diferença entre velório e festa de batizado: esses morrerão venerando a sumidade incomparável que não existiu. A caravana que, guiada por Lula, andou zanzando pelo sul é a versão ultrajeca da tropa de imberbes que, enquanto Hitler apressava o próprio funeral, combatiam nos subúrbios de Berlim.

“O Brasil é muito longe”, dizia Tom Jobim. O país em que vivem os devotos de Lula, por exemplo, fica perto do tempo das cavernas.

Paisagem brasileira

Rua do interior, Durval Pereira

STF redige epitáfio da Era ao decidir o caso Lula

Quando a posteridade puder falar sobre esta semana com o distanciamento e a isenção que só o passar do tempo propicia, talvez chame o julgamento do Supremo sobre a prisão de Lula de “epitáfio de uma época”. Alguma coisa vai morrer no plenário do Supremo Tribunal Federal na quarta-feira. Resta saber o que os ministros da Suprema Corte brasileira vão mandar escrever na lápide.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Muita coisa aconteceu desde que o primeiro delator da Lava Jato jogou no ventilador a roubalheira da oligarquia política e empresarial. O brasileiro assiste a tudo esperando pelo sinal que apontaria o fim. Aguardava-se pelo fato que justificaria o uso de um ponto de exclamação definitivo. Dependendo do tipo de sinal, as pessoas diriam: “Não é possível!” Ou então: “Agora, vai!”

Pois chegou o momento. A prisão de condenados em segunda instância foi aprovada pelo Supremo em 2016. Se o tribunal modificar a regra para livrar Lula do xadrez, assassinará a Lava Jato e outras operações anticorrupção em curso. Nessa hipótese, será escrito na lápide: “Tudo tem limite.”

Se o Supremo, por outro lado, autorizar Sergio Moro a expedir a ordem de prisão de um ex-presidente da República, vai à cova o Brasil da impunidade. Nesse caso, será anotado na lápide: “Aqui jaz o país do faturo.”

Quando puder falar, a posteridade dirá que uma página da história do Brasil foi virada nesta semana. O Supremo dirá se essa página será virada para trás ou para a frente.

O que o homem tem o dever de criar

Há uma beleza que nos é dada: beleza do mar, da luz, dos montes, dos animais, dos movimentos e das pessoas. Mas há também uma outra beleza que o homem tem o dever de criar: ao lado do negro da terra é o homem que constrói o muro branco onde a luz e o céu se desenham. A beleza não é um luxo para estetas, não é um ornamento da vida, um enfeite inútil, um capricho. A beleza é uma necessidade, um princípio de educação e de alegria.
Resultado de imagem para  dignidade ilustração 
Diz S. Tomás de Aquino que a beleza é o esplendor da verdade. Pela qualidade e grau de beleza da obra que construímos se saberá se sim ou não vivemos com verdade e dignidade. A obra do homem é sempre um espelho onde a consciência se reconhece.
Sophia de Mello Breyner Andresen

Furtar

Se furtar fosse uma virtude, nós, brasileiros, poderíamos nos gabar. Nem todos participamos dessa atividade, é certo, mas o empenho dos que a ela se dedicam em nosso país garante a cada um de nós, pela média, um número que causaria inveja aos mais célebres saqueadores antigos.

Ano após ano, furtar vem se mostrando uma arte, como o futebol, para a qual nascemos com inexcedível talento. Furtamos tão naturalmente quanto os italianos cantam e os holandeses cultivam tulipas.

Resultado de imagem para furtar charge

Destacamo-nos tão maravilhosamente no furto que já há quem venha nos visitar não para ver os prodígios que Deus esparramou pelo Rio e Niemeyer concentrou em Brasília. Certos turistas acreditam que em contato com nosso ar possam absorver um pouco dessa nossa capacidade.

Nossa habilidade para sumir rapidamente com o dinheiro de um lugar e fazê-lo aparecer em outro, sob outro aspecto e sob outro dono, tem nos valido a primeira página de todos os jornais do planeta, se bem que esse assombro seja considerado entre nós (e aqui entra nossa conhecida modéstia) um exagero.

Há em nosso meio ladrões de todos os tipos e especialidades, a tal ponto que já há algum tempo o mundo reconhece nossa autossuficiência. Al Capone, se viesse hoje para cá com a intenção de se estabelecer, seria considerado um principiante.

Furtar vem aqui se expandindo tanto que ninguém estranhará se logo for baixada uma regulamentação (as existentes não bastam) para defender a sociedade.

Haverá de ser algo bem simples, com base em um princípio: furtemos todos; onde todos furtam, não se desenvolvem desentendimentos entre quem furta e quem é furtado.

E, para mostrar já a minha adesão ao sistema, nem lhes pedirei desculpas por ter furtado assim dois minutos daquilo que costuma chamar-se precioso tempo. Revidem!

Imagem do Dia

Torres de Paine National Park, na Patagônia (Chile)

O Brasil está à beira de um ataque de loucura?

Será que a política enlouqueceu? A Justiça perdeu a bússola? A sociedade adoeceu? Drogamo-nos todos com o veneno da irracionalidade? O Brasil que encontrei ao chegar aqui há quase 20 anos e que me conquistou como uma namorada com sua placidez humana, parece hoje à beira de um ataque de loucura. É como se todos tivessem combinado, ao mesmo tempo, de se odiar, confrontar, acusar e até agredir fisicamente. Parece a conjunção de um terremoto e um incêndio. Tudo treme e tudo arde, enquanto a sensatez, a reflexão, o diálogo, o respeito pela diversidade e a empatia pelas ideias alheias se escondem envergonhados.

Charge O Tempo 31/03/2018
É difícil, em meio às chamas, manter a cabeça fria antes de tomar uma decisão sensata. E, no entanto, o Brasil está precisando parar por um instante para se perguntar quais são os demônios que o estão tentando e arrastando para um caminho que parece sem saída e que pode conduzi-lo a um abismo perigoso.

Ou os brasileiros, todos, de qualquer ideologia ou credo religioso, entendem que o que se precisa é uma pausa de serenidade, de lucidez humana e política ou acabarão devorando-se sem saber, no final, por quê nem para quê, já que essa irritação e esse desassossego não parecem condizer com sua identidade mais íntima. Conheço um pouco os brasileiros para entender que o que lhes dá prazer é o gosto pela vida, pela amizade, pela alegria de estar juntos. Nunca foram filhos prediletos da guerra.

Entretanto, um observador que chegasse de fora encontraria uma sociedade em carne viva, penetrada pelos instintos mais baixos que correm soltos pelas redes. Poderia pensar que se trata de um povo que perdeu a direção. Como entender que um personagem messiânico como o ex-presidente Lula, que foi orgulho dentro e fora do país, se transformou de repente no monstro a abater, centro de todas as brigas, objeto de todas as rixas jurídicas, capaz de despertar os piores instintos?

Como entender, ao mesmo tempo que Lula e seu partido, que chegaram ao poder embalados pelo mantra de paz e amor, diálogo e a reconciliação, dividam a sociedade entre “nós e eles”, bons e maus e ameacem fazer uso do exército dos Sem Terra? Precisava Lula, no meio de um processo judicial, condenado por corrupção, ameaçar os juízes de levá-los à prisão se voltasse ao poder?

Precisavam personagens que gozam do prestígio da sociedade por sua luta contra a corrupção, como o procurador Deltan Dallagnol ou o juiz do Rio, Marcello Bretas, lançar mão de suas crenças religiosas, do temor a Deus, e anunciar jejuns espirituais para pedir a prisão de Lula?

E o Supremo, que deveria ser o fulcro da segurança constitucional, precisava abrir entre seus magistrados uma guerra pessoal, dividir-se em bandos políticos e transformar um simples e legal habeas corpus como o de Lula em uma batalha e em uma desculpa para tentar reabrir a discussão sobre a possibilidade de começar a cumprir pena depois da condenação em segunda instância? É impossível que a sociedade, também ela envenenada, não veja na manobra a mão negra para dar um golpe no Lava Jato, o ogro dos grandes corruptos que sonham “estancar a sangria”?

Como também é verdade que a sociedade não pode querer impor seus gostos a um tribunal supremo cuja liberdade de decisão deve ser sagrada e goza do direito constitucional de emitir, em liberdade, vereditos que devem ser respeitados pelos outros poderes.

E para a sociedade é difícil entender, por exemplo, dentro da administração da Justiça, por que dezenas de políticos estão sendo condenados nos tribunais de primeira e segunda instância, enquanto entre os que gozam de foro privilegiado e são julgados pelo Supremo nenhum foi condenado, nem da esquerda nem da direita.

Correm provocações por toda parte e por todas as instâncias e a sociedade acaba atolada nessa loucura institucional com o perigo de querer fazer justiça com as próprias mãos. Ou alguém detém essa corrida para a exasperação de tudo que nos rodeia, sem árbitros capazes de fazer uma chamada ao bom senso e à reflexão, ou corremos o risco de dar de cara com uma ruptura institucional ou uma incredulidade da sociedade nos poderes e nas leis que devem regê-la.

Estamos a poucos meses de eleições consideradas cruciais, com uma carga de incerteza que há quem aposte que não serão realizadas ou serão invalidadas, sobretudo se de um modo ou de outro, a Justiça eleitoral não decidir com serenidade e com a lei na mão, o destino da candidatura emblemática e paradoxal de Lula, o candidato com maior número de consensos e hoje impossibilitado de disputar as eleições devido a sua condenação a 12 anos de prisão.

É nos momentos sombrios de uma sociedade desorientada e envenenada por ódios políticos que é mais fácil se esconderem e prosperarem as forças ocultas mais perigosas e violentas, capazes como ninguém de conspirar nas sombras e nas águas turvas onde sabem mover-se melhor que ninguém.

Ovos podres

O coelhinho das Páscoa não foi muito camarada com Michel Temer. Trouxe um ovo podre que ele vai ter que deglutir nos próximos dias: a prisão dos seus amigos íntimos, especialmente o José Yunes e o Coronel “laranja” Lima. Se o Yunes abrir a boca, ele que fala sem nem mesmo ser perguntado, segundo o próprio Temer, sai de baixo: muito navio vai afundar no Porto de Santos, levando junto uma tripulação de “notáveis” que vem se locupletando há 20 anos com a corrupção portuária.

E se o Coronel Laranja abrir o bico, ele que ainda tenta escapar de todas as maneiras de prestar depoimento à Policia Federal? Por que será? Será que é por causa do seu notório envolvimento com a família? Vem bomba atômica por aí, capaz de explodir a intenção do Presidente de se candidatar à reeleição no bojo de uma provável terceira denúncia, da qual terá mais dificuldade de escapar do que das duas primeiras. Como diz o José Simão, na Folha de S. Paulo, desta vez “o Temer vai ter que pedir um Habeas Portus para o Gilmar”...

Resultado de imagem para ovos no stf charge

Outro indigesto ovo podre que ameaça nos engasgar pode vir do Supremo na quarta-feira. A sociedade tentará evitá-lo com uma grande manifestação programada para a véspera, que está sendo convocada no país inteiro pelo movimento Vem Pra Rua.

Apesar da Ministra Carmen Lúcia dizer que “a Justiça não se intimida” com tentativas de constrangimento, as sessões de quarta e quinta-feira passadas dão outra impressão. A Corte Suprema não só se apequenou como se ajoelhou diante de Lula. Só nos resta esperar que a presença de milhares de cidadãos nas ruas possa reverter essa situação. Se a voz do povo fracassar, talvez seja melhor acabar de vez com a primeira instância, com os tribunais regionais e com o STJ, já que suas decisões não valem nada. Se for consumado este atentado contra a nossa dignidade, juízes de primeira instância, desembargadores e ministros dessa corte superior terão que assumir que suas muito bem fundamentadas sentenças não se aplicam e que, no caso Lula, se prestaram para a consumação de mais uma revoltante ópera bufa.

É claro que ainda não se pode afirmar que a decisão do dia 4 vai institucionalizar definitivamente a impunidade, que já rola a todo o vapor. Ainda temos esperança de que a Ministra Rosa Weber, nosso último bastião, possa desempatar a votação a favor do Brasil. Não podemos esquecer que há um bando de condenados e presos depois da segunda instância e outros tantos que estão na fila de espera, todos com suas bocas de jacaré bem abertas para entrar neste trenzinho da alegria. O Palocci já botou a boca no trombone reclamando que o Lula furou a fila e exigindo que o seu HC, que chegou antes do dele, seja também julgado. Se o Habeas Corpus de Lula for concedido, será mais um passo na sua trajetória rumo ao Planalto. O próximo será dar um chega pra lá na Lei da Ficha Limpa, permitindo que o demiurgo de Garanhuns seja confirmado candidato oficial do PT e das “esquerdas progressistas”. O ministro Dias Toffoli acaba de suspender a inelegibilidade do ex-senador Demóstenes Torres (GO) e permitir que ele dispute as eleições de outubro. Demóstenes foi cassado pelo Senado em julho de 2012 por quebra de decoro parlamentar, sob acusação de envolvimento com o empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que foi denunciado por exploração de jogos ilegais e corrupção.

Portanto, minha gente, a porta está aberta. Mais do que isso: está escancarada por um Ministro do Supremo que lá está por ter sido advogado do PT.

Mas tem mais coisa no ar do que os aviões de carreira... E o cheiro não é bom. Boa parte da opinião pública teme que ministros comprometidos com o retrocesso, integrantes da turma da soltura do Tribunal, agora engrossada pelo decano Celso de Melo (quem diria?), triunfem novamente e que aquele histórico 6x5 de 2016, que passou a permitir a prisão em segunda instância, vá pro brejo. Caso isso aconteça, a aplicação da lei penal no Brasil ficará restrita aos cidadãos que não tenham condições de contratar bons advogados a peso de ouro que levem suas demandas até a última instância.

Diante disso tudo, não nos resta outra alternativa do que comparecer e esperar que as manifestações populares do dia 3 triunfem e ajudem a acabar com as palhaçadas que infestam a nação.

Quem sabe o gigante acorde e mostre para os togados e criminosos de colarinho branco que não tolera mais a impunidade nem ovos podres atirados na sua cabeça sem a menor cerimônia?

Veremos na quarta-feira.
Faveco Corrêa

Criminosa agiotagem

A maior preocupação dos economistas de plantão em Brasília, já há anos, é sem dúvida o controle da inflação. Estima-se para 2018 um percentual de 3,5%, o que seria muito bom se esse índice orientasse outros parâmetros da economia para, assim, a vida do brasileiro ser mais bem vivida. Mas não é o que se nota. O desemprego, que afeta diretamente o cotidiano do cidadão, está estabilizado e não demonstra mudanças, gerando um quadro de desespero, humilhação e miséria. Se os preços de produtos básicos presentes na vida dessa mesma faixa da sociedade apresentam alguma estabilidade, esta está muito mais relacionada à incapacidade de compra do que a outros fatores, tais como redução dos custos de produção, diminuição da tributação ou eventual aumento da oferta por maior produtividade. A exceção continua a ser o agronegócio, cujos resultados mascaram o desastroso desempenho de outros segmentos da economia.

Resultado de imagem para bancos agiotas charge

Paralelamente a esse cenário crítico, que já se estende de forma insuportável há anos, os bancos comemoram lucros estratosféricos, alcançados pela agiotagem combinada e resultante da ação cartelizante que instalaram no comando da política de créditos cinco grandes organizações, que se deliciam com a cumplicidade de um Banco Central visivelmente controlado pelos interesses desse mesmo grupo.

Bancos são no Brasil, independentemente do cenário político e social instaurado, faça sol ou faça chuva, as únicas instituições que vivem em festa sem qualquer restrição, que contam com a proteção de um conjunto de leis paridas para regular o crédito, sempre defendendo seus ganhos imorais. Nunca perdem. Ganham com a transferência de seus serviços aos clientes, boa parte deles operada na internet, nos terminais eletrônicos ou em maquininhas instaladas até nos bordéis. Ganham com a automação, a serviço especialmente da redução da mão de obra para o eventual atendimento de seu cliente. Ganham com taxas cobradas por tudo, sutilmente presentes de forma disfarçada ou quase imperceptível nos extratos, que os correntistas pagam sem ver. Ganham com juros criminosamente cobrados, chegando a 15% ao mês, 400% ao ano, quando aplicados em operações de cheque especial ou cartões de crédito.

Tudo isso apesar de o Banco Central reunir o Copom e orgulhosamente dizer ao mercado que a taxa Selic tem perspectiva de ser ainda mais reduzida e que deverá neste mês chegar a 6,25% ao ano. Mas o que é isso? Que representa esse esforço, o de discutir a redução de tal taxa, se os bancos, até mesmo os oficiais – Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Caixa Econômica Federal e BNDES –, comemoram o crescimento de seus lucros em 202,6%, como ocorreu com a Caixa, privilegiada pelo controle e depósito do FGTS, além de ser senhora das contas sempre bem irrigadas da União, dos Estados e municípios, de suas folhas de pagamento e, mesmo assim, responsável pela prática de escandalosa agiotagem, que não perdoa sequer os empréstimos consignados? Sim, os consignados, cuja operação concede aos bancos credores a garantia de desconto das parcelas de liquidação dos empréstimos direto no salário do contraente.

Boa hora esta para ouvirmos dos candidatos das próximas eleições que proposta eles têm para enfrentar a agiotagem dos bancos públicos e privados e destes colhermos compromissos para o combate de tal descalabro, alimentando histórica desonestidade.