domingo, 31 de maio de 2015

Tive um sonho: o Brasil era um país normal

Sonhei que o país era normal, com poucas notícias políticas, todo de classe média, com sua presidenta conversando feliz com as pessoas na rua
Sonhar não é pecado. Além do mais, às vezes os sonhos se tornam realidade. Ontem, fora do Brasil, tive um sonho. Sonhei que, de repente, escutando as notícias nos jornais, na televisão e nas redes sociais, o Brasil parecia um país normal. Não se falava mais de escândalos. Era o país da América Latina com os menores índices de violência.

Ninguém sabia mais o que era o Bolsa Família, porque todos ganhavam com seu trabalho o suficiente para viver com dignidade e até se permitiam alguns luxos lúdicos e culturais.

Os meios de comunicação não falavam de escândalos de corrupção. A Petrobras tinha recebido um prêmio na União Europeia como empresa modelo de gestão.

O que mais me chocou no sonho foi não ver mais favelas. Nos arredores das cidades havia bairros novos e coloridos, criados por arquitetos jovens, com parques e fontes, escolas e hospitais, e até ônibus com ar-condicionado.

Fiquei surpreso ao não ver nas notícias políticas os nomes de personagens que enchiam as crônicas todos os dias (até as policiais). Não se falava mais de Dilma Rousseff nem de Lula, nem de Cardoso, nem de Renan Calheiros ou de Eduardo Cunha.

Muitos dos doze ministros eram jovens formados em universidades estrangeiras, assim como os prefeitos e governadores. Todos ganhavam como professores universitários. Viajavam com as pessoas, em metrôs modernos e em aviões comerciais. Às vezes eram vistos caminhando a pé pela rua. As pessoas cumprimentavam e paravam para discutir com eles temas de interesse nacional ou local.

Nos jornais se falava mais de cultura, de ciência, de gastronomia e até de filosofia do que de política.

As pesquisas davam porcentagens altas de índices de felicidade cidadã. As pessoas usavam algumas drogas, mas podiam comprá-las nas farmácias. Não havia traficantes.

As pessoas enchiam de noite os restaurantes e salões de festas sem medo de sofrer algum tipo de violência. O turismo havia triplicado em todo o país.

Nas periferias das cidades havia bairros novos e coloridos, nenhuma favela

Milhares de jovens eram pequenos empresários, orgulhosos de suas conquistas e com vontade de ganhar o mundo. Os avôs contavam aos netos sobre o tempo em que no Brasil havia milhões de pessoas que não sabiam nem ler nem escrever. Contavam que no passado havia quem matava homossexuais e a polícia acreditava que todos os negros eram delinquentes em potencial.

Um negro de idade média era presidente da República e as pessoas aplaudiam e tiravam fotos com ele quando o encontravam na rua ou no cinema.

Os policiais militares eram quase todos universitários. Ganhavam bem, como profissionais qualificados. As pessoas ficavam felizes quando se encontravam com eles nas ruas, porque sentiam confiança, nunca medo.

No exterior, os empresários brasileiros tinham fama de serem criativos e só uma vez um deles apareceu implicado, junto com um político, em um caso de corrupção. Os dois foram logo processados e presos.

O Brasil era admirado no mundo por seu futebol original. Era proibido vender jogadores a outros clubes estrangeiros. Não havia torcidas violentas. Cada partida acabava em uma festa coletiva.

As mulheres tinham o direito de decidir sobre seu próprio corpo, os doentes sem esperança podiam decidir, conscientemente, se desejavam parar de sofrer.

O Brasil tinha um assento no Conselho de Segurança da ONU, relações estreitas com os irmãos latino-americanos mais democráticos e seu comércio estava aberto a todos os continentes. Seus diplomatas eram elogiados internacionalmente por sua capacidade de diálogo e sua pouco propensão a criar conflitos, e não apoiavam regimes ditatoriais.

Milhares de jovens eram pequenos empresários, orgulhosos de suas conquistas

A inflação era de 2%, a renda das famílias crescia junto com o PIB nacional e a indústria era vigorosa e conseguia exportar para todo mundo. Os produtos brasileiros eram vistos fora do país como um selo de garantia e até distinção.

O Brasil era autossuficiente em petróleo e energia, e cerca de 80% eram de fontes alternativas não contaminantes.

A Amazônia tinha um índice zero de destruição. A ministra do Meio Ambiente era uma jovem universitária. Líderes das comunidades indígenas estavam presentes em todas as instituições do Estado.

No Congresso havia apenas quatro partidos com representação, 200 deputados e 30 senadores. Todos ganhavam um salário modesto e tinham direito a apenas dois secretários. Os partidos eram financiados com as contribuições de seus afiliados. As campanhas eleitorais duravam 15 dias e cada candidato apresentava seu programa diretamente na televisão, com o mesmo espaço de tempo.

O Brasil aparecia nos índices mundiais de educação entre os 12 primeiros países do mundo e era o primeiro da América Latina. Todos os políticos e os ricos preferiam enviar seus filhos às escolas e universidades públicas porque eram consideradas as melhores. E eles e seus familiares se tratavam nos hospitais do sistema público de saúde, onde trabalhavam os melhores especialistas.

Há dez anos não havia protestos de rua.

O Brasil era um país de classe média, com poucas notícias policiais e políticas. Um país normal, pouco interessante para os correspondentes estrangeiros.

O Brasil continuava sendo o mesmo. No entanto não era um sonho impossível. Os sonhos podem também ser presságios do futuro

Leia mais o artigo de Juan Arias

Governo padrão Fifa

No 31º lugar, à frente apenas da Ucrânia e da Rússia, atrás da falida Grécia. É assim que o Brasil aparece na análise de desempenho da Austing Rating, divulgada na sexta-feira, quando o país contabilizava mais uma queda no PIB. Mais uma posição vexatória entre tantas outras que o país coleciona em rankings globais, todos eles apontando o mesmo alvo: caminha-se para trás, na trilha do subdesenvolvimento.

Os últimos levantamentos mundiais, realizados entre 2011 e 2014, comprovam o desacerto geral das políticas públicas e o quanto o país tem de correr para, pelo menos, postar-se em um patamar mediano.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o atendimento à Saúde coloca o Brasil na 125ª posição entre 195 países. Fica em 112º lugar entre 200 no que diz respeito a saneamento básico. Na Educação, se classifica na 60ª posição em matemática e ciências entre os 76 países avaliados no Pisa. Aparece bem depois do Chile, do México, da Costa Rica, do Uruguai.

Liderança? Só no que há de pior. Está no topo em números absolutos de homicídios (64 mil, segundo a OMS), batendo a superpopulosa Índia, com 52 mil, e o México, com 26 mil. Na listagem geral, é o 11º país mais violento do mundo, com 29 mortes matadas para cada 100 mil habitantes. Em outro levantamento, o Mapa da Violência 2014, ocupa a sétima pior posição entre 100 países analisados, atrás da Colômbia, El Salvador, Guatemala e Venezuela.

Em alguns estados, a violência é endêmica. Em Alagoas, chegou a 64,6 assassinatos por 100 mil habitantes, índice maior do que as mais sanguinárias guerras.

O Brasil é ainda o país mais cruel na relação entre o imposto cobrado e os serviços ofertados. É o que mostra o Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Entregam-se ao governo cinco meses de trabalho por ano para ter em troca atendimento precário ou atendimento nenhum.

Em países que se levam a sério, os rankings mundiais servem de baliza para orientar acertos e mudanças de rumo. Um revés no Pisa, por exemplo, fez com que a Alemanha reestruturasse parte de sua rede de ensino e que a Inglaterra revisse parâmetros curriculares. A Colômbia fez o mesmo depois virar sinônimo de violência.

O Brasil, não. Prefere arrumar desculpas para os fracassos. Com isso, impede qualquer possibilidade de solução.

Mesmo diante da estagnação e às portas da recessão, a presidente Dilma Rousseff continua a culpar o cenário externo pelas adversidades brasileiras, a maior parte criada por ela própria. Outra parcela por seu antecessor, incapaz de aproveitar o período de bonança que o mundo viveu antes da bolha explodir em 2008.

De 2008 para cá, enquanto a maioria das nações se reorganizava, o Brasil se perdia no populismo sustentado por gastos sem lastro. Estímulo desenfreado ao consumo, preços controlados na marra, intervencionismo, apropriação do Estado e roubalheira sem fim.

Como bem definiu Dilma, um governo padrão Fifa.

O Brasil não tem ideia

O Brasil viveu tumultos políticos imensos em cada vez que a economia passou por baixas grandes, tal como deve ser a de 2014-2015, quem sabe com 2016 no pacote.

A frase embute bobices, a começar pela vaga palavra "economia". Mas a estatística do efeito dos PIBs velhos na política não deixa de ser uma assombração.


Em 1963-64 (golpe), 1981-83 (estertor da ditadura) e 1990-92 (Collor) houve confluência de crises políticas e econômicas. A mera lembrança desses anos tão horríveis desacredita a comparação com 2015. Com todas as suas selvagerias, o Brasil não seria mais assim tão primitivo.

Se a comparação é descabida, também não tem cabimento a atenção menor que se tem dado aos efeitos do ajuste-arrocho sobre o brasileiro comum, que só começou a ser esfolado. De resto, há nova confluência de crises econômica e política.

Sim, o Brasil é mais rico: há muito menos gente no limiar da sobrevivência. É algo menos desigual. Não há inflações mortais. Há amortecedores sociais como nunca antes.

Há 30 anos de experiência democrática e válvulas de escape, eleições bienais, embora o Congresso flerte com a ideia idiota de realizá-las apenas em anos de Copa.

OLIVEIRA 300515 Face

Mas a crise econômica de fundo é difícil, "estrutural". Resulta em parte da ideia de que se vai dar jeito na pobreza e na desigualdade apenas por meio de mera e rápida redistribuição de renda (isto é, via Estado. Assim só não dá, falta crescimento). Nessa tentativa, nem se promoveu redistribuição maior (o gasto público e a tributação são ainda porcamente injustos) e menos ainda se procurou reformar a economia de modo que ela funcione por si só de modo a promover menos desigualdade e que cresça mais rápido.

Nos anos finais de Lula 2 e sob Dilma 1 essa ilusão foi sustentada a base de drogas, dívidas, o que nos levou à beira da quebra e ao arrocho.

Sair do impasse, parar de tomar drogas, é politicamente conflituoso. Mais ainda em um país que pode ficar socialmente conturbado por três anos de empobrecimento e estagnado por meia década. Para piorar, nossa democracia padece de fadiga de material político e, como se sabe pelo menos 2013, de desconexão entre "ruas" e política formal.

Faltam novidades políticas, como o PT dos 1980, o que suscita temores de uma novidade do gênero Collor. Não há movimento de renovação nos partidos que temos, seja por meio de lideranças, seja por correntes vindas "da base" ou "das ruas".


Desgraçada e infelizmente, diga-se, o PT afunda no seu lodo e na ignorância espantosa do que sejam políticas públicas, para ficar em problemas imediatos. Desgraçada e infelizmente, o PSDB "não tem projeto de país", para resumir o problema no clichê de uma de suas lideranças; afunda em oportunismo eleitoreiro e ressentimento udenista derrotado.

Quase todo o resto é ainda mais indizível, nanico ou doidivanas. Como se não bastasse, o sistema incentiva a fragmentação parlamentar, a maior desde a redemocratização, ao menos. Em tempos de presidente sem prestígio, política desacreditada e lideranças pequenas, isso induz mais confusão.

Temos ainda mais problemas políticos e institucionais. Mas conviria prestar atenção a essa conjunção de crise econômica com falta de rumo político e de imaginação programática.

Não sei como dar um título a coisas como estas

Pensei em intitular como um circo o que anda acontecendo no Congresso. Mas os circos merecem meu respeito e minha saudade. Um mau teatro? Deles podemos escapar: é só não ir. Se a novela é ruim, a gente desliga a televisão. Mas o que fazer com essas excelências?! Vejam só.

Ex-senador pelo PTB, Gim Argello – é aquele mesmo, apadrinhado por Dilma e Renan que seria sabatinado por seus pares para ocupar uma vaga de ministro do TCU e renunciou antes – mudou de nome parlamentar no fim de seu mandato. Se alguém tentar saber algo sobre ele, no Senado Federal, nada mais encontrará nas páginas oficiais. Teria morrido? Não! Está vivinho da silva, mas não adota mais esse apelido de guerra. Voltou a ser o cidadão Jorge Afonso Argello, seu nome de batismo. Até aí, tudo bem.

Todo mundo que usa um apelido – registrado na Justiça Eleitoral –, como Chico Vigilante ou Tiririca, ou que só usa um sobrenome, tem todo o direito de voltar a ser um cidadão comum e, como tal, readotar seu nome completo. Eu mesma só assino Sandra Starling, quando, na verdade, sou Sandra Meira Starling e, até hoje, tomo um susto ou não me reconheço quando, na fila do médico ou de algum exame laboratorial, sou chamada por Sandra Meira. Mas nunca vi ninguém mandar sumir de seu prontuário na Câmara dos Deputados ou no Senado o nome que usou como parlamentar. Pois foi isso o que o Gim fez.

No dia 26 de dezembro do ano passado, requereu em ofício ao presidente da Casa que fosse expungido de atas, projetos, relatórios, requerimentos e discursos o nome que usava ao tempo em que circulava como pajem-mor. Você, talvez, não se recorde: era aquele que, na campanha presidencial de 2010, costumava acompanhar a candidata Dilma em suas caminhadas matinais e andanças por missas nas cidades-satélite de Brasília. Deferido o ofício em janeiro por Renan Calheiros, de Gim não resta rastro algum nos registros oficiais do Senado. Talvez – quem sabe? – para não deixar evidências que lhe criem embaraços em investigações judiciais a que já está submetido. Ou evitar que possa ser mencionado na operação Lava-Jato, o que, aliás, já ocorreu. Detalhe: o agora cidadão comum Jorge Afonso foi vice-presidente da CPI da Petrobras do ano passado, aquela que nada concluiu sobre o que investigava.

Tudo isso posto, cabe perguntar: que nome dar a isso aí?! 

Quase 100 anos depois, nossa política não mudou nada

Revolta da Vacina

No momento em que o país passa por inúmeros e gravíssimos problemas, veio-me às mãos, por gentil obséquio do meu amigo Ronaldo Macedo, o livro do escritor mineiro Jorge Azevedo “Eles Deixaram Saudade”. Detive-me num soneto, nele transcrito, do poeta, jornalista e romancista cearense (publicou um só romance) Antônio Sales (1868-1940), amigo de Machado de Assis; ajudou-o a fundar a Academia Brasileira de Letras, mas, por não ser bom orador, se negou a fazer parte dela.

O soneto se refere ao governo de Arthur Bernardes (de 15.11.1922 a 15.11.1926) ou Washington Luís (de 15.11.1926 a 15.11.1930):

“Este país vai todo em polvorosa.
A anarquia por toda parte impera.
A lei sucumbe, inerente e dolorosa.
A tirania, estúpida, prospera.

Da traição medra a planta venenosa,
a semente dos ódios prolifera,
a dilapidação campeia e goza
das vacas gordas a ditosa era…

As eleições são conto do vigário,
couro e cabelo tira-nos o erário,
geme a lavoura, os bancos não têm fundos…

Mas, para consolar-nos desse inferno,
brevemente, a mensagem do governo
dirá que estamos no melhor dos mundos.

O que flagrou o poeta há 90 anos é quase nada diante do que vivemos hoje – o completo abastardamento da política brasileira. Uma calamidade!

Conserva sem educação

Parece que, entre nós, a ignorância não é um desserviço público, um pecado social
Cinco séculos antes de Cristo viveu Sócrates. Que tinha um amigo. Que resolveu ir ao templo de Apolo em Delfos e perguntar quem era o mais sábio dos gregos. Apolo não pensou duas vezes: era Sócrates. E isso criou um problema descomunal. Pois Sócrates, oleiro de ofício, sabia uma coisa só: que não sabia nada. Era um ignorante. E um ignorante não pode ser sábio, muito menos o mais sábio. O deus tinha se enganado. Mas o deus não se engana. Por isso é deus. E Sócrates, o ignorante, levou o resto da vida procurando a sabedoria que não tinha, para não o desmentir.


Dessa tensão entre ignorância e sabedoria forjou-se para nós, até hoje, a necessidade da educação como gênero de primeira necessidade. Como o pão. O grande discípulo de Sócrates, Platão, fundou a Academia. E Aristóteles, aluno de Platão, criou o Liceu. E de então em diante estar na escola tem sido a condição para gestar o conhecimento e pô-lo em comum, a mais elevada missão dos descendentes dos antigos gregos. Na luminosa Idade Média criaram-se as universidades, onde os cristãos reuniram o saber vindo dos gregos e a sabedoria migrada da Judeia, em cujas escolas os jovens, aos pares para estimular a divergência e o equilíbrio, aprendiam a Lei. Das universidades nós somos os descendentes diretos. Elas, onde o estudo conduz à superação da ignorância, são a mais nobre atividade emancipatória que criamos no Ocidente greco-judaico-cristão. Até hoje. As grandes universidades do mundo dão testemunho dessa continuidade histórica.

Aqui, não. Durante o período colonial as universidades foram proibidas no Brasil. No Império houve faculdades no Recife, em São Paulo, no Rio. Mas a primeira universidade foi criada apenas em 1920, a Universidade do Brasil, atual UFRJ. Temos, como país incorporado à cultura ocidental, 515 anos. Nossa mais antiga universidade não chega a 100. Diz alguma coisa? Infelizmente diz. Fala do desapreço dos governos pela escola, de baixo ao alto, do fundamental ao doutorado. Estudar, no Brasil, é heroico. Os pais humildes que querem para seus filhos vida melhor do que a que vão levando sempre acertam no remédio: “Meus filhos vão ter estudo”. Os pais “de posses” encaminham naturalmente seus filhos na mesma direção. E aí começa a tragédia. Porque os filhos dos pobres estudam nas escolas públicas, que já foram ótimas e se tornaram ruins. Professoras e professores equilibram-se nelas com estímulo perto de zero. E os filhos dos não pobres frequentam as escolas particulares, algumas muito caras, que são em geral boas. Isso não seria mais do que a expressão da estrutura social perversa em que vivemos não fosse o fato de que depois de 12 anos de estudos os filhos dos pobres vão para as universidades particulares, que não são boas — exceção para as PUCs e poucas mais —, e os filhos dos não pobres entram nas universidades públicas, que são melhores. Os filhos dos pobres não ficam, ou se endividam para estudar. Porque, justamente, são pobres, e as universidades particulares são caras. Xeque-mate. Há programas paliativos, mas de fato vamos criando um abismo entre os que sabem e os que não. Parece que, entre nós, a ignorância não é um desserviço público, um pecado social. Convivemos bem com ela.


Não que nós, a sociedade, não tenhamos consciência de que alguma coisa vai muito mal e não pode ficar assim. Mas assistimos, apatetados, como se não pudéssemos fazer nada. Nem, pelo menos, votar certo. E vemos que mesmo as universidades públicas têm sido levadas a tratar seus alunos como objetos de simples adestramento para o “mercado”, essa entidade misteriosa. O sentido emancipatório e crítico da educação vai desaparecendo. É só olhar para as humanidades, cada vez mais minguadas, sem prioridade orçamentária. Deviam ser bibliotecas cercadas de estudantes por todos os lados. Não são. Onde há bibliotecas, são magras. Têm horário de repartição pública. Não funcionam nos fins de semana. Onde não há parece que é assim mesmo, não é um horror.

Agora foram cortados R$ 70 bilhões do orçamento da educação. A pátria educadora ficou R$ 70 bilhões mais pobre. Já tinha pouco. Havia, na esquerda, a esperança de que agora essa prioridade saísse do papel das propagandas dos governos. Não saiu.

Sócrates foi condenado à morte pela cidade de Atenas porque inquietava as consciências. A ignorância que procura a sabedoria desequilibra privilégios, é subversiva. Se vivesse no Brasil de hoje podia ficar tranquilo. Não dariam por ele. Mas vem uma greve dos professores aí. Se o tivessem aceito como mestre numa universidade (ele não publicou nada...), talvez devesse parar agora para reclamar do descaso criminoso. Sair da Ágora onde ensinava, deixar seus alunos. O que é, para um professor, também uma forma de morte. Dói menos do que o veneno que teve de tomar. Mas dói.

Marcio Tavares D’amaral 

Chega de supérfluo

Inventamos um comércio de coisas supérfluas para poder manter a economia. E não temos a coragem de aplicar um keynesianismo para os indigentes do mundo. A economia do mundo tem problemas de demanda, mas de coisas úteis: de casas, de escolas, de água, de medidas contra a desertificação... Não temos que andar inventando um telefone novo todos os meses para que multidões vivam pagando prestações
José Mujica em conferência em Madri

'Padrão Fifa' ainda é o modelo da Dilma

Fifa-Mafia

 A Dilma não dá uma dentro. Depois de dizer na campanha que o seu governo adotaria o “Padrão Fifa”, agora vê desmoronar o maior antro de corrupção do mundo na área do futebol. A blitz realizada em um hotel de luxo da Suíça, onde os mafiosos estavam hospedados, levou a reboque o José Maria Marin, corrupto conhecido, a exemplo de Paulo Maluf, mas solto e fagueiro no Brasil. Preso pelo FBI, ele será extraditado para os Estados Unidos onde certamente terminará seus anos de vida na cadeia.

No Brasil, esses corruptos posam de ilustres personalidades ao lado de presidentes como Dilma e Lula, também envolvidos em maracutaias já comprovadas de recebimento de propina para suas campanhas. Paulo Maluf, hoje parceiro do Lula nas campanhas paulistas, é procurado em mais de cem países no mundo por corrupção mas continua dando as cartas na Câmara Federal e na política de São Paulo, onde foi convocado para uma parceria com o PT para eleger Haddad prefeito da cidade.

A prisão de José Maria Marin e dos corruptos da FIFA, a quem Dilma copia o padrão de administração, envergonha a Justiça brasileira. Alguns desses personagens anacrônicos e carcomidos pela corrupção, já deveriam estar encarcerados aqui. Muitos deles, exercendo mandatos, continuam roubando porque têm a certeza da impunidade. Veja os mensaleiros: passaram pouco tempo no xadrez e agora já pensam em deixar o país para morar no exterior, como anunciou o José Dirceu que pretende se mudar para Portugal.

Com os bolsos cheio de dinheiro, produto do roubo da Petrobrás e de outras empresas estatais, os mensaleiros chegaram a conclusão de que o crime compensa. Certamente não está compensando para o Marco Aurélio o intermediário do PT nas extorsões nas empresas estatais e privadas saqueadas por ele e sua quadrilha. Hoje abandonado pelos seus parceiros petistas.

Só no exterior Marin seria preso pela turma do FBI que esperou uma reunião da quadrilha da FIFA para algemar uma dezena deles, eleitores de Blatter , o presidente da organização criminosa. Aqui, no Brasil, solto, o ex-presidente da CBF era recebido pelas autoridades como um homem acima de qualquer suspeita, mesmo depois do flagrante dele roubando medalhas de atletas mostrado em rede de TV. Até a CBF na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, mantinha o nome dele na fachada da sede que custou 100 milhões de reais, despesa nunca auditada por ninguém.



Infelizmente, na última década, a única coisa que o Brasil vem produzindo com muita eficiência é corrupto. Eles estão em toda parte: nas empresas estatais, no futebol, nos jogos olímpicos, nas prefeituras, nos governos estaduais, no Congresso Nacional e até escamoteados nos pequenos delitos praticados por garçons que adulteram as contas dos bares e restaurantes.

O Brasileiro começa a se envergonhar do seu país e de seus mandatários atolados na lama podre da bandidagem. O PT, que apregoava a ética na política, transformou-se no partido mais corrupto da história do pais. Seus dirigentes, muitos já presos e condenados, ainda vivem aboletados no poder sugando o que resta do dinheiro púbico de um país que vive a pré-falência econômica e desce rapidamente a ladeira da indecência administrativa.

Com a prisão de Marin, os torcedores brasileiros lavam a alma pelos 7x1 da Alemanha, agora acrescido de mais 1 no pijama listrado do ex-presidente da CBF atrás das grades: 171.

A aristocracia petista vive seu pior momento

Em 2015, em meio a muita tensão política, a Constituição de 1988 terá sua prova de fogo. Não há qualquer paralelo com o episódio do impeachment de Fernando Collor. Este já tinha percorrido mais de dois anos de mandato quando foi apeado do poder. E o momento mais agônico da crise foi resolvido em quatro meses — entre julho e outubro de 1992.


Também deve ser recordado que o então presidente tinha um arremedo de partido político, sua conexão com a sociedade civil era frágil — e quase nula com os setores organizados, a relação com o Congresso Nacional era ruim, e com medidas heterodoxas descontentou amplos setores, do empresariado ao funcionalismo público. Sem contar que, em 1990, o país passou por uma severa recessão (-4,3%) e tudo indicava — como efetivamente ocorreu — que, em 1992, teria uma nova recessão. O quadro atual é distinto — e causa muito mais preocupação. 

O governo tem um sólido partido de sustentação — que está em crise, é verdade, mas que consegue agir coletivamente e tem presença dominante em governos estaduais e dezenas de prefeituras. A base congressual é volátil mas, aparentemente, ainda responde ao Palácio do Planalto. As divergências com o sócio principal do condomínio petista, o PMDB, são crescentes mas estão longe do rompimento. Em 12 anos, o governo construiu — usando e abusando dos recursos públicos — uma estrutura de apoio social. E, diferentemente de Collor, Lula estabeleceu uma sólida relação com frações do grande capital — a “burguesia petista” — que é hoje dependente do governo.

O país está vivendo um impasse. O governo perdeu legitimidade logo ao nascer. Dilma não tem condições de governar, não tem respeitabilidade, não tem a confiança dos investidores, dos empresários e da elite política. E, principalmente, não tem mais apoio dos brasileiros horrorizados com as denúncias de corrupção e a inépcia governamental em enfrentá-las, além do agravamento dos problemas econômicos, em especial da inflação.

Deve ser reconhecido que Fernando Collor aceitou o cerco político que sofreu sem utilizar da máquina de Estado para coagir os adversários. E foi apeado legalmente da Presidência sem nenhum gesto fora dos limites da Constituição. Mas o mesmo não ocorrerá com Dilma. Na verdade, não com Dilma. Ela é um nada, é uma simples criatura, é um acidente da História. O embate vai ser travado com Lula, o seu criador, mentor e quem, neste momento, assumiu as rédeas da coordenação política do governo.

Foi Lula que venceu a eleição presidencial de 2014. E agora espera repetir a dose. Mas a conjuntura é distinta. As denúncias do petrolão e a piora na situação econômica não permitem mais meros jogos de cena. O momento do marketing eleitoral já passou. E Lula vai agir como sempre fez, sem nenhum princípio, sem ética, sem respeito a ordem e a coisa públicas. O discurso que fez no Rio de Janeiro no dia 24 de fevereiro é apenas o início. Ele — um ex-presidente da República — incitou à desordem, ameaçou opositores e conclamou o MST a agir como um exército, ou seja, partir para o enfrentamento armado contra os adversários do projeto criminoso de poder, tão bem definido pelo ministro Celso de Mello, do STF.

Lula está desesperado. Sabe que a aristocracia petista vive o seu pior momento. E não vai sair do poder sem antes usar de todas as armas, legais ou não. Como um excelente leitor de conjuntura — e ele o é — sabe que os velhos truques utilizados na crise do mensalão já não dão resultado. E pouco resta para fazer — dentro da sua perspectiva. Notou que, apesar de dezenas de partidos e entidades terem convocado o ato público do dia 24, o comparecimento foi pífio, inexpressivo. O clima no auditório da ABI estava mais para velório do que para um comício nos moldes tradicionais do petismo. Nos contatos mantidos em Brasília, sentiu que a recomposição do bloco político-empresarial que montou no início de 2006 — e que foi decisivo para a sua reeleição – é impossível.

A estratégia lulista para se manter a todo custo no poder é de buscar o confronto, de dividir o país, jogar classe contra classe, região contra região, partido contra partido, brasileiro contra brasileiro. Mesmo que isso custe cadáveres. Para Lula, pouco importa que a crise política intensifique ainda mais a crise econômica e seus perversos efeitos sociais. A possibilidade de ele liderar um processo de radicalização política com conflitos de rua, greves, choques, ataques ao patrimônio público e privado, ameaças e agressões a opositores é muito grande. Especialmente porque não encontra no governo e no partido lideranças com capacidade de exercer este papel.

O Brasil caminha para uma grave crise institucional, sem qualquer paralelo na nossa história. Dilma é uma presidente zumbi, Por incrível que pareça, apesar dos 54 milhões de votos recebidos a pouco mais de quatro meses, é uma espectadora de tudo o que está ocorrendo. Na área econômica tenta consertar estragos que produziu no seu primeiro mandato, sem que tenha resultados a apresentar no curto prazo. A corrupção escorre por todas as áreas do governo. Politicamente, é um fantoche. Serve a Lula fielmente, pois sequer tem condições de traí-lo. Nada faria sozinha.

Assistiremos à lenta agonia do petismo. O custo será alto. É agora que efetivamente testaremos se funciona o Estado Democrático de Direito. É agora que veremos se existe uma oposição parlamentar. É agora que devemos ocupar as ruas. É agora que teremos de enfrentar definitivamente o dilema: ou o Brasil acaba politicamente com o petismo, ou o petismo destrói o Brasil.