Se 2020 foi o ano da destruição de vidas e de empregos pela pandemia, 2021 pode ser o ano do grande recomeço da humanidade. A última vez que vivemos momento semelhante foi após a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo teve de ser reconstruído e foi gerada uma nova ordem civilizatória, com o fortalecimento do multilateralismo e o avanço da democracia. Naquele momento da História economias tiveram de ser reconstruídas e em novas bases, propiciando, assim, um desenvolvimento da ciência e da produção de riquezas em escala nunca vista.
A rigor, os desafios do pós pandemia tem muito a ver com os daquela época. O coronavírus provocou uma queda do PIB mundial de 3%, desorganizou economias poderosas como a dos Estados Unidos e da União Europeia, jogou milhões e milhões de pessoas no desemprego – só nos EUA um em cada quatro trabalhadores tiveram de recorrer ao seguro desemprego. Segundo a ONU, 235 milhões de pessoas necessitarão de ajuda humanitária em 2021. Não basta apenas recomeçar. É preciso recomeçar em novas bases, por meio de um modelo baseado na cooperação para gerar um mundo justo e sustentável, social e ambientalmente.
Não por coincidência o tema da edição de 2021 do Fórum Econômico Mundial – a ser realizada no verão europeu – terá como tema ”The Great Reset” (O Grande Recomeço). Davos preconiza que o capitalismo seja reinicializado, com uma profunda transformação em todos os setores, “desde petróleo e gás, até tecnologia”. Com a pandemia ainda longe de terminar, seus impactos se dão em todas as áreas, na saúde, na educação, na dívida pública, no bem estar das pessoas.
O mundo está diante de dois caminhos. O primeiro adotado por alguns países (e lamentavelmente o Brasil faz parte desse time) de usar a Covid-19 como pretexto para “passar a boiada” e enfraquecer conquistas importantes, como as ambientais. Nesse modelo, estabelece-se a lei da selva, por meio de um darwinismo social, que levará ao aumento da desigualdade entre países e regiões e entre pobres e ricos.
Basta citar que até nos Estados Unidos a desigualdade aumentou com a pandemia. A face mais perversa do avanço da desigualdade será entre povos e países com acesso à vacina contra o coronavirus e os sem acesso.
A outra alternativa é enxergar nos desafios colocados uma oportunidade para criar uma sociedade sustentável e socialmente mais justa, por meio da oferta de serviços públicos de qualidade, particularmente nas áreas de saúde, educação e segurança.
Como na Depressão dos anos 30 e na reconstrução pós Segunda Guerra, o Estado deve ter papel ativo na retomada das atividades econômicas e na oferta de serviços públicos. A União Europeia já criou um fundo de 750 bilhões de euros para investir na recuperação da economia dos países do bloco. Joe Biden anunciou que irá pelo mesmo caminho, injetando recursos públicos na economia americana. Japão e China também vão na mesma direção.
O mundo ingressa em 2021 com esperanças renovadas. Com a posse de Biden, os Estados Unidos deixaram de lado o isolacionismo, a polarização e o negacionismo e marcham para assumir o seu papel na cabeceira da mesa, de liderar o mundo pela força de seu exemplo. Foi assim no pós guerra, com o Plano Marshall. O retorno ao Acordo Climático de Paris, a retomada do acordo nuclear com o Irã e das relações com Cuba nos colocarão diante de um mundo mais cooperativo, com o fortalecimento do multilateralismo.
No apagar das luzes de 2020, a humanidade alcançou feito extraordinário. A fabulosa mobilização da ciência em uma escala jamais imaginada levou à resposta mais eficiente à pandemia, com a descoberta de várias vacinas eficazes. O desafio agora é a vacinação em massa, já iniciada na Inglaterra e nos Estados Unidos, de forma que se estenda a todos os povos e classes. Só assim se evitará o aumento da desigualdade.
Iniciamos 2021 em condições de estabelecer um “Novo Acordo”, como preconiza o Fórum Econômico Mundial. A escolha do termo por Davos não foi por acaso. Ele remete ao “New Deal” de Franklin Delano Roosevelt, quando os Estados Unidos superou a depressão dos anos 30 e se transformou na maior liderança mundial.
Qual será o papel do Brasil no “Novo Acordo” e qual será seu assento na mesa?
As expectativas são desanimadoras. O negacionismo, o isolacionismo, o rotundo fracasso da estratégia de Bolsonaro no enfrentamento da pandemia, a antipolítica ambiental, os atritos com a China, a União Europeia e com os Estados Unidos, nos condenarão a sequer ter lugar à mesa do concerto das nações. Tudo isso, ao lado da crise econômica, fará do Brasil uma nação em declínio, que perde relevância inclusive na América Latina, região da qual já foi líder.
Não é possível ter ilusões quanto a um governo cujo ministro do Exterior vê o Grande Recomeço como uma imensa conspiração do globalismo. Vejam a pérola de Ernesto Araújo, publicada em redes sociais:
“A pandemia não pode ser pretexto para o controle social totalitário violando, inclusive, os princípios das Nações Unidas. As liberdades fundamentais não podem ser vítimas da Covid. Liberdade não é ideologia. Nada de Great Reset”.