quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Pensamento do Dia

 

Uma em cada 11 pessoas entre oito e 18 anos
é viciada em dispositivos eletrônicos

Negacionismo de Trump faz mal à saúde e prejudica clima

O “meme” é mais antigo do que a internet. Surgiu de uma correlação entre a bagagem genética e a bagagem cultural, como um termo criado pelo neodarwiniano britânico Richard Dawkins, na década de 1970, em seu livro O Gene Egoísta (Companhia das Letras). Para ele, a evolução humana não depende apenas de nossa bagagem genética (nossos genes), mas, também, de uma bagagem cultural, uma memória comportamental, que ele batizou como “meme”, palavra derivada de “mimeme” (imitação, no grego).

Um meme poderia ser qualquer ideia, comportamento ou tendência que tem a capacidade de passar de pessoa para pessoa por meio da imitação ou da nossa herança cultural. Com o passar dos anos, o termo ganhou outros significados, tendo se popularizado na internet como qualquer imagem, vídeo, bordão, hashtag ou áudio que sofre modificações e “viraliza” (mais uma comparação com a biologia), prática que mudou de escala com a inteligência artificial (IA).

Segundo Dawkins, “o ‘meme’ é o equivalente cultural de um gene. Então, qualquer coisa que passa do cérebro para o cérebro, como um sotaque, ou uma palavra básica, ou uma melodia. É tudo o que se espalha-se pela população de uma forma cultural, como uma epidemia. Então, uma loucura em uma escola, uma moda de roupas, uma maneira particular de falar, todas essas coisas são ‘memes'”.

Por ironia, Dawkins utiliza os “memes” da internet nas suas redes sociais para combater fake news e o negacionismo. “Se você baseia a medicina na ciência, você cura as pessoas. Se basearmos o design dos aviões na ciência, eles voam… A ciência funciona”, disse certa vez, no Planetário Hayden, em Manhattan, do Museu Americano de História Natural, hoje gerenciado pelo astrofísico Neil de Grasse Tyson.

O gesto de Elon Musk que repetiu uma saudação nazista na posse de Donald Trump, mesmo que não tenha sido intencional, é um “meme”. Sua origem pode estar na ancestralidade do magnata da tecnologia: os bôeres. São os descendentes de colonos calvinistas dos Países Baixos, da Alemanha e da Dinamarca, bem como de huguenotes franceses, que se estabeleceram nos séculos XVII e XVIII na África do Sul, após serem expulsos de Angola por Salvador de Sá, à frente de uma esquadra armada por senhores de escravos do Rio de Janeiro, após os holandeses serem expulsos do Nordeste.


Insulados por mais de 250 anos, os bôeres desenvolveram uma língua própria, o africâner, derivado do holandês com influências limitadas do bantu, do xhosa, do malaio e do alemão. Hoje vivem principalmente na África do Sul e na Namíbia, mas, também, no Botswana.

O Partido Nacional (em africâner: Nasionale Party, NP) foi o grande partido ultraconservador bôer, dominado por ex-simpatizantes do Eixo, que governou a África do Sul de 1948 a 1994 e promoveu o nacionalismo africâner e o apartheid. Os Musk são originários desse caldeirão étnico.

O ultraconservadorismo de Musk tem raízes históricas e culturais. Não tem contradição com reacionarismo de Donald Trump, mas é paradoxal seu apoio ao negacionismo do presidente dos Estados Unidos em relação à ciência. Musk é um homem da física e da tecnologia avançadas. O negacionismo frequentemente se baseia em desinformação, teorias da conspiração ou interesses específicos que buscam manipular o entendimento público, em contradição com as evidências históricas e científicas. Talvez a razão seja a última.

No dia da posse, Trump anunciou a saída do país da Organização Mundial da Saúde (OMS), a agência das Nações Unidas, como já havia feito em junho de 2020, em plena pandemia, indiferente à sua importância para o controle das grandes ameaças à saúde pública — por exemplo: as epidemias já conhecidas ou as que estão por vir. Os EUA colaboravam com cerca de US$ 550 milhões (cerca de R$ 3,3 bilhões) anuais para a OMS, cerca de 18% do seu orçamento.

Também pela segunda vez, Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, que junta quase todos os países do mundo. Assinado durante a COP 21, a 21ª cúpula do clima da ONU na França, o Acordo de Paris tem como principal objetivo manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços para limitá-lo a 1,5°C.

No entanto, em 2022, a temperatura média global subiu 1,6°C, evidenciando a urgência de ações climáticas. Os EUA, a maior economia mundial, são o segundo maior emissor de gases de efeito estufa, atrás da China, que manteve suas metas de transição energética. Sua decisão enfraquece a COP 30, que se realizará em Belém, em novembro deste ano.

Nova ordem no Planeta Vermelho

Donald Trump tomou posse como presidente de Marte. Elon Musk, o homem mais rico do Universo e com grandes interesses no Planeta Vermelho, será o seu mentor, o cérebro por trás do trono, quase um presidente putativo. Com isso, podemos ter certeza de que Trump cumprirá suas promessas de campanha: "Vamos fazer Marte grande de novo!", "Marte em primeiro lugar!", "Vamos nos orgulhar, vamos ser fortes, vamos vencer como nunca!" Perguntado sobre a sua relação com a Lua, foi taxativo: "Não precisamos dela!"


Com Trump no comando, Marte pode esperar por um governo marcial. Trump vai taxar todo o Sistema Solar. Planetas estéreis, como Saturno, Urano e Netuno, com suas organizações inúteis e parasitárias que vivem às custas de Marte, não perdem por esperar. Trump vai ocupar pela força os vizinhos Mercúrio e Vênus, retomar o Canal de Júpiter —afinal, foram os marcianos que o construíram— e, principalmente, construir um muro para isolar a Terra. Chega de terráqueos bigodudos, traficantes de drogas e cheios de filhos barrigudinhos e de nariz sujo continuando a passar pela fronteira e empesteando Marte. Os que já tiverem entrado serão deportados. Filhos de terráqueos ilegais terão sua cidadania revogada. O slogan oculto é: "Vamos fazer Marte louro de novo!"

Trump promete acabar de furar a Terra por todos os lados em busca de combustíveis fósseis. Se isso provocar mais secas, chuva, tsunamis, incêndios ou terremotos, a culpa será do Partido Democrata, que não trabalhou direito nos últimos quatro anos.

Em Marte só haverá homens ou mulheres, uns ou outros, sem opções extra ou intermediárias. As mulheres serão obrigadas a usar o chapéu do Zorro. As fake news serão a nova verdade, e acredite quem quiser. Com o indulto aos condenados pela invasão do Capitólio em 2021, o Poder Judiciário se tornará mero subscritor das decisões imperiais. Fica liberado dar calços em policiais, roubar-lhes o quepe e passar a mão em suas bundas e sair correndo.

Como todos sabem, Marte, na mitologia, é o deus da Guerra. Portanto, é Marte acima de tudo e Trump, seu marechal, acima de todos.

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É a hora de uivar, porque se nos deixarmos levar pelos poderes que nos governam, e não fazermos nada para contrariar isso, pode dizer-se que merecemos o que temos
José Saramago 

Faça a oligarquia grande novamente

A oligarquia está aqui. Pelo menos durante o primeiro mandato de Trump, ele fingiu evitar conflitos de interesse. Agora, ele está abertamente fazendo um acordo de US$ 500 milhões com o governo de Omã enquanto presidente. Vários bilionários da tecnologia visitaram Mar-a-Lago para pagar para jogar, dando a ele milhões de dólares. Ele está tirando dezenas de milhões do governo saudita para usar seus campos de golfe — novamente, como um presidente em exercício.

A escolha de Trump para Secretário do Tesouro é um CEO de fundo de hedge que quer taxar os ganhos das pessoas mais pesadamente do que os ganhos de capital, o que significa que professores e trabalhadores pagariam mais em impostos do que bilionários que lucram com o mercado de ações sem levantar um dedo. E eles estão trabalhando para estender os cortes de impostos de Trump, que beneficiaram esmagadoramente o 1% mais rico.

Trump está enchendo sua administração com mais milionários e bilionários do que qualquer outra na história. Quem você acha que eles representarão? Esta é uma guerra de classes — socialismo para os ricos e individualismo robusto para o resto de nós.

Trump está ostentando sua intocabilidade. Ele foi considerado culpado de crimes, e o juiz o mandou embora com um desejo de "boa sorte". A Suprema Corte efetivamente disse que ele pode fazer qualquer coisa e sair impune, desde que seja rotulado como um "ato presidencial". Então, quem vai impedi-lo?

Qualquer um que tenha dito que Trump era a favor da classe trabalhadora deveria
ter a boca colada permanentemente.
Daniel Medina

Trump revive imperialismo de presidente de 1897 a 1901

Por causa do frio, a posse de Donald Trump aconteceu na Rotunda do Capitólio. Má ideia. De certa maneira, foi uma revanche. No 6 de janeiro de 2021 aquele lugar foi invadido pela turma que queria melar a vitória eleitoral de Joe Biden. Cenograficamente, é um lugar bonito. Fica embaixo da cúpula dos cartões-postais. Em seu espaço circular estão estátuas de notáveis da História americana. Em 1876, Dom Pedro II lá esteve e definiu-o:

— Fui ver o Capitólio. Aspecto majestosíssimo. Agradou-me muito o todo da arquitetura. Tudo o que é escultura é medíocre.

O mundo teve de aturar a mediocridade das esculturas da Rotunda.


Trump assumiu resgatando a memória de William McKinley (1897-1901) e devolveu-lhe a denominação da montanha mais alta dos Estados Unidos, cassada em 2015.

Não é retórica. Trump promete o início de tempos dourados. McKinley governou no auge de uma era folheada a ouro. Em seu primeiro mandato, o PIB americano cresceu a taxas inéditas. Àquela época, a U.S. Steel era maior que o governo federal. (Em 2025, faltou pouco para que a U.S. Steel fosse absorvida pela japonesa Nippon Steel.)

Trump quer retomar o Canal do Panamá, McKinley anexou o Havaí e, depois de expulsar os espanhóis, transformou Cuba, Porto Rico e Filipinas em protetorados americanos. Trump promete protecionismo, McKinley elevou as tarifas de importação.

Passado mais de um século, a Presidência de McKinley é vista como apogeu dos endinheirados. Os homens mais ricos dos Estados Unidos — John D. Rockefeller e Andrew Carnegie — cacifavam-no. (Ambos haviam saído do nada.) Nenhum dos dois foi à posse de McKinley, mas Elon Musk, o homem mais rico do mundo, não só estava em Washington, como faz parte do governo e quer um cantinho na Casa Branca.

Quando Trump diz que o Golfo do México se chamará Golfo da América, repete a rainha Vitória (1819-1901), que se desentendeu com o ditador da Bolívia e mandou tirar o país do mapa que tinha no palácio. Botar uma bandeira em Marte? Tudo bem, melhor ainda se ela for levada num foguete de Musk. Noves fora o teatro, Trump saiu do Acordo de Paris, apertou o ferrolho da imigração e certamente elevará as tarifas das importações. Assumiu com uma vitalidade que faltava a Joe Biden e antecipou uma Presidência menos sonolenta, mas McKinley ele nunca será.

Trump disse que a América Latina e o Brasil “precisam mais de nós do que nós precisamos deles”. Até aí, ele pode até estar certo. Os regimes de Cuba e da Venezuela viverão anos amargos, mas o Brasil e a América Latina não precisam dos Estados Unidos tanto quanto ele pensa.

Em 1896, quando McKinley tinha um pé na Casa Branca, o barão do Rio Branco escrevia a um amigo:

— Eu prefiro que o Brasil estreite as suas relações com a Europa a vê-lo lançar-se nos braços dos Estados Unidos.

Em 1896 a China estava humilhada e subjugada pelas potências da época. Conta a lenda que, num parque de Xangai, havia uma placa inglesa informando que estava proibida a entrada de “cachorros e chineses”. Em 2025, o ano pode fechar com Pequim chegando a um superávit comercial de US$ 1 trilhão.

O segundo mandato de Trump e o mundo

Que impacto a segunda vinda de Donald Trump terá sobre o mundo? O mundo é imprevisível. Trump também é imprevisível. Seu primeiro mandato transformou os Estados Unidos e o mundo. Seu segundo deverá ter um impacto ainda mais profundo.

“A partir de hoje”, disse Trump em seu discurso de posse, “os Estados Unidos da América serão uma nação livre, soberana e independente”. Estamos tão acostumados a esse tipo de expressão de autopiedade vinda dele e daqueles que o cercam, que elas (quase) deixaram de surpreender. No entanto, ele está falando do país mais poderoso do mundo, que liderou a inovação por um século e meio e moldou o mundo em que vivemos.

O que, afinal, impediu os EUA de serem uma nação livre, soberana e independente? A resposta, ao que parece, são as obrigações autoimpostas e restrições voluntariamente aceitas ao seu próprio poder. Agora, sugere ele, os EUA farão o que quiserem. Os EUA deixarão de ter pretensões de liderança moral e se proclamam outra grande potência sob o antigo lema “o poder faz o direito”.


Como o mundo vê esse evento? Em “Alone in a Trumpian World” (“Sozinho em um mundo trumpista”), o Conselho Europeu de Relações Exteriores acaba de publicar os resultados de pesquisas de opinião pública em todo o mundo. Eles são fascinantes. As pessoas mais perturbadas com o segundo mandato de Trump são os cidadãos de seus aliados mais próximos. Apenas 22% dos cidadãos da União Europeia (UE), 15% dos britânicos e 11% dos sul-coreanos acham que seu retorno é uma coisa boa para o seu país. Enquanto isso, 84% dos indianos, 61% da população da Arábia Saudita, 49% dos russos e 46% dos chineses acham que ele é bom para o seu país.

Isso, segundo o relatório, sinaliza a “aceitação pelos públicos de um mundo mais pragmático e orientado por interesses”. No entanto, para os aliados próximos dos EUA isso marca o fim de laços de confiança nos quais eles sempre se apoiaram. Eles não podem mais ser passageiros gratuitos do poder dos EUA. Talvez isso seja merecido. Mas trata-se mais do que mera dependência. Os europeus do pós-guerra realmente acreditaram na “ordem internacional liberal”. Para eles, seu desaparecimento é uma enorme decepção. Já o chamado “sul global” nunca acreditou plenamente nela e, portanto, sente-se mais à vontade com a abordagem pragmática e baseada em interesses de Trump.

Em duas áreas importantes - o comércio e o meio ambiente global - a postura de Trump criará desafios especiais. Na primeira, havia de fato uma ordem liberal, erguida em torno de instituições globais que promoviam a liberalização do comércio e forneciam uma estabilidade substancial ao ambiente da política comercial. Isso era de particular importância para pequenas economias dependentes do comércio. Como resultado, a proporção do comércio de bens em relação à produção mundial subiu de 5% no fim da Segunda Guerra Mundial para 15% no fim da Guerra Fria e 25% na véspera da crise financeira mundial. Desde então, essa relação estagnou.

Quanto dano as guerras tarifárias lançadas por Trump causarão? O comércio já entrou em colapso antes. Fará isso de novo? Trump tem a ideia (uma de suas muitas ideias tolas) de que os estrangeiros pagarão pelas tarifas. Na verdade, os americanos pagarão: ele não é apenas um valentão, mas um valentão idiota. Pobres Canadá e México. Como então as vítimas devem responder? A retaliação, segundo Dani Rodrik da Universidade Harvard, é custosa para aqueles que a abraçam. Então, seja cauteloso.

Uma segunda área crucial é a mudança climática. Isso, dizem os republicanos da ala Maga, é uma farsa. Então Trump declara que “vamos perfurar, baby, perfurar”. Em 2024, segundo a Nasa, as temperaturas globais ficaram 1,28º C acima da média de 1951-1980, o nível mais alto já registrado. As concentrações de CO2 na atmosfera continuam aumentando. Portanto, será “queimar, baby, queimar”. Essa indiferença com o destino do planeta poderá se mostrar devastadora. Isso também gera enormes preocupações para o resto do mundo.

Enquanto isso, será que o rei Donald será capaz de desfrutar de um renascimento econômico americano? É improvável, especialmente porque a economia que ele herdou está longe do desastre que ele proclama incessantemente. Pelo contrário, a economia dos EUA superou de longe seus pares desde a pandemia. Em sua atualização de janeiro do relatório “World Economic Outlook”, o Fundo Monetário Internacional (FMI) declara que “o crescimento projetado para 2025 é de 2,7%”. Isso é 0,5 ponto porcentual a mais do que sua previsão de outubro e uma taxa com que outras economias de alta renda só podem sonhar. Trump deveria agradecer a Joe Biden por esse legado.

Dado o quão boas as coisas estão, o caminho mais fácil a partir daqui é para baixo. No curto e médio prazo, a combinação de uma política fiscal persistentemente frouxa com desregulamentações radicais, as tarifas e a deportação em massa de imigrantes provavelmente reacenderá a inflação. Isso, então, desencadearia um conflito desestabilizador entre o presidente e o Federal Reserve (Fed).

Combinado com uma nova onda de desregulamentação financeira, isso poderá provocar outra crise financeira. Isso, por sua vez, causaria o colapso de um mercado de ações historicamente supervalorizado, o único indicador com o qual Trump realmente se importa.

Além disso, Trump herda um déficit fiscal previsto pelo Gabinete de Orçamento do Congresso de 6,2% do PIB este ano, com a dívida nas mãos do público em 100% do PIB e aumentando rapidamente. Esse é um caminho insustentável. A esperança parece residir em cortes massivos nos gastos para fechar esse rombo. Contudo, esses cortes não serão grandes o suficiente e inevitavelmente afetarão seus próprios apoiadores políticos. Talvez, em seu segundo mandato, ele não se importe mais. Mas eles, com certeza, irão.

Trump é imprevisível. Talvez ele entregue uma paz justa na Ucrânia e no Oriente Médio. Talvez ele coloque a maioria de suas ameaças e promessas na lixeira do Salão Oval, aproveite seu status e deixe seu país e o mundo em boa forma. Danos substanciais à aliança ocidental, ao comércio mundial, ao meio ambiente global e às instituições americanas e globais parecem mais prováveis. No entanto, ele proclamou em seu discurso: “Meu legado de maior orgulho será o de um pacificador e unificador. Isso é o que eu quero ser”. É o que todos nós queremos que ele seja também.