segunda-feira, 16 de junho de 2025
A difícil decisão de Trump: manter o discurso contra novas guerras ou dar apoio total a Israel?
Se fosse necessário apontar o maior erro de política externa cometido pelos EUA nas últimas décadas, seria o excesso de recursos e energia dedicado ao Oriente Médio – simbolizado pela desastrosa invasão do Iraque em 2003. A guerra não apenas desestabilizou toda a região e negativamente afetou a reputação dos EUA no mundo, mas também desviou a atenção de Washington do que realmente representa seu principal desafio estratégico: o deslocamento do poder global em direção à Ásia e a ascensão da China.
Essa percepção explica por que todos os governos americanos depois de George W. Bush, independentemente de sua orientação ideológica, buscaram reduzir seu papel no Oriente Médio – especialmente considerando que os EUA tornaram-se independentes em termos energéticos em 2019, sendo hoje os maiores produtores de petróleo do mundo.
De fato, há anos a China, e não os EUA, é o principal comprador de petróleo da região. Ainda assim, apesar do “Pivot to Asia” (algo como “Redirecionamento estratégico para a Ásia”) anunciado por Obama e das tentativas posteriores de alcançar um grande acordo regional – como a negociação frustrada pelo governo Biden entre Israel e Arábia Saudita –, os EUA continuam muito mais envolvidos geopoliticamente no Oriente Médio do que qualquer outra grande potência.
Para o ex-presidente dos EUA, Joe Biden, o Oriente Médio foi palco de seu maior fracasso de política externa. Ele não conseguiu resolver a tensão entre dois objetivos centrais: oferecer proteção e “apoio ferrenho” a Israel e, ao mesmo tempo, estabilizar o Oriente Médio para poder reduzir o engajamento americano e concentrar-se na Ásia.
Em retrospectiva, fica evidente que, ao oferecer apoio praticamente irrestrito ao governo Netanyahu – líder de uma coalizão instável, sustentada por partidos de extrema direita, e determinado a permanecer no poder para evitar o enfrentamento de múltiplas acusações de corrupção –, Biden acabou incentivando uma postura desestabilizadora do primeiro-ministro israelense no Oriente Médio, minando os esforços dos EUA para reduzir sua presença na região.
DILEMA. Agora, Donald Trump enfrenta o mesmo dilema. Netanyahu aposta que os EUA apoiarão Israel de forma incondicional no confronto direto com o Irã, o que ajuda a explicar por que o governo israelense optou por uma decisão tão arriscada.
Os EUA já estão exercendo um papel crucial para defender Israel contra ataques de mísseis iranianos. A grande questão é se Trump será levado a se envolver ainda mais no conflito. É justamente isso o que alguns líderes do Partido Republicano vêm pedindo.
Em 13 de junho, o senador Lindsey Graham afirmou que, caso a diplomacia fracasse, ele acredita firmemente que seria do interesse da segurança nacional dos EUA “investir totalmente para ajudar Israel a concluir o trabalho” – isto é, destruir o programa nuclear iraniano –, algo que Israel não tem capacidade militar de fazer sozinho.
Da mesma forma, Bill Ackman, investidor e influente aliado de Trump, defende que os EUA “não deveriam deixar passar essa oportunidade, mas Israel não tem o equipamento e os armamentos necessários para concluir o trabalho ( destruir o programa nuclear do Irã)”. “Nós temos”, concluiu.
Como aponta Gideon Rachman, colunista do Financial Times, Trump talvez tenha calculado que poderia usar Israel para pressionar o Irã a desistir de seu programa nuclear. No entanto, agora o presidente dos EUA pode se dar conta de que foi Netanyahu quem o utilizou – arrastando os EUA para uma guerra que o presidente diz querer evitar.
Trump enfrenta uma decisão difícil: manter o discurso de não envolvimento em novas guerras, tão caro a uma parcela de sua base eleitoral, ou optar por apoio total a Israel, como defende o senador Lindsey Graham. Caso bases americanas na região sejam atingidas pelo Irã – hipótese que não pode ser descartada – Trump terá pouco espaço político para resistir à pressão por uma resposta militar mais direta.
Para os EUA, uma escalada neste momento significaria desviar novamente foco e recursos para o Oriente Médio – além de produzir desgaste junto à base trumpista, contrária a novas intervenções militares. Essa distração, fruto da falta de clareza estratégica dos EUA, beneficiaria a China, que vem ampliando sua influência econômica no mundo. O fantasma das últimas décadas, com o Oriente Médio distraindo os EUA de seu “grande jogo” na Ásia, volta a rondar.
Essa percepção explica por que todos os governos americanos depois de George W. Bush, independentemente de sua orientação ideológica, buscaram reduzir seu papel no Oriente Médio – especialmente considerando que os EUA tornaram-se independentes em termos energéticos em 2019, sendo hoje os maiores produtores de petróleo do mundo.
De fato, há anos a China, e não os EUA, é o principal comprador de petróleo da região. Ainda assim, apesar do “Pivot to Asia” (algo como “Redirecionamento estratégico para a Ásia”) anunciado por Obama e das tentativas posteriores de alcançar um grande acordo regional – como a negociação frustrada pelo governo Biden entre Israel e Arábia Saudita –, os EUA continuam muito mais envolvidos geopoliticamente no Oriente Médio do que qualquer outra grande potência.
Para o ex-presidente dos EUA, Joe Biden, o Oriente Médio foi palco de seu maior fracasso de política externa. Ele não conseguiu resolver a tensão entre dois objetivos centrais: oferecer proteção e “apoio ferrenho” a Israel e, ao mesmo tempo, estabilizar o Oriente Médio para poder reduzir o engajamento americano e concentrar-se na Ásia.
Em retrospectiva, fica evidente que, ao oferecer apoio praticamente irrestrito ao governo Netanyahu – líder de uma coalizão instável, sustentada por partidos de extrema direita, e determinado a permanecer no poder para evitar o enfrentamento de múltiplas acusações de corrupção –, Biden acabou incentivando uma postura desestabilizadora do primeiro-ministro israelense no Oriente Médio, minando os esforços dos EUA para reduzir sua presença na região.
DILEMA. Agora, Donald Trump enfrenta o mesmo dilema. Netanyahu aposta que os EUA apoiarão Israel de forma incondicional no confronto direto com o Irã, o que ajuda a explicar por que o governo israelense optou por uma decisão tão arriscada.
Os EUA já estão exercendo um papel crucial para defender Israel contra ataques de mísseis iranianos. A grande questão é se Trump será levado a se envolver ainda mais no conflito. É justamente isso o que alguns líderes do Partido Republicano vêm pedindo.
Em 13 de junho, o senador Lindsey Graham afirmou que, caso a diplomacia fracasse, ele acredita firmemente que seria do interesse da segurança nacional dos EUA “investir totalmente para ajudar Israel a concluir o trabalho” – isto é, destruir o programa nuclear iraniano –, algo que Israel não tem capacidade militar de fazer sozinho.
Da mesma forma, Bill Ackman, investidor e influente aliado de Trump, defende que os EUA “não deveriam deixar passar essa oportunidade, mas Israel não tem o equipamento e os armamentos necessários para concluir o trabalho ( destruir o programa nuclear do Irã)”. “Nós temos”, concluiu.
Como aponta Gideon Rachman, colunista do Financial Times, Trump talvez tenha calculado que poderia usar Israel para pressionar o Irã a desistir de seu programa nuclear. No entanto, agora o presidente dos EUA pode se dar conta de que foi Netanyahu quem o utilizou – arrastando os EUA para uma guerra que o presidente diz querer evitar.
Trump enfrenta uma decisão difícil: manter o discurso de não envolvimento em novas guerras, tão caro a uma parcela de sua base eleitoral, ou optar por apoio total a Israel, como defende o senador Lindsey Graham. Caso bases americanas na região sejam atingidas pelo Irã – hipótese que não pode ser descartada – Trump terá pouco espaço político para resistir à pressão por uma resposta militar mais direta.
Para os EUA, uma escalada neste momento significaria desviar novamente foco e recursos para o Oriente Médio – além de produzir desgaste junto à base trumpista, contrária a novas intervenções militares. Essa distração, fruto da falta de clareza estratégica dos EUA, beneficiaria a China, que vem ampliando sua influência econômica no mundo. O fantasma das últimas décadas, com o Oriente Médio distraindo os EUA de seu “grande jogo” na Ásia, volta a rondar.
Mais um precipício para rasgar vidas no Oriente Médio
O belo, a arte, a ciência importam quando bombas começam a cair? Foi em torno desse tema que o escritor irlandês C.S. Lewis, autor, entre outras, das “Crônicas de Nárnia”, deu memorável palestra na Universidade de Oxford em 1939, às vésperas da Segunda Guerra. Lewis escapara por milagre de uma trincheira coalhada de cadáveres no conflito anterior (1914-18), portanto conhecia o horror de mortos a granel. Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, respondeu afirmativamente à pergunta que nada tinha de estapafúrdia.
— A vida humana sempre foi vivida à beira do precipício — lembrou ele na ocasião.
Se esperássemos pela paz para criar arte, a primeira pintura rupestre ainda não teria sido feita. Tampouco a busca do conhecimento teria começado se aguardássemos estar em segurança plena.
— Isso não é brio, é nossa natureza — ensinou.
A célebre troca de cartas entre Sigmund Freud e Albert Einstein sobre as causas e possíveis soluções para guerras, promovida pela Liga das Nações em 1932, apenas confirmou que o bicho-homem não sabe viver sem elas. Enquanto Einstein concentrou sua extensa argumentação nas estruturas sociais e políticas do mundo, Freud pôs o foco nos conceitos de Eros (pulsão da vida) e Tânatos (pulsão da morte), para concluir que a agressividade é uma característica universal e atemporal do ser humano. Pensava que, na melhor das hipóteses, podemos canalizar essa agressividade para formas de contendas menos destrutivas.
Pelo jeito, nem isso. Cá estamos, em pleno 2025, com mais um precipício rasgando céus e vidas no Oriente Médio. Ao contrário da esfera da medicina, em que cirurgias eletivas e cirurgias obrigatórias são primos distantes, em confrontos bélicos as duas coisas se misturam: o país atacante costuma alegar questões de sobrevivência da nação para empreender guerras eletivas. É o caso do precipício desencadeado pela Rússia de Vladimir Putin contra a Ucrânia e da metódica asfixia da vida civil em Gaza por parte das Forças de Defesa de Israel (FDI).
De início, o argumento do governo de Benjamin Netanyahu para esmagar o viver palestino em Gaza foi vingar as atrocidades cometidas pelo Hamas na fatídica manhã de 7 de outubro de 2023 — em apenas poucas horas, os terroristas haviam trucidado indistintamente 1.217 crianças, jovens, velhos, civis e militares que foram encontrando. Aniquilar o Hamas e libertar os 251 reféns capturados pelos palestinos era a prioridade oficial. A meio caminho da empreitada, contudo, Netanyahu passou a chamar a invasão militar de Gaza de “questão de sobrevivência para Israel”. Hoje, decorridos 618 dias de ferocidade contra o que resta de vida possível em Gaza, a justificativa da “ameaça existencial” soa apenas o que é — cínica e criminosa. Nem guerra é.
A blitzkrieg israelense desencadeada na madrugada de sexta-feira para abortar a capacidade nuclear do Irã, de seus mísseis balísticos e — por que não? — o regime dos aiatolás tem alguma lógica interna — sobretudo se você chefia o governo mais extremista-ortodoxo da História de Israel. Com essa cartada, Netanyahu joga o tudo ou nada de sua carreira.
Embora o ataque não tenha sido propriamente inesperado, o aniquilamento do topo da cadeia de comando militar iraniano surpreendeu. Os preparativos clandestinos duraram oito meses e chegaram a visar à eliminação de 25 cientistas ligados ao programa nuclear. O sistema de defesa antiaérea iraniano parece ter sido neutralizado já na primeira salva. O alvo maior, contudo — as instalações nucleares, algumas das quais construídas a mais de 500 metros de profundidade —, pode exigir alargamento da guerra. Alargamento em tempo, em recursos, em riscos e em insânia inerente a guerras.
Por enquanto, a intriga maior se refere ao grau de envolvimento do governo americano na trama. Como se sabe, há meses o negociador-chefe do presidente Donald Trump vinha alimentando um diálogo com emissários iranianos para um hipotético acordo de desnuclearização. Assim, à primeira vista, Netanyahu parecia ter assumido sozinho o papel de belicoso-mor. A primeira nota oficial do governo americano sobre o ataque, divulgada pelo chanceler Marco Rubio, chegou a falar em “ação unilateral” de Israel, sugerindo possíveis reticências e ausência de consulta prévia ao grande irmão.
Será? Poucas horas após o início do ataque, Barak Ravid, um dos mais bem informados jornalistas sobre Oriente Médio, escreveu no site Axios que duas fontes israelenses lhe confiaram ter sido tudo coordenado entre Jerusalém e Washington. Um mero despiste bem-sucedido.
— Eu vi guerras — escreveu em 1936 o então ocupante da Casa Branca Franklin D. Roosevelt. — Eu vi guerras em terra e no mar. Eu vi sangue escorrendo dos feridos. Eu vi homens tossindo seus pulmões gaseados. Eu vi mortos na lama. Eu vi cidades destruídas. Eu vi 200 homens mancando e exaustos saindo da trincheira, eram sobreviventes de um regimento de mil que avançou 48 horas antes. Eu vi crianças morrendo de fome. Eu vi a agonia de mães e esposas. Eu odeio a guerra.
Continuamos vendo guerras. Mas continuamos a fazer arte.
Dorrit Harazim
— A vida humana sempre foi vivida à beira do precipício — lembrou ele na ocasião.
Se esperássemos pela paz para criar arte, a primeira pintura rupestre ainda não teria sido feita. Tampouco a busca do conhecimento teria começado se aguardássemos estar em segurança plena.
— Isso não é brio, é nossa natureza — ensinou.
A célebre troca de cartas entre Sigmund Freud e Albert Einstein sobre as causas e possíveis soluções para guerras, promovida pela Liga das Nações em 1932, apenas confirmou que o bicho-homem não sabe viver sem elas. Enquanto Einstein concentrou sua extensa argumentação nas estruturas sociais e políticas do mundo, Freud pôs o foco nos conceitos de Eros (pulsão da vida) e Tânatos (pulsão da morte), para concluir que a agressividade é uma característica universal e atemporal do ser humano. Pensava que, na melhor das hipóteses, podemos canalizar essa agressividade para formas de contendas menos destrutivas.
Pelo jeito, nem isso. Cá estamos, em pleno 2025, com mais um precipício rasgando céus e vidas no Oriente Médio. Ao contrário da esfera da medicina, em que cirurgias eletivas e cirurgias obrigatórias são primos distantes, em confrontos bélicos as duas coisas se misturam: o país atacante costuma alegar questões de sobrevivência da nação para empreender guerras eletivas. É o caso do precipício desencadeado pela Rússia de Vladimir Putin contra a Ucrânia e da metódica asfixia da vida civil em Gaza por parte das Forças de Defesa de Israel (FDI).
De início, o argumento do governo de Benjamin Netanyahu para esmagar o viver palestino em Gaza foi vingar as atrocidades cometidas pelo Hamas na fatídica manhã de 7 de outubro de 2023 — em apenas poucas horas, os terroristas haviam trucidado indistintamente 1.217 crianças, jovens, velhos, civis e militares que foram encontrando. Aniquilar o Hamas e libertar os 251 reféns capturados pelos palestinos era a prioridade oficial. A meio caminho da empreitada, contudo, Netanyahu passou a chamar a invasão militar de Gaza de “questão de sobrevivência para Israel”. Hoje, decorridos 618 dias de ferocidade contra o que resta de vida possível em Gaza, a justificativa da “ameaça existencial” soa apenas o que é — cínica e criminosa. Nem guerra é.
A blitzkrieg israelense desencadeada na madrugada de sexta-feira para abortar a capacidade nuclear do Irã, de seus mísseis balísticos e — por que não? — o regime dos aiatolás tem alguma lógica interna — sobretudo se você chefia o governo mais extremista-ortodoxo da História de Israel. Com essa cartada, Netanyahu joga o tudo ou nada de sua carreira.
Embora o ataque não tenha sido propriamente inesperado, o aniquilamento do topo da cadeia de comando militar iraniano surpreendeu. Os preparativos clandestinos duraram oito meses e chegaram a visar à eliminação de 25 cientistas ligados ao programa nuclear. O sistema de defesa antiaérea iraniano parece ter sido neutralizado já na primeira salva. O alvo maior, contudo — as instalações nucleares, algumas das quais construídas a mais de 500 metros de profundidade —, pode exigir alargamento da guerra. Alargamento em tempo, em recursos, em riscos e em insânia inerente a guerras.
Por enquanto, a intriga maior se refere ao grau de envolvimento do governo americano na trama. Como se sabe, há meses o negociador-chefe do presidente Donald Trump vinha alimentando um diálogo com emissários iranianos para um hipotético acordo de desnuclearização. Assim, à primeira vista, Netanyahu parecia ter assumido sozinho o papel de belicoso-mor. A primeira nota oficial do governo americano sobre o ataque, divulgada pelo chanceler Marco Rubio, chegou a falar em “ação unilateral” de Israel, sugerindo possíveis reticências e ausência de consulta prévia ao grande irmão.
Será? Poucas horas após o início do ataque, Barak Ravid, um dos mais bem informados jornalistas sobre Oriente Médio, escreveu no site Axios que duas fontes israelenses lhe confiaram ter sido tudo coordenado entre Jerusalém e Washington. Um mero despiste bem-sucedido.
— Eu vi guerras — escreveu em 1936 o então ocupante da Casa Branca Franklin D. Roosevelt. — Eu vi guerras em terra e no mar. Eu vi sangue escorrendo dos feridos. Eu vi homens tossindo seus pulmões gaseados. Eu vi mortos na lama. Eu vi cidades destruídas. Eu vi 200 homens mancando e exaustos saindo da trincheira, eram sobreviventes de um regimento de mil que avançou 48 horas antes. Eu vi crianças morrendo de fome. Eu vi a agonia de mães e esposas. Eu odeio a guerra.
Continuamos vendo guerras. Mas continuamos a fazer arte.
Dorrit Harazim
O eterno espírito das universidades
O ataque de Trump às universidades americanas, maioria no rol das melhores do mundo, é sintoma forte do neofascismo transnacional. Não foi adiante no período de Bolsonaro, mas exerce controle total na Hungria de Orban. Pode ser característica de toda autocracia, porém tem mais a ver com fascismo do que com nazismo ou stalinismo, apesar do sinistro parentesco entre os três.
Suscita-se uma hipótese de vingança pessoal de Trump contra as altas instituições de ensino, de onde provém a elite dirigente dos EUA. Não só oito presidentes foram formados na Ivy League, núcleo de excelência universitária, assim como professores, economistas e cientistas, sempre nas pautas do Prêmio Nobel. Obama graduou-se em Harvard. Trump, embora proveniente da Ivy League (onde nunca foi benquisto), é produto de show televisivo. Respira e transpira banalidades, mas soube navegar no vácuo de credibilidade do elitismo: desde Truman, o povo americano descobriu que seus líderes eram grandes mentirosos. A verdade sobre as guerras inúteis do Vietnã e do Iraque não foi revelada aos jovens por governos, mas pela imprensa e pelas universidades.
O neofascismo trumpista constrói-se na mentira aberta, sem descambar no neonazismo. É que o nazismo como programa político "tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa da entartete Kunst, a ‘arte degenerada’, uma filosofia da vontade de potência e do Übermensch. O nazismo era decididamente anticristão e neopagão" (Umberto Eco, "Fascismo Eterno"). O fascismo, ao contrário, sem bases filosóficas nem controle ideológico real, articulava-se emocionalmente em torno de arquétipos tradicionais. Houve só um nazismo, mas vários os fascismos.
Duas características do velho fascismo permitem identificar o novo: oposição ao avanço do conhecimento e ação irracional do chefe. Em Trump, o açodamento da guerra comercial e ameaças de conquistas territoriais. Depois, universidades como alvos de alegações infundadas, dentre as quais o antissemitismo. Ele finge desconhecer participação de judeus nas manifestações contra o massacre em Gaza e agora a própria revolta interna em Israel.
Na realidade, o ambiente universitário no mundo todo é conservador. Não exatamente de direita, mas de valores universalistas derivados de um sistema de ideias. Isso comporta uma diferenciação estrutural, processo pelo qual a estrutura de ensino se abre ao surgimento de institutos e laboratórios. Para tanto é imprescindível o avanço do saber, logo, liberdade de pesquisa e opiniões. Manifestações estudantis e docentes são o epifenômeno desse espírito libertário, sujeito ao debate.
Nenhuma comunidade de saber é possível num sistema educativo à distância nem em universidades-empresas. Isso não significa que o conhecimento esteja restrito às universidades. Mas, entre nós, as instituições públicas são fontes de ensino aliadas à produção de conhecimento. Vivem na corda bamba de orçamentos mesquinhos e cortes drásticos, em meio à farra de emendas parlamentares sem prestação pública de contas. Ainda assim, ascendem, como acaba de acontecer com a UFRJ, no ranking das melhores. Aos trancos e barrancos, aqui e no mundo, a universidade ergue-se como bastião de defesa contra a metástase progressiva do neofascismo.
Muniz Sodré
Suscita-se uma hipótese de vingança pessoal de Trump contra as altas instituições de ensino, de onde provém a elite dirigente dos EUA. Não só oito presidentes foram formados na Ivy League, núcleo de excelência universitária, assim como professores, economistas e cientistas, sempre nas pautas do Prêmio Nobel. Obama graduou-se em Harvard. Trump, embora proveniente da Ivy League (onde nunca foi benquisto), é produto de show televisivo. Respira e transpira banalidades, mas soube navegar no vácuo de credibilidade do elitismo: desde Truman, o povo americano descobriu que seus líderes eram grandes mentirosos. A verdade sobre as guerras inúteis do Vietnã e do Iraque não foi revelada aos jovens por governos, mas pela imprensa e pelas universidades.
O neofascismo trumpista constrói-se na mentira aberta, sem descambar no neonazismo. É que o nazismo como programa político "tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa da entartete Kunst, a ‘arte degenerada’, uma filosofia da vontade de potência e do Übermensch. O nazismo era decididamente anticristão e neopagão" (Umberto Eco, "Fascismo Eterno"). O fascismo, ao contrário, sem bases filosóficas nem controle ideológico real, articulava-se emocionalmente em torno de arquétipos tradicionais. Houve só um nazismo, mas vários os fascismos.
Duas características do velho fascismo permitem identificar o novo: oposição ao avanço do conhecimento e ação irracional do chefe. Em Trump, o açodamento da guerra comercial e ameaças de conquistas territoriais. Depois, universidades como alvos de alegações infundadas, dentre as quais o antissemitismo. Ele finge desconhecer participação de judeus nas manifestações contra o massacre em Gaza e agora a própria revolta interna em Israel.
Na realidade, o ambiente universitário no mundo todo é conservador. Não exatamente de direita, mas de valores universalistas derivados de um sistema de ideias. Isso comporta uma diferenciação estrutural, processo pelo qual a estrutura de ensino se abre ao surgimento de institutos e laboratórios. Para tanto é imprescindível o avanço do saber, logo, liberdade de pesquisa e opiniões. Manifestações estudantis e docentes são o epifenômeno desse espírito libertário, sujeito ao debate.
Nenhuma comunidade de saber é possível num sistema educativo à distância nem em universidades-empresas. Isso não significa que o conhecimento esteja restrito às universidades. Mas, entre nós, as instituições públicas são fontes de ensino aliadas à produção de conhecimento. Vivem na corda bamba de orçamentos mesquinhos e cortes drásticos, em meio à farra de emendas parlamentares sem prestação pública de contas. Ainda assim, ascendem, como acaba de acontecer com a UFRJ, no ranking das melhores. Aos trancos e barrancos, aqui e no mundo, a universidade ergue-se como bastião de defesa contra a metástase progressiva do neofascismo.
Muniz Sodré
Não financie a Fundação Humanitária de Gaza: é cortina de fumaça genocida
Relatórios recentes indicam que a USAID está considerando doar US$ 500 milhões para a Fundação Humanitária de Gaza (GHF) — uma iniciativa de "ajuda" lançada a pedido de Israel. À primeira vista, isso pode parecer um esforço generoso para ajudar os palestinos desesperados em Gaza. Mas, ao analisarmos uma única camada, descobrimos um esquema político mortal disfarçado de ajuda humanitária.
Não se trata de ajudar pessoas famintas. Trata-se de controlá-las, deslocá-las e submetê-las à fome.
Vamos começar com o básico. A Fundação Humanitária de Gaza não é uma organização humanitária. É um projeto apoiado pelos EUA e por Israel, administrado por pessoas sem histórico em trabalho humanitário neutro. Seu primeiro diretor, Jake Wood, renunciou em 25 de maio, alegando que a organização não respeitava os princípios humanitários. Então, o Boston Consulting Group, que havia ajudado secretamente a planejar as operações de ajuda da Fundação Humanitária de Gaza, retirou-se e pediu desculpas aos funcionários, que estavam furiosos com a cumplicidade da empresa em um sistema que permitiu o deslocamento forçado e marginalizou agências confiáveis da ONU.
O novo diretor da GHF é Johnnie Moore, um executivo de relações públicas evangélico americano mais conhecido por ajudar Donald Trump a reconhecer a soberania israelense sobre Jerusalém e impulsionar a mudança da embaixada dos EUA para lá — uma atitude que só atiçou as chamas do conflito.
Toda a premissa do GHF está enraizada em mentiras. Foi lançado sob a supervisão do governo israelense, sem transparência, sem independência e – fundamentalmente – sem a participação das Nações Unidas ou de quaisquer agências humanitárias respeitadas. De fato, a ONU se recusou a ter qualquer envolvimento com o projeto. O mesmo se aplica a grupos como Médicos Sem Fronteiras, a Cruz Vermelha e o Programa Mundial de Alimentos, cujos líderes alertaram, em termos inequívocos, que o modelo do GHF militariza a ajuda, viola as normas humanitárias e coloca as vidas palestinas em risco ainda maior.
O objetivo do GHF nunca foi entregar ajuda. O objetivo é usar a ilusão da ajuda para controlar a população de Gaza — e encobrir crimes de guerra.
A população de Gaza está morrendo de fome porque Israel quer. Milhares de caminhões de ajuda humanitária, muitos carregados com suprimentos das Nações Unidas, estão impedidos de entrar em Gaza há meses. Eles contêm alimentos, água, remédios e materiais para abrigos — a força vital de uma população civil sitiada. Mas, em vez de deixá-los passar, os EUA e Israel estão promovendo sua própria versão de ajuda: uma operação privatizada e militarizada. Segundo os relatos , contratados americanos armados que trabalham para o GHF ganham até US$ 1.100 por dia, além de um bônus de assinatura de US$ 10.000.
O plano do GHF é disponibilizar ajuda apenas no sul, deslocando à força as pessoas do norte, levando-as em direção à fronteira egípcia, onde muitos temem que uma expulsão permanente esteja sendo planejada.
Desde o início das operações da GHF, com a abertura de dois centros de distribuição no sul de Gaza em 26 de maio, o caos se tornou mortal , com o exército israelense atirando contra pessoas famintas em busca de comida. Em seu curto período de operação, quase 100 palestinos foram mortos e centenas ficaram feridos. Estes não são acidentes trágicos — são resultados previsíveis da militarização da ajuda.
Vamos também abordar a alegação alarmista de que, quando a ONU estava encarregada da entrega de ajuda humanitária, alimentos estavam sendo roubados pelo Hamas. Não há evidências confiáveis disso, e Cindy McCain, chefe do Programa Mundial de Alimentos (PMA), refutou publicamente essa alegação, afirmando que caminhões foram saqueados por pessoas famintas e desesperadas.
A verdadeira ameaça à integridade da ajuda não é o Hamas, mas o próprio bloqueio, que criou uma escassez artificial e alimentou mercados negros, desespero e caos.
Para realmente ajudar o povo de Gaza, aqui está o que precisa acontecer:Feche o GHF e rejeite todos os programas de ajuda militarizada.
*Restabelecer o financiamento integral dos EUA para a UNRWA e o Programa Mundial de Alimentos — agências confiáveis e experientes que sabem como fazer esse trabalho.
*Exija um cessar-fogo imediato para interromper a matança e criar espaço para alívio significativo e soluções políticas.
A fome em Gaza não é um fracasso logístico. É uma escolha política de Israel. E o FGH não é uma tábua de salvação. É uma mentira. É cumplicidade. É diabólico. E os contribuintes americanos não deveriam ser forçados a financiá-lo.
Medea Benjamin
Não se trata de ajudar pessoas famintas. Trata-se de controlá-las, deslocá-las e submetê-las à fome.
Vamos começar com o básico. A Fundação Humanitária de Gaza não é uma organização humanitária. É um projeto apoiado pelos EUA e por Israel, administrado por pessoas sem histórico em trabalho humanitário neutro. Seu primeiro diretor, Jake Wood, renunciou em 25 de maio, alegando que a organização não respeitava os princípios humanitários. Então, o Boston Consulting Group, que havia ajudado secretamente a planejar as operações de ajuda da Fundação Humanitária de Gaza, retirou-se e pediu desculpas aos funcionários, que estavam furiosos com a cumplicidade da empresa em um sistema que permitiu o deslocamento forçado e marginalizou agências confiáveis da ONU.
O novo diretor da GHF é Johnnie Moore, um executivo de relações públicas evangélico americano mais conhecido por ajudar Donald Trump a reconhecer a soberania israelense sobre Jerusalém e impulsionar a mudança da embaixada dos EUA para lá — uma atitude que só atiçou as chamas do conflito.
Toda a premissa do GHF está enraizada em mentiras. Foi lançado sob a supervisão do governo israelense, sem transparência, sem independência e – fundamentalmente – sem a participação das Nações Unidas ou de quaisquer agências humanitárias respeitadas. De fato, a ONU se recusou a ter qualquer envolvimento com o projeto. O mesmo se aplica a grupos como Médicos Sem Fronteiras, a Cruz Vermelha e o Programa Mundial de Alimentos, cujos líderes alertaram, em termos inequívocos, que o modelo do GHF militariza a ajuda, viola as normas humanitárias e coloca as vidas palestinas em risco ainda maior.
O objetivo do GHF nunca foi entregar ajuda. O objetivo é usar a ilusão da ajuda para controlar a população de Gaza — e encobrir crimes de guerra.
A população de Gaza está morrendo de fome porque Israel quer. Milhares de caminhões de ajuda humanitária, muitos carregados com suprimentos das Nações Unidas, estão impedidos de entrar em Gaza há meses. Eles contêm alimentos, água, remédios e materiais para abrigos — a força vital de uma população civil sitiada. Mas, em vez de deixá-los passar, os EUA e Israel estão promovendo sua própria versão de ajuda: uma operação privatizada e militarizada. Segundo os relatos , contratados americanos armados que trabalham para o GHF ganham até US$ 1.100 por dia, além de um bônus de assinatura de US$ 10.000.
O plano do GHF é disponibilizar ajuda apenas no sul, deslocando à força as pessoas do norte, levando-as em direção à fronteira egípcia, onde muitos temem que uma expulsão permanente esteja sendo planejada.
Desde o início das operações da GHF, com a abertura de dois centros de distribuição no sul de Gaza em 26 de maio, o caos se tornou mortal , com o exército israelense atirando contra pessoas famintas em busca de comida. Em seu curto período de operação, quase 100 palestinos foram mortos e centenas ficaram feridos. Estes não são acidentes trágicos — são resultados previsíveis da militarização da ajuda.
Vamos também abordar a alegação alarmista de que, quando a ONU estava encarregada da entrega de ajuda humanitária, alimentos estavam sendo roubados pelo Hamas. Não há evidências confiáveis disso, e Cindy McCain, chefe do Programa Mundial de Alimentos (PMA), refutou publicamente essa alegação, afirmando que caminhões foram saqueados por pessoas famintas e desesperadas.
A verdadeira ameaça à integridade da ajuda não é o Hamas, mas o próprio bloqueio, que criou uma escassez artificial e alimentou mercados negros, desespero e caos.
Para realmente ajudar o povo de Gaza, aqui está o que precisa acontecer:Feche o GHF e rejeite todos os programas de ajuda militarizada.
*Restabelecer o financiamento integral dos EUA para a UNRWA e o Programa Mundial de Alimentos — agências confiáveis e experientes que sabem como fazer esse trabalho.
*Exijam que Israel encerre o bloqueio. Deixem entrar caminhões de ajuda humanitária — caminhões da ONU, caminhões da Cruz Vermelha, caminhões do PMA. Inundem a faixa com alimentos, remédios e barracas.
*Exija um cessar-fogo imediato para interromper a matança e criar espaço para alívio significativo e soluções políticas.
A fome em Gaza não é um fracasso logístico. É uma escolha política de Israel. E o FGH não é uma tábua de salvação. É uma mentira. É cumplicidade. É diabólico. E os contribuintes americanos não deveriam ser forçados a financiá-lo.
Medea Benjamin
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