domingo, 17 de março de 2019

STF vai virar carvão se abrir as cadeias em abril

No mensalão, o Supremo Tribunal Federal despertou no brasileiro uma mania de Justiça. Os magistrados granjearam prestígio social inédito ao demonstrar que não há reforma política mais eficaz do que a remessa dos ladrões para a cadeia. No petrolão, um pedaço da Suprema Corte acalenta a ideia de abrir as celas num julgamento marcado para 10 de abril. Se isso acontecer, o Judiciário tende a ficar tão queimado quanto a banda devassa do Legislativo e do Executivo. Com uma diferença: a toga pula na fogueira voluntariamente.


Nenhum cidadão no mundo recebe mais informações jurídicas do que o brasileiro. Basta passar na frente de um telejornal antes da novela para ser atropelado pelo noticiário sobre roubos, inquéritos, denúncias, ações penais, sentenças, embargos e habeas corpus. A maioria dos patrícios entende de leis apenas o suficiente para saber que precisaria compreender muito mais. Entretanto, a superexposição à TV Justiça, reproduzida por emissoras comerciais, desenvolveu na plateia habilidades que evitam confundir magistrados certos com certos magistrados.

A histórica decisão em que o Supremo autorizou o encarceramento de corruptos condenados em segunda instância já foi confirmada uma, duas, três, quatro vezes. Na decisão mais recente, a tranca prevaleceu por 6 votos a 5. Como certos magistrados mudaram de posição, não são negligenciáveis as chances de uma reviravolta. Não importa que o placar seja apertado. Dependendo do resultado, 54,5% dos ministros do Supremo (6) darão aos outros 45,5% uma péssima reputação.

Deve-se o sucesso da Lava Jato a três fatores. Um, o risco de cana tornou o roubo uma atividade arriscada; dois, a antecipação do cumprimento da pena para a segunda instância estimulou as delações; três, a loquacidade dos corruptores deixou nus os corruptos. Ao oferecer à bandidagem a doce impunidade da Justiça Eleitoral, o Supremo reduziu a uma taxa próxima de zero o risco do assalto ao erário. Abrindo as celas, a Corte restabelecerá aquele cenário em que a concretização da justiça é um momento infinito. Com a perspectiva de recorrer em liberdade até a prescrição dos crimes, apenas os bobos cogitariam delatar.

A aversão ao Supremo cresce porque a explosão de escândalos de corrupção, um se sobrepondo ao outro, despertou no brasileiro uma fome de justiça. A mulher já não apanha do marido calada, não tolera o assédio e se queixa da discriminação salarial. O consumidor não suporta ser passado para trás. O eleitor comete erros diferentes. E o contribuinte em dia com suas obrigações fiscais já se deu conta de que a corrupção mata literalmente na fila do hospital e metaforicamente nas escolas que nada ensinam.

Cogita-se a abertura das celas num instante em que aguardam na fila por uma condenação pessoas como Aécio Neves e Michel Temer, amigos de Gilmar Mendes. E sonha com a reconquista do meio-fio um personagem como Lula, amigo de Ricardo Lewandowski e ex-superior hierárquico de Dias Toffoli.

Antes do mensalão, a oligarquia política e empresarial do país achava que nenhuma ilegalidade justificava a incivilidade de uma reprimenda. Depois do petrolão, o país se deu conta de que o problema das prisões não era a superlotação de pobres e pardos. O que envergonhava a nação era a ausência de bandidos de grife atrás das grades.

Se modificar a regra sobre prisão, o Supremo Tribunal Federal vai virar carvão antes de conseguir assar as primeiras pizzas. Dias Toffoli, o presidente da Corte, fez muito bem em abrir por conta própria um processo para identificar e punir os detratores da Corte. São intoleráveis os sujeitos que sistematicamente desmoralizam o Supremo, jogando a opinião pública contra o tribunal. O problema é que, infelizmente, os que fazem isso vestem toga e dão expediente na última instância do Judiciário, o que dificulta a punição.
Josias de Souza

Sem armas, please

O presidente Jair Bolsonaro e sua comitiva comemoram como se fosse algo excepcional o fato de que se hospedarão na Blair House, a pouca distância da Casa Branca. Segundo auxiliares do capitão, isso só acontece com visitantes especiais do presidente americano.
No site da Blair House, em consulta ao Livro de Hóspedes, vê-se a relação dos que já se hospedaram por lá. É enorme. Bolsonaro será só mais um. A Blair House funciona como um local importante para a diplomacia americana.

Além de servir como Casa de Hóspedes de visitantes estrangeiros recebidos pelo presidente, ela também é palco para uma quantidade muito grande de eventos internacionalmente focados em ajudar no progresso das relações dos Estados Unidos com outras nações.

Uma agenda típica de um ano pode incluir até trinta visitas de líderes estrangeiros, muitos almoços ligados à política de relações exteriores, jantares formais, recepções e chás e inúmeros encontros oficiais, todos sob a chancela do papel especial de Casa de Hóspedes do Presidente.

É recomendável que o Bolsonaro não entre armado na Blair House. E que se vista de acordo com o local.

Brasil se explica


A antiga musa canta

Repousado sobre quase três décadas de exercício parlamentar como deputado depois de deixar o Exército com a patente de capitão, Jair Bolsonaro teve uma ideia: concorrer à Presidência da República renegando a política e resgatando princípios da atividade militar. Rendeu-lhe a vitória. Nesse aspecto, pode-se dizer que foi uma boa ideia.

Sob a óptica de governo eleito, empossado e depositário de responsabilidades tão grandiosas quanto complexas, foi uma decisão mal pensada. Pelo seguinte: a fim de simplificar o tema para o parco entendimento da maioria, Bolsonaro tratou a negociação política como coisa de bandido e agora, quando precisa dessas tratativas, se vê prisioneiro de uma situação que se revela uma arapuca e que o faz refém de uma ilusão decorrente da simplificação de raciocínio para fins eleitorais.

Aquela história de conversar com bancadas ditas temáticas deixando de lado os partidos era uma quimera. O tema reforma da Previdência é um só, e dele o presidente depende para construir, ou não, um muro de arrimo para assegurar êxito razoável a seu governo. Só que, para seguir nesse caminho, recua do discurso da eleição e fica parecendo que traiu o eleitorado.

No Congresso e cercanias entende-­se perfeitamente bem a natureza da decisão de negociar a liberação de emendas ao Orçamento e espaços no governo (ainda que em escalões inferiores e em cargos distribuídos nos estados), mas nas ruas e nas redes não é bem assim. Descontados os fanáticos que aceitam qualquer coisa, o eleitorado que se deixou mobilizar pelo sentimento de que daqui para a frente tudo seria diferente certamente não anda gostando de saber que o governo resolveu “reabrir o balcão de negócios”.

É assim que tem sido noticiado, no mesmo modo de simplificação, o passo atrás de Bolsonaro e companhia diante da constatação de que a força do apoio e a pressão daquele eleitorado não são suficientes para fazer com que os parlamentares caiam por gravidade no colo do governo. Algumas evidências: a inexistência ainda de base congressual organizada, a derrota na votação de um projeto de maioria simples, a falta de interesse de deputados e senadores em entrar para o partido do presidente. Na Câmara o PSL teve duas adesões e no Senado, nenhuma.

Esse prudente distanciamento é incomum em governos recentemente eleitos e, no caso de Bolsonaro, ainda há a agravante das denúncias, demissões, frituras, desautorizações, declarações estapafúrdias e, como vimos agora, a descompostura extrema do presidente com a exibição de cenas de escatologia na internet.

Um governo nessa situação precisa da política mais que qualquer outro. Seja essa política nova ou velha. A tradução que o candidato fez das relações entre Executivo e Legislativo estava equivocada e dificulta ao presidente agora explicar aos cidadãos que é possível fazer coalizões para governar sem enveredar pela impostura, ilegalidade e improbidade. Mais dificuldade ainda existe quando esse mesmo presidente não ultrapassa o grau do tatibitate na forma de se comunicarDora Kramer

A tontura pior

A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago
Carolina Maria de Jesus

Brasil tem saída mas é preciso que generais enquadrem o lobby dos banqueiros

Já comentamos diversas vezes, aqui na “Tribuna da Internet” a ardilosa manobra do mercado financeiro para manter o Brasil subjugado a seus interesses. Não é por mera coincidência que o maior problema do país – a dívida pública – jamais seja discutido pela equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro ou pela mídia, que está em estado de falência e não pode enfrentar os interesses de um de seus principais anunciantes – os banqueiros.

A ocasião é propícia para que haja essa discussão, porque a crise econômica chegou a uma fase terminal. Se fossem empresas privadas, a grande maioria dos Estados e Municípios já estaria em situação técnica de falência, e a União não tem condições de ampará-los. Diante dessa realidade sinistra, o que propõe o ministro Paulo Guedes? Alguém lembra?

O que Guedes propôs é bestial, como dizem os portugueses – sua solução seria aumentar as dívidas dos Estados. O superministro propõe que a União avalize novos empréstimos aos governos estaduais, a serem obtidos junto a bancos estrangeiros. A única exigência é de que os Estados entreguem um plano de contenção de despesas em quatro anos — coincidindo com o mandato do atual governador.

Nesse Plano B, a União autoriza o governador a tomar emprestado o equivalente a cerca de 40% desse total a ser economizado. Ou seja, a solução mágica de Guedes é aumentar a dívida pública bruta, que já passou de todos os limites.


Mas o cobertor é curto e deixa de fora os municípios. O ministro então apresenta o Plano C, que é mais bestial ainda – a desvinculação dos orçamentos estaduais e municipais, que deixariam de cumprir a obrigação de gastar percentuais mínimos em educação e saúde. Ou seja, Guedes propõe a deterioração ainda maior dos serviços de educação e saúde, sem contemplação.

Será que os militares que se encontram hoje no poder (e demonstram tanta preocupação com seus soldos e aposentadorias…) ainda não perceberam que há algo de podre neste reino shakespeariano. Eles sabem que o maior problema brasileiro é a dívida pública bruta, que inclui governo federal, estaduais municipais e INSS. Então, por que aceitam que essa questão estratégica e decisiva continue sem ser discutida?

Por que fingem acreditar que, aprovando a reforma da Previdência, a crise econômica será debelada? Sinceramente, não posso entender esse procedimento dos chefes militares. Será que o único interesse deles é manter privilégios das Forças Armadas, pouco se incomodando com os interesses nacionais? Não posso acreditar que estejam agindo assim deliberadamente. Seria crime de lesa-pátria, seria jogar no lixo o ensinamento do almirante Barroso – “O Brasil espera que cada um cumpra seu dever”.

Não há desenvolvimento sem proteção ambiental

O desastre de Brumadinho é uma boa oportunidade para refletir sobre uma visão muito disseminada no Brasil de que a proteção ambiental é um entrave ao desenvolvimento. Tem aumentado o número de pessoas que acreditam na ideia de que o Brasil deveria afrouxar as políticas ambientais como forma de acelerar a economia. Muitos acreditam que devemos desenhar políticas econômicas sem analisar suas consequências ambientais. Isso está profundamente equivocado.

Não há desenvolvimento sem proteção ambiental. Os livros textos de economia das melhores universidades do mundo já não falam mais de crescimento sem considerar os seus impactos ambientais, que no passado eram tratadas como simples “externalidades”. A visão de que o que importa é fazer o bolo crescer para depois dividir a renda e limpar a poluição está totalmente ultrapassada.


Na visão antiga, qualquer forma de produzir minério é boa porque faz a economia crescer, gerando empregos e isso basta. Não entra nessa perspectiva a análise do custo das vidas e da degradação ambiental de desastres como Brumadinho ou Mariana (este foi o maior da história do Brasil). Se os órgãos ambientais tivessem exigido maiores investimentos da Vale na segurança das barragens antes de conceder a licença, isso teria sido visto como um “entrave ambiental”.

O que ocorre quando há um afrouxamento do licenciamento ambiental é que, de fato, aumenta-se a margem de lucro das empresas, em função da redução dos custos. Isso é bom para as empresas e seus acionistas. Porém, quando ocorre um desastre ambiental, o que há é uma socialização dos prejuízos, que são pagos pela sociedade como um todo. Esse prejuízo ocorre na forma de morte de pessoas, traumas psicológicos, perdas de pertences pessoais, doenças, degradação dos rios e lagos, contaminação dos mananciais de água potável, destruição das florestas que mantém o regime de chuvas, a vazão dos rios e os insetos que polinizam as lavouras; dentre muitos outros. Portanto, interessa às empresas, mas não interessa à sociedade o afrouxamento do licenciamento ambiental.

Indo além das tragédias de Brumadinho e Mariana, podemos estender essa reflexão para o desenho de políticas econômicas e suas consequências ambientais. Dentro de uma visão convencional e simplista de economia, eliminar incentivos fiscais é positivo, pois reduz distorções do mercado e contribui para o aumento da competitividade. Essa visão está ultrapassada. É essencial considerar os impactos ambientais das políticas econômicas.

Tomemos o caso da Zona Franca de Manaus. Para muitos economistas com formação convencional os incentivos fiscais concedidos às empresas do Polo Industrial de Manaus são uma aberração a ser corrigida. Essa perspectiva simplista deixa de considerar que esse polo tem sido uma das políticas de proteção ambiental mais eficientes da Amazônia, ao concentrar a atividade econômica em Manaus e diminuir a dependência do estado do Amazonas na extração ilegal de madeira, desmatamentos ilegais, garimpo, grilagem etc. Isso contribuiu para o Amazonas manter mais de 97% de suas florestas em pé, assegurando a manutenção do regime de chuvas de todo o Brasil dentre outros benefícios. Portanto, atacar a Zona Franca de Manaus é contra os interesses da sociedade brasileira.

O trágico desastre de Brumadinho deve servir de alerta para toda a sociedade brasileira. Promover o desenvolvimento econômico às custas da destruição ambiental é burrice e é contrário ao interesse nacional. Não há desenvolvimento sem proteção ambiental. Devemos ter a competência de construir um estilo de desenvolvimento que seja, de fato, sustentável.
Virgílio Viana, superintendente da Fundação Amazonas Sustentável