quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Pensamento do Dia


O valor da ordem liberal

Os fundamentos da ordem liberal têm sido atacados como há muito não se via. Uma crescente oposição ao livre mercado, à ortodoxia econômica, às liberdades políticas e a pilares do Estado Democrático de Direito, como a liberdade de imprensa e a alternância de poder, viceja em variados pontos do planeta. Para desaire dos ideólogos do liberalismo, o epicentro das críticas àquela combinação virtuosa, responsável por um dos mais duradouros períodos de desenvolvimento humano a partir do século 19, é a Europa, embora não esteja restrito ao velho continente.

Hoje, os liberais se veem confrontados pela ideia de uma “nova ordem” política e econômica defendida por políticos e partidos, à esquerda e à direita, ditos “antissistema”. E tudo cabe neste “sistema” a ser destruído, a raiz de todos os males das sociedades modernas aos olhares de populistas e liberticidas. Do multilateralismo à democracia representativa, nada mais parece servir para dar respostas para os complexos desafios do tempo presente.

O movimento contra a ordem liberal floresceu na esteira do desencanto provocado pela crise financeira de 2008. A globalização produziu significativos resultados econômicos e sociais, na medida em que integrou mercados e redefiniu as fronteiras da comunicação. Não obstante, trouxe a reboque uma onda de insatisfação no seio das camadas populares que não foram contempladas na divisão de seus frutos. Os efeitos dessa insatisfação também foram sentidos no Brasil.

A onda de desconfiança na chamada “velha política” e nos valores do liberalismo não se restringe ao sistema propriamente dito. O próprio modelo de liderança política tem sido contestado e o clamor popular pela ruptura com estruturas até então conhecidas ganha mais força, inclusive colhendo eloquentes resultados eleitorais. Percebe-se uma clara fissura entre representantes e representados. A confiança nas instituições moldadas em dois séculos de democracia liberal se esvai, como se aos olhos das sociedades não fossem mais os instrumentos certos para a conciliação de interesses múltiplos, muitas vezes díspares.

Cidadãos ressentidos pelo modo como vêm sendo tratados pela “velha” política são a audiência perfeita para discursos nacionalistas, xenófobos, populistas, não raro deixando transparecer um viés autoritário que, paradoxalmente, 70 anos após o fim da 2.ª Guerra, é visto em países como Hungria, Polônia e Turquia, como uma qualidade de seus líderes.

No Reino Unido, seguem incertos os resultados do Brexit, o que indica que a decisão plebiscitária pode ter sido tão somente uma manifestação exasperada desse espírito de frustração. Na Itália, a ascensão de Matteo Salvini, da Liga Norte, e de Luigi di Maio, líder do Movimento 5 Estrelas (M5S), é outro fator a deixar a União Europeia (UE) em estado de alerta. A Itália tem a segunda maior dívida da UE, atrás da Grécia. Mesmo assim, o “contrato governamental” assinado entre o M5S e a Liga Norte está repleto de propostas de cunho populista, como corte de impostos e abandono de uma necessária reforma previdenciária.

Na França, Emmanuel Macron capturou o clamor por renovação e venceu a eleição presidencial por um partido que criou para ele, um partido travestido de “movimento”, o que se tornou comum. Tem tido enormes dificuldades para aprovar sua agenda de reformas, retomar o crescimento econômico e barrar a ascensão de lideranças extremistas como a de Marine Le Pen, à direita, e de Jean-Luc Mélenchon, à esquerda.

Angela Merkel, chanceler alemã que é o símbolo da austeridade econômica, não concorrerá a um novo mandato.

Defender os valores da ordem liberal tem sido uma batalha inglória. O carisma e o apelo eleitoral do discurso de líderes populistas – hábeis em vender o sonho sem apresentar a conta – reduzem os liberais a uma plêiade de burocratas insensíveis aos reais anseios do povo. Nada mais longe da verdade. E por mais difícil que seja, este é um bom combate. Principalmente no momento em que começa, no Brasil, uma experiência política sem precedentes.
Editorial - Estadão

O lixo de cada dia

Deve ser o nosso jeito de sobreviver não comendo lixo concreto, mas engolindo esse lixo moral e fingindo que está tudo bem
Lya Luft

Olhem para as boas notícias

Pode parecer que nunca houve tantas más notícias quanto agora. Guerra, mudanças climáticas, doenças, fome - todos os dias, um novo desastre. O mundo em que vivemos é frágil. Em tempos de desastre, empatia e solidariedade são importantes. A humanidade não apenas cria destruição: ela também é capaz de superá-la.

Em outubro, por exemplo, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, e o presidente da Eritreia, Isaias Afewerki, assinaram um tratado de paz após 30 anos de guerra. Foi um acordo histórico que acabou com décadas de derramamento de sangue e deu motivo de esperança aos povos dos dois países.

Tentativas também foram tomadas para a reconciliação na península coreana. Em 2018, três reuniões de cúpula aconteceram entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Os países concordaram em retirar todos os soldados e armas da Área de Segurança Conjunta de Panmunjom, e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, planeja viajar para a Coreia do Sul pela primeira vez em 2019.

Na avalanche diária de notícias falsas, tempestades de indignação on-line e tiradas cheias de ódio, as histórias positivas podem acabar sendo negligenciadas.

Em meio ao caos generalizado do Brexit, passou praticamente sem ser notado o fato de a Grécia ter cumprido todos os termos do programa de crédito da União Europeia depois de oito longos anos - tornando-se o terceiro país a fazê-lo, depois da Irlanda e de Portugal.

Milhões de pessoas que saíram às ruas na Hungria, Polônia e Romênia em 2018 para protestar pela democracia e contra a corrupção também mereciam mais da nossa atenção. Em vez disso, as notícias se concentraram na desilusão com a democracia e a ascensão da extrema direita.

Boas notícias demonstram perseverança. A longo prazo, são elas que mudam o mundo. Elas não desaparecem no éter digital, como fazem os tuítes do presidente dos EUA, Donald Trump, do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e da líder da AfD no Parlamento alemão, Alice Weidel.

Pegue o exemplo da energia renovável. Mesmo que os Estados Unidos tenham se retirado do Acordo de Paris, cada vez mais a produção global de eletricidade é proveniente de energia renovável. Segundo a Agência Internacional de Energia, as fontes verdes representam 25% da produção internacional. Na Alemanha, a parcela chega a 38%.

Os refugiados também estão sendo integrados à sociedade alemã, mesmo que a imprensa continue a falar de uma "crise de refugiados". Ingo Kramer, presidente da Confederação Alemã de Associações de Empregadores, disse recentemente que Angela Merkel estava certa ao dizer ao país em 2015 "Nós vamos conseguir". O país era, de fato, capaz de ajudar um grande número de pessoas. Mais de 400 mil dos cerca de 1 milhão de refugiados que chegaram à Alemanha nos últimos anos têm agora contratos de trabalho ou estão em cursos de formação técnica.

Pessoas podem superar crises, sobreviver a doenças, proteger vidas, reduzir a pobreza e reunir esforços para minimizar os danos ao meio ambiente. Elas representam o triunfo do senso comum e da empatia sobre o discurso de ódio e as teorias da conspiração.

Isso pode soar estranho em vista de todas as guerras e conflitos em andamento, mas 2018 foi, em geral, um ano bom para a maioria das pessoas. Segundo o Banco Mundial e a Organização Mundial de Saúde, a pobreza global está diminuindo, mais e mais domicílios (quase 90%) têm acesso à eletricidade. As transmissões de doenças, como malária e tuberculose, estão em queda, assim como as taxas de mortalidade materna e infantil.

Isso não foi mencionado em tuítes à meia-noite ou protestos raivosos. Pelo contrário, trata-se do resultado de iniciativas de pessoas que acreditam na mudança e que contribuíram para sua implementação gradual, um passo de cada vez.

Isso nos mostra que boas notícias nunca foram tão importantes quanto hoje. Sem elas, perdemos a fé na possibilidade de um mundo melhor. Se perdermos essa fé, também perderemos nossa motivação para lutar por direitos e pela paz.

Boas notícias perduram, mesmo quando novos desastres, grandes e pequenos, passam pelas telas de nossos dispositivos sem parar. Este será o caso em 2019. Feliz Ano Novo!

Se Moro fosse ministro da Previdência, faria uma auditoria antes da reforma

Realmente, não é de se invejar o desafio que se coloca diante do novo presidente Jair Bolsonaro e dos governadores que assumiram ou renovaram os mandatos no dia 1º de janeiro. Não adianta ter competência, garra e vontade política. Como dizia Jean-Paul Sartre, o inferno são os outros. É exatamente isso que acontece no Brasil. E os outros podem ser chamados de Legislativo e Judiciário, dois poderes onerosos e que se tornaram paquidérmicos, funcionando devagar, quase parando, e sempre acompanhando o Executivo nas investidas contra os interesses nacionais, até chegarmos à atual situação.

Tudo começou no governo de Fernando Henrique Cardoso, aquele que foi logo avisando: “Esqueçam tudo o que escrevi”. Trata-se de uma frase que consagra qualquer canalhice. Esse farsante se dizia privatista e vendeu a Vale do Rio Doce por 30 dinheiros, a pretexto de reduzir a dívida pública. Mas foi justamente sob seu comando que a dívida começou a fugir do controle e a máquina administrativa do país passou a inchar.

Ao contrário do que se apregoa, o maior problema brasileiro não é o déficit da Previdência Social. O principal desafio está em conter a dívida bruta, que inclui os governos federal, estaduais e municipais, as administrações indiretas, o sistema público de previdência social e as empresas estatais não-financeiras federais, estaduais e municipais, exceto as empresas do Grupo Petrobras e do Grupo Eletrobras.


A maioria dos Estados está em pré-falência e as prefeituras vão pelo mesmo caminho. Este é o quadro ou a equação a ser solucionada pela equipe econômica. A dívida bruta chegou a R$ 5,28 trilhões em novembro, e já foram pagos R$ 385,6 bilhões. Como se dizia antigamente, a guitarra do Banco Central não para de rodar…

Tentam colocar a culpa na Previdência, mas não informam que o déficit do setor inclui fatores que nada têm a ver e teriam de ser considerados como itens de assistência social, como a aposentadoria pelo MEI (Micro-Empreendedor Individual), o Benefício de Prestação Continuada (um salário mínimo mensal a idoso ou deficiente que jamais contribuiu) e a Aposentadoria Rural, amparando quem nunca contribuiu. São gastos necessários, mas não podem entrar na conta do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), porque não se trata de “seguridade”.

Além disso, os dados da Previdência são escamoteados e manipulados, confirmando a definição de que “Estatística é a arte de torturar os números até que eles confessem o resultados que são pretendidos”.

Por tudo isso, não se pode levar a sério uma reforma da Previdência sem haver uma auditoria independente. Se o ministro Sérgio Moro fosse responsável pela Previdência, é claro que mandaria fazer uma auditoria. Alguém tem dúvida?

A primeira degola


Irrelevância

O discurso de posse de Jair Bolsonaro, aguardado ansiosamente como o meio adequado ao governo para anunciar seu rumo, frustrou expectativas ao optar pela irrelevância. Quem esperava ouvir definições, teve que esperar os discursos de posse do ministro da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sergio Moro, os dois executivos do governo com substância a apresentar de imediato.

A decepção causada tem a ver com a decadência da comunicação verbal na política ou é sinal de que os "meme faces" da web não só ganharam as eleições, mas serão a linguagem corrente dos governos? Não importa, discurso de posse é discurso de posse.

Não tem uma estrela de general o material apresentado ontem pelo presidente, requentando o que foi dito na campanha e ao longo de sua vida parlamentar. Demonstrou que não sabe o que significou a vitória. Manteve-se histrião, tanto na oratória quanto ao desfraldar uma bandeira do Brasil que lhe foi colocada nas mãos.

Nos últimos dias, os assessores do governo vinham chamando a atenção para alguns sinais que ele emitiria na posse, durante a manifestação pública mais importante do dia, o pronunciamento ao Congresso Nacional, diante dos chefes de Estado estrangeiros. É esse discurso que aponta o propósito, mostra a que veio aquele grupo novo de dirigentes. Mais do que as palavras que o presidente profere do Parlatório do Palácio do Planalto, ao receber a faixa, geralmente dirigidas ao público na Praça dos Três Poderes, sempre em tom mais emotivo, o discurso no Congresso é um compromisso.

Um compromisso que, no caso de Bolsonaro, não houve. Sem brilhantismo, claramente sem contribuição de formuladores, escritores e assessores, o discurso de posse se assemelhou ao da diplomação, que se pareceu com muitos da campanha eleitoral: agradecimento a Deus pela vida, um ou outro bordão que adotou desde a campanha, a reafirmação de algumas ideias que tem na cabeça mas ainda não no papel. Defesa pessoal, polícia versus bandido, reafirmação da democracia, valorização da família, desburocratização, reformas estruturantes, combate à corrupção. Sobre nenhum desses itens, citados "en passant", diz o que pretende e como chegar a resultado.

Isso não é um plano de governo, sequer um enunciado de intenções concretas, mas simplesmente a repetição de problemas salpicados aqui e ali durante a campanha eleitoral. O discurso do Parlatório, depois de receber a faixa, já mais à vontade, também não serviu para perscrutar o novo governo. Nesse, voltou a questões tratadas no pronunciamento anterior, com uma repetição importante: ideologia, ideologia, ideologia é do que Bolsonaro quer livrar o Brasil. O que parece levá-lo a consolidar a ideologia substituta.

Onyx Lorenzoni, empossado ontem chefe da Casa Civil da Presidência, havia classificado o discurso de posse, antes de ser dado a conhecer, como "papo reto". A objetividade apareceu apenas em um único momento, em que Bolsonaro mencionou a velha e recorrente ideia de cumprir o Orçamento da União aprovado pelo Congresso. O governo não vai gastar mais do que arrecada, disse, reproduzindo o princípio aritmético básico dos orçamentos concebidos para o governo e nunca cumpridos. Porém, é uma antiquíssima ideia, apresentada nos primórdios da redemocratização em um discurso jamais pronunciado, escrito pelo jornalista Mauro Santayana para o então presidente Tancredo Neves, no qual cunhou o "é "proibido gastar".

Bolsonaro foi pródigo em lugares comuns, chavões, falta de ideias: "Trabalhar para que o Brasil se encontre com seu destino", "partilhar o poder com Estados e municípios", "libertar o país da corrupção", "resgatar a legitimidade do Congresso", "criar círculo virtuoso da economia". Nada de concretude, princípios claros, nada sobre como vai fazer jus à esperança de seus eleitores.

Um dos maiores problemas da democracia brasileira, que resulta em questão política recorrente, é a independência entre os poderes, ou a recuperação dessa convivência pacífica: nenhuma palavra sobre isso. Alguns de seus assessores haviam mencionado que, no discurso de posse, o presidente Jair Bolsonaro mostraria a prioridade que o governo dará à Educação.

Haveria menção a uma radical autonomia universitária e de explicações mais claras sobre o que pretende fazer de fato com o Sistema S. Inclusive, submetera o rascunho do discurso aos ministros Paulo Guedes e e Ricardo Vélez Rodríguez. A não ser por uma genérica menção à ideologia nas escolas, questão resumida no projeto de Escola Sem Partido, e à existência de uma grande Nação por reconstruir, com a ajuda do povo, o enunciado não se realizou.

O general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, o mais próximo e influente colaborador de Jair Bolsonaro, foi parceiro na redação do texto que, no entanto, mantém uma coerência absurda com tudo o que Bolsonaro falou e escreveu até agora, a seu modo. Não há, nos pronunciamentos de ontem a menor pista sobre quem está por trás das atitudes do presidente, nem quais são seus planos. As evidências são de que o governo é estanque: Guedes, Moro e militares.

Até o fato concreto da mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, a ideia mais repetida desde a eleição, assunto que em pouco tempo se transformou numa espécie de seca do Nordeste, não apareceu ontem de forma mais concreta, embora os assessores tivessem prometido também princípios de política externa no discurso. Parece ter havido um sutil recuo na questão externa. O novo chanceler Ernesto Araújo, inclusive, considerado ponto fora da curva no Ministério escolhido por Bolsonaro, deve, com suas declarações destemidas, resgatar a imagem do ex-ministro Celso Amorim, perdendo a condição de fazer o contraponto da politica externa ideológica condenada por Bolsonaro. Não está claro o alcance do seu voo. Ao invocar a providência divina na aproximação do filósofo Olavo de Carvalho do novo presidente, Araújo passou um atestado de fragilidade. Quem está forte não precisa de apoio de santo que não quer ser sombra ao milagre alheio.

Quem tem medo da bandeira vermelha?

É óbvio que o Brasil nunca esteve perto de um regime socialista radical, tipo eliminação ou restrição extrema da propriedade privada. Mas é óbvio também que os eleitores de Bolsonaro estavam se referindo a outra coisa quando aprovaram o “abaixo o socialismo” do capitão. Estavam manifestando sua oposição ao avanço da cultura e da prática de um tipo de anti-capitalismo, assim como do excesso de Estado e governo interferindo e mandando na vida dos cidadãos. Manifestavam também, e muito claramente, a rejeição ao apoio e financiamento dos governos petistas aos regimes socialistas ou bolivarianos de Cuba, Venezuela, Nicarágua e muitos outros na África.

O presidente e seus eleitores chamam isso de ameaça do socialismo no Brasil, já que os mesmos governos petistas tentaram diversas medidas nessa direção, como o “controle social da mídia”, que só caiu pela resistência da própria mídia.

Seria apenas uma retórica de campanha ou o presidente acredita mesmo que a bandeira brasileira quase virou vermelha?


Diria que, hoje pelo menos, a coisa é mais retórica. Tirante a minoria radical de direita, acho mesmo que nenhum brasileiro minimamente informado acredita que estivemos ou estaremos perto do comunismo.

Muita gente insiste que há, sim, o medo concreto da ameaça comunista, mas para derivar daí a seguinte conclusão: que Bolsonaro propôs e o povo votou pelo fascismo, que, aliás, é um regime de intenso controle do Estado sobre a sociedade e os indivíduos. Se colocado nesses termos, o debate está equivocado e não leva a nada.

Não foi uma escolha entre comunismo e fascismo. Quem pensar assim e agir em consequência, dos dois lados, ou vai fazer um governo desastroso ou praticar uma oposição de ruptura.

Consideram, igualmente, a questão das armas. Lá atrás, no referendo sobre estatuto de desarmamento, em 2005, os eleitores votaram contra a proibição total da venda de armas e munições. Sim, a bancada da bala sustentava que o cidadão de bem desejava ter armas para se defender da bandidagem. Mas os eleitores não pensaram assim. E como sabemos disso? Simplesmente porque não foram às lojas comprar suas pistolas.

Votaram contra o veto à liberdade de escolha. E sobretudo, não compraram a tese de que a notória insegurança tinha como uma das causas a “livre” venda de armas. Aceitaram a tese oposta, que o problema estava no excesso de armas – aliás, de venda proibida – nas mãos dos bandidos e na ineficiência da polícia em conter a circulação clandestina de fuzis e metralhadoras e de apanhar as quadrilhas.

Essa questão de novo aí. E assim como no caso do falso debate socialismo/fascismo, está errado quem acha que os brasileiros querem ter sua pistola em casa e que, com os cidadãos assim armados, a segurança aumentará e a criminalidade diminuirá.

Bolsonaro disse uma vez que o ladrão evitará entrar numa residência sabendo que o proprietário está armado. Pode acontecer. Mas também pode acontecer o contrário: o bandido entrar justamente porque sabe que ali tem uma boa arma a ser roubada.

Também está errado quem acha que flexibilização do porte de armas vai multiplicar exponencialmente o número de brasileiros armados, isso gerando uma explosão de homicídios. Se o comportamento for o mesmo de 2005, e tudo indica que sim, não haverá nada parecido com uma corrida às armas.

Ou seja, se o debate da segurança está no decreto das armas, também não levará a nada.

Convém olhar fatos. Não há relação direta entre posse de armas e número de crimes. Os cidadãos canadenses têm muito menos armas que seus vizinhos americanos e a criminalidade lá no Canadá é menor. Por outro lado, os ingleses demonstraram claramente que a criminalidade é tanto menor quanto maior a eficiência da polícia em desvendar os crimes e apanhar os bandidos. Mesma coisa foi provada em cidades americanas

Ou seja, a variante chave não é a arma doméstica, digamos assim, mas é, sim, uma polícia eficiente, bem preparada em inteligência e, sim, muito bem armada, necessariamente mais bem armada que as quadrilhas. E com uma legislação de apoio.

O voto de outubro contem essa ideia. Assim como contem um voto pela liberdade econômica.

Bolsonaro elege discurso belicoso como seu 'eixo'

Jair Bolsonaro fez dois discursos no dia de sua posse. Num, proferido no Congresso, propôs um “pacto nacional entre a sociedade e os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, na busca de novos caminhos para o Brasil.” Noutro, lido no parlatório do Planalto, vaticinou: “O Brasil começa a se libertar do socialismo e do politicamente correto.”

Restara uma dúvida: o Brasil será presidido pelo Bolsonaro do “pacto” ou pelo herói da resistência antissocialista? Nesta quarta-feira, no Twitter, o novo presidente apontou a fala encrespada do parlatório como “discurso de posse”, apresentando-o como “o eixo do nosso governo.”

Como não há “pacto” possível sem desarmamento de espíritos, fica entendido que o discurso dirigido ao Legislativo era feito de abobrinhas protocolares. O miolo da picanha, que dará substância à ação do governo, está no pronunciamento endereçado à multidão reunida na Praça dos Três Poderes.

Aos que acreditaram na perspectiva de restauração da harmonia embutida no discurso em que falou em “unir o povo” e comandar o país sem “sem discriminação ou divisão”, Bolsonaro informa que continua pintado para a guerra, girando em torno do “eixo” da campanha eleitoral.

No discurso que ficou valendo, Bolsonaro atiça fantasmas ficcionais —“Nossa bandeira jamais será vermelha…”—, para se jactar de uma coragem desnecessária —“…só será vermelha se for preciso o nosso sangue para mantê-la verde e amarela.” Ainda não se deu conta de que, se não direcionar suas energias para batalhas reais —a reforma da Previdência, por exemplo—a coisa tende a ficar preta.

Josias de Souza