quinta-feira, 16 de maio de 2024

Pensamento do Dia

 


A liberdade ‘fake’ e o Marquês de Sade

“Mercadores do caos”. É assim que o primeiro editorial do Estado de ontem qualificou aqueles que difundem mentiras sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. O texto vai no ponto: “Bolsonaristas andam espalhando desinformação porque, inimigos da democracia que são, a eles interessa minar a capacidade dos cidadãos de confiar uns nos outros.” Palavras precisas. Justas.

O quadro é alarmante, não só pelas águas que dizimam cidades inteiras, mas também pela propagação industrializada e intencional de desorientação. Com a cidadania submersa, a perversão do fanatismo antidemocrático jorra pelos bueiros. Há mensagens inconcebíveis circulando massivamente. Umas afirmam que não adianta fazer doações porque o governo federal está barrando caminhões que rumam para o Rio Grande do Sul. Falso. Outras sustentam que Exército e os bombeiros negam ajuda aos desabrigados. Invenção dolosa. Os exemplos de má-fé são caudalosos, tóxicos, e, embora sejam desmascarados a toda hora, deixam rastros de devastação moral e cívica.


A produção em larga escala de mais essa leva de fake news é um trabalho de organizações subterrâneas e subaquáticas que operam longe da luz do dia e consomem rios de dinheiro infecto. São usinas superindustriais que geram as falácias aos borbotões e nunca aparecem publicamente – atuam no submundo, clandestinas. Mais que soturnas e esquivas, são usinas invisíveis. Mais do que abjetas, são eficazes. Abastecem caudalosamente as multidões de idiotas inúteis que trabalham de graça, noite e dia, para fazer escoar todas as sandices asfixiantes pelas redes (anti)sociais.

Se as grandes organizações da mentira atuam nas sombras, os operários alienados e alienantes que trabalham para elas como escravos mostram sua cara sorridente. São os tios e tias do Zap, você os conhece. Quando interpelados pelo bom senso do vizinho de condomínio, protegem-se na desculpa de que apenas exercem sua “liberdade de expressão”. Estão errados em tudo, inclusive nisso. Estão errados principalmente nisso.

Em primeiro lugar, as agências camufladas de onde recebem a porcariada que distribuem não têm direito à liberdade de expressão, nem poderiam ter. A liberdade de expressão é um direito da pessoa humana, não de pessoas jurídicas ou de organizações criminosas. O Estado, as empresas e os partidos políticos não têm liberdade de expressão, pois não são pessoas. A liberdade de expressão é um direito humano, um direito de gente de carne e osso, não uma licença econômica ou corporativa.

Portanto, quando um desses grupelhos ilegais ou uma dessas big techs impulsionam falsidades que lesam a saúde pública e a integridade física de milhões de seres humanos, não é de liberdade de expressão que estamos falando, mas de um inaceitável abuso do poder econômico. A finalidade desse tipo de abuso é fazer propaganda do caos e instaurar um ambiente em que “ninguém acredita em mais nada”, como sintetizou Hannah Arendt numa célebre entrevista. Em resumo, não aceitemos mais chamar de “liberdade de expressão” o que não passa de abuso destrutivo do poder econômico.

Isso posto, falemos agora da liberdade das pessoas, as tais idiotas inúteis que se comprazem com a tarefa de disseminar as notícias fraudulentas em troca de nada – ou, melhor dizendo, em troca do gozo imaginário de se olharem no espelho e se chamarem de “patriotas”. As voluntárias do obscurantismo, por certo, contam com o direito de proferir e reproduzir tolices de mau gosto. Sim, elas são livres para pronunciar o impronunciável. Elas só não têm direito de dar seguimento a crimes.

Aí vem o ponto mais embaraçoso. Elas não sabem distinguir uma coisa da outra. A ideia que carregam de liberdade é uma não ideia: elas concebem a liberdade como uma espécie de bocarra, uma porteira aberta nas fronteiras do corpo para dar vazão aos impulsos viscerais, a despeito das convenções e das normas básicas do convívio civilizado. A liberdade seria, enfim, o triunfo do bicho sobre o humano. É como se o sujeito dissesse “eu sou livre para oprimir você e exercer contra você a minha estupidez essencial”.

E qual a origem dessa concepção pulsional de liberdade? Sigo aqui a sugestão do psicanalista Ricardo Goldenberg. Em um breve ensaio, Do cinismo ao descaramento (no livro O MalEstar na Cultura Revisitado, organizado por Lucia Santaella, publicado pela Estação das Letras e Cores), Goldenberg localiza no Marquês de Sade (17401814) fantasia de que a “liberdade individual” incluiria um suposto “direito” de “gozar do próximo sem nenhum entrave” (“gozar”, aqui, é sinônimo de abusar). Em Sade, o sujeito livre é aquele que consegue juntar o pior vício da aristocracia (dispor do corpo do outro como dispõe da terra) ao pior vício da burguesia (explorar energia do outro para acumular dinheiro e prazer). Em suma, o homem livre é amoral, assassino, pedófilo, estuprador e ditador. No meio de tamanha enchente de mentiras, a gente pode acrescentar: e fascista. A liberdade fake, a liberdade sádica, que no fundo é a negação de toda liberdade, está levando o Brasil ao naufrágio total.

O fim do mundo

Nada era mais assustador do que falar naquele assunto. O fim do mundo fazia parte dos medos, na infância, mas contraditoriamente eu gostava de ouvir as histórias. Entre as brincadeiras, havia aquela das contações, eram passatempos como fossem filmes de terror. Os relatos, apocalípticos, nos faziam viajar com os pés em chão firme.

Havia um amigo cuja mãe falava do Velho Testamento em casa e ele, do alto de sua autoridade, nos repetia com os olhos esbugalhados. Dizia que o mundo se acabou com água, da primeira vez, num dilúvio que tomou conta de toda a Terra. E, da próxima, ai de nós, o planeta seria devorado por imensas labaredas. Haveria choro e ranger de dentes.

Tudo seria consumido pelo fogo. Entre apavorado e fascinado por aquelas narrativas, eu rezava minhas ave-marias, que aprendi nas aulas do catecismo, pedindo a Deus para não virar churrasco.

Paulinho recontava o fim do mundo à sua maneira e o medo dele alimentava o nosso, que éramos seus amigos. Não se sabia ao certo como seria aquele incêndio atlântico, onde ele começaria ou quando. Mas com certeza seria algo para além dos limites geográficos de nossa cidade.


Seria um castigo de Deus, segundo ele, devido à maldade das pessoas e, portanto, não era bom questionar as “profecias”. De minha parte eu cuidava de repassar os relatos e claro, ninguém aceitava aquela história de forma tranquila ou desprovido de espantos.

O fato é que o fim do mundo estava próximo e havia o precedente que era comprovado pela Bíblia. No grande dilúvio, salvaram-se somente os que pegaram carona na Arca de Noé, episódio incontestável conhecido pelos adultos e pelas igrejas. Logo, era difícil se contrapor.

Penso agora no fim do mundo, sem aquele sentimento ingênuo e dogmático da infância, quando leio e vejo notícias sobre os desastres no Rio Grande do Sul. As águas do Rio Guaíba avançam sobre cidades e o céu gaúcho dá a entender que pode despencar, a todo instante, num cenário desalentador.

O mundo acabou para muitas pessoas, infelizmente. As enchentes e tempestades são exemplos de fim de mundo, assim como o “final dos tempos” ocorre para várias populações, em diversas regiões, nas secas terríveis que agora são registradas até na Europa; na temperatura da atmosfera que está cada vez mais alta em todo o mundo; nos terremotos, ciclones, furacões e tornados que sacodem os centros urbanos; nos tsunamis, no avanço do mar e nas pandemias; entre outras dores.

Vivemos, em cada episódio, uma terrível sensação de finitude. A cada desastre estamos sendo privados da vida. A crise climática, na verdade, está nos deixando ilhados no mundo que poderia ser mais confortável para todos. Aquele temor do fim do mundo, que tínhamos na infância, é manifestado, na maturidade, com outro sentimento e com o sentido de novas realidades.

A crise do clima é também da existência humana. O fim do mundo, não é mais aquela versão de Paulinho, mas sim causado por um certo projeto de modernidade que é destrutivo demais. Desigual demais, ganancioso demais. As respostas da natureza nos chegam com a mesma intensidade do egoísmo desregrado e deixam claro a quem cabe criar leis, normas técnicas e parâmetros.

Janela do tempo

Cá estamos, no controle a granel de praticamente tudo o que existe sobre a Terra e, mesmo assim, perto de sermos a mais frágil das espécies com que dividimos a existência. À exceção de uma guerra nuclear aniquilante, continuamos a agredir com voracidade suicida o meio ambiente que permite o viver humano. Ao arrepio da ciência e do saber, tudo sofre agressão ininterrupta — oceanos, outras espécies, florestas, rios, pantanais, ecossistemas, biomas, ar, água. Tudo. Na enxurrada, lá se vão muitos sonhos, esperança, planos e expectativas de um amanhã — também essas coisas exigem um planeta habitável.

Uma década atrás o escritor e ambientalista britânico George Monbiot já alertava sobre a degradação do chão em que pisamos — tratamos feito lixo essa estrutura biológica que produz 99% das calorias de que precisamos. Mais recentemente, Monbiot publicou o premiado “Regenesis: feeding the world without devouring the planet”(em tradução livre, “Regênese: alimentando o mundo sem devorar o planeta”), em que destrincha vários caminhos ainda possíveis. Só que a janela do tempo vai se fechando, e preferimos não ver.

Nenhum bípede vive um só dia sem deixar algum impacto no mundo à sua volta, repete à exaustão a grande dama Jane Goodall, do alto de seus 90 anos. Mesmo atos comezinhos, cotidianos, fazem diferença. O que cada um precisa decidir, acrescenta ela, é que tipo de diferença no mundo quer fazer. Para honrar a jornada que nos é dada no chão da Terra, tem pouca serventia a esperança entendida como ato passivo. A esperança real não é almoço grátis — exige ação e comprometimento.

E o Brasil de 2024, tragado pelo desastre ambiental de magnitude acachapante no Sul do país, revela toda sua gama de ações e manifestações contraditórias. Recursos que andavam desperdiçados ou adormecidos avivaram-se, formaram correntes de eficiência, enquanto fabricantes de caos aproveitam para espalhar vilanias. Somente com o baixar das águas, quando o cara a cara com a devastação se fizer mais real, se verá melhor o grau de maturidade da sociedade brasileira. Um fato, contudo, pode ser registrado desde já: sorte do país que tem liberdade de imprensa em tempos horrendos. A cobertura da grande mídia profissional está sendo um dos alicerces nessa dolorosa travessia nacional.

Vem à mente, nesse aparente desarranjo da natureza com seus ocupantes humanos, um trecho lindo do discurso da polonesa Olga Tokarczuk ao receber o Nobel de Literatura em 2019, em tradução de Gabriel Borowski:

— Estamos todos, nós, plantas, animais, objetos, imersos no mesmo espaço regido pelas leis da física. Esse espaço comum tem seu formato, em que essas leis esculpem uma quantidade incontável de formas mútuas e correspondentes. Nosso sistema circulatório se parece com as redes de drenagem, a estrutura de uma folha é semelhante aos sistemas da comunicação humana, o movimento das galáxias faz pensar nos redemoinhos da água que escorre na nossa pia. O desenvolvimento das sociedades lembra as colônias de bactérias. As escalas micro e macro revelam um sistema infinito de semelhanças. O modo como falamos, pensamos e criamos não é nada abstrato e desligado do mundo, mas é antes uma continuação, em outro nível, de seus processos incessantes de transformação.

Na semana passada, um cavalo de ferraduras escorregadias, equilibrado num improvável pedaço de teto ainda não tomado pelas águas, comoveu o mundo. Fotografado do alto, permanecia absurda e teimosamente de pé, imóvel, sozinho, sem chão. Éramos nós que ali estávamos. Para ser salvo, o animal precisou confiar nos humanos que dele se aproximaram — qualquer tentativa de coice ou movimento de defesa poderia lhe ser fatal. Por instinto ou impossibilidade de se mover, ele correu o risco de confiar. E deu-nos de presente um radioso momento de irmandade entre espécies. Quem não se emocionou com a entrega desse animal de 350 quilos aos braços de brigadistas que nunca vira não merece saber o que é ser humano. Nem animal.

Tenho vários pontos onde encostar o susto

Tenho vários pontos de vista. Alguns deles tão altos que nem eu mesmo alcanço. Outros são rasteiros e não me dou ao trabalho de me abaixar para entender. Os que alcanço facilmente não me interessam. Estão batidos e não me dão mais prazer. Dessa maneira, o que me sobra são os pontos de vista dos outros. Alcançando ou não, mudo partes ou tudo. Entendo mal, me divido na opinião final, deixo passar coisas importantes, incorporo corpúsculos digitalizados. Pobres daqueles que escrevem livros e fazem jornais ou televisão querendo passar fora do meu quintal, rente à cerca de ilusões.


Dando voltas em volta da mente, o homem que pensa é sempre contra. Voltaire nunca se vai. Ele sugeriu que o mal maior não é a desigualdade entre as pessoas. A dependência é que é. Somos tão dependentes uns dos outros que, por isso, cultivamos uma ilusão chamada sociedade. Agora sou eu divagando. Não acuse Voltaire, que não pode se defender. Que não depende mais de você. Única forma de não depender de ninguém é morrer. O cultivo da sociedade como algo inerente ao ser humano é uma balela. Quem de sã consciência ficaria dentro de um escritório por oito horas, sem ver a luz do Astro-Rei? Quem deixaria as pernas lindas das mulheres vagando solitárias pelas ruas e shoppings para se enfiar dentro da cabina de um avião a jato e ficar doze horas sobrevoando o Pacífico? Nossa fragilidade como seres é absurda.

Um beija-flor não bate na porta de outro, duas da manhã, para pedir que o escute. Precisa o belo pássaro contar suas mágoas, seus desamores, suas angústias? Um cavalo não se queixa para o outro porque perdeu um páreo pela diferença de um pelo do focinho. O lambe-lambe, os elogios rasgados, a opressão, as ameaças veladas, a indiferença, as fofocas… São apenas armas da nossa fragilidade. São armas mortais que cada um usa para sobreviver como indivíduo. O ‘salvo eu, danem-se os outros’ seria o slogan ideal do ser humano.

Os negacionistas estão matando

Negacionistas não somente rejeitam a verdade. Sequer participam de disputa sincera pela verdade. Não estão interessados. Todo negacionismo é, antes, negação da responsabilidade que a verdade imputa. Estratégia diversionista, esconde causalidades entre ações e consequências. E rejeita a norma jurídica ou moral que sanciona o comportamento danoso.

Não se equiparam aos sofistas ou aos céticos, nem aos ateus ou agnósticos. Estão mais próximos ao que Harry Frankfurt chamou de "bullshiters". Diferente do mentiroso e do hipócrita, que conhecem a verdade e sabem que mentem, o "bullshiter" tem indiferença à verdade e joga outro jogo. Sua empreitada não é intelectual, mas política e sectária.

Muitos negacionismos contaminam a conjuntura brasileira: negacionismo do golpe, da ditadura, do racismo, da homofobia, dos conflitos de interesses da magistocracia, da corrupção e do autoritarismo; dos efeitos da desigualdade e da boçalidade pública; da correlação entre liberação de armas e aumento de homicídios, parecido com o da causalidade entre cigarro e câncer; do dever constitucional de manter o meio ambiente equilibrado e do direito de gerações presentes e futuras.


Não interessa ao negacionista cultivar o hábito intelectual da dúvida nem a atitude política da desconfiança. Quer apenas destruir inimigos com a melhor arma em mãos. É uma técnica sintonizada ao extremismo político, hoje armado de canhões desregulados de desinformação com alta precisão algorítmica. Financiar a fabricação de negacionismo com cara de ciência é comum a indústrias que impactam a saúde e o meio ambiente.

O Rio Grande do Sul sedia nesse momento o encontro do extremismo político com a desigualdade extrema e o evento climático extremo. Ainda não conhecemos todos os danos que uma reunião explosiva desse calibre produz, mas já somos capazes de perceber a multiplicação desnecessária e discriminatória de mortes, sofrimento e empobrecimento material.

Negacionistas têm tentado corroer o esforço da sociedade e do Estado brasileiro em enfrentar as consequências da tragédia. Sua produção torrencial de notícia falsa se dirige a bloquear e deslegitimar iniciativas estatais de ajuda aos atingidos.

Em paralelo, a solidariedade social, traduzida na dedicação voluntária de indivíduos e organizações, em colaboração com esforços públicos, é tumultuada por oportunistas que, mais do que participar, tentam individualizar os méritos do heroísmo coletivo em redes sociais.

Nesse momento, o negacionista luta dois combates: um contra o Estado, cujas instituições precisam continuar a ser evisceradas de capacidade de compreender a estrutura do desastre, de preveni-lo e de responder a ele; outra contra o conhecimento que demonstra, justamente, a relação de causalidade entre o que o negacionista faz e a consequência para a coletividade.

A tragédia precisa ser desvinculada da ação negacionista. O negacionista precisa ser exonerado de sua responsabilidade.

Exemplos recentes da responsabilidade negacionista: o governo do RS ignorou plano de prevenção a desastres desde 2017; flexibilizou regras sobre barragens em áreas de preservação permanente; enfraqueceu o código florestal; o Congresso Nacional vem desmontando a proteção ambiental nos últimos anos e tenta aprovar o "pacote da destruição" com mais de 20 projetos contra o meio ambiente. O governo federal não dá sinais de ter a causa da proteção ambiental como prioridade.

Ainda não conseguimos construir ferramentas de responsabilização de organizações, empresas e atores políticos que, desinteressados nas consequências humanas e econômicas do que fazem, e ansiosos por ganhos de curto prazo, contribuem para o desastre. Nem conseguimos construir instituições que traduzam o compromisso constitucional da precaução em prática real.

Enquanto isso, os negacionistas estão matando e vão continuar a matar.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Pensamento do Dia

 


Rousseau e o clima

Jean-Jacques Rousseau errou em quase tudo, mas, no que diz respeito a desastres naturais, suas reflexões são certeiras. Para ele, os efeitos de um cataclismo dependem não só do evento geológico ou climático que os precipita mas também da forma como humanos ocupam o solo e se comportam.

Como observou o bom Jean-Jacques na "Carta sobre a Providência", escrita após o grande terremoto de Lisboa, de 1755, não foi a natureza que, numa área exígua, "reuniu 20 mil casas de seis ou sete andares". E arrematou: "quantos infelizes pereceram neste desastre, porque quiseram pegar, um suas roupas, outro, sua papelada, outro, seu dinheiro?". Hoje as ideias de Rousseau parecem óbvias, mas não o eram no século 18. Ali, a reação das pessoas era a de acorrer às igrejas e caprichar nas rezas e penitências.


Precisaremos cada vez mais dar ouvidos ao genebrino, porque o que há de mais certo sobre a mudança climática é que ela aumentará a frequência de eventos extremos. As "enchentes do século" ocorrerão ao passo de décadas; habitar áreas de encosta, que sempre foi algo arriscado, se tornará extremamente perigoso. Como boa parte do aquecimento futuro já está contratada, muito dos nossos esforços terá de ir para a adaptação, tanto a prevenção como a gestão de catástrofes. E essas são áreas em que o Brasil vai tradicionalmente mal.

Nosso sistema político favorece o curto-prazismo (é só ver a situação do saneamento básico) e atomiza a aplicação de recursos, o que dificulta investimentos em redes de maior abrangência, como uma defesa civil integrada.

É interessante observar que Rousseau escreveu sua "Carta..." para livrar a cara de Deus de uma acusação feita por Voltaire: como poderia uma entidade benevolente e onipotente permitir tal tragédia? O genebrino não resolveu o problema da justiça divina, mas apontou para uma área de atuação em que os homens não podem fugir a suas responsabilidades.

Prevenção zero


Todo mundo fala: 'Não poderíamos ter previsto'". Isso é categoricamente falso. Sempre há pilhas e pilhas de relatórios onde isso foi analisado. Sabemos das vulnerabilidades, mas optamos por não nos preparar.
Jeffrey Schlegelmilch, diretor do Centro Nacional de Preparação para Desastres da Universidade Columbia, em Nova York, sobre o Katlina

Roleta russa com a natureza

Em 1986, em “O relojoeiro cego”, Richard Dawkins mostrou que o darwinismo não é obra do acaso. Os seres vivos não surgem da soma de casualidades favoráveis, mas de um jogo (evolutivo) muito complexo, mas com regras bem definidas. A natureza, assim, não é o acúmulo de eventos aleatórios, e sim o contrário. A natureza não joga dados.

A ministra Marina Silva, em entrevista à Globo News no dia 3, ao falar da tragédia do Rio Grande Sul (RS), ilustrou a tese de Dawkins. Ela disse mais ou menos o seguinte: a humanidade levou séculos a transformar a natureza em dinheiro. Agora precisa gastar mais dinheiro para ajudar a natureza a superar obstáculos.

Desde junho de 2022, com o banal assassinato de Dom Phillips, jornalista britânico, e do indigenista Bruno Pereira, comecei a pensar no valor da vida. O assunto voltou ao radar em agosto passado, com o assassinato da dona Bernadete Pacífico, líder quilombola, e, agora, com a catástrofe do RS. Não parece, mas a banalização da vida, como numa roleta russa, é um dos gatilhos de eventos climáticos extremos. E a roleta russa contra a natureza é uma aposta perdedora.


O valor da vida foi tema do doutorado de Richard Thaler, Nobel da Economia em 2017. Antes dele, Thomas Schelling, Nobel da Economia em 2005, num célebre e provocador artigo de 1968 (“The life you save may be your own”), enfatizou que o empenho em salvar vidas é fortemente influenciado por duas características comportamentais: da “vida identificada” - como a de um filho baleado em assalto - e da “vida estatística” - como as milhares de mortes no trânsito.

Os jornais têm dado merecido destaque à tragédia das enchentes no RS. Mas por que o desastre assumiu tamanha proporção? A resposta mais contundente está na própria fala da ministra Marina, já sublinhada no início deste artigo. Mas isso ainda não explica por que jogamos dados com a natureza.

Veja o caso de uma atividade de risco não desprezível. Suponha ser de 5 em 1.000 (0,5%) a probabilidade de um acidente fatal para alguém que, a serpentear no trânsito numa pequena moto, faz entregas em São Paulo. Quanto vale a vida dessa pessoa? Uma conclusão é imediata: essas pessoas se arriscam uma barbaridade e se dispõem a ganhar muito pouco.

Coisa semelhante ocorre com as famílias que vivem no Vale do Taquari, no RS, onde também viveram seus pais e avós. E às vezes pagam muito para permanecer nesse ambiente de risco. Numa espécie de autoengano, pensam que estão seguras.

A explicação é muito mais psicológica que econômica ou mesmo filosófica. Na falta de opção, o entregador sente como perda os R$ 20/hora que deixa de receber se não executar o trabalho. E a aversão a perdas é maior que a aversão ao risco, o que o torna mais propenso a enfrentar situações perigosas.

Isso também pode ser explicado pelo efeito dotação - quando é valorizado em excesso o que se imagina ser um bem. Para muitos, viver no Vale do Taquari, a origem de seus antepassados, é um bem valioso. Abrir mão desse “bem” tem um razoável custo, que, veja só, também vai na direção de desvalorizar a vida.

Aqui entraria a política pública, para minimizar os efeitos dessa propensão ao risco. Admita ser também de 0,5% a probabilidade de roubos com mortes em residências no bairro da Tristeza, região de classe média alta na orla do Guaíba. Mesmo com baixa possibilidade de latrocínio, muitos buscam proteção para suas casas e famílias. Instalam sofisticadas fechaduras e outras barreiras. A família é uma vida identificada.

Admita que é novamente 0,5% a possibilidade de, a cada 80 anos, ser superada a cheia do Guaíba de 1941. Como se comportaria o responsável pelos diques e bombas d’água? Nesse cenário, as autoridades percebem os eventuais danos, mesmo que fatais, apenas como estatísticas, isto é, como vidas estatísticas (como a dos entregadores nas ruas das grandes cidades).

O mais grave ocorre quando a autoridade despreza os alertas da ciência, incentiva o relaxamento da legislação e fecha os olhos para diferentes crimes ambientais. São decisões que, não tenha dúvida, tornam a vida mais vulnerável a eventos climáticos severos, como o de agora no RS. A autoridade, então, põe mais balas na arma com que faz roleta russa com a natureza.

As mudanças climáticas são, por tudo isso, consequências de uma arquitetura de escolhas, sobretudo políticas, nem um pouco racionais. E isso tem transformado tais escolhas numa típica tragédia dos comuns, quando decisões individuais prejudicam o bem-estar da coletividade. O caso concreto são as décadas sem investimentos, manutenção e atualização do sistema de controle de cheias de Porto Alegre.

Corre-se agora para gastar bilhões de reais em medidas de contenção dos danos das escolhas estúpidas. Ok. Mas são negligenciadas as ações para evitar a estupidez. Foi iniciada a maratona para construir infraestruturas que minimizam os efeitos das enchentes, mas não para evitar os recordes de chuva nos vales do Taquari e do Itajaí, Região Serrana do Rio, Litoral Norte de São Paulo ou na Grande Recife.

A notícia relevante não deveria ser a disposição dos governos em gastar bilhões para conter os efeitos dos danos já provocados, que até soará como propaganda eleitoral, mas sim o que não fizeram para evitar a causa dos danos.

A humanidade jogou dados com a natureza. E perdeu. Apostou contra a natureza, quando jogava contra si própria. A humanidade pôs mais balas no revólver da insensatez, quando deveria retirá-las. Agora, ficou muito mais caro retirar uma bala, depois outra e outra. E esse custo é medido pela sucessão de eventos como em 2023, com recordes de calor, e, em 2024, com inéditos 250 mm de chuva em Dubai num só dia, 300 mm em Nairóbi em sete dias e mais de 500 mm no Vale do Taquari em quatro dias, o gatilho para a tragédia gaúcha.

E o revólver da insensatez segue carregado.

O amor tem que vir antes da economia e da democracia

Às vezes, as pessoas mais simples, sem excessivas pretensões científicas, são as que oferecem as verdades mais profundas. Foi o que acabou de acontecer com Satish Kumar, um antigo monge da Índia que, aos 85 anos, continua a viajar pelo mundo lembrando que nos tornámos “meros recursos humanos”. Ele apenas explicou isso em uma longa entrevista ao jornal brasileiro O Globo .

Abordando a questão atual das doenças mentais que afligem toda a humanidade, sem que a ciência seja capaz de fornecer uma explicação convincente, Kumar apresentou o seu diagnóstico. Segundo ele, não são as ansiedades da era digital, da inteligência artificial, da crise da democracia, que estão fazendo com que a dor da alma, da insatisfação universal, cresça como uma epidemia. E as receitas crescem, levando inexoravelmente às farmácias e aos seus lucros.

A filosofia do guru espiritual é mais simples. Segundo ele, a causa da ansiedade universal que nos aflige se deve ao fato de que o crescimento e o desejo pelo puramente econômico não são capazes de preencher o nosso vazio espiritual. “Não importa quanto você tenha e ganhe, nunca será suficiente, você nunca será totalmente feliz”, afirma. E pede mais. E isso até o infinito. Serão realmente os mais felizes, os menos angustiados, os mais serenos, os que menos adoecem, os que têm menos medo da morte, os que acumulam mais poder e riqueza?


O amor viria antes da democracia. “Por si só, não é sequer garantia de um bom governo”, algo que hoje vivemos com mais força do que nunca, pois se há algo no mundo da política atual é que até a democracia, que era uma espécie de religião que garantiu as liberdades individuais e sociais, está mais em crise do que nunca.

Em sua filosofia, o idoso guru que continua viajando pelo mundo espalhando sua utopia de que o amor precede qualquer possibilidade de felicidade profunda e duradoura também insiste que uma vida psíquica e feliz, por mais tecnológica e avançada que seja, é impossível sem contato físico com a natureza, junto às árvores e seus frutos, perto das flores de um jardim ou dos olhos de uma borboleta. Para ele, é incompreensível que no Brasil, um dos países com maior superfície natural virgem, continuem a existir cidades gigantescas como São Paulo ou Rio de Janeiro, com milhões de pessoas aglomeradas nas quais as crianças nunca viram um pássaro voar ou que nunca subiram em uma árvore.

A aparente simplicidade da filosofia da felicidade de Kumar, segundo a qual a solidariedade, a amizade, o amor à natureza, a compreensão da dor dos outros vêm antes da ideologia e da política, coincide neste momento com um tema que envolve o Brasil nesse mesmo mistério.

Desta vez não foi um simples e místico monge, mas o intelectual, presidente da Academia Brasileira de Letras e colunista do jornal O Globo, Merval Pereira, que em sua coluna intitulada Solidariedade aborda do ponto de vista político a força que é ter esse valor e a quebra de preconceitos políticos diante da tragédia humana das enchentes na região Sul do Brasil . Numa das regiões mais ricas do país e ao mesmo tempo mais direitista, como escreve Merval: “A dura tragédia que está a custar tantas vidas e a evacuar cidades inteiras serviu para redescobrir a importância da solidariedade”.

É naquela região onde o país está fortemente dividido entre os seguidores do progressista Lula e do ultradireitista Bolsonaro. E está a ser uma descoberta ao mesmo tempo da tragédia humana e da solidariedade que a acompanha, que leva as pessoas a sacrificarem as suas vidas para salvar outras, onde se torna tangível, como sublinha o colunista, que voltamos a ter um país que une em torno de uma causa independentemente de os voluntários que expõem suas vidas serem lulistas ou bolsonaristas. Assim como os militares que, divididos, estiveram a ponto de cair na tentação oferecida por Bolsonaro de dar um golpe de Estado, hoje estão unidos, sem rótulos políticos, na dura e arriscada ajuda para salvar vidas, sem pedir em quem votaram nas urnas.

Será ou não o amor, a solidariedade, a amizade, o respeito à natureza, uma vida simples, sem ansiedade em acumular riquezas e sem exigir rótulos políticos, não apenas a melhor receita para a felicidade, mas até mesmo o melhor remédio contra as dores da alma?

terça-feira, 14 de maio de 2024

Pensamento do Dia

 


A opinião em palácio

O Rei fartou-se de reinar sozinho e decidiu partilhar o poder com a Opinião Pública.

― Chamem a Opinião Pública ― ordenou aos serviçais.

Eles percorreram as praças da cidade e não a encontraram. Havia muito que a Opinião Pública deixara de frequentar lugares públicos. Recolhera-se ao Beco sem Saída, onde, furtivamente, abria só um olho, isso mesmo lá de vez em quando.


Descoberta, afinal, depois de muitas buscas, ela consentiu em comparecer ao Palácio Real, onde Sua Majestade, acariciando-lhe docemente o queixo, lhe disse:

― Preciso de ti.

A Opinião, muda como entrara, muda se conservou. Perdera o uso da palavra ou preferia não exercitá-lo. O Rei insistia, oferecendo-lhe sequilhos e perguntando o que ela pensava disso e daquilo, se acreditava em discos voadores, horóscopos, correcção monetária, essas coisas. E outras. A Opinião Pública abanava a cabeça: não tinha opinião.

― Vou te obrigar a ter opinião ― disse o Rei, zangado.

― Meus especialistas te dirão o que deves pensar e manifestar. Não posso mais reinar sem o teu concurso. Instruída devidamente sobre todas as matérias, e tendo assimilado o que é preciso achar sobre cada uma em particular e sobre a problemática geral, tu me serás indispensável.

E virando-se para os serviçais:

― Levem esta senhora para o Curso Intensivo de Conceitos Oficiais. E que ela só volte aqui depois de decorar bem as apostilas.
Carlos Drummond de Andrade, “Contos Plausíveis”

A égua no telhado

A foto é emblemática. Uma égua no alto do telhado de uma casa, olhando para a água que a cerca. Sem enxergar um palmo de terra firme que a encoraje a sair do desconforto. Na maior tragédia pluviométrica que assola o Rio Grande do Sul, o cavalo de Canoas, uma das cidades inundadas pelas enchentes, simboliza a perplexidade que toma conta não apenas dos gaúchos, mas de todos os brasileiros que nunca viram cenas tão devastadoras e intensas quanto as que lhe são expostas pela teia midiática. A cena de uma garotinha pedindo que o barqueiro pegasse uma boneca que flutuava na água é comovente. A boneca era um bebê. Realismo fantástico.

O Brasil vive um momento de triste perplexidade. Sem entender como e porque um Estado tão bem-dotado de infraestrutura, um dos mais desenvolvidos da Federação, a 5ª. maior economia nacional, seja impiedosamente destruído por precipitações pluviométricas. Como não se previu tamanha calamidade? Como tem sido possível que os danos às pessoas sejam de tal monta, que a vida de centenas de famílias seja jogada no despenhadeiro? Nietzche, o magistral filósofo, prenunciou: a ampulheta do tempo, vira e mexe, impõe o eterno recomeço como nosso conceito de devir.

A cada estação do ano, o Brasil ganha as cenas de vidas destroçadas. Vai, aqui, pequena memória.


Em 1975, um vazamento de 6 mil toneladas de óleo, do petroleiro Tarik Iba Ziyad, fretado pela Petrobras, contaminou a baía de Guanabara. O maior vazamento de óleo no Brasil. Em 1980, no Vale da Morte, em Cubatão, a liberação de gases tóxicos por indústrias do polo petroquímico, aumentou os problemas de saúde na região. Ainda em Cubatão, em 1984, na Vila Socó, um grande incêndio matou 93 pessoas. Falha na tubulação. Em 1987, foi a vez de Goiânia, com o acidente radiológico com um aparelho de radioterapia abandonado, dentro do qual estava uma cápsula de césio-137. Outro vazamento de óleo na baía de Guanabara, em 2000; responsabilidade da Petrobras. 25 praias contaminadas. Ainda em 2000, no Paraná, houve um vazamento de óleo nos rios Barigui e Iguaçu. 4 milhões de litros de óleo. Vimos, em 2001, o naufrágio da plataforma P-36, na bacia de Campos, que despejou 1500 toneladas de óleo a bordo, matando 11 pessoas. A seguir, em 2003, a indústria Cataguases, em Minas Gerais, despejou 1 bilhão e 400 milhões de lixívia nas águas da bacia hidrográfica do Paraíba do Sul. Em 2007, o rompimento de barragem Bom Jardim em MG. Em 2011, outro vazamento de óleo na bacia de Campos, RJ. No porto de Santos, em 2015, ocorreu o incêndio na Ultracargo, durante transferência de tanques de gasolina e etanol. Ainda em 2015, houve o vazamento da barragem do Fundão, em Mariana, MG, com 62 milhões de m3 de lama. Responsabilidade da empresa Samarco. Em janeiro de 2019, em Brumadinho, MG, viu-se um dos maiores desastres ambientais no Brasil, com o rompimento da barragem Mina do Feijão, sob responsabilidade da companhia Vale do Rio Doce. 270 mortos. Uma tragédia. E agora, a tragédia das tragédias, essa que conta mais de 100 mortos, atinge 83% dos municípios gaúchos e deixa mais de meio milhão de pessoas ao relento. O que essa calamidade expressa? Primeiro, a ausência de políticas voltadas para a prevenção de catástrofes. As forças naturais recebem as críticas, mas a mãe natureza não tem tanta culpa. A obra de devastação a cargo do homem, em sua incessante obstinação para apressar o fim do planeta, é a principal responsável por catástrofes. Quantos parlamentares dedicaram verbas para a prevenção de enchentes? Um, dois, três? Os homens públicos deveriam ir ao paredão da vergonha por não construírem barreiras preventivas nos espaços que administram.

O trabalho voluntário mostra a solidariedade de brasileiros na tragédia gaúcha. E serve de bálsamo para amenizar a dor de milhares de aflitos. Mas é isso que sobra ante a maré de improvisação que grassa na administração de Estados e municípios. Para arrematar o mosaico de desleixo, competências constitucionais são distribuídas de maneira irregular entre os entes federativos. União, estados e municípios repartem áreas comuns como serviços sociais, meio-ambiente e habitação etc. O resultado é uma sobreposição de ações, particularmente nos palanques midiáticos, aqueles que impressionam eleitores. Projetos escondidos, como os de saneamento, são relegados ao segundo plano. Um governo eficaz é aquele com aptidão para prever problemas e antecipar soluções.

É triste concluir que as calamidades de hoje se repetiram no passado e serão vividas no amanhã. Um eterno retorno, um eterno recomeço. O olhar da égua no telhado parece responder ao presidente Lula, que fez a provocação: o que estaria ela pensando? Ora, pensando na malandragem que dita a conduta de demagogos, oportunistas, gente que tenta tirar proveito da miséria humana.

O jornalismo em extinção

Encontrámo-la recentemente nos títulos de dois diagnósticos desta situação nos Estados Unidos: um, publicado no final de janeiro na revista Atlantic assinado por Paul Farhi, que foi um importante repórter do Washington Post; outro, no mês seguinte, da autoria de Clare Malone, na The New Yorker.

Usando um acento catastrófico que uma prudente interrogação não consegue relativizar, ambos evocam a extinção como um horizonte plausível. O primeiro pergunta: “Is American Journalism Headed Toward an ‘Extinction-Level Event?’”; o segunda insiste quase com os mesmos termos: “Is the Media Prepared for an Extinction-Level Event?”. Não é ainda um réquiem, mas está próximo.

O que se passa nos Estados Unidos, neste domínio, não é certamente muito diferente do que se passa na Europa, só que talvez num grau mais elevado e com algum avanço no tempo. O horizonte é o mesmo.


O que ficamos então a saber acerca do estado de coisas nos Estados Unidos, informados por estes e outros artigos sobre o mesmo assunto? Ficamos a saber que a hemorragia mais forte é a da imprensa regional: em média, todas as semanas morrem duas publicações e meia (jornais diários, semanários, mensais).

Num país tão extenso como os Estados Unidos, os jornais regionais tiveram sempre um papel importantíssimo e foram um factor fundamental dos equilíbrios democráticos e da vida cultural e comunitária. Quando esse espaço é ocupado pelas redes sociais, ficam à solta as teorias do complot, as fake news, os conteúdos gerados pela inteligência artificial que multiplicam a desinformação, o caos, o convite à passagem aos actos de violência. O ambiente de radicalização e pré-guerra civil que se vive nos Estados Unidos faz parte deste panorama que promove e alimenta a divisão e os extremismos.

Há uma pergunta que começa a ser posta e que leva a pensar os caminhos que estão a tomar as tradicionais democracias liberais: “Estamos ainda em democracia?”. Esta pergunta tem uma especial incidência quando se pensa no que está a acontecer aos jornais e ao jornalismo. Alguns números fornecidos nos artigos citados: em 2023 foram eliminados nos Estados Unidos 21.400 postos de trabalho nos media tradicionais. Grandes jornais como o Los Angeles Times (que despediu mais de 20% da sua redacção) e o Washington Post não foram poupados. Este último teve no ano passado um défice de cem milhões de dólares. No entanto, tinha sido um dos que mais prosperou durante a presidência de Donald Trump. Como é sabido, o “espectáculo” Trump proporcionou aos jornais um festim permanente que lhes valeu um grande aumento de leitores.

O declínio dos meios de comunicação tradicionais já suscita esta pergunta formulada pela autora do artigo da New Yorker: “Estamos a assistir ao fim da era dos meios de comunicação de massa?”. Este declínio já começou há décadas, mas foi acelerado pela Internet, pela digitalização generalizada, pelas plataformas. As receitas publicitárias que garantiam o negócio dos jornais passaram a fluir na direcção de colossos como a Google. Quando deixa de ser possível sustentar o jornalismo como um negócio, muitas publicações usam um pseudojornalismo como operação de fachada para outros negócios e entram numa zona obscura.

De todas as “grandes regressões” que se deram desde o início deste século, esta é uma das mais velozes e contundentes. O seu efeito político é bem visível, no avanço de factores que levam à degradação do espaço público, ao enorme teor de conflito social e político, ao empobrecimento cultural. As noções de pós-verdade e pós-democracia assentam nestes terrenos onde vacila tudo o que dantes parecia seguro.

E assim estão criadas as condições para promover um mundo em que já nem serve a distinção entre o verdadeiro e o falso, nem faz apelo a uma ideologia dotada de uma coerência sistemática, como acontecia nos regimes totalitários do século XX. A mentira ideológica e a propaganda eram ainda uma peça da engrenagem da política moderna.

Aquilo a que hoje se chama pós-verdade tem que ver com a hegemonia das novas fontes de informação e dos meios de produção e circulação de notícias, dados e visões do mundo que apelam à divisão e à violência, subtraindo-se a qualquer controlo editorial.

Perante isto, o jornalismo está a revelar-se tanto mais impotente quanto está obrigado a investir a sua energia na luta pela própria sobrevivência.

A cosmovisão da floresta e o fim do mundo

Num país democrático e multiétnico como nosso, coexistem diferentes formas de pensar e de viver, embora nem sempre em harmonia. Uma delas merece cada vez mais atenção, pela contribuição que pode dar ao planeta, sobretudo à ciência, nesse momento de emergência climática: a cosmologia indígena. Diante da destruição das florestas e consequente aquecimento global, da frequência e escala crescentes dos desastres naturais, os saberes indígenas ancestrais começam a ganhar corações e mentes na sociedade.

Não se trata mais de um debate sobre modelos de desenvolvimento, pura e simplesmente. Trata-se da dramática condição humana que emerge nos “desastres naturais”, como a que estamos vivendo no Rio Grande do Sul. A capacidade de adaptação às mudanças, hoje focada nas relações econômicas e na inovação tecnológica, precisa voltar ao leito da relação evolutiva dos seres humanos com a natureza, porque põe em xeque a nossa capacidade de adaptação às mudanças ambientais, sobretudo climáticas.


A vida e os saberes indígenas consideram o universo em sua totalidade e inserem o ser humano em uma complexa rede de relações, que envolve o natural e sobrenatural. Embora violentamente agredidos pelos interesses de mercado e a modernização permanente das atividades econômicas, esse conhecimento não está subordinados à lógica dos interesses de mercado. Historicamente, cederam lugar à razão e a ciência, mas os fatos mostram que ainda temos muito a aprender com nossos 350 povos indígenas.

Assim como estamos aprendendo e ensinando, simultaneamente, o manejo e aproveitamento dos recursos naturais de maneira a não esgotar suas possibilidades às comunidades tradicionais. Quilombolas, pescadores artesanais, as quebradeiras de babaçu, seringueiros, castanheiros, marisqueiras, ribeirinhos, varjeiros, sertanejos, pantaneiros, geraizeiros e caatingueiros, entre outros, ficaram à margem da modernização, porém, herdaram e/ou desenvolveram saberes que garantem sua sobrevivência em condições muito desfavoráveis.

Precisamos dar mais atenção às vozes dissonantes desses setores, como a de Aírton Krenac, o filósofo indígena, recém-empossado na Academia Brasileira Letras (ABL). Ativista do movimento socioambiental, Doutor honoris causa pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Krenak nasceu na região do vale do rio Doce, Minas Gerais. Exerceu um papel crucial na organização e conquista dos Direitos Indígenas na Constituinte de 1988.

O nome Krenak significa cabeça (kre) da terra (nak). Os Krenak ou Borun são os útimos “Botocudos do Leste”, nome atribuído pelos portugueses no fim do século 18 aos grupos que usavam botoques auriculares ou labiais. São conhecidos também por Aimorés e se auto-denominam Grén ou Krén. Em 2015, a catástrofe de Mariana (MG), devastou toda a fauna e vegetação do Rio Doce, atingindo a principal fonte de subsistência dos Krenak, representados por pouco mais de 600 sobreviventes que ainda ocupam a região.

Lançado em 2019 pela Companhia das Letras, "Ideias para adiar o fim do mundo" é o livro mais famoso de Krenak. A obra critica a ideia de humanidade como um conceito separado da natureza. Essa premissa seria baseada no desastre socioambiental da nossa era, o Antropoceno. Somente através do reconhecimento da diversidade e da recusa da ideia do humano como superior aos outros seres, é possível dar outro significado às nossas existências e frear a caminhada para o colapso ambiental.

Sua obra filosófica sustenta-se na cosmologia indígena. O amanhã não está a venda, de abril de 2020, sobre como a pandemia de Covid 19, nos fez refletir sobre o que é a “normalidade” e o que significaria voltar para esse status após a crise social, econômica e sanitária. Publicado no final de 2020, A vida não é útil é um diálogo sobre o cenário pandêmico, no qual aponta as tendências destrutivas da civilização, durante um governo negacionista de extrema-direita.

Mais recente, seu livro Futuro ancestral confronta o senso comum ao explorar a ideia de futuro: “Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui.” Esse raciocínio nos remete à tragédia do Rio Rio Grande do Sul. Uma árvore derrubada na Amazônia, como num efeito borboleta, impacta o clima dos pampas. Esse entendimento já tem um consenso científico, mas não tem a devida tradução nas políticas públicas, que vão na contramão.

O Congresso derrubou o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a itens da Lei dos Agrotóxicos que deram ao Ministério da Agricultura competência exclusiva para registrar agrotóxicos, esvaziando Ibama e Anvisa. Outros 25 projetos estão prontos para votação com objetivo de enfraquecer a legislação ambiental e “passar a boiada”. Os deputados Lucas Redecker (PSDB-RS) e Jerônimo Goergen (PP-RS), além do senador licenciado Luis Carlos Heinze (PP-RS), gaúchos, estão entre os autores de leis favoráveis a flexibilização de áreas de preservação ambiental.

O próprio governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), promoveu cortes no orçamento da Defesa Civil e nos projetos de resposta a desastres ambientais. Em 2019, propôs um projeto que alterou 480 pontos do Código Florestal estadual. A prefeitura de Porto Alegre nada investiu nenhum na prevenção contra enchentes em 2023. Em março, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, com 38 votos a favor e 18 contra, um projeto que permite devastar campos nativos do tamanho do Rio Grande do Sul e do Paraná juntos.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Capítulo do Gênesis

1. E o Senhor, vendo que os homens não melhoravam, antes se tornavam piores, decidiu mandar-lhes uma chuva de advertência; e com isso lhes manifestava seu enfado, e que outro dilúvio não estaria fora de suas cogitações.

2. E a chuva começou a cair, a princípio alegre com seu destino de chuva; insistente, depois, e zangada, fazendo aluir a morada dos homens.

3. E os caminhos se encheram de lama, e na lama passavam cadáveres de criancinhas com suas bonecas; e também boiavam corpos de velhos e de moços na fluorescência do amor.

4. E as águas cumpriram seu serviço e se retiraram ao cabo de um dia; e quedou sobre a terra uma dor feita de mil dores.

5. Nisso vieram os sábios da cidade e puseram-se a fazer a exegese da catástrofe; e concluíram que todo mal provinha de certas povoações altaneiras, desligadas do corpo social, a que se dava o nome de favelas.

6. As quais dependuradas na crista e no declive dos morros, vertiam sobre a cidade, com algumas notas de música, seus detritos e sua miséria, travando o escoamento das águas.

7. E individualmente se chamavam Querosene, Escondidinho, Pasmado, Pretos Forros, Cabrito, Vintém, Cantagalo, Curral das Éguas, Nheco, Borel, Esqueleto, Catacumba e apelativos que tais.


8. E mereciam ser destruídas pelo que se escolheu a Favela da Catacumba, de nome exemplar, para ser arrasada primeiro que as outras, e das outras a hora soaria a seu tempo.

9. E milicianos, na calada da noite, subiram até lá e arrasaram-na, ateando fogo aos escombros e os sábios se persuadiram de que haviam acabado com a causa primeira da enchente.

10. Embora não houvessem acabado com a causa maior das favelas; e os favelados foram recolhidos a uma casa de boa vontade, enquanto seus pertences tomavam rumo de uma praça de jogos, Maracaná chamada.

11. E havendo entre esses alguns tamboretes e cadeiras, bem podiam ser aproveitados para assento de amadores das grandes justas e atletas, que eram a glória da cidade.

12. E reinou sobre o morro um silêncio catacumbal, que nem a voz de um papagaio bicava.

13. E seus amigos moradores, depois de alguns dias na casa de asilo, subiram a outro morro ainda virgem e lá plantaram seus fogos e entoam sua música.

14. E outra vez choverá o aborrecimento de Deus, e eles serão responsabilizados, expulsos, apartados de seus bens, e descobrirão novos terrenos de cume, de onde voltarão a ser tangidos.

15. E milicianos em número crescente desalojarão ainda mais numerosos catacumbeiros.

16. A menos que o Senhor, em sua ira, se lembre de consumar a ameaça e promova a magna chuva final.

17. Da qual ninguém escapará; e depois dessa ninguém será acusado e molestado por ninguém.

18. A menos ainda que, a poder de palavras e subtis manobras, os sábios consigam desviar a atenção do Senhor para outros mundos ainda mais errados que este.
Carlos Drummond de Andrade

Estupidez mata


Estupidez é o mesmo que maldade, se você julgar pelos resultados

Margaret Atwood

A lição e a dor que vêm do Sul

Cada vez que enfrentamos eventos extremos como os que atingem o Rio Grande do Sul, sempre nos perguntamos se a mudança não virá agora, se não vamos aprender as lições que as mudanças climáticas nos oferecem ou se não vamos romper os diques do negacionismo que impedem a ação transformadora.

Ninguém pode ter a pretensão de saber todas as respostas para o novo tempo. Mas é preciso começar humildemente por reconhecer que é loucura continuar fazendo a mesma coisa e esperar resultados diferentes.

Passado o momento da emergência e de salvar vidas, proteger as pessoas atingidas e restabelecer serviços essenciais como água e luz, será preciso discutir a reconstrução e, simultaneamente, através dela, inspirar as medidas preventivas em outros pontos do País.

É senso comum afirmar que precisaremos de recursos. Mas antes de pensar nos recursos seria necessário refletir sobre a maneira como os distribuímos.


O Congresso detém grande parte do Orçamento e a distribui em emendas parlamentares. O presidente da Câmara, Arthur Lira, argumenta que esse é o caminho correto pois só parlamentares em contato com suas bases conhecem as necessidades municipais.

Contesto essa tese porque pensar em termos exclusivamente municipais não dá conta da complexidade de muitos problemas, principalmente o de adaptação às mudanças climáticas.

O Lago Guaíba, por exemplo, é alimentado por quatro rios: Gravataí, Jacuí, Caí e Sinos, Não adianta pensar apenas em termos locais. Há alguns anos, criamos um instrumento de gestão para cuidar disso, o Comitê de Bacia. Ele é essencial não só para tratar do abastecimento da água e dirimir conflitos dele decorrentes, mas também para planejar uma defesa adequada às inundações.

Embora os Comitês de Bacia ainda estejam longe de cumprir seu potencial, em alguns lugares o planejamento esbarra sobretudo em planos de desenvolvimento municipal isolados da realidade da bacia hidrográfica.

De nada adianta construir um grande esquema de drenagem rio acima e despejar toda a água em vizinhos despreparados, para dar apenas um exemplo.

Sistemas de diques e drenagem não funcionaram bem em Porto Alegre. Algumas construções em outras cidades metropolitanas datam da década de 1960, quando ainda não se falava muito em aquecimento global.

Segundo o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), o índice de chuvas na Região Sul do Brasil cresce há 60 anos e está sendo impulsionado pelo aquecimento global. Mas isso é difícil de demonstrar, principalmente em áreas tão desconfiadas sobre mudanças climáticas, como alguns setores do agro.

De fato, não se demonstram com facilidade nem o aquecimento nem seus efeitos. Porto Alegre teve uma grande inundação há 83 anos, em 1941. Não seria apenas a repetição daquele desastre?

Acontece que o Rio Grande do Sul foi atingido por grandes chuvas na primeira semana de setembro do ano passado. Tudo indica que estamos diante de outra situação, que alguns chamam de novo normal.

Tudo isso acontece num ano de eleições. As cidades trocarão prefeitos e vereadores. Todos terão de pensar num novo planejamento urbano, todos terão de colocar as preocupações ambientais no topo da agenda, uma vez que tornaram-se uma questão de sobrevivência.

É preciso ressaltar a grande força da inércia, a forte tendência de tudo ficar como está, sobretudo quando passam os momentos mais graves.

Dessa vez, há algo que ficará no horizonte por algum tempo. O processo de reconstrução do Rio Grande do Sul não se fará da noite para o dia. Não são apenas algumas estruturas que precisam ser revistas. Parece que até a localização de algumas cidades, como Roca Sales e Muçum, devem ser reavaliadas.

Caiu muita água. Não é possível esquecer rápido nem pura e simplesmente destinar dinheiro para reconstrução sem refletir sobre o novo tempo, sem otimizar com uma análise detalhada o uso desse dinheiro.

Todo o País tem uma chance agora de se adaptar às mudanças climáticas, de trabalhar a resiliência de suas cidades e de considerar também que o perigo não vem apenas do céu e que grande parte de suas regiões litorâneas serão atingidas pelo aumento do nível do mar.

Trabalhei num pequeno documentário intitulado O Avanço do Mar, percorrendo praias já destruídas, como a de Atafona, no Estado do Rio, e outras ameaçadas em Pernambuco e Santa Catarina.

Concluí que o título era inadequado. Ainda não se tratava propriamente do avanço do mar. Passei a chamá-lo de A Resposta do Mar, cujo território foi invadido pela especulação imobiliária.

Mas foi possível imaginar o que nos espera quando o mar avançar de fato e nos colher em nossa indiferença ao derretimento das geleiras, que começou há muito tempo.

Talvez o mundo da política institucional não se dê conta da rapidez necessária de tantas mudanças. Mas a sociedade sim terá um papel essencial, cobrando dos seus governantes e tomando algumas iniciativas que não dependem deles. Meninos e meninas que ainda estão na escola já começam a saber do que se trata, e certamente serão decisivos.

Paradoxo climático: a causa global de prejuízos locais

A bomba climática que devastou o sul do Brasil revela a limitação das prefeituras, dos estados e do governo federal para lidarem com um problema que é planetário. Quanto custa reconstruir um estado? De quem é o dinheiro e a responsabilidade para pagar esse prejuízo?

Pra simplificar, basta comparar a situação com uma guerra mundial nuclear. O prefeito de Bento Gonçalves não conseguiria, com recursos do município, evitar os efeitos da radiação sobre sua população, nem reconstruir a economia e a infraestrutura de sua cidade devastada por bombas atômicas lançadas do outro lado do mundo.

Analistas como Kissinger, John Naisbitt e Dani Rodrik já alertavam para um paradoxo característico da globalização (na economia, geopolítica e meio ambiente): a economia globalizada produz efeitos positivos e negativos em escala planetária que se desdobram em outros benefícios e prejuízos nos locais mais remotos.


O aquecimento global é assim. Grandes multinacionais emissoras de gases efeito estufa, estimulando consumidores insaciáveis, contando com a tolerância de governos arcaicos, acabam disseminando impactos incontroláveis sobre o clima e os sistemas naturais mundo afora. Foi-se o tempo em que era suficiente “pensar globalmente e agir localmente”.

Esqueçam aqueles eventos colegiais do “Dia da Árvore”. Também não adianta a costumeira troca de acusações entre os políticos em ano eleitoral. Ninguém consegue mais amenizar nem resolver um estrago desse porte. Negócios feitos nas bolsas de Nova York ou Tokio acabam afetando, bem ou mal, a vida de pessoas comuns, desde Paris até Lajeado.

Nesse cenário, os prejuízos que estamos vendo nas cidades, estradas e lavouras sulistas são uma soma de fenômenos da natureza com a ação de pessoas que sequer estão lá na região para pagarem a conta. E quem está lá (moradores e prefeituras) não dispõe dos recursos necessários. A escala bilionária está além dos orçamentos, tecnologias e equipes da região.

O prefeito de São Leopoldo pode até “pensar globalmente”, mas pouco poderá fazer quando for “agir localmente”. É um esforço de enxugar gelo (nesse caso, o gelo de geleiras longínquas), até porque tudo se repetirá com força e frequência cada vez maiores.

É bem verdade que os governos e os legisladores municipais e estaduais podem endurecer na elaboração e aplicação das regras ambientais e urbanísticas. Também podem melhorar a qualidade do gasto público em geral, como forma de prepararem melhor suas cidades para esses efeitos locais das mudanças do clima global.

Contudo, é inadiável que se estabeleça uma governança climática superior e efetiva, no nível federal e no nível internacional. Não será fácil em tempos de ONU fragilizada e de retomada do espírito beligerante mundial, quando, no Brasil, nosso ‘presidencialismo de coalisão’ segue animado.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Mentem, mentem e de tanto mentir constroem um país de mentiras

Israel usa a fome como arma de guerra. Os bolsonaristas, assumidos ou disfarçados, que sempre se sentiram em guerra contra os que não rezam por sua cartilha, usam a mentira como arma. Não lhes importa se a mentira é a mais absurda. Eles a espalham. Não lhes importa que a mentira faça mal aos seus próprios eleitores.

Boa parte do Sudeste e do Sul do país votou em Bolsonaro. Ou porque se identifica com suas ideias ou porque em 2018 e em 2022 ele foi a única alternativa eleitoralmente viável ao PT. E o que faz a azeitada máquina bolsonarista de produção de fake news? Inventa notícias que, ao fim e ao cabo, prejudicam os gaúchos debaixo d’água, mas não só a eles.

Não existem “supostas fake news” como bolsonaristas envergonhados costumam escrever. Ou a notícia é verdadeira ou ela é falsa. Jornalista ou veículo de comunicação reconhecidamente sério pede desculpas e se corrige quando publica uma notícia errada. Os não sérios, mesmo que apenas tenham errado sem nada inventar, não a corrige.

Uma coisa é o erro, imediatamente admitido e acompanhado de um pedido de desculpas. Outra coisa é a invenção de um fato que nunca aconteceu. Há que se distinguir entre fato e opinião. Eu posso ter uma opinião diametralmente oposta à sua sobre um fato, e ambos temos o legítimo direito de expressá-la. Mas fato é fato.

Se eu invento, cometo um crime. Se eu apenas comento um fato de um jeito e você de outro, não há crime nisso. Ninguém é obrigado a pensar da mesma maneira. Eu posso achar que as autoridades públicas do Rio Grande do Sul são responsáveis, em grande parte, pela tragédia que já matou mais de 100 pessoas; e você acha que elas são inocentes.


Mas você, assim como eu, não podemos dizer que o governo gaúcho ou federal, por exemplo, impediu que caminhões com ajuda humanitária chegassem mais rapidamente ao interior do Rio Grande do Sul porque cobrava notas fiscais das mercadorias que eles transportavam ou queria pesá-los antes. Isso é uma grossa mentira.

Mentira que ganha um peso maior quando levianamente, ou de caso pensado, é encampada por líderes políticos. O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, bolsonarista de raiz, publicou um vídeo em que afirma que caminhões de suprimentos advindos do seu estado com destino ao Rio Grande do Sul foram barrados e multados.

Mello classificou o episódio de “vergonhoso”. A falsa informação, porém, já havia sido desmentida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e por órgãos do governo gaúcho. O que não impediu que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) a repetissem.

A obsessão pela mentira não é exclusividade de bolsonaristas, mas é uma marca característica deles e do seu guia. Mentiram sobre o Covid, o tratamento precoce e as vacinas. Mentiram sobre as urnas eletrônicas e o processo de apuração de votos. Mentiram sobre o golpe de Estado que fracassou. E agora mentem sobre a crise climática.

Socorro-me do escritor Affonso Romano de Sant’Anna, autor do poema “A implosão da mentira”. Segue um trecho:

Mentiram-me.
Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem sobretudo impunemente.
Não mentem tristes,
alegremente mentem.
Mentem tão nacionalmente
que acho que mentindo história a fora
vão enganar a morte eternamente.

Mentem partidariamente,
mentem incrivelmente,
mentem tropicalmente,
mentem hereditariamente,
mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente
constroem um país de mentiras diariamente.

Importância de política de resiliência climática e adaptação com participação popular

Ao longo dos últimos anos tem se intensificado os eventos extremos no País relacionados à mudança do clima — secas prolongadas, ondas de calor e chuvas extremas que passam a ser recorrentes em diferentes regiões. Entre 2013 e 2022, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 4 milhões de pessoas no Brasil foram afetadas diretamente por eventos relacionados às mudanças climáticas em mais de 90% dos municípios brasileiros, e o número de vítimas fatais tem aumentado a cada ano. Faltam investimentos e uma política robusta de adaptação.

Atualmente, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMAMC), 1.038 municípios são mais vulneráveis, e o órgão estuda formas de intensificar ações emergenciais e estruturantes, que passam, por exemplo, pela decretação de emergência para facilitar obras. Ao mesmo tempo, o MMAMC tem se debruçado sob o Plano Clima (2024-2035), que tem como objetivo principal “aumentar a resiliência do país”, articulando 15 planos setoriais e integrando políticas federais e a agenda do clima. Mas o desafio não é pequeno e tem inúmeros obstáculos, como garantia de orçamento, integração entre estados e municípios e participação.

O fato é que quanto mais tempo demoramos, mais vidas podemos perder.


Em grandes metrópoles como São Paulo, considerada a área mais suscetível às mudanças climáticas na América Latina, além do número alto de pessoas em áreas de risco, há menos investimentos do Estado nessas mesmas regiões e menos acesso a água encanada, tratamento de esgoto, estruturas para manejo de águas de chuva. Ou seja, racismo ambiental que potencializa não só as chuvas extremas, mas seus efeitos, como as enchentes.

De acordo a Defesa Civil, 750 mil casas estão localizadas em áreas de risco para deslizamento ou desabamento na região metropolitana de São Paulo, resultado direto da falta sistemática de uma política de moradia.

Em Manaus (AM), maior metrópole da Amazônia, o mesmo se repete. Somente a capital tem mais de 600 áreas de risco. Em 2023, durante as chuvas de março, nove casas foram engolidas pelo deslizamento no bairro Jorge Teixeira, zona leste da capital, matando oito pessoas. A ocupação existe há cerca de cinco anos, em área de risco, conhecida pelo poder público. Parte das famílias retornou para as casas após as chuvas, e convive com o risco por não ter condições econômicas de morar de aluguel ou comprar um imóvel em outro local. Essa é a realidade da maioria dos brasileiros que vivem nas áreas de risco pelo país.

Como se não bastasse, o número de ocupações em torno de rios e córregos urbanos tem aumentado 102% em pouco mais de três décadas. Segundo o Mapbiomas, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus e Curitiba concentram a maior parte do problema. Isso mostra que há um descompasso entre as políticas de adaptação e o planejamento da ocupação nos municípios, o que pode fazer com que o número de mortos em virtudes de enxurradas e enchentes, como no Vale do Taquari (RS) em novembro, se torne uma tendência.

Nos últimos dez anos, o país teve mais de R$500 bilhões de prejuízos calculados referentes a desastres provocados por secas e chuvas. De acordo com um estudo da ONU, a cada U$1 em prevenção, se economizava U$7 em recuperação. Ou seja, com a frequência e intensidade desses fenômenos aumentando, investir em estrutura de prevenção e adaptação poderia não só diminuir gastos a longo prazo, como também melhorar a qualidade de vida e risco que correm milhares de famílias.

Prevenir com ampla participação popular de moradores de áreas de risco e suscetíveis poderia ser outro diferencial de uma política robusta de adaptação. Hoje, o Estado tem uma ampla estrutura de monitoramento do Clima, a partir do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e de monitoramento de riscos com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mas na ponta, as ações de comunicação e educação ainda ficam a cargo das defesas civis estaduais e municipais, que continuam com pouca estrutura, formação e capacidade de atuação.

Na prática, essa situação faz com que, em muitos casos, conforme ocorreu em São Sebastião, no último 27 de janeiro, mesmo com as sirenes acionadas diante de uma chuva de mais de 100 mm, quase ninguém apareça nos pontos de apoio, ou que a comunicação se dê com mensagens vagas e gerais, como “fique em casa”, o que pode ser a pior situação em caso de áreas próximas a córregos e rios.

O Brasil tem uma oportunidade única — um país continental, desigual, em crescimento, com quase 9 milhões de pessoas em áreas de risco (o equivalente a uma Áustria) —, fazer uma política de resiliência climática e adaptação com participação, transformando as cidades brasileiras para um novo tempo.

Brasil, onde tudo melhora e ninguém parece feliz

O Brasil, gigante da América do Sul, vive um estranho paradoxo: desde que Lula chegou ao poder, todos os índices melhoraram, do econômico até o reconhecimento do peso do país no exterior. No entanto, todos parecem insatisfeitos ou desconfortáveis: ricos e pobres, trabalhadores e intelectuais, direita e esquerda. E Lula perde popularidade.

Há quem diga ironicamente que o país precisaria passar por um período de psicanálise para compreender o paradoxo que o angustia. E o primeiro que estranha, sem ocultar, é o próprio Lula, que chegou pela terceira vez ao poder, e esta com a árdua missão de libertar o país do peso de uma extrema-direita bolsonarista que o estava enterrando até levá-lo para um novo golpe de Estado.

O governo é inundado de razões que poderiam explicar essa agitação social quando deveria estar a celebrar uma espécie de ressurreição nacional. E Lula é o primeiro, e com razão, a se sentir desconcertado. Ele não entende que, apesar de desta vez ter criado um governo de centro-esquerda e ter se acertado no Congresso até com partidos de Bolsonaro para a aprovação de alguns de seus projetos, ele está de mãos atadas e em conflito com duas categorias que no passado foram seu campo de glória: a classe trabalhadora e a chegada à universidade do grande mundo dos pobres com a criação de bolsas de estudo.


Quanto aos professores das universidades federais que estiveram nos governos de esquerda anteriores, Lula, incrédulo, encontra hoje manchetes em jornais nacionais como: A greve dos professores já atinge 38 universidades. Todo mundo pede aumento salarial. O descontentamento geral está a alastrar-se, o que continua a preocupar o governo.

E não há menos descontentamento na classe do trabalho manual, a das fábricas, onde Lula cresceu ainda jovem e se tornou líder indiscutível dos movimentos sindicais que acabaram sendo uma categoria privilegiada. Hoje, o mítico sindicalista sem instrução que criou talvez o maior movimento sindical do mundo ocidental, parece desorientado quando percebe que aqueles milhões de trabalhadores que depositaram todas as suas esperanças nele já não parecem apoiar as suas antigas estratégias.

O último exemplo foi o 1º de maio passado, data mítica em que a esquerda, em bloco, reunia todos os anos em torno de Lula uma gigantesca manifestação de trabalhadores. Este ano, o primeiro surpreendido com a baixa participação dos trabalhadores em São Paulo foi Lula, que atribuiu isso ao fato de o evento “ter sido mal organizado”.

A extrema direita aproveitou-se imediatamente do fato de Bolsonaro, apesar de estar fora do jogo político e proibido de participar de eleições por oito anos, ter acabado de reunir uma multidão inesperada em São Paulo. As redes sociais de Bolsonaro foram atrivadas para anunciar que “um boneco de Bolsonaro leva mais gente às ruas do que Lula”.

Levará mais tempo para compreender esta antinomia do Brasil que, por um lado, melhora em todos os índices de desenvolvimento e prestígio internacional, e permanece preso no descontentamento e no desânimo que vai das fábricas às universidades. No momento, as primeiras explicações oferecidas por analistas políticos e os gurus da psicologia social dizem que a esquerda tradicional, que fundamentalmente apoia Lula no seu terceiro mandato, ainda não assimilou as novas tecnologias que estão revolucionando o mundo do trabalho.

Se ontem ter contrato permanente numa fábrica, com todos os direitos sociais e sindicais, era um privilégio, hoje isso está a mudar. Hoje, os jovens do trabalho manual e os próprios intelectuais nas universidades procuram outros caminhos. Estão menos interessados em empregos permanentes que consideram um espartilho, e procuram formas mais flexíveis, mais alinhadas com as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias. Eles não querem mais ser empregados, embora privilegiados, mas sim protagonistas do seu próprio trabalho.

Um dos exemplos mais marcantes que surpreendem Lula neste campo de trabalho é que as novas categorias de empregos, dos milhões de trabalhadores de entregas ao domicílio, resistem a entrar nos caminhos das antigas empresas sindicalizadas. Querem novos tipos de organização, novos métodos de segurança social, numa palavra: preferem ser livres embora inseguros e sentem-se donos de novos tipos de organização do trabalho.

Não é fácil para Lula, líder indiscutível das grandes greves metalúrgicas do passado, compreender esta mudança copernicana que atravessa o mundo do trabalho na era das novas tecnologias. Para Lula, a quem nunca faltou sentido político e triunfou nos dois governos anteriores, alguém terá que lhe explicar que o mundo mudou em pouco tempo, que o Brasil está ligado, para o bem e para o mal, ao mundo da novas tecnologias, e que isto, seguramente, não tem caminho de volta.

Hoje um presidente não pode orgulhar-se de não ter celular e ter que usar o da mulher, nem continuar a acreditar que as redes podem continuar a atrair, como no passado, para as suas inflamadas manifestações, os mais pobres ou os operários. Tudo isto ignora o facto de que neste mundo digital, por vezes uma simples ironia, seja ela inteligente ou grosseira, como a ideia de que um boneco de Bolsonaro leva mais gente às ruas do que o mítico ex-líder sindical, poder ser triste e até embaraçosa.

Em tempos de inteligência artificial intrigante, o perigo de ficar preso aos velhos clichês políticos e sociais, que outrora foram uma vitória para a classe trabalhadora, é real e provavelmente imparável. O que resta ao Brasil e àqueles que não desistem de querer entender que o mundo está em trabalho de parto, ainda sem conseguir digerir que o ontem já se foi, é apostar sem medo na novidade. Não esqueçamos que, graças a estes novos horizontes que começam a ser vislumbrados, os jovens desiludidos pelos velhos políticos poderão produzir novas colheitas de esperança.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Pensamento do Dia


 

Vida longa para os que fecham os olhos à destruição do meio ambiente

Pela maioria de suas vozes, independente de partidos e de tendências políticas, o Congresso mais conservador e de direita que já tivemos desde o fim da ditadura militar de 64 se diz horrorizado com a tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul, e disposto a aprovar todas as medidas que a suavizem e permita a reparação dos estragos.

O mesmo Congresso, porém, por uma das suas casas, o Senado, está para votar um projeto que defende a redução da reserva legal da Amazônia. Por reserva legal, entenda-se o percentual da propriedade que deve ser protegida e preservada. O percentual é de 80%, segundo lei aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso.

No começo do governo de Jair Bolsonaro, o de triste memória, o senador Márcio Bittar (União-SC) propôs acabar com a reserva legal em todos os biomas. Isto é: pôr abaixo as florestas no Brasil. Apoiada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a proposta, de tão bizarra, não foi adiante. Mas “Bittar Motosserra” não desistiu dela.

Ele agora é relator e deu parecer favorável a um projeto que estipula: no município onde tiver 50% de área pública preservada, a reserva legal poderá ser reduzida à metade. Sim, foi isso o que você leu. Significa que o proprietário de terras poderá desmatar mais do que desmata hoje. Que lhe parece? Está de acordo? Se não estiver, faça barulho.

Há dois anos, as chuvas mataram 242 pessoas em Petrópolis, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, 64 perderam a vida em São Sebastião, em São Paulo. Entre final de 2023 e início de 2024, chuvas no Rio Grande do Sul mataram 110 pessoas, mais do que o total registrado em desastres naturais nas três décadas anteriores.

No dia 25 de abril último, os leitores do Correio do Povo, o mais antigo jornal do Rio Grande do Sul, foram alertados de que algo importante estava à sua disposição on-line. O título da notícia dizia:

“Cenário de perigo: RS terá chuva excessiva semelhante aos extremos de 2023, aponta MetSul.”

E a linha de apoio ao título completava:

“Episódio de instabilidade deve ocorrer entre final de abril e começo de maio.”

Ocorreu, e ainda está longe de terminar. Afeta 401 dos 497 municípios do Estado. Está confirmada a morte de 95 pessoas e o número de desaparecidos ultrapassou a casa dos 130. Há quase 160 mil desalojadas, e 40 mil em abrigos. Porto Alegre é uma cidade isolada por ar e terra. É a maior catástrofe da história do Estado.

O nível do Guaíba, na região do Cais Mauá, em Porto Alegre, alcançava 5m23cm no meio da tarde de ontem. Só deve baixar para os quatro metros na próxima terça-feira (14). Acontece que as previsões indicam mais chuvas no fim de semana, e o nível do Guaíba poderá subir se elas forem intensas.

O governador Eduardo Leite (PSDB) disse, e políticos seus aliados repetem, que não é a hora de apontar responsáveis ou discutir as causas das inundações; é hora de socorrer as vítimas. É uma fala de quem se sente culpado, mas não somente ele. A Prefeitura de Porto Alegre não gastou 1 real na prevenção de enchentes no ano passado.

Dados da Agência Espacial Europeia registram que abril de 2024 teve as temperaturas mais elevadas para esse mês já registradas na série histórica. A média global foi de 15,03°C no período, ficando 0,14°C acima do máximo anterior, de 2016. No mês passado, os termômetros ficaram 0,67°C além da média para abril entre 1991 e 2020.

Feito com base em análises geradas por computador a partir de bilhões de medições de satélites, aeronaves, embarcações e estações meteorológicas, os dados mostram que o planeta segue apresentando uma sequência de novos recordes de calor após 2023, que foi classificado como o ano mais quente da história da humanidade.

Estou muito velho para imaginar que poderei ver o planeta pegar fogo, mas esse é o risco que correm meus netos, e os netos deles com razoável certeza se o mundo não tomar consciência do que o aguarda se nada ou só pouca coisa for feita para evitar o Armagedon. Vida longa para os que se negam acreditar no que está à vista.